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A moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa

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13/04/2014 às 15:22
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CONCLUSÃO

A moralidade é valor de maior importância e deve informar a vida pregressa do candidato que pretende exercer um mandato eletivo. O Princípio da Moralidade para o exercício do mandato, conforme previsto na Constituição Federal (§9º, art. 14), é mais que uma diretriz para os aplicadores e intérpretes da lei, é um mandamento, uma ordem que deve ser obedecida e prestigiada, porquanto dotada de coercibilidade e representa a ideologia estatal consagrada pelos valores socialmente estabelecidos, notadamente com a edição da Lei Complementar n. 135/2010, a famigerada Lei da Ficha Limpa.

A nova lei consagrou a vontade popular, manifestada em mais de 1,6 milhões de assinaturas, para estabelecer hipóteses objetivas de inelegibilidade baseadas na moralidade do candidato, considerada sua vida pregressa. A própria Carta da República determina que se considere a vida pregressa, a vida passada do candidato. Assim, a mensagem social é clara: não há mais razoabilidade em se permitir que candidatos com vida pregressa desabonadora participem das eleições, pois são indignos de representarem o povo. O eleitor não pode correr o risco de ter como opções apenas candidatos destituídos do mínimo de moralidade para o exercício da função pública.

Nesse aspecto, o Princípio da Presunção de Inocência, conquanto seja garantia fundamental de grande relevância para o indivíduo, não é absoluto, e pode ser ponderado com outros princípios, como o da moralidade para o exercício do mandato. Isso, especialmente, porque na Constituição não deve haver conflito de princípios, pois dotada de unidade e suas normas devem ter a máxima efetividade.

Em assim sendo, como é certo que os princípios não se excluem do ordenamento jurídico, deve-se ponderá-los com base no princípio maior da proporcionalidade para identificar qual deles, na hipótese em exame, será mitigado, mediante o sacrifício mínimo, em prestígio do outro, o qual prevalecerá.

Nesse norte, faz-se imprescindível a adoção da interpretação para justificar a validade da Lei da Ficha Limpa diante da Constituição Federal, ou seja, a vida pregressa do candidato deve garantir a proteção da moralidade para o exercício do mandato, ainda que para isso seja preciso relativizar outros princípios também de estatura constitucional, como o da Irretroatividade da Lei, da Anualidade ou Anterioridade Eleitoral (art. 16) e, especialmente, o da Presunção de Inocência.

Portanto, entre a prevalência das novas hipóteses de inelegibilidade que dispensam o trânsito em julgado e o direito do candidato de participar das eleições – o julgador deve flexibilizar o Princípio da Presunção de Inocência para restringir a capacidade eleitoral passiva (de ser votado) do candidato, a fim de resguardar a moralidade para o exercício do mandato eletivo, mantendo-se a higidez da representação popular. O Princípio da Moralidade, por ser mais amplo ao tutelar a coletividade, deve prevalecer sobre o direito individual do candidato que pretende disputar mandato eletivo, mesmo tendo contra si condenações recorríveis.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2] Ronald Dworkin define os princípios como um "standard" que há de ser observado por ser uma exigência da justiça, da equidade ou de alguma outra dimensão da moralidade.

[3] A Declaração foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226, de 12.10.1991, e promulgada pelo Decreto n. 592, de 06.12.1992.

[4] A Convenção foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992, e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992.

[5] O julgado foi proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 255861/SP, de relatoria do Ministro Milton Luiz Pereira. DJU, 22/10/2001, p. 268.

[6] TSE. Recurso Ordinário n. 1133. Rio de Janeiro/RJ. Rel. Min. José Augusto Delgado. Publicado em sessão de 21/09/2006.

[7] Cf. PLP-518/2009 – Câmara dos Deputados. Disponível em: (http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=452953). Acesso em 17/10/2010.

[8] O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral foi o autor do projeto da Lei da Ficha Limpa que recebeu mais de 1,6 milhões de assinaturas, mas o projeto foi apresentado no Congresso Nacional pelo Deputado Federal ... Disponível em:  http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2010/05/21/imprensa35856.shtml. Acesso em: 18/10/2010.

[9]Disponível em: http://www.avaaz.org/po/brasil_ficha_limpa/97.php?cl_tta_sign=efd3c0684c95e58898090ccd21e36c1e. Acesso em: 17/10/2010.

[10]  O voto foi proferido no Habeas Corpus n. 93250 / MS - Mato Grosso do Sul. DJ 27/06/08. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[11]  RTJ 173/807-808; RE 374981/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno). Cf. Informativo do STF n. 381. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[12] O entendimento foi proferido no Recurso Ordinário n. 912/RR, publicado no Diário da Justiça de 04.08.2006. Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[13] Disponíveis em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[14] A consulta foi julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral na véspera das eleições gerais de 2010.

[15] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[16] Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[17] A consulta foi julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral na véspera das eleições gerais de 2010.

[18] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[19] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[20] Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[21] Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 15/10/2010.

[22] Disponível em: http://www.tse.jus.br. Acesso em: 15/10/2010.

[23] Trata-se do Mandado de Segurança n. 22.087, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, publicado no Diário da Justiça de 28.6.1996. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 16/10/2010.

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Sobre o autor
Edgard Manoel Azevedo Filho

Analista Judiciário Federal do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia desde 2005. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR (2004). Advogado Eleitoral e Tributarista entre 2004 e 2005. Especialista em Direito Público (Constitucional e Administrativo) pela UNIR (2007). Especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia – FARO (2011). Foi Assessor-Chefe da Presidência e da Corregedoria Regional Eleitoral e Parecerista da Diretoria Geral/TRE-RO. Twitter: @edgardmanoel. Email: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO FILHO, Edgard Manoel. A moralidade como princípio validador da Lei da Ficha Limpa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27314. Acesso em: 26 abr. 2024.

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