4. Dignidade, embriaguez habitual e trabalho nas recentes decisões do TST
Viu-se um pouco da discussão em torno do uso judicial do princípio da dignidade humana, bem como uma parte da problemática que esse uso encerra, sendo pertinente passar-se, então, à análise da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre a questão da embriaguez e trabalho - tentando-se desvelar se e como o princípio da dignidade humana é utilizado nesses casos.
Já se disse, neste trabalho, que o art. 482, “f”, da Consolidação das Leis do Trabalho pode ser entendido como parte de um esforço estatal para se conter o alcoolismo em massa, surgido na esteira do crescimento industrial. Arnaldo Süssekind, por exemplo, afirma que “em 1943, quando foi aprovada a CLT, os autores do seu projeto tiveram em mira o alcoolismo” (SÜSSEKIND, 2010, p. 353. - grifei).
A guerra contra o alcoolismo, por sua vez (como já se aventou aqui), pode ser entendida como um esforço de se disciplinar e adequar comportamentos e hábitos dos trabalhadores ao mundo do trabalho industrial então nascente; pode ser entendido, enfim, como resultado do processo que teve como desdobramento a centralidade do trabalho na vida dos homens ocidentais desde, pelo menos, o século XVIII.
Também afirmou-se, ao longo deste trabalho, que a noção de dignidade humana, tal como a concebemos hoje, engendrou-se em detrimento da noção de honra. Assim, se a honra é um valor que se funda no desempenho de certos papéis e no atendimento de certos deveres (inclusive de autoaperfeiçoamento), sendo relacional (na medida em que eleva quem a detém acima dos demais) e passível de ser perdida; a dignidade é um valor inerente a todos os seres humanos (prescindindo, portanto, do exercício de qualquer dever / papel social), coloca todos os homens em pé de igualdade e é fundamento de certos direitos, ao invés de deveres.
Salientou-se ainda, neste trabalho, que embora a noção de dignidade humana prepondere sobre a de honra nos dias de hoje, isso não quer dizer que a noção de honra tenha desaparecido por completo. Pelo contrário, as exigências de autocontrole e de disciplina no mundo do trabalho talvez sejam permanências da cultura da honra - não se devem apenas a fenômenos históricos mais recentes como o fordismo.
Pois bem, o artigo 482, “f”, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao afirmar que a embriaguez habitual ou em serviço é falta grave, traz em seu bojo a noção tradicional de dignidade humana (honra) e não a noção contemporânea de dignidade. O homem / trabalhador aí é visto (não se está aqui dizendo que a visão seja errada ou correta) como alguém que não pode abandonar-se a excessos (embriaguez habitual), pois corre o risco de perder seu emprego. Ou seja, do empregado é exigida “a observância de certos princípios socialmente estipulados”, no caso, o dever de não se entregar a “prazeres sensuais que não fazem jus à dignidade do homem” (SENSEN, 2010, p. 76).
Nesse sentido (pensa-se aqui), deve-se entender o que Délio Maranhão escreve a respeito do citado dispositivo:
Embriaguez habitual ou em serviço. Trata-se aqui, a rigor, de duas faltas. Uma importando violação da obrigação geral de conduta do empregado, refletindo-se no contrato de trabalho (embriaguez habitual); outra, violação da obrigação específica de execução do contrato (embriaguez em serviço).
(…)
… a embriaguez habitual, fora do serviço, nada mais constitui que uma forma especial de incontinência de conduta. A habitualidade revela o vício, o desregramento. Embora o empregado nenhuma falta haja cometido no trabalho, embora aí compareça, sempre, sem o menor sinal de intoxicação, aquele vício, a que se entrega fora do trabalho, fá-lo perder a confiança do empregador. Não é, portanto, uma 'farra' esporádica, ou o simples hábito de beber, moderadamente, sem perder a compostura, que caracterizam a violação à obrigação geral de conduta do empregado.” (MARANHÃO, 2005, p. 585. - grifei)
O entendimento de Délio Maranhão, exprime, como o próprio dispositivo Consolidado, o entendimento de que o empregado deve ser capaz de atender certos deveres de autocontrole e de que possui autonomia para entregar-se ou não ao vício. Ou seja, tanto o mencionado dispositivo Consolidado quanto as palavras do doutrinador encerram em si não apenas a noção de honra, como a ideia de autonomia humana em detrimento da noção contemporânea de dignidade.
De todo modo, a jurisprudência do TST já foi no sentido de se aplicar o art. 482, “f”, da CLT quando configurada a embriaguez habitual (ainda que configurada, também, a dependência química). In verbis15:
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA.JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ. O alcoolismo, apesar de ser atualmente considerado doença, não pode ser desconsiderado como fator de dispensa por justa causa, visto que tal conduta está tipificada expressamente no art. 482, letra "f", da CLT, como ensejadora de falta grave. Revista conhecida parcialmente e provida para julgar improcedente a Reclamatória.
(RR - 326795 -41.1996.5.06.5555 Data de Julgamento: 12/08/1999, Relator Juiz Convocado: Levi Ceregato, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 03/09/1999 - grifei).
JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO. O alcoolismo é uma figura típica de falta grave do empregado, ensejadora da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho. Mesmo sendo uma doença de conseqüência muito grave para a sociedade é motivo de rescisão contratual porque a lei assim determina. O alcoolismo é um problema da alçada do Estado que deve assumir o cidadão doente, e não do empregador que não é obrigado a tolerar o empregado alcoólatra que, pela sua condição, pode estar vulnerável a acidentes de trabalho, problemas de convívio e insatisfatório desempenho de suas funções. Revista conhecida e desprovida.
(RR - 524378-14.1998.5.15.5555 Data de Julgamento: 18/08/1999, Relator Juiz Convocado: Lucas Kontoyanis, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 17/09/1999 - grifei).
Há ainda acórdãos, nesse sentido, publicados em 2003, 2004 e 2005:
RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. EMBRIAGUEZ. Mesmo revelando a decisão atacada profunda preocupação social, pois caracterizada dependência alcóolica, não cabe ao empregador, contra vontade do empregado, encaminhá-lo à previdência social , além do quê, embora necessária revisão do dispositivo legal, artigo 482, alínea f da CLT, tal hipótese continua gerar a despedida motivada, hipótese caracterizada nos autos. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e por violação legal e provido.
(ED-E -RR - 586320-51.1999.5.10.5555 Data de Julgamento: 18/12/2002, Relator Juiz Convocado: João Ghisleni Filho, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 14/03/2003 - grifei).
JUSTA CAUSA - EMBRIAGUEZ NO LOCAL DE TRABALHO - O alcoolismo, apesar de ser atualmente considerado doença , está tipificado na CLT como ensejador de falta grave, acarretando a justa causa (ex vi do artigo 482, alínea "f", da CLT). Recurso de Revista conhecido e provido para julgar improcedente a Reclamação, invertidos os ônus da sucumbência, isento.
(RR - 572919-12.1999.5.09.5555 Data de Julgamento: 06/04/2004, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/05/2004 - grifei).
RECURSO DE REVISTA. 1. EMBRIAGUEZ HABITUAL E NO SERVIÇO. JUSTA CAUSA. O regional condenou a reclamada à readmissão do reclamante por entender que a embriaguez é doença que deve ser tratada, não a considerando como motivo para dispensa por justa causa. Revista conhecida por aparente violação legal e divergência jurisprudencial. No mérito, não obstante os judiciosos argumentos expendidos nas instâncias ordinárias, entendo que a moléstia que acometeu o reclamante, não obstante possa ser reconhecida como tal , é causa de dispensa do empregado por justa causa, a teor do entendimento contido no art. 482, “f”, da CLT. Impende ressaltar que não se pode impingir ao empregador a obrigação de manter em seu quadro empregado que nitidamente não tem condições de exercer suas atividades, colocando em risco não só a sua vida mas também a de seus companheiros de trabalho e da população em geral. A justificativa para manutenção do vínculo, malgrado louvável, não encontra eco na legislação trabalhista, que prevê, no caso, a possibilidade de rompimento brusco do liame empregatício. Recurso de revista conhecido e provido.
(E-RR - 638368-44.2000.5.21.5555 Data de Julgamento: 20/04/2005, Relator Juiz Convocado: Luiz Ronan Neves Koury, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 13/05/2005 - grifei).
Em primeiro lugar, insta salientar que esse posicionamento “legalista” visto acima, mais comum no final dos anos de 1990 ou mesmo nos primeiros anos da década de 2000, parece corroborar as críticas de alguns partidários da abordagem econômica do Direito no Brasil, que afirmam que o uso da noção de dignidade humana e a decorrente flexibilização da lei não é resultado direto da edição da Constituição de 1988. Segundo esses críticos, o constituinte não pretendeu que o Direito brasileiro deixasse suas origens romano-germânicas ou que o juiz flexibilizasse a aplicação de leis ou pusesse em cheque o princípio da separação entre poderes. O uso de princípios como o da dignidade humana, por exemplo, nas decisões do STF, remonta a no máximo 1998, de modo que a “postura neoconstitucionalista é resultado de um vácuo de poder, originado da fraqueza do Congresso” (GICO JÚNIOR, 2010).
Outros teóricos, como Luís Roberto Barroso, afirmam que o marco histórico “da postura neoconstitucionalista” no Brasil é, de fato, a Constituição de 1988 “e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar” (BARROSO, 2006, p. 3). Pode-se dizer que Barroso talvez esteja correto em sua assertiva, afirmando-se que a fraqueza do Poder Legislativo, no Brasil como em outros países, não originou a postura neoconstitucional, nem a preponderância do Poder Judiciário. Talvez a fraqueza do Legislativo é que tenha sido originada com o fortalecimento do neoconstitucionalismo e sua pretensão de criar um “Estado Constitucional”.
Há que se ressaltar que Nicola Matteucci percebe fenômeno parecido (enfraquecimento do Legislativo) quando do surgimento do próprio Constitucionalismo, durante os séculos XVII - XVIII:
“O princípio da primazia da lei, a afirmação de que todo poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior contribuição da Idade Média para a história do Constitucionalismo. Contudo, na Idade Média, ele foi um simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o exercício do poder político (…). A descoberta e aplicação concreta desses meios é própria, pelo contrário, do Constitucionalismo moderno: deve-se particularmente aos ingleses, em um século de transição como foi o século XVII, quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento, e aos americanos, em fins do século XVIII, quando inciaram a codificação do direito constitucional (…).
(…)
Convém ainda determo-nos um pouco em uma nova definição do Constitucionalismo, não muito frequente na nossa literatura política, que se baseia na oposição entre direito e poder, racionalidade e força. Parte de uma clara distinção entre Constituição e Governo. A Constituição, por ser anterior e superior ao Governo, pode limitar seu poder; quando violada, o Governo se torna anticonstitucional, arbitrário e ilegítimo.
(…)
Assim, em um sistema político representativo, que realize o princípio do Governo limitado, a função judiciária acabará por adquirir um peso bastante maior no equilíbrio constitucional do que em um sistema baseado na mera separação dos poderes. Voltamos assim ao outro grande tema de Montesquieu, que acompanha o da divisão do poder político entre os Estados do reino: o da independência da magistratura. Esta só poderá ser verdadeiramente efetiva em um Governo limitado; isso porque o primado do direito ou da jurisdictio sobre o poder exige o robustecimento da função que visa justamente à defesa do mesmo direito.
Esta transposição do equilíbrio constitucional do legislativo para o juidiciário, esta nova relação entre o poder e o direito indicam certamente uma ruptura com a nossa tradição política, uma ruptura que não é ainda plenamente clara para a nossa cultura política...” (MATEUCCI, 2000, pp. 255/256)
Ou seja, o fortalecimento do Judiciário havido nos Estados modernos e hoje, nos Estados contemporâneos, causa perplexidade, mas parece resultar do próprio processo de constitucionalização (e neoconstitucionalização) dos mesmos, bem como do “primado do direito”.
Em segundo lugar, repita-se, nos arestos acima colacionados as decisões emanadas pelo TST foram em estrita consonância com a lei positivada: configurada a embriaguez habitual, em todas se concluiu pela dispensa motivada do empregado, com aplicação do art. 482, “f”, da CLT.
Interessante notar que também em todas já estava evidente o entendimento do alcoolismo como doença, assim reconhecida pela OMS. No entanto, isso não se afigurou motivo suficiente, ao menos para aqueles julgadores, para deixar de se aplicar o citado dispositivo legal. Nesse sentido é que se pensa, aqui, que a mudança de parâmetros no julgamento dessa questão no âmbito do TST, desde 2001, mas de forma reiterada apenas a partir de 2006, não se deveu apenas ao reconhecimento do alcoolismo como moléstia (embora as decisões sempre se reportem a esse fato), mas também à própria preponderância da ideia de dignidade humana – mesmo que o princípio muitas vezes só tranpareça nos recentes julgados de forma implícita.
Cabe observar que o entendimento de que um empregado considerado doente não deve ser meramente 'descartado' (dispensado), mas receber apoio / tratamento apropriado, inclusive a despeito de dispositivo legal que preceitue que poderia ser dispensado por justa causa, só pode ter como fundamento implícito a noção de dignidade humana.
Aliás, poder-se-ia mesmo dizer que o entendimento do alcoolismo como doença – e não como mera “falha de caráter” - está bastante relacionado ao surgimento da noção contemporânea de dignidade humana em detrimento da noção de honra (sem se descartar, por óbvio, os fundamentos físicos/biológicos envolvidos no desencadeamento dessa síndrome de dependência, que levaram a OMS a assim considerá-la).
De todo modo, cabe afirmar que Arnaldo Süssekind já afirmou, quanto ao art. 482, “f”, Consolidado, que...
É certo que o trabalhador viciado no álcool ou na droga deve ser considerado um doente. O ideal é que a lei facultasse, na primeira constatação da falta, a suspensão de contrato de trabalho, com a obrigação do empregado submeter-se a devido tratamento, só autorizando a sua rescisão se persistisse no vício. Mas o que não se pode impor é a presença e serviço de um empregado com redução do seu “estado de consciência, lucidez, alerta ou vigilância”, sobretudo nos transportes e na indústria, capazes de causar acidentes e, em qualquer estabelecimento, de tratar colegas e fregueses de maneira imprópria. (SÜSSEKIND, 2010, p. 354)
Seguindo esse tipo de entendimento (que sem dúvida insculpe a noção contemporânea de dignidade humana), começam a surgir decisões do TST, a partir de 200116, no sentido de não se aplicar o artigo 482, “f”, da CLT àqueles casos em que delineado quadro fático segundo o qual o empregado é alcoolista. In verbis:
ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. Não se pode convalidar como inteiramente justa a despedida do empregado que havia trabalhado anos na empresa sem cometer a menor falta, só pelo fato de ele ter sido acometido pela doença do alcoolismo, ainda mais quando da leitura da decisão regional não se extrai que o autor tenha alguma vez comparecido embriagado no serviço. A matéria deveria ser tratada com maior cuidado científico, de modo que as empresas não demitissem o empregado doente, mas sim tentasse recuperá-lo, tendo em vista que para uma doença é necessário tratamento adequado e não punição. (…) Revista parcialmente conhecida e parcialmente provida.
Processo: RR - 383922-16.1997.5.09.5555 Data de Julgamento: 04/04/2001, Relator Ministro: Vantuil Abdala, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 14/05/2001.
Ora, embora não haja uma invocação explícita da noção de dignidade humana, por certo nessa ementa faz-se presente a ideia de que o empregado, por “ter sido acometido pela doença do alcoolismo”, não pode ser meramente dispensado. Esse deve, em resumo, ser recuperado, deve ser tratado como fim em si, não como meio.
Transparece, aqui, sem dúvida a defesa da noção (contemporânea) de dignidade humana, seja, aquela que não é perdida mesmo por quem, infelizmente, sucumbe a uma doença como o alcoolismo (contrariamente à noção tradicional de dignidade ou honra, vista no excerto de Délio Maranhão).
No mesmo sentido, o seguinte julgado, de 2003:
JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, 'F', DA CLT. APLICABILIDADE. 1. O alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de "síndrome de dependência do álcool" (referência F- 10.2), o que afasta a aplicação do art. 482, "f", da CLT. 2. O alcoolismo crônico gera compulsão que impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 3. Por conseguinte, ao invés de motivar a dispensa por justa causa, deve inspirar no Empregador, até por motivos humanitários e porque lhe incumbe responsabilidade social, atitude dirigida ao encaminhamento do Empregado a instituição médica ou ao INSS, a fim de que se adote solução de natureza previdenciária para o caso. 4. Recurso de revista de que não se conhece.
(ED-RR - 561040-40.1999.5.15.5555 Data de Julgamento: 18/06/2003, Redator Ministro: João Oreste Dalazen, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 29/08/2003).
Do voto mencionado, retira-se o seguinte:
É certo que o artigo 482, alínea “f”, da CLT, como se sabe, estabelece como falta passível de configurar justa causa para dispensa a embriaguez habitual ou em serviço:
(…)
Sucede que, a meu juízo, a hipótese que se delineia nos presentes autos não se amolda à situação descrita pelo aludido dispositivo legal, o que se depreende do quanto assentado pelo Eg. Regional.
Infere do v. acórdão recorrido, ao indicar expressamente que a situação era de “típico caso de alcoólatra crônico” (fl. 107), trata-se aqui de “alcoolismo crônico”, catalogado como doença pela Organização Mundial de Saúde – OMS...
(…)
O alcoolismo constitui, portanto, grave e angustiante problema social. É uma chaga social que aflige todos os segmentos da sociedade, todas as classes sociais, drama familiar penoso para todos quantos o vivenciam e situação, portanto, em que a parte merece compreensão e tolerância da sociedade e, em particular, do Empregador, que deveria encaminhá-lo para tratamento médico. A despedida sumária do obreiro, longe de representar solução, acaba por agravar a situação já aflitiva do alcoolista.
Por se tratar de enfermidade, cumpria ao Empregador encaminhar para tratamento médico junto ao INSS, provocando o afastamento desse empregado do serviço e, por conseguinte, a suspensão do contrato de trabalho, e não o rigor excessivo com que se houve, tomando a decisão de dispensar o Empregado por justa causa. Penso que há aí certa incompreensão, ou, quando menos, falta de caridade, de magnanimidade para com situação grave, séria e dolorosa, do ponto de vista pessoal e social. Convém recordar, no particular, que as empresas têm também responsabilidade social decorrente de mandamento constitucional.
Cuidando-se, na presente hipótese, de alcoolismo crônico, entendo, em conclusão, que se o Empregador optasse por se desvencilhar do Empregado alcoolista – embora se me afigure uma opção pouco caritativa –, o máximo que poderia fazer seria uma despedida sem justa causa. O reconhecimento da despedida por justa causa, nesta circunstância, em um quadro de um empregado com seis anos de serviço, cuja página funcional se tem por imaculada, parece-me de rigor draconiano, inconcebível e inaceitável, do ponto de vista da justiça social.
Reputo, assim, incólume o artigo 482, alínea “f”, da CLT.
Neste caso, o Exmo. Ministro João Oreste Dalazen concluiu que a aplicação do art. 482, “f”, da CLT não seria possível, pois haveria dissonância entre o fato narrado e o conceito contido no citado dispositivo. Essa é uma outra maneira de se dizer que a “embriaguez habitual”, no caso, não é violação da obrigação geral de conduta, mas doença (síndrome de dependência alcoólica).
De todo modo, como a embriaguez habitual em si certamente se fez presente no caso concreto, pensa-se que a decisão ainda poderia também ser no sentido de se aplicar o dispositivo. Não o foi porque, além do magistrado ter concluído que “a hipótese (...) não se amolda à situação descrita pelo aludido dispositivo legal”, também amparou-se na ideia de que o alcoolista “merece compreensão e tolerância da sociedade e, em particular, do Empregador, que deveria encaminhá-lo para tratamento médico”.
Ou seja, novamente percebe-se a noção de que o empregado, doente, não pode ser simplesmente dispensado, mas deve receber tratamento – o que é outra maneira de dizer que possui dignidade humana.
Pode-se afirmar que nos arestos abaixo colacionados, o mesmo posicionamento é em geral adotado (não aplicação do art. 482, “f”, da CLT), ainda que no acórdão relativo ao AIRR-140240-74.1999.5.04.0022 alerte-se para o direito potestativo do empregador de dispensar, sem justa causa, o empregado alcoolista (cabe referir que na decisão do RR-529000-74.2007.5.12.0004 foi reconhecido o direito de empregado alcoolista da ECT, dispensado por justa causa, à reintegração; o mesmo concluindo-se quanto a empregado da Fundação da Universidade Federal do Paraná - RR-130400-51.2007.5.09.0012).
Cabe ainda notar que no acórdão relativo ao RR-1957740-59.2003.5.09.0011, já mencionado, foi deferida indenização por dano moral a família de empregado alcoolista que se suicidou após ter sido dispensado com base no art. 482, “f”, da CLT.
Em outros julgados (p. ex., AIRR-2412-13.2010.5.15.0000, publicado em 19/11/2010), admitiu-se a possibilidade de aplicação do art. 482, “f”, da CLT, desde que o empregado tivesse sido submetido a punições mais brandas antes. No E-RR–638368-44.2000.5.21.5555, julgado pela SBDI-1 e publicado em 14/11/2006, admitiu-se a justa causa após ter havido “tratamento contra a moléstia, que não obteve sucesso”.
Vale também mencionar o acórdão relativo ao RR-38840-68.2006.5.17.0132, em que o TST negou indenização por dano moral a família de empregado alcoolista que faleceu em decorrência da doença (em virtude de cirrose, insuficiência hepática aguda, insuficiências renal e insuficiência respiratória), porquanto não configurada a culpa da empregadora que, aliás, “encaminhou o ex-empregado a tratamento específico e à entrevista no serviço social” (observe-se que no voto do Ministro Walmir Oliveira da Costa, no RR-1957740-59.2003.5.09.0011, a morte do empregado, por meio de suicídio, decorreu diretamente da dispensa com justa causa – quadro fático totalmente diverso).
De todo modo, feitos os remarques acima, transcreve-se, aqui, as principais decisões acerca da questão, prolatadas nos últimos anos pelo TST:
(…) 2. EMBRIAGUEZ - JUSTA CAUSA - VIOLAÇÃO. ALCOOLISMO CRÔNICO. O regional, com base no conjunto probatório, interpretou de forma razoável o art. 482, "f", da CLT, admitindo que em casos como o dos autos em que comprovadamente há dependência do álcool, considerado como doença pela Organização Mundial de Saúde, a dispensa do empregado, embora seja um direito do empregador, não pode ser motivada. Agravo de instrumento desprovido.
(AIRR - 140240-74.1999.5.04.0022 Data de Julgamento: 10/05/2006, Relator Juiz Convocado: Luiz Ronan Neves Koury, 3ª Turma, Data de Publicação: DJ 02/06/2006).
RECURSO DE REVISTA PATRONAL. ALCOOLISMO. Diante do posicionamento da OMS, que catalogou o alcoolismo como doença no Código Internacional de Doenças (CID), sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2), impõe-se a revisão do disciplinamento contido no art. 482, letra "f", da CLT, de modo a impedir a dispensa por justa causa do Trabalhador alcoólatra (embriaguez habitual), mas, tão-somente, levar à suspensão de seu contrato de trabalho, para que possa ser submetido a tratamento médico ou mesmo a sua aposentadoria, por invalidez. Recurso de Revista conhecido em parte e desprovido.
(AIRR e RR - 813281-96.2001.5.02.5555 Data de Julgamento:23/08/2006, Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 22/09/2006).
JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO. SÚMULA Nº 296, I, DO C. TST. ARESTOS PARADIGMAS INESPECÍFICOS. Os julgados paradigmas apresentados no recurso de embargos não refletem com fidelidade tese oposta àquela revelada na v. decisão embargada que, ao analisar o mérito do recurso de revista, esclareceu que a justa causa por embriaguez somente foi levada a cabo após tratamento contra a moléstia, que não obteve sucesso. Incidência da Súmula nº 296, I, do C. TST. Embargos não conhecidos.
Processo: E-RR - 638368-44.2000.5.21.5555 Data de Julgamento: 14/11/2006, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DJ 01/12/2006.
RECURSO DE REVISTA. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de "síndrome de dependência do álcool", cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. No caso dos autos, resta incontroversa a condição do obreiro de dependente químico. Por conseguinte, reconhecido o alcoolismo pela Organização Mundial de Saúde como doença, não há como imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. Recurso de revista conhecido e provido.
(RR - 186400- 95.2004.5.03.0092 Data de Julgamento: 13/02/2008, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 28/03/2008).
RECURSO DE REVISTA. EMBRIAGUEZ. A embriaguez habitual ou em serviço só constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador quando o empregado não é portador de doença do alcoolismo, também chamada de síndrome de dependência do álcool. Recurso de revista conhecido e desprovido.
(RR - 200040-97.2004.5.19.0003 Data de Julgamento: 02/04/2008, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 18/04/2008).
ALCOOLISMO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO DA JUSTA CAUSA. REINTEGRAÇÃO. Revela-se em consonância com a jurisprudência desta Casa a tese regional no sentido de que o alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. Registrado no acórdão regional que "restou comprovado nos autos o estado patológico do autor", que o levou, inclusive, "a suportar tratamento em clínica especializada", não há falar em configuração da hipótese de embriaguez habitual, prevista no art. 482, "f", da CLT, porquanto essa exige a conduta dolosa do reclamante, o que não se verifica na hipótese. Recurso de revista não-conhecido, integralmente.
Processo: RR - 153000-73.2004.5.15.0022 Data de Julgamento: 21/10/2009, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/11/2009.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO CRÔNICO. JUSTA CAUSA. DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 482, F, DA CLT. A decisão do Regional, quanto ao afastamento da justa causa, não merece reparos, porquanto está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, inclusive da SBDI-1, no sentido de que o alcoolismo crônico é visto, atualmente, como uma doença, o que requer tratamento e não punição. Incólume o artigo 482, alínea "f", da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
Processo: AIRR - 34040-08.2008.5.10.0007 Data de Julgamento: 14/04/2010, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2010.
CONVERSÃO DA JUSTA CAUSA EM DESPEDIDA IMOTIVADA. MATÉRIA FÁTICA. NÃO PROVIMENTO. 1. O simples fato de ser portador de síndrome de dependência de álcool não configura, por si só, justa causa para a dispensa do empregado. Caso concreto que não se amolda à hipótese das alíneas "e", "f" e "h" no artigo 482 da CLT. 2. Assim, para decidir de forma diversa, seria imprescindível a reapreciação do suporte fático, o que é defeso nesta fase processual, ante o que dispõe a Súmula nº 126. 3. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
Processo: AIRR - 27540-60.2005.5.04.0018 Data de Julgamento: 10/08/2010, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/08/2010.
RECURSO DE REVISTA. DECISÃO REGIONAL QUE AFASTOU JUSTA CAUSA PARA A DESPEDIDA DO EMPREGADO, ADOTANDO TESE JURÍDICA ALICERÇADA NO RECONHECIMENTO CIENTÍFICO DE QUE O ALCOOLISMO CRÔNICO, DE QUE PADECE O RECLAMANTE, NO CASO DOS AUTOS, É DOENÇA QUE RECLAMA TRATAMENTO, NÃO SE CONFUNDINDO COM O DESVIO DE CONDUTA DE QUE TRATA A HIPÓTESE DO ART. 482, LETRA -F-, DA CLT. RECURSO DE REVISTA FUNDADO APENAS EM DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL, QUE NÃO ESTÁ DEVIDAMENTE CARACTERIZADA, TORNANDO-SE INVIÁVEL SEU CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 296, I, DO TST. Verifica-se que as decisões colacionadas em razões de recurso de revista não se prestam ao conflito de teses, pois inespecíficas, à luz da Súmula n.º 296, I, do TST. Com efeito, nenhum dos paradigmas transcritos pela reclamada (fl. 201) refere-se à hipótese de embriaguez contumaz, em que o obreiro padece de alcoolismo crônico, aspecto fático expressamente consignado no acórdão regional. Logo, considerando que o apelo patronal veio calcado apenas em divergência jurisprudencial, mostra-se inviável o processamento do apelo, nos termos do que dispõe aludido verbete. Recurso de revista não conhecido.
Processo: RR - 132900-69.2005.5.15.0020 Data de Julgamento: 18/08/2010, Relator Juiz Convocado: Flavio Portinho Sirangelo, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/08/2010.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. A análise do conjunto probatório feita pelo Regional leva à conclusão de que a reclamada agiu acertadamente na aplicação da penalidade máxima imposta ao reclamante, provando inclusive a aplicação das punições mais brandas antes de promover o desligamento do obreiro. Assim, decidir de forma diversa implicaria o reexame de fatos e provas por parte deste Tribunal, o que é vedado nos termos da Súmula nº 126/TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
Processo: AIRR - 2412-13.2010.5.15.0000 Data de Julgamento: 17/11/2010, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/11/2010.
RECURSO DE REVISTA. DOENÇA GRAVE. ALCOOLISMO. DISPENSA ARBITRÁRIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. Trata-se de hipótese de empregado portador de síndrome de dependência do álcool, catalogada pela Organização Mundial de Saúde como doença grave, que impele o portador à compulsão pelo consumo da substância psicoativa, tornado-a prioritária em sua vida em detrimento da capacidade de discernimento em relação aos atos cotidianos a partir de então praticados, cabendo tratamento médico. 2. Nesse contexto, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa da empresa, ainda que sem justa causa, contribuiu para agravar o estado psicológico do adicto, culminando em morte por suicídio. 3. A dispensa imotivada, nessas condições, configura o abuso de direito do empregador que, em situação de debilidade do empregado acometido de doença grave, deveria tê-lo submetido a tratamento médico, suspendendo o contrato de emprego. 4. Desse modo, resta comprovado o evento danoso, ensejando, assim, o pagamento de compensação a título de dano extrapatrimonial ou moral. 5. O dano moral em si não é suscetível de prova, em face da impossibilidade de fazer demonstração, em juízo, da dor, do abalo moral e da angústia sofridos. O dano ocorre in re ipsa, ou seja, o dano moral é consequência do próprio fato ofensivo, de modo que, comprovado o evento lesivo, tem-se, como consequência lógica, a configuração de dano moral, exsurgindo a obrigação de pagar indenização, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido.
Processo: RR - 1957740-59.2003.5.09.0011 Data de Julgamento: 15/12/2010, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/02/2011.
RECURSO DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. ALCOOLISMO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. R$50.000,00. O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário interposto pelos Reclamantes, a fim de condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente de acidente de trabalho, no valor de R$ 50.000,00. Entendeu que a omissão da Reclamada ao não encaminhar o ex-empregado a tratamento específico para sua doença ocupacional - alcoolismo - caracteriza a culpa pelo evento danoso, o falecimento do ex-empregado. Os fatos consignados no acórdão recorrido demonstram a ausência de culpa do empregador. O infortúnio decorreu de -insuficiência respiratória, insuficiência renal, insuficiência hepática aguda e cirrose hepática, conforme certidão de óbito de fls. 21-, e não da conduta do empregador. Não consta do julgado nenhum indício de que a Reclamada agiu com a intenção de provocar o evento que vitimou o de cujus ou de que descumpriu as obrigações legais relativas à saúde ocupacional, nem de que se absteve do dever geral de cautela. Ao contrário, consta que a Reclamada encaminhou o ex-empregado a tratamento específico e à entrevista no serviço social, descaracterizando a omissão. Recurso de revista conhecido e provido, para afastar a condenação da Reclamada ao pagamento de indenização por danos morais e julgar improcedentes os pedidos formulados pelos Autores.
Processo: RR - 38840-68.2006.5.17.0132 Data de Julgamento: 15/12/2010, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/02/2011.
RECURSO DE REVISTA. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. REINTEGRAÇÃO. A OMS formalmente reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID). Diante de tal premissa, a jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de admitir o alcoolismo como patologia, fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo. A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar, como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (…). INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. INTOXICAÇÃO AGUDA. A v. decisão foi proferida com base no conjunto fático-probatório e na legislação pertinente à matéria, no sentido de deferir o pagamento de indenização por danos morais, porque comprovados o nexo causal, o dano e a culpa do empregador. Qualquer posicionamento diverso levaria ao reexame de matéria fática, incabível na atual fase processual, a teor do disposto na Súmula nº 126 do C. TST. Recurso de revista não conhecido.
Processo: RR - 130400-51.2007.5.09.0012 Data de Julgamento: 16/02/2011, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011.
ECT. DISPENSA. MOTIVAÇÃO. ESTABILIDADE. ALCOOLISMO. REINTEGRAÇÃO. 1. -A validade do ato de despedida de empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais- (OJ 247, II, da SDI-I do TST). 2. O alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. 3. Ainda que o alcoolismo, no caso em apreço, não decorra necessariamente do contrato de trabalho, não se vislumbra contrariedade à Súmula 378, II, do TST, porquanto não afastada a ilegalidade da dispensa do reclamante. Incólumes os arts. 1º, III, e 37, caput, da Constituição da República. Recurso de revista integralmente não conhecido.
(RR - 72700-92.2007.5.17.0013 Data de Julgamento: 23/03/2011, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/04/2011).
RECURSO DE REVISTA. FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. 1. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de -síndrome de dependência do álcool-, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 2. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. 3. No caso dos autos, resta incontroversa a condição da dependência da bebida alcoólica pelo reclamante. Nesse contexto, considerado o alcoolismo, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença, e adotando a Constituição da República como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, além de objetivar o bem de todos, primando pela proteção à saúde (artigos 1º, III e IV, 170, 3º, IV, 6º), não há imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. 4. Recurso de revista não conhecido.
(RR - 152900-21.2004.5.15.0022 Data de Julgamento: 11/05/2011, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1. PRESCRIÇÃO. O Regional não examinou a questão pelo enfoque da data em que configurada a incapacidade do reclamante, mas por incidência da Súmula nº 422 do TST, motivo pelo qual a pretensão encontra óbice na Súmula nº 297 do TST. 2. NULIDADE. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO. A decisão do Regional, quanto ao afastamento da justa causa, não merece reparos, porquanto está em consonância com o entendimento desta Corte Superior, inclusive da SBDI -1, no sentido de que o alcoolismo crônico é visto, atualmente, como uma doença, o que requer tratamento, e não punição. Incólume a Súmula nº 32 do TST. 3. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Presentes os requisitos para a configuração do dano moral, o dever de indenizar não está atrelado necessariamente à comprovação do abalo moral sofrido, pois trata-se de dano in re ipsa, ou seja, pela mera ocorrência do evento descrito. 4. VALOR ARBITRADO À CONDENAÇÃO. O fato de o reclamante ficar impossibilitado de auferir salários, receber tratamento médico e demais vantagens advindas do contrato de trabalho, sopesado à prevenção de futura negligência do empregador, sem que isso viesse a representar enriquecimento sem causa do reclamante, demonstra a utilização de parâmetros razoáveis e proporcionais na fixação do valor da condenação. Ileso o art. 944, parágrafo único, do CC. Agravo de instrumento conhecido e não provido.
(AIRR - 3082-89.2010.5.10.0000 Data de Julgamento: 08/06/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. CLASSIFICAÇÃO COMO DOENÇA DENOMINADA SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS (CID-10, REFERÊNCIA F-10.2). ART. 482, F, DA CLT. REINTEGRAÇÃO. Confirmada a ordem de obstaculização do recurso de revista, na medida em que não demonstrada a satisfação dos requisitos de admissibilidade, insculpidos no artigo 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido.
Processo: AIRR - 397-79.2010.5.10.0010 Data de Julgamento: 14/11/2012, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/11/2012.
RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO. DOENÇA CRÔNICA. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. De acordo com o Tribunal Regional, o reclamante é dependente químico, apresentando quadro que associa alcoolismo crônico com o uso de maconha e crack. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que o alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença que compromete as funções cognitivas do indivíduo, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. Assim, tem-se como injustificada a dispensa do reclamante, porquanto acometido de doença grave. Recurso de revista conhecido e provido.
Processo: RR - 529000-74.2007.5.12.0004 Data de Julgamento: 05/06/2013, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2013.
Importante observar, novamente, que o entendimento de que um empregado considerado doente não deve ser meramente 'descartado', mas receber apoio / tratamento apropriado, tem como fundamento implícito (e por vezes explícito, como se viu acima) o princípio da dignidade humana.
Cabe referir, mais uma vez, que esse entendimento do TST colide com o contido no art. 482, “f”, da CLT, segundo o qual:
Art. 482. - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(…)
f) embriaguez habitual ou em serviço;
Luís Roberto Barroso afirma que uma das características do neoconstitucionalismo é a “interpretação conforme a Constituição”, que pode envolver “(i) uma singela determinação de sentido da norma, (ii) sua não incidência a uma determinada situação de fato ou (iii) a exclusão, por inconstitucional, de uma das normas que podem ser extraídas do texto”. Em qualquer dos casos, “não há declaração de inconstitucionalidade do enunciado normativo, permanecendo a norma no ordenamento”, reconciliando-se, assim, “o princípio da supremacia da Constituição e o princípio da presunção de constitucionalidade” (BARROSO, 2006, p. 30).
Nos arestos produzidos pelo TST, pode-se dizer que houve interpretação, conforme a Constituição, do art. 482, “f”, da CLT, que culminou em sua não incidência a uma determinada situação de fato. Pode-se dizer, ainda, que essa interpretação foi ensejada, sem dúvida, pelo entendimento de que o alcoolismo é uma doença, mas também inspirada nos princípios da dignidade humana, valor social do trabalho, proteção à saúde, etc.(repita-se que o TST também já produziu decisões no sentido de se aplicar o dispositivo Consolidado, mesmo partindo-se da constatação de que o alcoolismo é uma doença, pelo que a mudança de posicionamento de sua jurisprudência, acredita-se aqui, deve-se mais ao fortalecimento do neoconstitucionalismo e da própria ideia de dignidade humana no Direito brasileiro).
De todo modo, esse tipo de interpretação é criticada por partidários da análise econômica do direito, segundo os quais a postura neoconstitucionalista ocasiona “a flexibilização da lei e sua compatibilização com princípios de conteúdo indeterminado” (GICO JR apud PAPP, p. 10).
Já se discutiu, neste pequeno trabalho, a problemática da aplicação de princípios como o da dignidade humana, quanto mais em detrimento de textos legais vigentes. Já se debateu a possibilidade de que o uso de noções vagas como a de dignidade humana podem tanto ser fruto de uma inclinação pessoal / emotiva do julgador, como pode estar relacionada a uma tentativa de solução racional para casos desafiados por questões morais – como é o caso da dispensa com justa causa de empregado que desenvolve o alcoolismo e, portanto, encontra-se enfermo.
De fato, desde que a embriaguez habitual perdeu o status de mero desvio de conduta, sendo considerada uma doença, a aplicação do art. 482, “f”, da CLT só poderia dar-se mediante ofensa ao princípio da dignidade nos casos em que a doença resta configurada. Talvez essa conclusão não seja de todo 'voluntariosa': a inspiração em princípios como o da dignidade está, afinal, prevista em nosso ordenamento jurídico (art. 4º da LIDB). Ademais, o princípio, repita-se, definido como o tipo de padrão que formula uma “exigência da justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”, que “enuncia uma razão que conduz o argumento em uma certa direção”, “deve ser levado em conta pelas autoridades públicas” (DWORKIN, 2002) em um Estado Constitucional.
E, ao menos quanto ao tema do alcoolismo e trabalho aqui analisado, o princípio, em detrimento da norma, vem sendo aplicado com propriedade pelo TST, já que não implicou a criação de um novo direito, mas apenas invalidou a incidência do art. 482, “f”, da CLT a uma situação de fato (configuração do alcoolismo), sob o risco de ofensa à Constituição.
Observe-se que exageros do tipo condenar o empregador a pagar indenização por dano moral à família do empregado alcoolista em razão de sua morte, relacionada às complicações da doença, ainda mais quando caracterizado o comportamento benigno da empresa para com o empregado, não foram cometidos.
Ademais, poder-se-ia até afirmar que o posicionamento do TST está inclusive de acordo com a noção de eficiência de Kaldor – Hicks, ao menos em alguns casos, como o do RR-383922-16.1997.5.09.555, em que a empresa não pôde dispensar empregado que, afinal, havia trabalhado para ela por anos “sem cometer a menor falta”. Ressalte-se que segundo o critério de Kaldor – Hicks, o “ganhador deve ganhar mais do que o perdedor perde”, de modo a, teoricamente, compensar o último (MICELI, 2009); ou melhor, “o bem-estar dos ganhadores” deve crescer “em um montante tal que seja possível, ao menos em tese, a compensação da redução do bem-estar dos perdedores” (NIED, Paulo Sérgio).
Embora a empresa 'perca' na medida em que fica obrigada a manter o contrato, este ao menos fica suspenso, as obrigações mútuas tornam-se inexigíveis, não se produzindo recolhimentos vinculados a ele. O alcoolista, por sua vez, ganha a manutenção do emprego, encaminhamento ao INSS, percepção de auxílio-doença e possibilidade de se tratar e recuperar-se (ou aposentar-se). Nos casos em que se recupera e retorna ao serviço (sobretudo se é o tipo do funcionário exemplar ou altamente qualificado), a compensação para a empresa deixa de ser teórica, pois há quem afirme que a recuperação de um empregado alcoolista pode ser menos custosa do que a sua dispensa seguida da contratação e treinamento de um substituto. Ademais, o empregado que teve o apoio da empresa no enfrentamento da doença provavelmente será leal a ela17.
De todo modo, é certo que nem sempre as decisões do Judiciário Trabalhista acerca do binômio alcoolismo e trabalho serão (ou deveriam ser) compatíveis com algum critério de eficiência como o de Kaldor – Hicks. Essa é uma das razões pela qual esse tipo de decisão sempre gerará algum tipo de desconforto, como já se disse aqui. Desconforto que parece ser comum desde que o Direito passou a ser desafiado moralmente pela noção contemporânea de dignidade humana.