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A função social dos contratos:

adequação aos contornos do direito contemporâneo

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo dos contratos - o mais relevante negócio jurídico e meio de circulação de riquezas, junto à propriedade - tem um viés histórico muito relevante, pois, ao compreender o instituto - para isso há a necessidade de revisitar o passado -, percebe-se o longo processo evolutivo de sua aplicabilidade / necessidade no seio social, confundindo-se com a própria evolução da sociedade e, portanto, do Estado.

O contrato evoluiu junto com a necessidade de uma prestação  / intervenção estatal, ou seja, na medida em que o Estado deixou de lado uma atuação negativa, liberal, garantindo com vistas ao bem de poucos inicialmente (burguesia) - como denota a noção primária da propriedade privada -, para imitir-se no sentido social e interferir na esfera privada – o Estado agora limitando com vistas ao bem comum -, inicializou-se um processo de funcionalização de institutos, de forma a coibir que relações privadas, ainda que afrontassem garantias fundamentais, fossem compreendidas como círculos intransponíveis, inserido em toda relação jurídica contratual uma carga de ordem pública.

Esta busca pela funcionalização de institutos, no sentindo de admitir-se uma função social aos mesmos, colaborou para todo um processo teórico, que ao revisitar os princípios basilares, ainda relevantes aos contratos - autonomia da vontade e força obrigatória das convenções, para ficar nos mais citados pela doutrina -, contribuiu para a percepção de que os efeitos de uma relação contratual não permaneceriam apenas internamente, passando a ser de interesse do coletivo, do social.

Não obstante, a partir daquela concepção, assim como aconteceu com a propriedade, passou-se a admitir uma função social aos contratos, como um limitante, mas não excludente, do direito individual de contratar, ou seja, no liame da liberdade de contratar, ou mesmo, como discutido no presente texto, da liberdade contratual, formas de expressão diretas da autonomia da vontade que não se perderam, mas ganharam contornos sociais, limites necessários, aos quais tecnicamente denominou-se clausula geral da função social, auferidos caso a caso e trazendo como consequências possíveis revisões contratuais, em ultima ratio anulações, dentre outros meios de manter equilibradas as relações jurídicas oriundas de contratos.

Não há momento melhor para compreender a função social dos contratos e sua importância quanto o contemporâneo, momento onde vigoram os contratos de massa, contratos-tipo, ágeis ou de mera adesão, quando a sociedade da informação não mais dispensa tempo para discutir os termos da avença e apenas os assinam, pleiteando serviços pactuados para o menor prazo possível, ou mesmo, na era da informatização e rede mundial de computadores, com meros cliques com o "mouse", aceitam e submetem-se a termos de adesão sem conhecer seus conteúdos. Outrora, na época do absolutismo contratual, da "lei entre as partes", esses contraentes estariam completamente subordinados aos termos, sem possibilidade de rediscuti-los ou alegar falta de informação e cláusulas abusivas, não haveria possibilidade de revisão contratual, reequilíbrio do contrato, o reconhecimento como não escritas cláusulas restritivas de direito ou mesmo anulação de toda avença.

Portanto, indiscutível é a importância da função social dos contratos, na medida máxima da persecução do bem comum, ensejando a necessidade de uma melhor compreensão sobre a mesma, o que justifica a elaboração do presente estudo, que, longe da simplificação do Direito, busca ampliar a discussão acadêmica, epistêmica, com vistas ao enriquecimento doutrinário e a ampliação do conhecimento, especialmente desejável além das fronteiras acadêmicas.


REFERÊNCIA

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Notas

[1]Importante ler: STRECK, Lenio. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

[2] Ao lado do contractum, estruturou o Direito Romano outra figura que foi o pactum. Este, porém, não permitia a rem persequendi in iudicio, não conferia às partes uma ação, mas gerava tão somente exceptiones, e, portanto, não era dotado de força cogente: “Igitur nuda pactio obligationem non parit sed parit exceptionem.” Contrato e pacto eram compreendidos na expressão genérica conventio. O que os distinguia era a denominação que individuava os contratos (comodato, mútuo, compra e venda), era a exteriorização material da forma (com exceção dos quatro consensuais: compra e venda, locação, mandato e sociedade), e era finalmente a sanção, a actio que os acompanhava; ao passo que os pacta não tinham nome especial, não revestiam forma predeterminada, e não permitiam à parte a invocação de uma ação. Todos, porém, genericamente batizados de conventiones [...], do qual o contrato é uma espécie (PEREIRA, 2011, p.9).

[3]A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes (GONÇALVES, 2011, p.25).

[4]Destacando a função social o que se faz é permitir que o Estado intervenha no exercício do direito de forma a amoldá-lo ao bem comum. Promovendo a circulação de riqueza, o contrato não pode se resumir a conciliar interesses pessoais, porque a utilização que se faça de bens e serviços vai repercutir diretamente na vida social (VIANA, 2008, p.12).

[5]O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Com efeito, distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pelo manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios bilaterais, que decorrem do mútuo consenso, constituem contratos. Contrato é, portanto, como dito, uma espécie de negócio jurídico (GONÇALVES, 2011, p.22).

[6]Caio Mario traz em sua obra uma conceituação mais clássica dos contratos:

Aqui é que se situa a noção estrita de contrato. É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Dizendo-o mais sucintamente, e reportando-nos à noção que demos de negócio jurídico (nº 82, supra, vol. I), podemos definir contrato como o “acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos” (PEREIRA, 2011, p.7).

[7]No decorrer deste estudo será possível compreender o fenômeno da funcionalização dos institutos.

[8]A regra da boa-fé objetiva configura-se como cláusula geral e, portanto, corresponde a uma técnica legislativa que busca garantir a relação entre o direito e a realidade social, possibilitando a existência de um sistema jurídico aberto com constantes adaptações das normas legais às exigências do mundo de relações e da alteração dos seus valores com o tempo. Assim, a cláusula geral fornece um ponto de partida para alcançar resultados justos e adequados (WALD, 2011, p.232).

[9]Deve-se, entretanto, ponderar que a função social do contrato não deve afastar a sua função individual, cabendo conciliar os interesses das partes e da sociedade. Assim, os direitos contratuais, embora exercendo uma função

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Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo Oliveira. A função social dos contratos:: adequação aos contornos do direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3801, 27 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25941. Acesso em: 27 abr. 2024.

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