RESUMO: O presente artigo busca analisar sucintamente a lei orçamentária, seu conceito moderno de instrumento de planejamento e sua natureza de lei formal de efeitos concretos, bem como a evolução jurisprudencial no âmbito do Supremo Tribunal Federal no que tange à atual admissão de controle de constitucionalidade do orçamento.
PALAVRAS-CHAVE: orçamento público; lei de efeitos concretos; judicialização de políticas públicas; controle de constitucionalidade de lei orçamentária; evolução jurisprudencial.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Considerações Preliminares sobre o Orçamento – 2.1. Conceito Contemporâneo de Orçamento – 2.2. Natureza Jurídica do Orçamento – 2.3. Orçamento: Lei de Efeitos Concretos – 3. Do Controle de Constitucionalidade de Leis Orçamentárias – 3.1. Judicialização das Relações Políticas e Sociais – 3.2. Evolução Jurisprudencial no Controle de Constitucionalidade de Leis Orçamentárias – 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Apesar do orçamento situar-se nos contornos da atividade legiferante do Estado, é de se observar que o modelo constitucional delineado para o instituto não se cinge ao caráter legal por meio do qual se instrumentaliza, mas é o orçamento público atual peça de planejamento que assume a função de elemento de programação política e econômica, adquirindo substancialmente essência de ato político-administrativo, na medida em que expõe o plano de ação do Estado em determinado período programático na busca pela consecução dos seus fins. Temos, então, uma legítima norma com natureza de lei, contudo, dotada de efeitos concretos.
Nesse sentido, importante questão concernente ao caráter autorizativo ou impositivo do orçamento para o dispêndio dos gastos públicos surge como decorrência direta dessa constatação, revelando-se ser tendência crescente o anseio social para fins de vinculação do Estado ao instrumento orçamentário e, sobretudo, a aplicação efetiva das políticas públicas, da forma como planejado do instrumento orçamentário. Nesse sentido, se antes não cabia controle de constitucionalidade de leis orçamentárias, hoje, a evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal abriu essa possibilidade. É sobre essa temática que discorreremos nesta breve apesentação.
Para a discussão do presente tema, inicialmente são tecidas breves considerações a respeito do contemporâneo conceito de orçamento enquanto instrumento de planejamento e sua natureza jurídica de lei de efeitos concretos. Após, adentra-se no exame da possibilidade de judicialização de relações políticas e sociais para o implemento das políticas públicas, observando-se, ao fim, a revisão judicial que ocorreu recentemente no âmbito do Supremo Tribunal Federal para permitir, atualmente, o controle de constitucionalidade de leis orçamentárias.
2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O ORÇAMENTO
2.1. Conceito Contemporâneo de Orçamento
Para o regular funcionamento da sociedade e a garantia do bem estar comum, é dever do Estado suprir as necessidades públicas, que se referem ao conjunto das obrigações que o Estado se vinculou junto à sociedade, por meio de um comando normativo. Quer dizer, de forma ampla, pode-se falar que tudo aquilo que incumbe ao Estado prover, em decorrência de uma decisão política, inserida em norma jurídica, é necessidade pública. E sendo o atendimento das necessidades públicas meta a ser satisfeita pelo Estado, surge daí, então, a necessidade do exercício de uma atividade financeira estatal, justamente para viabilizar a consecução desses objetivos, por meio do instrumento que chamamos de Orçamento. Trata-se, então, da atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos financeiros necessários à consecução das finalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum. Eis, pois, a razão de ser do orçamento.
Na verdade, o orçamento encontra suas origens na necessidade de autorizar e controlar a aplicação dos recursos públicos, estando relacionado, assim, ao desenvolvimento da democracia, como forma de oposição ao Estado arbitrário. Portanto, no seu âmago, trata-se o orçamento de autorização para que os representantes do povo possam, em seu nome, realizar o dispêndio dos recursos públicos. Contudo, atualmente, além de cumprir essa nobre função, o orçamento evoluiu e passou a ser, também, um efetivo instrumento de planejamento das ações do Estado. Vejamos, a propósito, o que nos esclarece a doutrina de Regis Fernandes de Oliveira:
"Classicamente, o orçamento era uma peça que continha previsão das receitas e a autorização das despesas, sem preocupação de planos governamentais e com interesses efetivos da população. Era uma peça contábil, de conteúdo financeiro. Ensina Louis Trotabas que “a noção geral repousa sobre a necessidade de autorização de despesas e das receitas do Estado pelo Parlamento”. Esclarece Giuliano Founrouge que “a evolução das ideias acerca da função do estado na atividade econômica, singularmente acelerada no correr do século, determinou modificações substanciais no conceito de orçamento. Assim como aquele mudou sua qualidade de espectador tranformando-se em autor do processo vital da nação, assim também o orçamento deixou de ser um mero documento de caráter administrativo e contábil, para assumir a significação de elemento ativo com gravitação primordial sobre as atividades gerais da comunidade. Poderia dizer-se que adquiriu uma condição dinâmica de que antes se carecia, pois em sua concepção tradicional o orçamento equilibrado não era forçosamente neutro em suas repercussões sobre a economia; a diferença sedia-se no que o efeito outrora admitido é, agora, deliberado, intencional, de modo tal que passou a ser um instrumento mediante o qual o Estado atua sobre a economia". Daí o orçamento se constituir em peça importante na vida das nações. Deixa de ser mero documento estático de previsão de receitas e autorização de despesas para se constituir no documento dinâmico solene de atuação do Estado perante a sociedade, nela intervindo e dirigindo seus rumos”. (OLIVEIRA, 2011)
Portanto, inicialmente, o conceito clássico do orçamento previa uma peça que contemplava apenas a estimativa das receitas e a fixação das despesas, em um documento estático, eminentemente contábil e financeiro. Contudo, com o passar dos tempos, a peça orçamentária veio se aprimorando até adquirir característica de instrumento de gestão. Hoje, é indubitável que o conceito contemporâneo de orçamento se caracteriza por inserir-se dentro de um contexto dinâmico de ação e planejamento, como instrumento de programação política e econômica do País. Ressalte-se que a Constituição Federal adotou a tripartição do planejamento orçamentário, nos termos do seu art. 165, que assim dispõe: "Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais". Com o orçamento englobando três espécies de leis orçamentárias, a Carta Maior reforça expressamente a constatação de que o planejamento é exigência ao moderno conceito de orçamento.
Isso decorre do atual princípio orçamentário da programação, positivado no texto constitucional, fazendo a integração planejamento-orçamento. Observamos tal mandamento, dentre outros dispositivos, a partir do art. 165, §4º, da FC/88, que assim estabelece: "Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional". Dessa forma, não há como negar que o orçamento evoluiu para ganhar contornos de peça programática das ações do governo, não havendo mais que se falar em orçamento sem inserí-lo necessariamente no contexto de planejamento. O orçamento deixa de ser mera peça estimativa de receitas e fixação de despesas para tornar-se um poderoso instrumento de intervenção do Estado na economia e na sociedade.
2.2. Natureza Jurídica do Orçamento
Desde sempre o debate acerca da natureza jurídica do orçamento foi tema controvertido na doutrina, mas que se revela de suma importância, porquanto a partir da delimitação da natureza jurídica do orçamento poder-se-á fazer a uma análise precisa do conteúdo de seu regime jurídico, com as implicações jurídicas daí decorrentes. Abstraindo as dissidências acadêmicas, é notório que o ordenamento jurídico brasileiro trata de prever o orçamento público como lei, conforme se retira claramente do art. 165 da Carta Magna. Quanto a esse ponto, não resta qualquer dúvida. O próprio início do referido artigo já reforça tal assertiva, quando fala que: "Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais".
A discussão, na verdade, pauta-se em determinar se é o orçamento uma lei do ponto de vista material, assim entendida aquela que possui conteúdo de regra de direito e eficácia inovadora, ou se tem caráter meramente formal, na qual estão inscritos atos de cunho político-administrativo. Nesse ponto, prevalecem na doutrina quatro teses distintas: (a) o orçamento é lei não apenas formal, mas também material, na medida em que se origina de um órgão legiferante; (b) o orçamento é, em relação às despesas, um mero ato administrativo, mas em relação à realização das receitas, lei em sentido material; (c) o orçamento é uma condição para a alocação dos recursos, sendo apenas lei formal, mas substancialmente um ato-condição; (d) o orçamento, embora com aparência de lei, não é lei em sentido material, mas tão somente lei formal;
A primeira corrente nasceu do jurista alemão Hoennel, o qual entende que o orçamento é sempre uma lei, na medida em que emana de um órgão legiferante. Por tal razão, afirma Hoennel que tudo aquilo que é revestido sob a forma de lei constitui-se em preceito jurídico, pois a forma de lei traz em si mesma o conteúdo jurídico. Nesse aspecto, qualquer lei traria inserta um comando normativo. Esta tese sofreu críticas porque classificava as normas jurídicas segundo a origem, não levando em conta o seu conteúdo jurídico. De fato, esta primeira corrente foi superada, não encontrando maior respaldo atual, pois sabemos que nem toda lei possui conteúdo de regra de direito, diferenciando-se lei material de lei formal.
A segunda corrente é liderada por Léon Duguit, o qual identifica na peça orçamentária uma mescla de lei em sentido formal e material, considerando o orçamento, em relação às despesas, um mero ato administrativo e, em relação à receita, lei em sentido material, já que a arrecadação tributária dependeria de autorização orçamentária. A terceira corrente, por sua vez, originou-se de Gaston Jèze, criador do conceito do ato-condição, defendendo a tese de que o orçamento não é lei em sentido material em nenhuma de suas partes, tendo o conteúdo de mero ato-condição, sendo a lei orçamentária, em qualquer caso, o implemento de uma condição para a cobrança e para o gasto. Pelo que se observa, tais correntes parecem não ser aplicáveis, pois observaram ordenamentos jurídicos em que a autorização para a cobrança de tributos obedecia ao princípio da anualidade tributária, que exige a prévia inclusão de autorização no orçamento como condição para cobrança. Relembre-se que tal princípio esteve presente no ordenamento brasileiro até a Constituição de 1967, tendo sido posteriormente suprimido e assim permanece até os dias atuais, não sendo mais a autorização orçamentária pressuposto que condiciona a cobrança de tributo.
Por fim, a última corrente veio a partir de Paul Laband, entendendo que o aspecto formal não poderia, por si só, fazer do orçamento uma lei, tomando esta palavra em seu sentido material. Nesse sentido, afirma que a utilização da forma legal em nada altera o conteúdo do orçamento, não suprindo a ausência do preceito jurídico. Assim, entende que o orçamento apresenta extrinsecamente a forma de uma lei, mas seu conteúdo é de mero ato administrativo. Logo, o orçamento seria, então, apenas lei em sentido formal, materialmente não constituindo regra de direito. Além dessas correntes clássicas, há ainda uma teoria oposta, segundo a qual o orçamento teria efetivamente natureza material, criadora de direitos e inovadora da ordem jurídica, conforme corrente encampada pelo jurista espanhol Sainz de Bujanda. Argumenta, nesse ponto, que o orçamento seria lei em sentido pleno, de conteúdo normativo, com eficácia material constitutiva e inovadora, possuindo mesmo força de lei. No Brasil, essa teoria não recebeu maiores adeptos.
A posição que nos parece mais adequada considera o orçamento como lei formal. De fato, entre os nossos juristas contemporâneos, embora não haja unanimidade doutrinária, percebemos ser majoritário o entendimento que atribui ao orçamento a natureza jurídica de lei formal. Por um lado, é espécie legislativa, disso não há dúvida, a partir do próprio mandamento com assento constitucional. O orçamento possui processo legislativo próprio regulado no art. 166 da CF/88, de iniciativa obrigatória do Chefe do Executivo, passando pelas Casas Legislativas e suas Comissões, até ser promulgado ingressando no ordenamento jurídico como lei. Contudo, é o orçamento, também, plano de governo que estabelece a previsão de receitas e despesas, consolidando posição ideológica governamental, que lhe imprime caráter programático, possuindo previsões efetivas de ingressos públicos e fixação concreta de despesa. A melhor doutrina, então, aponta para considerar o orçamento como lei formal. Citemos, nesse sentido, a preciosa lição de Ricardo Lobo Torres:
"A teoria de que o orçamento é lei formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar direito subjetivos e sem modificar as leis tributárias e financeiras, é, a nosso ver, a que melhor se adapta ao direito constitucional brasileiro; e tem sido defendida, principalmente sob a influência da obra de Jèze, por inúmeros autores de prestígio, ao longo de muitos anos e sob várias escrituras constitucionais". (TORRES, 2011)
Portanto, abstraindo-se as polêmicas quanto à natureza jurídica do orçamento, embora não tenhamos um consenso doutrináro, apontamos no sentido do orçamento como lei formal. É peça formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas que materialmente constitui-se em ato político-administrativo de programação de governo. Nesse ponto, vale ressaltar que já se posicionou, inclusive, o Supremo Tribunal Federal, oportunidade na qual adotou expressamente a tese majoritária ao considerar o orçamento como lei formal. Nesse julgamento colacionado abaixo, ainda não se permitia controle de constitucionalidade da lei orçamentária, por entender a Corte, até aquele momento, que lei formal não se prestava como objeto de controle. Contudo, veremos adiante que o panorama no STF mudou, agora se admite controle de constitucionalidade de lei orçamentária, todavia, não deixa esta de ser considerada lei formal, apenas abre-se a atividade de controle também para contemplar espécies legislativas desta natureza. Embora tenha havido evolução jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal considera expressamente o orçamento como lei formal:
“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA - C.P.M.F. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE "DA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA C.P.M.F." COMO PREVISTA NA LEI Nº 9.438/97. LEI ORÇAMENTÁRIA: ATO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO - E NÃO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: ART. 102, I, "A", DA C.F. 1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102, I, "a", da Constituição Federal. Precedentes (...)”. (ADI 1640 / DF, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 12/02/1998)
2.3. Orçamento: Lei de Efeitos Concretos
Diante do que se expôs, percebemos que apesar de não haver unanimidade no campo doutrinário, tem prevalecido o entendimento segundo o qual atribui ao orçamento a natureza jurídica de lei formal, dotada efeitos concretos. Para alguns, contudo, a presente discussão revela-se inócua, desprovida de aplicabilidade prática. Não é, porém, o que pensamos. Por trás de uma feição aparentemente formal, o tema reveste-se de importância extrema. Ao estudar a essência da norma orçamentária, poder-se-á verificar se o orçamento é instrumento que vincula a Administração, criando expectativas de efetiva realização e estabelecendo limites de flexibilização orçamentária, ou se apenas é instrumento que autoriza a aplicação dos recursos públicos.
Ora, sendo o orçamento lei não somente do pondo de vista formal, mas revestindo-se também de certo conteúdo material, tornar-se-ia instrumento impositivo a vincular o Executivo à sua fiel observância, devendo as previsões relativas à realização das receitas e despesas serem obrigatoriamente cumpridas pelo Poder Público. Ao contrário, possuindo natureza somente de lei formal, mas com conteúdo substancialmente administrativo, o orçamento teria apenas caráter autorizativo, tornando-se mera previsão e sugestão de aplicação dos recursos, sem que haja o dever legal de sua efetiva implementação. Daí a necessidade de bem perceber, em sua essência, que tipo de norma temos em nossa frente quando nos deparamos com a peça orçamentária.
Sabemos que, enquanto ato normativo, a lei possui como característica ser genérica, não sendo direcionada a uma só pessoa ou situação específica, tampouco aplica-se uma só vez a certa situação, mas pressupõe uma abstração do seu comando. Existem certas leis, contudo, como é o caso das leis orçamentárias, que possuem conteúdo eminentemente político-administrativo e, nesse ponto, não se revestem de caráter normativo, ao revés, guardam natureza de concretude. De fato, o orçamento trata-se de lei formal com efeitos concretos, pois embora envolva generalidade no sentido de sua aplicabilidade ser voltada à toda a coletividade, o seu objeto, contudo, é preponderantemente uma autorização para a utilização específica de recursos por determinado exercício, não possuindo, pois, abstração típica de espécie normativa.
Aqui se fala, portanto, em ausência de densidade normativa, em regra, da lei orçamentária. Veremos mais a frente que esse cenário vem se alterando para se admitir a possibilidade de existir certa dose de normatividade em alguns comandos da lei orçamentária, contudo, isso não lhe retira a essência de lei formal de efeitos concretos. Quer dizer, de um lado, caminhamos, atualmente, para uma atual possibilidade de judicialização de relações políticas e socias, bem como a impugnação da lei orçamentária via controle de constitucionalidade, porém, por outro lado, a lei orçamentária permanece como uma norma com essência de lei formal dotada de efetios concretos. O que mudou, portanto, não foi sua essência, mas a ampliação judicial do seu controle.
A rigor, a programação da alocação dos recursos públicos no orçamento, aprovado para cada novo exercício, não valerá para os anos seguintes como uma norma abstrata de enunciado normativo, mas ela é pontual e concreta para determinada situação, sendo necessária a renovação periódica do planejamento e a elaboração de nova lei nos exercícios subseqüentes. Não há, assim, generalidade e abstração nas leis orçamentárias. Portanto, é mesmo o orçamento lei formal, dotada de efeitos concretos, formalmente instrumentalizado por meio de lei, mas materialmente constituindo-se em ato cujo conteúdo é eminentemente político-administrativo.
Resta, então, verificar se as disposições presentes na peça orçamentária, sobretudo no que tange à realização das receitas e despesas nela previstas, revestem-se de caráter impositivo, a criar direito frente ao seu eventual descumprimento, ou tem o orçamento caráter meramente autorizativo, sem que haja a obrigação legal de implementação. Temos aí um acirrado debate entre o tradicional modelo autorizativo de orçamento e o modelo impositivo de orçamento defendido por alguns no contexto contemporâneo. O pano de fundo do debate, assim, além do propósito classificatório da natureza jurídica do orçamento, insere-se no questionamento acerca dos efeitos da lei orçamentária para o dever de cumprimento do Estado frente às necessidades públicas.