Conclusão
Ao longo de mais de dez anos, a legislação brasileira se mostrou bastante conflituosa quanto ao conceito de organização criminosa. Primeiramente, trouxe a expressão mas não a conceituou, criando grande celeuma doutrinária acerca de seu significado, misturando-a com o conceito de quadrilha ou bando. Depois, demonstrou ser um conceito autônomo, só que não o especificou, permanecendo inócuo para os fins penais que pretendia atingir. Logo após, com a ratificação da Convenção de Palermo, pareceu surgir uma luz para sua conceituação, que só foi confirmada finalmente com a Lei nº 12.694/12.
Contudo, com menos de um ano de vigência, surgiu outro conceito na Lei nº 12.850/13, surgindo o conflito discutido neste estudo: qual dos conceitos deve ser aplicado, o da Lei nº 12.694/12 ou da Lei nº 12.850/13? Sobre qual fundamento?
Para tanto, foram apresentadas três diferentes alternativas de solução, sendo que a mais adequada pareceu ser a que defende a revogação tácita do conceito de organização criminosa trazido pela Lei nº 12.694/12 pela regra da lex posterior derogat legi priori. Infelizmente esta alternativa acaba por tornar o Estado brasileiro novamente inadimplente com o compromisso firmado em Palermo, haja vista que no caso de agrupamento de três pessoas e de crime de com pena máxima de quatro anos, a lei brasileira não considera organização criminosa, ao contrário do tratado internacional.
O ideal seria uma revisão legislativa, alterando o conceito de organização criminosa para aquele previsto na Lei nº 12.694/12, pois em conformidade com a Convenção de Palermo. Enquanto isto não ocorre, acredita-se que os intérpretes devem se utilizar do conceito da Lei nº 12.850/13 tanto para efeitos penais quanto para a formação do colegiado de juízes em primeira instância.
Referências
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_______. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 77.771, Quinta Turma. Relatora Ministra Laurita Vaz. Brasília, 06 de junho de 2007. Diário Oficial da União, 22 de setembro de 2008.
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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial, vol. 4. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GOMES, Abel Fernando; PRADO, Geraldo; DOUGLAS, William. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. vol. 1. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
PITOMBO, Antônio Sérgio de Moraes. Lavagem de dinheiro: A tipicidade do crime antecedente. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
Notas
[1] GOMES; PRADO; DOUGLAS, 2000, p. 49.
[2] CAPEZ, 2010, p. 268.
[3] O Projeto de Lei nº 7.223/02 tentou inserir na Lei nº 9.034/95 uma definição de organização criminosa, entendendo pela sua existência quando presentes ao menos três dos seguintes requisitos: hierarquia estrutural, planejamento empresarial, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional das atividades, conexão estrutural ou funcional com o Poder Público ou com agente do Poder Público, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades ilícitas, alto poder de intimidação, alta capacitação para a prática de fraude e conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.
[4] EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA, SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E FALSIFICAÇÃO E USO DE SELOS FALSOS DO IPI. REJEIÇÃO QUANTO AOS TRÊS PRIMEIROS E RECEBIMENTO QUANTO AO ÚLTIMO. I – Quanto às acusações de formação de quadrilha e sonegação fiscal, não trazendo a narrativa formulada pelo Ministério Público os detalhes em torno das condutas supostamente praticadas pela parlamentar denunciada, rejeita-se a denúncia por inépcia nesse aspecto. II – Para os fins da Lei 9.613/98, os crimes praticados por organizações criminosas não podem ser considerados como antecedentes do delito de lavagem de dinheiro antes da edição do Decreto nº 5.015, de 12/3/2004. III – Considerando que a denúncia, quanto à acusação de lavagem, circunscreve os fatos entre 1999 e 2002, fica a denúncia rejeitada nesse ponto. IV – Presentes os indícios de materialidade e autoria no que tange à ao crime de falsificação e uso de selos falsos do IPI (CP, art. 293 e § 1º), a denúncia fica recebida quanto a essa acusação. V - Vencido em parte o relator que recebia a denúncia em maior extensão. (STF, Inq nº 2.786/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 03.06.2011) (grifos nossos)
[5] V.g., CAPEZ, 2010, p. 272.
[6] STJ, AP nº 460/RO, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 25.06.2007; STJ, HC 77.771/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 22.09.2008.
[7] PITOMBO, 2003, p. 116.
[8] TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (STF, HC nº 96.007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 07.12.2013)
[9] Importa ressaltar que, como escapa do foco deste estudo, não se faz qualquer análise acerca da constitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 12.694/12.
[10] Existia corrente, defendida principalmente pelo Ministério Público Federal, que a expressão “organização criminosa” na verdade se tratava de norma penal em branco, assim como a expressão “drogas” na Lei nº 11.343/06. Sendo assim, a Convenção de Palermo seria suficiente para preencher a lacuna da Lei nº 9.613/98, já que a norma penal em branco não precisa ter seu conteúdo definido por lei stricto sensu. Além disso, a Lei nº 9.613/98 não fala de crime de organização criminosa, mas crime praticado por organização criminosa. Seria simplesmente necessária a definição de organização criminosa e não haveria necessidade de existir um crime autônomo. Tal corrente, contudo, não é a que prevaleceu.
[11] JESUS, 2005, p 94. Também são favoráveis Basileu Garcia, José Frederico Marques e Magalhães Noronha.
[12] Neste sentido Nelson Hungria e Aníbal Bruno.
[13] A título exemplificativo, o Superior Tribunal de Justiça possui a súmula nº 501 que veda expressamente a combinação das Leis nº 6.368/76 e 11.343/06.
[14] Lembrando que, conforme o artigo 10 da Lei de Contravenções Penais, a pena de prisão pode chegar a até cinco anos e nada impede que seja criada nova legislação com contravenção com pena superior a quatro anos.