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A judicialização dos concursos para procuradores de Estado

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22/01/2014 às 12:42
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4 O POSICIONAMENTO JUDICIAL

O Poder Judiciário é cada vez mais provocado a decidir sobre demandas oriundas da realização de concursos públicos. Dessa forma, nota-se que diversos posicionamentos foram construídos nos últimos anos, notadamente diante da escassa legislação sobre o tema.

Inicialmente, surge a necessidade de definir a competência para as demandas acerca de concursos. Ademais, os interessados dispõem de diferentes ações como a ação ordinária e o mandado de segurança, nas quais o Judiciário se manifesta em diferentes momentos processuais, como em liminares e em decisões definitivas.

4. 1 COMPETÊNCIA

 A competência pode ser definida como uma parcela da jurisdição, na qual, previamente, um magistrado é investido para atender as demandas relativas a determinado tema. Por sua vez, jurisdição é função de julgar atribuída ao Estado no exercício de suas reponsabilidades de Estado-Juiz.

A processualista Ada Pellegrini Grinover, muito bem, define competência.

Como são inúmeros os processos que podem ser instaurados em decorrência dos conflitos interindividuais que surgem em um país e múltiplos também os órgãos jurisdicionais, é facilmente compreensível a necessidade de distribuir esses processos entre esses órgãos. A jurisdição como expressão do poder estatal é uma só, não comportando divisões ou fragmentações: cada juiz, cada tribunal, é plenamente investido dela. Mas o exercício da jurisdição é distribuído, pela Constituição e pela lei ordinária, entre os muitos órgãos jurisdicionais; cada qual a exercerá dentro de determinados limites (ou seja, com referência a determinado grupo de litígios).

Chama-se competência a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos – Liebman – (GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2010. p. 251).

Assim como a Renomada Processualista, Humberto Theodoro Júnior, sabiamente, também conceitua competência.

A composição coativa dos litígios é função privativa do Estado moderno.

Do monopólio da justiça enfeixado nas mãos do Estado decorre a jurisdição como um poder-dever de prestar a tutela jurisdicional a todo cidadão que tenha uma pretensão resistida por outrem, inclusive por parte de algum agente do próprio Poder Público.

A jurisdição, que integra as faculdades da soberania estatal, ao lado do poder de legislar e administrar a coisa pública, vem a ser, na visão de Couture, a função pública, realizada por órgãos competentes do Estado, com as formas requeridas pela lei, em virtude da qual, por ato de juízo, se determina o direito das partes com o objetivo de dirimir conflitos e controvérsias de relevância jurídica, mediante decisões com autoridade de coisa julgada, eventualmente passíveis de execução.

Como função estatal, a jurisdição é, naturalmente, una. Mas seu exercício, na prática, exige o concurso de vários órgãos do Poder Público.

  A competência é justamente o critério de distribuir entre os vários órgãos judiciários as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição (Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 53. Ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2012).

Nas demandas sobre concursos públicos geralmente o polo passivo é composto pela Administração Pública, uma vez que, na maior parte das vezes, é a quem cabe a realização de tais concursos. Por essa razão, as ações desaguam nas Varas de Fazenda Pública, em comarcas maiores, ou em varas cíveis genéricas nas comarcas menores.

Os concursos para Procurador do Estado são realizados pela Administração Pública Estadual, o que provoca a competência da Justiça Estadual por meio de Unidades especializadas em assuntos da Administração Pública, ou seja, as referidas Varas da Fazenda.

As ações de mandado de segurança, por seu turno, podem ter a competência originária em Tribunais de Justiça Estaduais. Isso ocorre, porque em mandado de segurança o polo passivo é composto por uma autoridade coatora, que nos concurso, geralmente, são Secretários de Estado cujo foro remete aos mencionados Tribunais, a exemplo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, consoante o julgado transcrito a seguir.

MANDADO DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. SECRETÁRIO DE ESTADO. 1 - Compete ao tribunal de justiça processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança contra atos dos secretários de governo do distrito federal e dos territórios (L. 11697/08, art. 8º). 2 - Impetrado o mandado de segurança perante juízo incompetente, ao se reconhecer a incompetência, devem os autos ser encaminhados ao juízo competente (CPC, art. 113, § 2º). 3 - Apelação provida (TJ-DF - APL: 939025720088070001 DF 0093902-57.2008.807.0001, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 18/02/2009, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 26/02/2009, DJ-e Pág. 120).

Finalmente, as Ações Civis Públicas têm destino semelhante ao das ações ordinárias, quando se trata da competência, com as peculiaridades de sua abrangência e polo ativo mencionados às fls. 21, no Capítulo 2, item 2.3.

4. 2 CONSERVADORISMO DO JUDICIÁRIO FRENTE AO MÉRITO ADMINISTRATIVO

O Poder Judiciário encontra limites ao analisar demandas que envolvem a Administração Pública, uma vez que esta dispõe de discricionariedade para eleger suas prioridades diante das várias possibilidades de atuação e da independência dos Poderes.

A doutrina majoritária no Brasil direciona-se pela possibilidade do judiciário agir nesse tipo de demanda. Celso Antônio Bandeira de Melo sabiamente relata:

Nada há de surpreendente, então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente a investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 24. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2007, p. 951).

Em excelente análise, a administrativista Fernanda Marinela referiu-se ao tema com grande acerto:

Sendo assim, O Poder Judiciário não só pode, como DEVE realizar o controle dos atos administrativos ilegais. Considerando que o espelho de prova é ato vinculado a partir de sua publicação, não podendo a Administração ignorar a sua aplicação, a inobservância da pontuação para candidato que cumpriu as suas exigências é ato ilegal, viola princípios constitucionais, tais como a legalidade, a isonomia, a impessoalidade, a segurança jurídica e a confiança, além de contrariar a teoria dos motivos determinantes, devendo ser revisto pelo Poder Judiciário (MARINELA DE SOUZA SANTOS, Fernanda, Análise sobre o Controle Judicial das Questões Subjetivas de Concurso Público, Disponível em: <http://marinela.ma/artigos>. Acesso em 2 out. 2012).

Contudo, o que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir a discricionariedade do administrador pelo do juiz, ou seja, interferir naquilo que é peculiar da administração como decidir aplicação de um recurso em uma ou outra área da administração, cujos projetos estão totalmente legais e a despesa prevista em orçamento.

O limite de interferência do judiciário é a linha tênue entre coibir abusos do administrador e respeitar a separação dos poderes, diante da interferência em atos da administração.

Por outro lado, observa-se que, em muitos casos, o Judiciário é demasiadamente conservador, deixando de aplicar no caso concreto posições que se aproximem do ideal de justiça, sob o argumento de que não se pode ultrapassar o limite da discricionariedade da Administração.

4. 3 ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO EM AÇÕES DE RITO ORDINÁRIO

No rito ordinário, as ações sobre concurso são utilizadas quando se necessita de maior apresentação de provas, haja vista ser o rito mais abrangente com todas as fases previstas no Código de Processo Civil. Assim, se em quaisquer das fases do concurso o candidato se sentir prejudicado, pode propor ao Judiciário sua demanda.

Ações sobre concursos são comuns, haja vista a quantidade de concursos realizados no país e a natural insatisfação de quem tem seus objetivos frustrados nas difíceis provas. Nos concursos para Procurador de Estado não poderia ser diferente, conforme os exemplos de ações ajuizadas, citadas no Primeiro Capítulo. Nesse contexto, com objetivo de manter a metodologia aplicada ao presente estudo passa-se a analisar a posição do Judiciário por temas e fases em que são ajuizadas essas ações.

Do Estado do Paraná, tratando-se de ação de rito ordinário, advém exemplo na ação n.º 0002488-69.2011.8.16.0179, ajuizada por Felipe Cesar Michna em desfavor do Estado do Paraná, relativa ao XIV Concurso Público para Ingresso na Carreira de Procurador do Estado do Paraná, sobre a qual os argumentos do Autor e da Defesa foram tratados nos Capítulos anteriores, restando nesse momento a análise da posição judicial.

Como resultado, a ação foi julgada improcedente, sob o argumento de que o Judiciário não poderia adentrar na interpretação do direito solicitado nas questões, por meio da banca examinadora, em razão da falta de verossimilhança das alegações do autor. A seguir, transcrevem-se os fundamentos e o dispositivo da sentença prolatada pelo Juízo da Quinta Vara da Fazenda Pública, Falência e Recuperação Judicial, da Comarca de Curitiba-PR.

Mérito. A parte autora alega a existência de erro grosseiro de fácil percepção nas questões, motivo que impediria a aferição de seu conhecimento no concurso em tela. Entretanto, trata-se na realidade de um viés interpretativo adotado pelo autor, mencionando o que chama de melhor direito, ou apresentando posições doutrinárias e jurisprudenciais que não negam o acerto do gabarito oficial. E quando a parte refere em divergência com a letra da lei, em verdade não é isso, também neste caso houve interpretação. Não cabe a este juízo fazer uma análise de qual vertente interpretativa deve ser empregada nas questões do certame discutidas.

É de se ter em mente que foi oportunizado aos candidatos a apresentação de recursos e houve a anulação de questões e atribuição geral de notas a todos. Foi amplo o direito de manifestar a insatisfação quanto ao gabarito, e o resultado da banca foi motivado exarado de forma a beneficiar a todos indistintamente.

Não há demonstração de erro grosseiro, erro material, nulidade absoluta e intransponível, tal que inquinasse de nulidade as questões indicadas; como dito, o caso envolve precipuamente interpretação do direito. Não se pode deixar de lado o poder discricionário da administração, neste momento por intermédio da banca, ao entender pela correção das provas, que o fez de maneira impessoal e geral.

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Não vejo a possibilidade, no caso em questão frise-se, em alterar o resultado, pensar o contrário seria desvirtuar o edital, regras, atributos e princípios que regem a administração, notadamente discricionariedade e impessoalidade. Percebo que o caso é insatisfação do candidato com o resultado, no entanto, seu interesse subjetivo (seu ponto de vista lógico jurídico) não leva a desconsiderar a atribuição de poder da banca, cujos atos neste momento avaliados, não são inquinados de vícios a tornar nula a decisão.

3. Em vista do exposto, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), o q que faço com fulcro no art. 20, §4º, do CPC, pela complexidade da demanda, número de peças processuais produzidas e demais atos processuais. P.R.I. (Curitiba, 26 de março de 2012. Marcos Vinícius da Rocha Loures Demchuk, Juiz de Direito).

Nesse exemplo, nota-se que a principal razão para o insucesso do Autor foi exatamente o limite do Poder Judiciário em adentrar no mérito da discricionariedade administrativa. Com efeito, houve o entendimento que a elaboração da prova respeitou a legalidade e os princípios da Administração Pública.


4. 4 ATUAÇÃO EM MANDADOS DE SEGURANÇA

O Mandado de Segurança é a ação mais utilizada nas demandas envolvendo concurso público, pois sua natureza mandamental contempla a urgência dos candidatos. Além disso, seu rito especial garante uma tramitação célere, objetivo daqueles que têm pressa e que geralmente querem está na próxima fase do certame.

Assim como nas ações de rito ordinário, o Judiciário ao julgar o mandado de segurança deve está atento à discricionariedade e a separação dos poderes. Ademais, o mandado de segurança presta-se a assegurar direito líquido e certo, cujas provas devem ser apresentadas de plano.

Nesse ínterim, adota-se a apresentação da análise do posicionamento judicial por tema. Assim, investiga-se a resposta do Judiciário nas diversas fases dos concursos, nas quais surgem as demandas.

No que diz respeito aos atos de inscrição, por exemplo, houve o Mandado de Segurança n.º 0017886-17.2009.4.01.3400, mencionado às fls. 7 e 19, no qual a segurança foi deferida. Nessa ação, o Estado do Alagoas, por meio do Centro de Seleção e Eventos-CESPE/UNB, não permitiu a inscrição do Candidato Christian Araujo Alvim no Concurso para Procurador do Estado de Alagoas de 2008. Contudo, o referido candidato obteve sucesso em ter a segurança concedida a seu favor, consoante dispositivo da sentença a seguir transcrito.

Pelo exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, confirmando a liminar, para determinar que a autoridade impetrada efetive a inscrição definitiva do Autor, mantendo-o em sua classificação inicial, conforme aprovação nas provas objetivas e discursivas (Mandado de Segurança, Primeira Vara Federal, Seção Judiciária do Distrito Federal, Sentença proferida em 20/10/2010).

Na fase de realização de prova objetiva, os candidatos ajuízam ações visando à anulação ou mudança de gabaritos da correção da prova. Dessa forma, o Magistrado precisa estabelecer a vinculação das questões às matérias exigidas no edital, bem assim a discricionariedade técnica da Administração e da banca examinadora.

No Mandado de Segurança n.º 2011.054950-6, proposto pelo candidato Leonardo Toscano de Brito, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mencionado às fls. 8 e 20, pleiteava-se nova correção de prova.

Por seu turno, o Tribunal não vislumbrou razão ao candidato proferindo decisão sob o fundamento de que embora seja possível nova correção de provas, faz-se necessário a demonstração de plano em caso de Mandado de Segurança, o que não ocorreu nos autos. A seguir, transcrevem-se os fundamentos e dispositivo da referida decisão.

VOTO

1 De início, deve-se afastar a preliminar suscitada pelo Procurador-Geral do Estado de Santa Catarina.

Como bem apontado pelo Doutor Basílio Elias De Caro, "o item 1.2 do Edital do Concurso dispõe que cabe à Procuradoria-Geral do Estado a elaboração de todas as etapas do certa, com exceção da prova escrita objetiva, e, nos termos da Lei Orgânica da Procuradoria-Geral do Estado (Lei Complementar n. 317/05), o Procurador-Geral do Estado é o Chefe do órgão, responsável pela elaboração das normas complementares que regulam o certame, na forma do artigo 39 da referida Lei" (fl. 218).

Além disso, não se pode ignorar, in casu, que a autoridade coatora, ao prestar informações sustentando a legalidade do ato impugnado, encampou a defesa dos interesses guerreados no mandamus, motivo suficiente para legitimá-la como integrante da relação processual desencadeada.

2 Esta Corte de Justiça já fixou o entendimento de que ao Poder Judiciário é possível o reexame da correção efetuada pela banca examinadora, desde que não exija dilação probatória ou exercício de interpretação. Ou seja, somente será cabível em caso de erro manifesto, provado de plano.

Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente:

"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO OU REVISÃO DE CORREÇÃO DE PROVA. QUESTÃO ESTRITAMENTE OBJETIVA. POSSIBILIDADE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO LIMINAR DO PROCESSO CASSADA. RECURSO PROVIDO”.

"Em regra, não compete ao Judiciário intrometer no critério de correção de provas de concurso público, notadamente através do mandado de segurança”.

"Entretanto, lícito será fazê-lo para remediar erro manifesto da banca do concurso na correção de questão, cuja resposta deflui de texto legal, sem exigir qualquer dilação probatória, exercício de interpretação ou conhecimento especializado do julgador" (ACMS n. 2008.008909-3, Des. Newton Janke).

Assim, fixada esta premissa, passa-se à análise do presente feito.

2.1 Razão não assiste ao impetrante quando afirma a inexistência de critérios ou motivação na correção das provas. Apesar de não estar expressamente grifado ou anotado na avaliação do autor, os critérios anteriormente fixados foram amplamente divulgados para os candidatos, conforme se denota das cópias acostadas às fls. 74-75 que claramente expõem os casos de erro de tese, que gera a nota zero, bem como os temas que deveriam ser abordados para obter pontuação. Bastava ao candidato fazer uma comparação entre a sua prova a as matérias e abordagens exigidas para a aprovação, o que resulta obviamente nos erros e equívocos cometidos.

2.2 De outro lado, não merece guarida a alegação de que o seu recurso administrativo foi julgado indevidamente junto com outros candidatos (41475, 41081, 40127 e 41314), sob o fundamento de que deveria ter obtido o mesmo resultado do candidato de n. 40157, tomado como paradigma pelo autor, cujo pedido foi julgado separadamente. Ora, mostra-se totalmente incabível o referido argumento, porquanto o impetrante sequer teve acesso à prova daquele tomado como paradigma. As observações foram feitas apenas levando-se em consideração os resultados dos recursos, o que é por demais temerário. Na petição inicial, o autor tão somente narra o conteúdo da prova do paradigma sem, todavia, comprovar.

2.3 Por fim, da mesma forma, não merece prosperar a afirmação de que os critérios de correção não se mostram válidos em decorrência de não constarem do edital do certame n. 001/2010, cuja cópia está juntada às fls. 23-37.

A alegação de violação ao princípio da legalidade face a não previsão em edital dos critérios capazes de zerar a peça denota clara e induvidosa impugnação à própria lei do certame, que data de 7 de outubro de 2010, conforme consta à fl. 37. Como o presente mandamus foi protocolado em 3 de agosto de 2011, impossível se torna a apreciação do argumento em face do decurso do prazo decadencial de cento e vinte dias, previsto no art. 23 da Lei n. 12.016/2009.

Ademais, não é factível aceitar-se que somente após um resultado adverso, o candidato possa se insurgir contra o edital.

Sobre o requisito fundamental para a viabilização da prestação jurisdicional via mandado de segurança, o nosso Tribunal, em acórdão da lavra do eminente Des. Wilson Guarani, evocando também as lições de Helly Lopes Meirelles, assentou:

"o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. Se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver determinada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda não esclarecidos nos autos, não rende ensejo a segurança, embora possa ser definido por outros meios judiciais'. (in 'Mandado de Segurança e Ação Popular', 2ª. edição, editora RT, pág. 15). Recurso desprovido" [grifou-se] (ACMS n. 4.109).

Para complementar, vale ressaltar a lição de Castro Nunes e José de Aguiar Dias no sentido de que "o ato contra o qual se requer o mandado de segurança terá de ser manifestamente inconstitucional ou ilegal para que se autorize a concessão da medida. Se a legalidade ou inconstitucionalidade não se apresenta aos olhos do juiz em termos inequívocos, patente não será a violação e, portanto, certo e incontestável não será o direito" (Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do Poder Público. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 142).

A situação exposta pelo impetrante na petição inicial e comprovada pelos documentos juntados aos autos, portanto, não demonstra com clareza a sustentada violação de direito líquido e certo a ser amparado por meio do presente remédio constitucional.

3 Ante o exposto, com fundamento nos argumentos aduzidos, denego a segurança.

Os honorários advocatícios são, na espécie, incabíveis (Lei n. 12.016/2009, art. 25; STF, Súmula 512; STJ, Súmula 106).

Custas pelo impetrante (TJ-SC - MS: 549506 SC 2011.054950-6, Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data de Julgamento: 20/12/2011, Grupo de Câmaras de Direito Público, Comarca da Capital).

Pelo julgado acima, constata-se que no Mandado de Segurança o direito deve está muito bem claro aos olhos do Juiz, uma vez carecendo de melhor prova ou demonstração de fatos resta inviável a concessão da segurança.

Além da lide mencionada, tratando-se de prova discursiva, no Estado do Paraná, Augusto Rodrigues Porciuncula impetrou Mandado de Segurança n.º 871333-5, no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com pedido liminar, conforme fls. 9 e 20. Mais uma vez, a pretensão do candidato esbarrou no limite de adentrar-se na discricionariedade da Administração Pública, consoante ementa do julgado.

1) DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO DO PARANÁ. PROVA SUBJETIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NA DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE ANALISOU O RECURSO. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE REEXAME DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVA E ATRIBUIÇÃO DE NOTA. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

a) O examinador ao indeferir o recurso administrativo justificou não só o entendimento jurídico adotado, mas também os critérios utilizados para a correção da prova, mostrando, inclusive, as razões pelas quais o Impetrante obteve na questão impugnada no presente “writ” 1,0 (um) ponto de um total de 10 (dez) pontos possíveis. Desse modo, não há falar-se em ausência de motivação ou vício de motivação.

b) Por outro lado, de acordo com entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, é função da banca examinadora do concurso fixar os critérios de formulação das questões, de correção das provas e de atribuição de notas aos candidatos, ficando o Poder Judiciário restrito a apreciar o exame da legalidade das normas instituídas no Edital e dos atos praticados na realização do Certame.

c) Assim, ao Poder Judiciário não cabe reavaliar a correção das provas realizadas, que é a pretensão do Impetrante, sob pena de adentrar no mérito do ato administrativo, interferindo nos critérios de avaliação do concurso.

d) Por essas circunstâncias, não vislumbro violação de direito líquido e certo do Impetrante, definido nos termos do artigo 1º, da Lei nº 12.016/09 e do artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal (TJ-PR 8713335 PR 871333-5 (Acórdão), Relator: Leonel Cunha. Data de Julgamento: 24/04/2012, 5ª Câmara Cível em Composição Integral).

No Estado da Paraíba, relativo ao Concurso para Procurador de Estado de 2008, Felipe Silveira Gurgel do Amaral impetrou o Mandado de Segurança n.º 999.2008.000410-7/001, em desfavor do Presidente da Comissão Organizadora do Concurso para Procurador do Estado da Paraíba e outros, consoante fls. 21. Nessa ação, o candidato pleiteava a anulação do ato de homologação do concurso, alegando que a questão subjetiva relativa a Direito Processual Civil estaria eivada de ilegalidade.

O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba denegou a ordem no referido Mandado de segurança, sob o fundamento de que o fato da quinta questão da prova subjetiva está nos itens de Direito Processual Civil em vez de Direito Civil não ofendeu o edital, haja vista o conteúdo apresentado fazer parte do programa.

Assim, o Acórdão alusivo ao referido mandamus restou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DO PODER PÚBLICO EM RELAÇÃO À DISTRIBUIÇÃO DE QUESTÕES SUBJETIVAS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROCURADOR DE ESTADO. PRELIMINARES: A) INEXISTÊNCIA DE VALOR DA CAUSA. PRESCINBILIDADE. B) AUSÊNCIA DE PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS. PROVAS SUFICIENTES. C) IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EXAME DA LEGALIDADE DO CERTAME NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. PERMUTA NO CADERNO DE RESPOSTA EM RELAÇÃO ÀS QUESTÕES DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPEITO ÀS DISPOSIÇÕES ESTABELECIDAS NO EDITAL DO CONCURSO. SEGURANÇA DENEGADA (MANDADO DE SEGURANÇA N.º 999.2008.000410-7/001, REL. DES. MÁRCIO MURILO DA CUNHA RAMOS, JULGADO EM 17/12/2008).

Nessa ação, observa-se o conservadorismo dos Tribunais, já mencionado, haja vista que a denegação da ordem baseia-se no fato de que a disposição das questões não contraria o edital do concurso. De outra sorte, se por acaso um candidato colocar sua resposta no campo de outra questão, certamente a banca vai desconsiderá-la, como é alertado em vários concursos.

Nesse ínterim, após o devido recurso, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a denegação por maioria, cujo voto vencido muito colabora com o presente estudo, transcreve-se parte do voto.

(...)

11. Assim, além do erro na elaboração da prova que incluiu a questão de Direito Civil no caderno de Provas de Direito Processual Civil, a questão inserida no caderno de provas de Direito Civil trata de matéria do ramo do Direito Constitucional. Essa situação, além de violar a regra editalícia de que a prova discursiva seria composta de 5 questões, 1 de cada ramo do Direito (Administrativo, Constitucional, Tributário, Civil e Processual Civil), confundiu o candidato e o induziu a erro ao responder à questão dissociada do ramo do Direito a que se referia o caderno de provas.

12. Não se discute que o cargo objeto do concurso público ora sob análise (Procurador do Estado da Paraíba) reclama que o seu detentor possua considerável conhecimento jurídico, o que exige que o concursando seja capaz de identificar em qual ramo do Direito se insere o tema proposto. Ocorre que, considerando a intensa competitividade do concurso público e a fim de garantir a sua retidão e evitar qualquer prejuízo ao candidato, impõe-se a anulação da questão de forma a reparar o erro cometido pela douta Banca Examinadora do concurso.

13. Dessarte, a questão posta pelo Impetrante está contaminada pelo vício de legalidade, tornando-se, assim, suscetível de invalidação na via judicial. É importante ressaltar que aqui não se cuida de controle de mérito, nem de substituição da valoração reservada ao administrador; cuida-se, isto sim, de controle de legalidade sobre o edital, ato de natureza vinculada, sendo, pois, permitido ao Judiciário exercê-lo em toda a sua plenitude.

14. Por todo exposto, com fulcro no art. 557, § 1o.-A do CPC, dá-se parcial provimento ao recurso a fim de anular questão 5 da prova subjetiva para o cargo de Procurador do Estado da Paraíba regulado pelo Edital 01/2007/SEAD/PGE e, por consequência, proceder à nova classificação dos candidatos, resguardando-se, contudo, as nomeações já realizadas no citado concurso. É como voto (Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 30.473 - PB (2009/0178431-0).

O presente voto corrobora o entendimento sobre a timidez do Poder Judiciário, apesar de vencido, o Ministro mostrou ousadia em fugir do cômodo conforto de apenas dizer que não se pode ultrapassar a organização da Administração. Assim, sem dúvida, o Judiciário tem longo a campo a percorrer para garantir mais proximidade das demandas dos candidatos em suas decisões.


CONSIDERAÇÕES

Pelo exposto no presente estudo, nota-se uma atuação do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, incipiente, principalmente diante de questões subjetivas, pois existe um respeito demasiado ao mérito administrativo. Assim, princípios constitucionais, como a razoabilidade e proporcionalidade, passam à margem da análise dos magistrados.

Por seu lado, percebe-se que a administração pública precisa aprimorar seus métodos de avaliação dos candidatos, em conjunto com as bancas examinadoras, visando processos de seleção mais transparentes e com foco na meritocracia. Dessa forma, retiram-se da administração antigos vícios do poder, como o nepotismo e o apadrinhamento político, males que desencadeiam na prestação de serviços públicos deficientes e em servidores descompromissados.

Além disso, o desenvolvimento do posicionamento o Poder Judiciário encontra óbice na escassa legislação sobre o tema, cuja atuação do legislador ainda se mostra muito lenta, em tempos de informações socializadas por meios ágeis de comunicação.

Por fim, o instituto do concurso público, no presente caso para Procurador de Estado, necessita aprimorar-se, democratizando, assim, a participação da gigantesca quantidade de pretendentes aos cargos públicos. 


REFERÊNCIAS

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 24. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.

MARINELA DE SOUZA SANTOS, Fernanda, Direito Administrativo, 2. ed. Salvador: Editora Jus Podvm, 2006.

MARINELA DE SOUZA SANTOS, Fernanda, Análise do Controle Judicial sobre questões Subjetivas de Concursos Públicos. Disponível em: <marinela.ma/artigos>. Acesso em: 2 out. 2012.

GUGLINSKI, Vitor Vilela. Do controle jurisdicional de questões objetivas em concursos públicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3026, 14 out. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20182>. Acesso em: 2 out. 2012.

BRASIL. Constituição da República (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF: Editora do Senado Federal, 2011.

BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o Processo Administrativo no Âmbito da Administração Pública Federal. D. O. U. de 1.02.1999, retificado em 11.3.1999, Brasília, DF.

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MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 27. Ed. São Paulo, 2002, p. 408.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 183.

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Curitiba, 26 de março de 2012. Marcos Vinícius da Rocha Loures Demchuk, Juiz de Direito.

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Acórdão, Relator: Leonel Cunha. Data de Julgamento: 24/04/2012, 5ª Câmara Cível em Composição Integral.

MANDADO DE SEGURANÇA N.º 999.2008.000410-7/001, REL. DES. MÁRCIO MURILO DA CUNHA RAMOS, JULGADO EM 17/12/2008.

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 30.473 - PB (2009/0178431-0).

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Sobre o autor
Ademilton Pessoa de Oliveira

Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Acre, Acadêmico de Direito, Faculdade Barão do Rio Branco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Ademilton Pessoa. A judicialização dos concursos para procuradores de Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3857, 22 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26478. Acesso em: 24 abr. 2024.

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