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Pagamento do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, com o direito de usufruto vitalício sobre os bens inventariados

30/01/2014 às 11:40
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Estuda-se a possibilidade do pagamento da meação do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, ser feito com o direito de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados, restando aos herdeiros a nua propriedade dos mesmos.

Um tema de bastante relevância e que gera dúvidas entre alguns tabeliães, registradores e advogados é a possibilidade do pagamento da meação do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, ser feito com o direito de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados, restando assim aos herdeiros, como pagamento de seus quinhões, a nua propriedade dos mesmos.

Via de regra, após a abertura do inventário dos bens do espólio, verifica-se a partilha da seguinte maneira: metade ideal destinada ao pagamento da meação e a outra metade distribuída aos herdeiros, respeitando, obviamente, a cadeia sucessória descrita no artigo 1.784 e seguintes do Código Civil de 2002.

Não raras vezes, o(a) viúvo(a) e os herdeiros têm a intenção de promover a partilha, de forma que seja evitado um futuro inventário do cônjuge remanescente, ao mesmo tempo em que seja garantido o seu sustento enquanto viver.

Para atender a vontade das partes, nesses casos, normalmente se faz o inventário judicial ou extrajudicial com a partilha dos bens, e posteriormente a doação da meação com a reserva do direito de usufruto vitalício ao doador. Deste modo quando o doador vier a falecer, não será necessário novo inventário, mas tão somente a averbação do óbito e consequente extinção do direito de usufruto gravado no registro de imóveis, o que consolida a propriedade em nome dos donatários, conforme artigo 1.710 do Código Civil de 2002.

Acontece que essa forma de partilha se torna muito onerosa para as partes, tendo em vista que, além de recolher, para fins de inventário, o ITCMD sobre a metade dos bens do espólio, ainda será indispensável o recolhimento do ITCMD sobre a doação da meação.

E ainda, quando o cônjuge remanescente doa sua meação e reserva para si o direito de usufruto, tal direito fica restrito somente ao que ele doou, ou seja, à metade dos bens em comum com os demais proprietários, os herdeiros do falecido.

O inventário e partilha com a doação da meação com ou sem reserva de usufruto é obviamente legítimo, e respeitador da legalidade. Não pretende, de forma alguma, esse trabalho, contrariar tal afirmação. O que se busca, na verdade, é trazer a informação para operadores do direito e interessados, da viabilidade legal de uma forma de partilha que atende a grande desejo de viúvos(as) com economia e celeridade.

Sendo o usufruto destacável da nua propriedade, como direito autônomo, a forma de atender a tal anseio é a de promover a partilha atribuindo, ao pagamento da meação, o direito de usufruto vitalício sobre os bens do espólio.

Neste sentido, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, se inclinam, defendendo que:

"O usufruto é destacável da nua propriedade, como direito autônomo. Tanto a viúva-meeira como os herdeiros possuem partes ideais no todo.

Portanto, nada obsta a que se concretizem essas partes pela forma avençada na partilha" (RT 606/106, 541/118, RJTJESP 37/31).

Apreciada pelo Conselho Superior da Magistratura do estado de São Paulo, em procedimento de dúvida inversa, tal matéria deu ensejo a seguinte conclusão:

“(...) até a partilha, com efeito, a meação e a herança são partes ideais e, como já estabelecido pelo Tribunal de Justiça, nada obsta a que tais partilhas se definam como sendo o usufruto e a nua-propriedade, sem que tal implique em doação, pois, diversamente, não passa de simples atribuição de partes ideais" (RJTJESP 65/236; Ap. Cível 2.595/0, j . em 01.08.33; Ap. Cível 8.597-0/1, DOJ de 21.10.88).

O Superior Tribunal de Justiça, apreciando caso semelhante, reformou, em sede recurso especial as decisões proferidas pelo juiz de primeiro grau e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nas quais foi indeferida a partilha de bens no inventário que destinava à viúva-meeira o direito de usufruto sobre os bens e aos herdeiros a nua propriedade. Em seu voto, o relator, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, acastela:

[...] Destacou-se, a respeito do usufruto, não haver razão para obstar sua implementação nos autos do inventário: “partindo da validade da renúncia, os bens passam incontinenti ao domínio dos herdeiros, que já haviam recebido a cota do pai quando da sua morte, pelo droit de saisine. Sendo portanto proprietários, não subsiste qualquer empecilho para gravarem os bens com usufruto vitalício em favor de sua mãe, assinalando que a escritura pública exigida resta substituída pelo termo nos autos, o qual, como se viu, dá segurança e formalidade ao ato" (RESP 88.681-96/0010531-6-SP, 4a T., v.u., j. 30.4.98).

Não é demais ainda, citar os julgamentos das apelações cíveis nºs 2010.043431-2 e 2011.020018-5, ambas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nas quais resta evidenciado, ainda mais, a inteligência jurisprudencial a respeito do tema.

Frente aos entendimentos citados, podemos chegar à conclusão da viabilidade legal da partilha de bens, destacando o direito de usufruto como parte autônoma à nua-propriedade. E com base nisso, citar alguns dos benefícios que tal partilha traz às partes.

Inicialmente e principalmente, nota-se clara a desoneração do ato, tendo em vista a necessidade apenas de ser recolhido o imposto tendo como fato gerador a transmissão “causa mortis”. Não há que se falar em recolhimento do imposto de transmissão com relação ao pagamento da meação com o direito de usufruto, tendo em vista, que ela será utilizada para se atribuir partes ideais na partilha de bens e não constituirá um ato de liberalidade isolado, fato que ensejaria a incidência do tributo.

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Fazendo análise tributária da referida partilha, podemos encontrar nela uma forte ligação e semelhança com os meios de ELISÃO FISCAL, que são, formas LEGAIS, obtidas por meio de um planejamento tributário para se impedir a incidência e até mesmo o fato gerador do imposto.

É válido expor, mesmo que superficialmente sobre a diferença de ELISÃO FISCAL para EVASÃO FISCAL, nesta notamos a utilização de meios ILÍCITOS para se impedir a incidência de um imposto (sonegação de imposto, descaminho, contrabando), o que não ocorre naquela.

Voltando ao tema, e citando outro ponto benéfico da partilha apresentada, podemos falar da maior segurança e garantia ao cônjuge supérstite, que passa a ter o direito de usufruto vitalício sobre a totalidade dos bens, se assim preferir, diferentemente do que ocorre na doação da meação, como dito antes. Essa é uma garantia que confere ao cônjuge a segurança de se manter percebendo os frutos e rendimentos dos bens gravados com o usufruto.

Por fim, é conveniente ainda salientar, que a referida forma de partilha vem apenas acrescer mais uma possibilidade, o que não impede que o supérstite possa receber em pagamento da sua meação a nua-propriedade, ou a propriedade plena de alguns bens, desde que os valores atribuídos correspondam à metade do valor cominado ao monte-mor.

Frente a essa facultabilidade existente na formalização da partilha dos bens do espólio, defendemos aqui, o quanto é importante para o profissional do direito ter conhecimento da legislação e jurisprudência civil a respeito do tema, que apesar de divergente, é de incontestável serventia, ou no mínimo, uma boa opção, para se dirimir questões sucessórias, seja no contencioso judicial ou na amistosa via administrativa.


Bibliografia:

- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 5, Família e Sucessões. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

- DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

- BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2013.

- BRASIL. ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Decreto 2.803-N, de 21 de abril de 1989. Aprova o regulamento do Imposto “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (RITCD). Disponível em: <http://www.sefaz.es.gov.br/LegislacaoOnline/lpext.dll?f=templates&fn=main-h.htm&2.0>. Acesso em: 10 de maio de 2013.

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Sobre o autor
Luan Theodoro Machado

Serventuário da justiça pós-graduando em direito notarial e registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Luan Theodoro. Pagamento do cônjuge supérstite, no inventário de seu consorte, com o direito de usufruto vitalício sobre os bens inventariados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3865, 30 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26562. Acesso em: 20 abr. 2024.

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