6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da legalidade e as análises sobre tipo penal e tipicidade permitem afirmar que somente haverá crime quando existir perfeita correspondência entre a conduta praticada e a previsão penal dada por lei em sentido estrito, que deve ser taxativa, trazendo todos os elementos e circunstâncias no corpo do tipo.
Assim, somente haverá o crime tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro se o comportamento do condutor apresentar todas as elementares do caput do dispositivo, especialmente os elementos normativos (“capacidade psicomotora alterada em razão da influência”), sendo insuficiente a mera constatação de teor alcoólico para a condenação do agente. Isso porque o parágrafo primeiro funciona como meios de prova (norma processual) e não como elementar do tipo (norma penal). Também porque não cabe a uma resolução, que não é lei em sentido estrito, determinar o que será tido ou não como crime.
Ainda, os bens jurídicos tutelados pelo crime de embriaguez ao volante são a vida, a integridade física e o patrimônio, e não a segurança viária e a incolumidade pública. Portanto, a agressão da conduta dita delituosa deve ser voltada para aqueles bens, e não para os últimos, sob pena de ocorrer a criminalização de qualquer conduta irregular no trânsito.
A partir disso, o artigo 306 do CTB pode ser classificado como delito de perigo abstrato de perigosidade real. Assim, não basta a presença de todos os elementos, devendo a conduta, para configurar o crime, gerar ao menos um risco-base para os bens jurídicos tutelados (vida, integridade física, patrimônio). Isso porque o perigo abstrato do tipo em questão não é puro, presumido, absoluto, mas de perigosidade real, devendo ser demonstrado que pelo menos um dos bens jurídicos entrou no raio de perigo da conduta, sofrendo um risco-base, embora seja prescindível a comprovação de vítima certa e determinada. Admite-se a prova em contrário da presunção do risco em nome do princípio da ofensividade, que impugna tipificações e condenações de fatos com resultados inócuos.
Destarte, mesmo provada a ingestão de álcool ou outra substância psicoativa e a alteração da capacidade psicomotora, se da conduta não sobrevier nenhum perigo sequer aos bens tutelados, o fato é atípico.
Como consequência da adoção dessa tese, alguns Tribunais brasileiros têm absolvido condenados por fatos ocorridos antes do advento da Lei 12.760/2012, entendendo que a nova redação lhes é mais benéfica, tendo em vista que, à época da instrução criminal, não ficaram evidenciados a alteração da capacidade psicomotora do condutor e/ou o risco-base gerado pelo fato, não bastando para a manutenção da condenação a mera constatação da impregnação alcoólica. Além disso, estas proposições também têm sido aplicadas aos fatos gerados após a nova redação legal.
É importante ressaltar, ainda, que, em caso de dúvida do intérprete sobre qual exegese seguir, deve-se privilegiar aquela que favoreça ao acusado, em nome do princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucional da presunção da inocência, ou interpretar o dispositivo restritivamente, reduzindo as situações de incidência e alcance da norma.
REFERÊNCIAS
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