Resumo: O presente artigo busca situar o exame do direito processual civil à luz da nova óptica constitucional, sobretudo a partir das transformações no campo principiológico decorrente do fenônomo do neoconstitucionalismo, percebendo-se especificamente os princípios constitucionais processuais implícitos que derivam da cláusula geral do devido processo legal e repercutem diretamente na ciência processual.
Palavras-chave: neoprocessualismo; princípios processuais constitucionais; devido processo legal; princípios implícitos: efetividade; adequação; lealdade; cooperação.
Sumário: 1. Introdução – 2. Processo e Direito Material – 3. O Processo à Luz dos Princípios Constitucionais – 3.1. Cláusula Geral do Devido Processo Legal – 4. Princípios Processuais Constitucionais Implícitos – 4.1. Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade – 4.2. Princípio da Efetividade – 4.3. Princípio da Adequação – 4.4. Princípio da Lealdade ou Boa-Fé Processual – 4.5. Princípio da Cooperação – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
As relações de direito material mudaram de forma acentuada nos últimos anos, sobretudo a partir do fenômeno do neoconstitucionalismo. Ora, se o direito material evoluiu, necessariamente o processo, dado o seu caráter instrumental, precisa se transformar junto com aquele para acompanhar tal avanço. Por isso, ante as grandiosas modificações ocorridas na ciência jurídica constitucional advindas da onda neoconstitucional, principalmente a partir da superação do império da lei para o reconhecimento da supremacia e centralidade da Constituição, faz-se necessário, assim, repensar o direito à luz dos princípios e normas constitucionais, porquanto estes, agora, irradiam-se sobre os diferentes ramos de direito e sobre as mais variadas relações jurídicas, atingindo inclusive a órbita privada. Daí decorre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, visualizada no seu prisma material, tão consagrado nos dias atuais, impactando de forma considerável a ciência processual.
Falamos, então, na chamada constitucionalização do direito, que á a consagração de normas de outros ramos do direito dentro da própria Constituição. E com o direito processual não é diferente. Pelo atual movimento do constitucionalismo contemporâneo decorre que a interpretação das normas de quaisquer dos ramos do direito, neste incluso o direito processual, deve ser feita à luz da Constituição. Logo, para se interpretar e aplicar uma norma processual, o primeiro passo é verificar sua compatibilidade constitucional (filtragem constitucional). Temos, pois, que toda interpretação jurídica é uma análise, primeiramente, constitucional. Nesse contexto, se percebe a necessidade de visualizar atualmente o direito processual a partir de uma perspectiva constitucional. É o que nos propomos neste trabalho, sobretudo na esfera dos princípios processuais constitucionais implícitos.
2. PROCESSO E DIREITO MATERIAL
O surgimento do direito processual decorre da necessidade de garantir a realização do direito material. A finalidade do processo, então, é concretizar, tornar efetiva a regra de direito material. Por isso se diz que o processo é instrumento, serve ao direito material. Assim, embora a relação jurídica em ambos os casos (direito material e direito processual) seja autônoma, elas guardam ligação entre si. Logo, o processo deve ser estudado conjuntamente com o direito material, porque a relação jurídica processual existe justamente para viabilizar o direito da relação jurídica material. No plano jurisdicional, o processo deve se moldar ao direito material, porque nasce em função deste. Se não existisse direito material, também inexistiria processo. O direito material afirmado em juízo é que dá sentido à relação jurídica processual. Isso significa, então, que o processo deve ser pensado e aplicado de acordo com as necessidades do direito material.
Essa compreensão do processo a partir das necessidades do direito material é o que se chama de princípio da instrumentalidade processual. Hoe, há uma crescente tendência de aproximação entre direito processual e direito material, porque os institutos processuais devem ser desenvolvidos para a solução do pano de fundo material. De nada adianta aos litigantes garantir a regularidade do processo se este não será apto a atender ao direito material de fundo. Daí porque, atualmente, o processo necessariamente se insere na perspectiva da efetividade. Ou seja, a efetividade está diretamente associada à estreita ligação que hoje se coloca entre direito processual e direito material. Se o processo não produzir resultado útil na vida dos litigantes, não terá atingido o seu fim. Por isso, não se admite mais o processo apenas como instrumento formal de acesso ao judiciário. Mais que isso, deve se prestar à efetiva obtenção material do bem da vida. Assim, o processo é instrumental (porque serve ao direito material) e efetivo (porque viabiliza concretamente o bem da vida).
Isso não significa que o processo, por ser um instrumento de realização de direito material estará em posição subordinada. Dizer que o processo é instrumento do direito material não significa minimizar a importância do direito processual. A relação entre as duas ciências não é hierárquica. Ser o processo um instrumento não significa situar-se em plano subalterno. O processo é relação jurídica autônoma, possui uma função específica, que é a de realizar o direito material. Há entre o processo e o direito material uma relação de complementaridade. É por essa razão que, atualmente, não mais se concebe abismos entre direito material e processual. O processo serve ao direito material e o direito material serve ao processo. É, na verdade, uma relação de mutualismo, Um não vive sem o outro, embora autônomos entre si. Se, por um lado, o processo só existe porque há antes um direito material, por outro lado, o direito material só é obtido se houver um processo. É o direito material que dá ao processo a sua a razão de ser, enquanto o processo serve ao direito material concretizando-o.
Daí resulta o que a doutrina processualista moderna vem chamando de “Teoria Circular dos Planos Material e Processual”. Trata-se da teoria que demonstra a relação de complementaridade entre o direito material e o direito processual. Um complementa o outro, a relação entre eles é circular, não é hierárquica. Significa dizer que o processo serve ao direito material ao tempo em que é servido por ele. O direito material idealiza, positiva os bens da vida, projeta um tipo de sociedade. O direito processual põe isso em prática, concretiza o projeto, executa a idealização. Não há, entre direito material e processual, hierarquia ou relação de importância, ambos se complementam. No plano processual, de que vale ter o direito se não tem como execê-lo? No plano material, de que vale ter o instrumento se não há o direito? Daí percebemos a complementariedade (circularidade) entre direito material e processual, disso resulta a teoria circular dos planos material e processual. Por isso é que hoje não se pode mais pensar em processo sem aproximar direito processual e direito material.
É importante essa observação inicial porque percebemos que as relações de direito material se transformaram de forma acentuada, sobretudo nas últimas décadas, a partir da consagração do fenômeno do neoconstitucionalismo. Direito mateiral se aproxima do direito processual e ambos, agora muito mais do que antes, partem de uma premissa constitucional. Desse modo, observando a evolução do direito material e, ainda, levando em consideração que o direito processual é instrumental àquele, daí resulta que, se o direito material avança, também o processo precisa se remodular. Dentro desse contexto, percebe-se a atual concepção do processo envolto em uma abordagem constitucional. De fato, hoje, seja pela maior proximidade entre direito processual e material (teoria circular dos planos material e processual), seja pelo reconhecimento da supremacia e centralidade constitucional (constitucionalização do direito), não se concebe mais direito processual sem necessariamente inserí-lo dentro de uma compreensão constitucional.
3. O PROCESSO À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Analisando historiscamente a evolução da doutrina processual, podemos verificar que a ciência do processo evoluiu na sequência das seguintes fases: (a) Sincretismo: o processo não era uma ciência autônoma, havia uma confusão entre direito material e processo. Nessa fase, estudavam-se apenas as práticas de um processo, não havia uma ciência processual com sistematização adequada; (b) Processualismo: momento de afirmação da ciência do processo, percebendo-se uma autonomia em relação ao direito material. Nessa fase, passam-se a serem analisados fenômenos puramente processuais, havendo uma separação do direito material por meio do surgimento de institutos processuais próprios; (c) Instrumentalismo: busca equilibrar a ciência processual para entender que, embora autônomos, processo e direito material devem caminhar juntos. Nessa fase, busca-se uma reaproximação entre ambos, passando a pensar o processo a partir do direito material (teoria circular dos planos material e processual); (d) Neoprocessualismo: hoje, já se fala em uma quarta fase da ciência processual, que seria uma reestruturação da ciência do processo de acordo com as transformações da ciência jurídica contemporânea, sobretudo constitucional. É, em suma, o neoconstitucionalismo aplicado à ciência do processo (constitucionalização do direito).
Nesse sentido, percebe-se claramente que, atualmente, é fundamental a relação entre direito processual e Constituição, daí porque se faz necessário analisar o processo à luz da Constituição. A necessidade da análise processual a partir do fenômeno do neoconstitucionalismo decorre do fato deste ter efetivamente transformado a ciência jurídica moderna. Dentre alguns dos institutos que repercutiram diretamente no direito processual, citamos: reconhecimento da eficácia normativa dos princípios; ampliação das técnicas de interpretação jurídica; supremacia constitucional e jurisdição constitucional; ativismo do judiciário na efetivação dos direitos; ponderação principiológica de interesses em caso de conflitos normativos; existência de decisões judiciais com força vinculativa e o atual reconhecimento da jurisprudência como norma jurídica; previsão de cláusulas processuais gerais conferindo maior flexibilidade ao sistema; preocupação com a efetividade material do processo; relevância da ética e boa-fé processual, dentre outros. Ressalte-se que parcela renomada da doutrina brasileira tem denominado esta fase neoprocessual de formalismo-valorativo, justamente porque é uma transformação do antigo processualismo dissociado do direito material (formalismo), para agora incorporar à ciência do processo os novos conceitos extraídos a partir do neoconsitucionalismo (valorativo).
Por tudo isso, é inimaginável estudar processo, hoje, sem o amparo constituicional. As transformações advindas do movimento constitucional contemporâneo acarretaram a chamada constitucionalização do direito, o que implicou na inclusão de normas processuais dentro do texto constitucional, razão pela qual se tem a imprescindibilidade da análise do processo à luz da Constituição. De fato, a Carta Magna brasileira de 1988 incorporou as bases do direito processual dentro de si, trazendo uma série de normas processuais, não apenas aquelas que se aplicam de forma imediata, como por exemplo as que determinam as regras de competência, mas também normas constitucionais processuais que influenciam diretamente na produção legislativa infraconstitucional, além, também, de todos os princípios processuais constitucionais inseridos no corpo constitucional. Hoje, então, boa parte das normas processuais podem ser retiradas de dentro do próprio texto constitucional. Por isso, o direito processual civil, antes de tudo, se pauta nos princípios processuais constitucionais. Fala-se, então, no chamado direito processual constitucional.
Nesse enfoque, ganha importância extrema para o processo a análise dos princípios constitucionais processuais. Aliás, atualmente, a partir do reconhecimento da eficácia normativa dos princípios, tivemos uma reformulação na teoria das fontes do direito. Hoje, é indiscutível que o princípio é espécie de norma jurídica (norma-princípio), ganhando relevância ímpar no estudo da matéria, não podendo mais serem entendidos como métodos de integração. Tratam-se, a rigor, de normas jurídicas. É o que chamamos de eficácia normativa das princípios, advinda da teoria do princípio como norma, a partir da visão pós-positivista do neoconstitucionalismo. Desse modo, os princípios processuais retirados do texto constitucional, de forma explícita ou implícita, passam a ter aplicação obrigatória e vinculante para todo e qualquer ramo do direito, irradiando-se pelo ordenamento jurídico e, inclusive, ingressando no processo civil, objeto do nosso estudo.
No que diz respeito aos princípios processuais constitucionais explícitos, estes não serão analisados no presente trabalho. Dentre eles, citamos: Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional (art. 5°, XXXV, CF/88); Princípio do Juiz Natural (art. 5°, XXXVII e LIII, CF/88); Princípio da Publicidade (art. 5°, LX): Princípio da Tempestividade ou Duração Razoável do Processo (art. 5°, LXXVIII), dentre outros. Considerando que já se tratam de princípios absolutamente consagrados no sistema jurídico processual, estes e muitos outros, a tal ponto de estarem positivados no ordenamento constitucional, inclusive com assento constitucional, não fará parte de nosso enfoque. O objetivo é analisar os princípios processuais constitucionais que, embora não aparecendo no texto constitucional, hoje vinculam a aplicação da ciência jurídica processual. Isso ocorre porque, com o reconhecimento da eficácia normativa dos princípios, agora estes perfazem o direito positivo com valor de norma jurídica, ainda que não estejam taxativamente expressos. Os princípios implícitos, vale dizer, gozam de mesma estatura constitucional que os princípios explícitos, apenas não possuem texto de lei. É sobre estes que focaremos a nossa abordagem: os princípios processuais constitucionais implícitos. Alguns deles, aliás, por já estarem tão presentes na sistemática processial moderna, foram contemplados pelo projeto do novo Código de Processo Civil em atual tramitação, como veremos adiante.
3.1. Cláusula Geral do Devido Processo Legal:
Antes de ingressar propriamente nos princípios processuais constitucionais implícitos, é preciso observar de onde eles procedem. Ora, se os princípios implícitos não estão reduzidos a texto na Constituição, como poderão vincular a ciência processual? De fato, necessariamente deverão ser extraídos de algum dispositivo constitucional, porque embora não possuam literalidade de lei expressa, estão embutidos em cláusula constitucional, presentes no ordenamento jurídico de forma implícita. E o dispositivo consittucional de onde emanam os princípios constitucionais processuais implícitos refere-se ao princípio do devido processo legal, presente no art. 5°, LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. É desta cláusula geral que se irradiam os princípios processuais constitucionais implícitos. O Supremo Tribunal Federal tem utilizado também a expressão denominada “fair trial” (julgamento justo, limpo) para referir-se ao princípio do devido processo legal. Hoje em dia, está mais do que consagrada a aplicação do devido processo legal, seja nas relações de direito público, seja no âmbito das relações privadas, sobretudo a partir da doutrina da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A expressão “due process of law” (devido processo legal) tem origem na Idade Média como uma garantia contra a tirania do poder monárquico. Até então, a ideia que se tinha era a de que o imperador não se submetia ao direito. O poder era centralizado e não havia a soberania popular. O devido processo legal nasce justamente nesse contexto de limitação do poder estatal e garantia dos direitos individuais. Assim, surge o princípio do devido processo legal, norma que impõe o exercício adequado e justo do poder. Vale ressaltar que a palavra “law”, da expressão “due process of law”, não significa propriamente lei, como alguns equivocadamente costumam pensar. O entendimento perfeito do termo “law” remonta à ideia de processo em conformidade com o direito, que é mais do que a lei. Por isso, a expressão devido processo “legal” há de ser vista com essa ponderação. O termo “legal” não se limita à regularidade da lei, mais envolve todo o direito. O correto, então, seria mencionar devido processo de direito. Alguns doutrinadores, inclusive, falam em devido processo constitucional, justamente para retirar o foco da lei, defendendo que melhor seria vincular à Constituição, que hoje ocupa posição suprema no ordenamento. De toda sorte, devido processo constitucional, legal, ou de direito, são expressões que servem para designar o mesmo princípio.
A ideia geral do princípio do devido processo legal remete-nos à noção de justiça. Ao termo “devido”, da expressão devido processo legal, subtende-se aquilo que é justo. Processo, então, como meio para se alcançar a justiça, o que se faz evitando arbitrariedades, por meio de de um processo correto, onde se asseguram as garantias processuais, de modo alcançar aquilo que é justo (justiça). Mas o que vem a ser “devido” em uma marcha processual? Melhor dizendo, o que é necessário um processo ter para ser “justo”? Diante da indeterminação da expressão, temos, entâo, uma cláusula geral, conceito aberto, para indicar o que vem a ser um devido processo legal. Na verdade, ideia de processo devido (justo) deve ser compreendida por construção histórica, variando no espaço e no tempo. E conforme foi ocorrendo a evolução processual, gerou-se um acúmulo do que se pode chamar conteúdo mínimo do devido processo legal. Ou seja, para que tenhamos um devido processo legal é preciso que se garanta, pelo menos, ampla defesa, contraditório, juiz natural, isonomia, publicidade, motivação, tempestividade, dentre outras garantias processuais. Isto é, o conjunto de princípios que asseguram as garantias processuais e que foram sendo conquistados ao longo dos tempos, vão, em conjunto, formando a ideia de processo justo que, em última análise, corresponde à cláusula geral do devido processo legal.
Cada um desses princípios processuias que decorrem de conquistas históricas para limitar o poder estatal servem como adjetivo de um processo devido (justo). Ou seja, processo devido tem que ser tempestivo, mas também tem dar publicidade, e ainda, as decisões devem ser motivadas, há de garantir a ampla defesa, e assim por diante. Todas estas garantias processuais foram conquistas obtidas ao longo dos anos e que, atualmente, formam um conjunto maior que denominamos de garantia do devido processo legal. Temos, portanto, um conceito que vai se abrindo, proporcionalmente às conquistas processuais alcançadas. O que era um mínimo necessário ao processo hoje, passa a não mais sê-lo amanhã, se surge uma nova garantia processual. E assim, o conteúdo mínimo do devido processo legal vai se ampliando no tempo e no espaço. A razoável duração do processo (tempestividade), por exemplo, foi conquista recente. E, hoje, não mais se concebe que está respeitando o princípio do devido processo legal uma marcha processual que não observa o lapso temporal para efetivar o direito tutelado.
Percebe-se, então, que o princípio do devido processo legal é uma cláusula geral que dela se irradiam diferentes princípios processuais, os quais foram ganhando autonomia com o passar dos anos e adquiriram texto de lei próprios. De fato, todos aqueles princípios falados atrás (motivação, publicidade, tempestividade, contraditório, etc), tratam-se de garantis que, hoje, colocam-se de forma explícita no texto constitucional. Tamanha foi a conquista que a garantia deixou o mandamento nuclear do devido processo legal e ganhou autonomia própria, capaz de figurar como princípio processual constitucional explícito. Contudo, a cláusula do devido processo legal também se mantém na Constituição. Quer dizer, além de cada garantia processual prevista constitucionalmente de forma explícita (princípios constitucionais processuais explícitos), o princípio do devido processo legal não vai sendo esvaziado. O devido processo legal não se esgotou com as conquistas já expressamente positivadas, mas permanece como norma própria justamente para que outros preceitos sejam dele extraídos, se necessário se fizer, do ponto de vista processual.
Daqui há algum tempo, a sistemática de garantias processuais que temos hoje pode não ser mais suficiente amanhã. Nesse caso, de onde viria essa nova garantia que se faria necessária? Seria extraída da cláusula gerla do devido proceso legal, tudo para alcançar a ideia geral de justiça, daquilo que é justo. É exatemente por isso que os princípios processuais implícitos decorrem do devido processo geral, por ser esta uma cláusula geral aberta do sistema constitucional que garante o surgimento de novas garantias processuais. Obviamente, a medida em que essas garantias processuais vão ganhando importância dentro da atividade jurisdicional, passam a se tornar explícitos e ganham texto próprio, muitas vezes dotados, até mesmo, de status constitucional. Outras vezes, contudo, ainda estão se expandindo, ganhando força, não foram tão percebidos ainda a ponto do legislador constituinte sentir a necessidade de expressamente legitimá-los, nesse caso temos essas garantias de forma implícita, mas compondo igualmente o conteúdo mínimo do devido processo legal. É o caso dos princípios processuais implícitos
Portanto, devido processo legal trata-se de conceito aberto que vai se construindo historicamente em cada tempo e lugar. Sempre que a sociedade perceber que uma determinada exigência é devida no âmbito processual, e ela não estiver explícita, pode-se buscá-la na cláusula geral do devido processo legal. Ou seja, por um lado, o princípio do devido processo legal continua como norma explícita para que possamos buscar outras garantias nele. Por outro lado, é perfeitamente possível já haver garantias no sistema processual que não estejam explicitamente expressas em lei, porquanto o devido processo legal abre esse permissivo. Simplesmente pode não ter havido tempo ou necessidade do legislador expressar essa garantia processual destacada da cláusula geral do devido processo legal. Mas nem por isso ela inexiste. Vai se construindo ao longo do tempo até ganhar expressão própria e assento constitucional autônomo. E mais, deve-se lembrar que não se retrocede em matéria de direitos fundamentais (princípio da vedação ao retrocesso). Assim, o devido processo legal de hoje não pode ser menor que o de amanhã. O núcleo mínimo de garantias só pod ser aumentado, não sendo possível perder o conteúdo que ganhou ao longo dos tempos, caso contrário violaria o princípio da vedação ao processo.
Sendo assim, todos os princípios constitucionais do processo que servem para construir um processo justo em conformidade com o direito resultam do devido processo legal. Boa parte já tem previsão expressa na Constituição. Nada obstante, temos princípios constitucionais do processo implícitos, que decorrem do devido processo legal, mas que ainda não possuem texto expresso, mas que atualmente são amplamente aplicáveis. É o caso, por exemplo, do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, princípio da efetividade, princípio da adequação, princípio da lealdade ou boa-fé, entre outros, todos corolários do devido processo legal, sendo princípios processuais constitucionais implícitos, que veremos logo adiante. Portanto, o devido processo legal se efetiva por meio de outros princípios e garantias processuais que vão definindo o seu conteúdo, sem esgotá-lo. É, portanto, cláusula abstrata que abarca o conjunto de garantias processuais, explícitas ou implícitas, conquistadas historicamente, para evitar arbitrariedades e alcançar a justiça por meio de um processo que seja devido (justo, justiça), sendo ainda, mandamento que se projeta para o futuro, do qual podem surgir outros princípios, porque não se esvazia.