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Relações entre Estado e economia:

um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil

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O exercício da atividade regulatória é feito, sucintamente, pelo sistema de proteção da concorrência, pelo sistema de proteção do consumo e pelas agências reguladoras.

SUMÁRIO: 1.  INTRODUÇÃO.. 2.  ESTADO E ECONOMIA..2.1  A ECONOMIA.. 2.1.1  Os Sistemas de Trocas.2.1.2  O Mercado. 2.1.2.1  Os Graus de Eficiência do Mercado para o Bem-Estar Social.2.1.2.2  Mercados Totalmente Competitivos.2.1.3 As Falhas de Mercado. 2.1.3.1  Poder de Mercado.2.1.3.2  Informações Incompletas. 2.1.3.3  Externalidades. 2.1.3.4  Bens Públicos.2.2  O ESTADO.. 2.2.1  O Estado Liberal.2.2.2  O Estado Social .2.2.3  O Estado Regulador .3  O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX.. 4  EMPRESA PRIVADA E EMPRESA PÚBLICA: UM ESTUDO COMPARATIVO DO DESEMPENHO ECONÔMICO.. 4.1  A TEORIA DO AGENTE-PRINCIPAL. 4.2 OS INCENTIVOS..4.3 comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas . 4.4   estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas. 4.5  O ESTUDO DE PONTES LIMA E O ESTADO REGULADOR.. 5  O ESTADO REGULADOR..5.1  A PRESENÇA DA REGULAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 5.1.1  O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 5.2  O DIREITO REGULATÓRIO.. 5.3  A ATIVIDADE REGULATÓRIA.. 5.3.1  A Intervenção do Estado na Economia e a Atividade Regulatória. 5.3.2  Características. 5.3.2.1  Independência do poder governamental. 5.3.2.2  Autonomia.5.3.2.3  Descentralização. 5.3.2.4  Subsidiariedade. 5.3.3  Normatividade. 5.3.3.1  A Legitimidade Democrática da Atividade Regulatória. 5.3.4  Meios da Atividade Regulatória.6  REGULAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL.. 6.1  Sistema de Proteção da Concorrência..6.1.1  CADE.. 6.1.2  SDE.. 6.2  Sistema de Proteção do Consumo..6.3  As Agências Reguladoras.. 6.3.1  As Agências Reguladoras no Brasil. 7  ESTADO REGULADOR NO BRASIL: ATUALIDADES. 8  CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1.  INTRODUÇÃO

Estado e Economia estão intimamente ligados. Há uma intersecção entre os seus objetivos e os meios para alcançá-los. Sem uma eficiente alocação dos recursos econômicos, o Estado não pode promover aos seus cidadãos nem mesmo os bens necessários para a sua sobrevivência, muito menos justiça social. A economia, por sua vez, se forma de um conjunto de relações entre pessoas, o qual sem normas claras impostas por um Estado soberano logo estaria em uma situação caótica, que obstaculizaria seu desenvolvimento.

Esse necessário relacionamento entre Estado e Economia pode ocorrer de várias formas. Historicamente pode-se citar o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Regulador. Por trás de cada uma dessas formas de Estado há diferentes realidades e objetivos econômicos.

Atualmente a realidade é de uma economia de mercado extremamente dinâmica e por vezes bastante técnica, em que predomina a lógica da economia capitalista de mercado. O objetivo, como define a Constituição da República brasileira, é uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Essa realidade econômica e esses objetivos estatais convergem para a implementação do modelo de Estado Regulador, o que já vem acontecendo. Prova disso são as privatizações e a criação de inúmeras Agências Reguladoras.

Desde o início da década de 1990 o Estado vem cedendo à iniciativa privada muitos dos serviços e bens que produzia. Atividades como geração e distribuição de energia (Eletropaulo), extração de reservas minerais nacionais (USIMINAS, CSN, Companhia Vale do Rio Doce), expansão e manutenção da infra-estrutura (TELEBRAS, privatização de rodovias e portos), etc. são deixadas nas mãos de agentes privados. Entretanto, por essas atividades serem de grande importância social, elas não podem ser exercidas de qualquer forma. A atuação privada nesses setores é regulada pelo Estado. Dentre as formas de se fazer essa regulação estão as Agências Reguladoras.

Em 1996 foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, primeira Agência Reguladora no Brasil, atuando em um setor extremamente importante e estratégico para a economia nacional. A partir de então criou-se inúmeras outras agências atuando em setores de não menos importância, como a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a Agência Nacional do Petróleo – ANP, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a Agência Nacional de Águas – ANA, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, entre outras.

Como se pode perceber, a realidade apresenta vários indícios de que o Brasil caminha em direção ao modelo regulador de Estado. E se caminha nessa direção, é imprescindível conhecer melhor o destino que ela reserva. Assim, o objetivo deste trabalho é fazer um estudo sobre a relação entre o Estado e a economia, com enfoque sobre o Estado Regulador, bem como sobre os aspectos da implementação desse modelo no Brasil.     


2.  ESTADO E ECONOMIA

2.1  A ECONOMIA

De acordo com a teoria do Big Bang toda a matéria existente hoje no universo encontrava-se centrada no átomo original, superdenso e extremamente quente. Em dado momento, há cerca de 20 bilhões de anos, teria ocorrido a explosão que deu origem ao universo (COELHO, 1996, p. 8). Apenas após 15 bilhões de anos teria surgido o planeta Terra, com características tais que permitiram a formação de seres vivos. Estes, ao longo dos anos, evoluíram pela seleção natural feita pelo ambiente e interação com outros seres vivos. Muitas espécies surgiram, muitas se extinguiram e algumas remanesceram por um período de tempo mais longo. Em meio a este processo, há cerca de cem mil anos, desenvolveu-se a espécie dos Homo sapiens, que assim como os outros seres vivos pode ser extinta e dar lugar a espécies mais adaptadas aos novos meios que surgirem. O próprio Sistema Solar não é eterno, sendo que alguns cientistas prevêem seu final daqui a cinco bilhões de anos.    

Durante a sua existência a espécie dos Homo sapiens, assim como qualquer outro animal, precisa suprir algumas necessidades que são essenciais para a sua sobrevivência (manter o seu corpo e mente funcionando): alimentar-se, abrigar-se das intempéries naturais, proteger-se contra o frio e o calor, etc. Interessante é o modo como esta espécie fez e vem fazendo isso. Sua capacidade de elaborar instrumentos e de planejar abstratamente as suas ações parece ter lhe conferido o poder de alterar o ambiente a sua volta mais do que qualquer outro ser vivo deste planeta. E as formas como cada grupo de seres humanos alteram o meio em que vivem dependerá da criatividade de cada um desses grupos e dos diferentes desafios que cada ambiente impõe aos seus hóspedes hominídeos. A consolidação da forma como um grupo soluciona suas dificuldades comumente dá origem a costumes, tradições e valores sociais que passam de geração para geração, dando origem a crenças, mitos, lendas, idiomas, diferentes formas de mercado e inclusive a formas de Estado, de Governo, de Sistemas de Governo, Regimes Políticos e leis[1].

As técnicas, instrumentos e instituições desenvolvidas por cada grupo com o decorrer da história humana, além dos recursos naturais presentes em cada região geográfica, tiveram e têm grande influência sobre o modo como a riqueza (material e intelectual) se distribui atualmente entre os países e entre as pessoas que neles vivem. Assim, a revolução neolítica (há cerca de 10.000 anos) em que homens e mulheres iniciaram o cultivo de plantas e a domesticação de animais, a invenção da escrita cuneiforme pelos sumérios (há 2000 anos), a elaboração do Código de Hamurábi no Primeiro Império Babilônico (2000 a.C. a 1750 a.C.), o desenvolvimento da filosofia e das artes na Grécia Antiga, o fortalecimento e expansão da religião católica na Idade Média, o início da expansão muçulmana no século VI, o mercantilismo, a expansão marítima lusa no século XV, as reformas religiosas, a Revolução Industrial e o Iluminismo do século XVIII, as doutrinas socialistas do século XIX, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o desenvolvimento da Informática e a intensificação da globalização, são apenas alguns fatos e acontecimentos da história ocidental que determinam o atual estado das técnicas, instrumentos, instituições e distribuição de riqueza em alguns paises.  

A fabricação de objetos e a modificação de ambientes pode ser feita de várias formas, mas todas exigem matéria prima, trabalho (físico e intelectual) e tempo. O fato é que dependendo da forma escolhida, pode-se despender menos ou mais matéria prima, trabalho e tempo. Portanto, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos, técnicas e instituições é essencial para suprir as necessidades humanas de forma mais eficiente e eficaz[2]. O campo de estudo da ciência econômica abrange essas questões, sendo que de acordo com Paul Samuelson “economia é uma ciência social que estuda a administração dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos[3].”

2.1.1  Os Sistemas de Trocas

Imagine-se uma pessoa que vive sozinha em uma ilha dotada de grande variedade e abundância de recursos naturais. Se esta pessoa quiser água fresca, bastará ir até o rio de águas quase cristalinas, onde também poderá pescar deliciosos peixes que nele nadam em abundância. Para construir e reparar seu abrigo, madeira não faltará, há toda uma floresta repleta de grandes árvores, das quais também poderá colher frutas suculentas. A fauna da ilha não fica para trás, a diversidade de animais é grande, havendo carne em abundância para o habitante humano desta ilha. Muitos diriam que é uma ilha paradisíaca, mas esquecem que para desfrutar desses recursos naturais é preciso trabalho (ir até o rio, pescar, colher frutas, caçar, cortar madeira, construir e reparar o abrigo...) e uma vez que a pessoa deste exemplo vive sozinha nesta ilha, ela terá de fazer tudo ou a fome, o frio, a tempestade e os animais selvagens a matarão.

Imagine-se agora que ao invés de apenas uma pessoa, morasse na ilha um grupo de pessoas. Inicialmente, pode-se supor que cada uma cuidaria da sua própria sobrevivência, de modo que todos pescariam, caçariam, construiriam seus abrigos, etc. Mas, como as pessoas têm habilidades diferentes, alguns obteriam ótimos resultados da caçada, outros deixariam de almoçar, mas seriam capazes de construir belos e fortes abrigos. Alguns seriam exímios pescadores, outros conheceriam todos os segredos dos traiçoeiros caminhos pelas florestas e conseguiriam coletar as mais deliciosas e raras frutas. Assim, seria quase natural que os membros desse grupo começassem a fazer trocas: o bom construtor faria uma casa para o caçador e este caçaria para ele; o pescador entregaria alguns peixes para o coletor de frutas e este o recompensaria com suas frutas, etc. Assim, cada membro do grupo poderia desfrutar de todos os recursos naturais da ilha apenas se dedicando à atividade em que é habilidoso, o que não aconteceria se cada um se dedicasse a todas as atividades. O mecanismo que possibilita essa melhora no bem estar coletivo é a troca. Para complementar essa reflexão, interessantes são as palavras de Adam Smith (1983, p. 49):

Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é a conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra. (...)De qualquer maneira, essa propensão encontra-se em todos os homens, não se encontrando em nenhuma outra raça de animais, que não parecem conhecer nem essa nem outras formas de contratos. (...) Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas. (...) O homem tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa.

E com o passar do tempo e evolução das sociedades humanas, essas trocas ocorrem em âmbitos cada vez maiores, como ensinam os respeitados economistas Paul R. Krugman e Maurice Obstfeld (2005, p. 7):

Os países participam do comércio internacional por dois motivos básicos, e cada um deles contribui para seu ganho do comércio. Primeiro, os países fazem comércio porque são diferentes uns dos outros. As nações, como os indivíduos, podem se beneficiar de suas diferenças chegando a um arranjo em que cada uma produza as coisas que faz melhor em relação aos demais. Segundo, os países fazem comércio para obter economias de escala na produção. Isto é, se cada país produz somente uma gama limitada de bens, pode produzir cada um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente do que se tentasse produzir tudo. No mundo real, os padrões do comércio internacional refletem a interação de ambos os motivos.

2.1.2  O Mercado

A sofisticação das trocas levam também à formação dos mercados. Uma boa definição de mercado foi elaborada por Robert S. Pindyck e por Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 7):

Podemos dividir as unidades econômicas individuais em dois grandes grupos de acordo com sua função – compradores e vendedores. Os compradores abrangem os consumidores, adquirem bens e serviços; e as empresas, que adquirem mão-de-obra, capital e matérias-primas que utilizam para produzir bens e serviços. Entre os vendedores estão as empresas, que vendem bens e serviços; os trabalhadores, que vendem seus serviços; e os proprietários de recursos, que arrendam terras ou comercializam recursos minerais para as empresas. Nitidamente, a maioria das pessoas e das empresas atua tanto como comprador quanto como vendedor; verificaremos, contudo, que é prático pensar nelas simplesmente como compradores quando estão adquirindo, e vendedores quando estão vendendo alguma coisa. Em conjunto, compradores e vendedores interagem, originando os mercados. Um mercado é, pois, um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas reais ou potenciais interações, determina o preço de um produto ou de um conjunto de produtos.  

2.1.2.1  Os Graus de Eficiência do Mercado para o Bem-Estar Social

As trocas têm a capacidade de aumentar o bem-estar das pessoas. Se feitas de acordo com a vontade dos indivíduos (ambas as partes aceitam a troca por vontade própria) elas tendem a tornar a alocação dos recursos mais eficiente, fazendo com que a economia seja mais próspera. Há entretanto diferentes ambientes em que essas trocas podem ser feitas. Em determinado ambiente ideal, as trocas maximizarão o aumento de bem-estar dos indivíduos. Já em um ambiente desfavorável, ela pode até piorar a condição coletiva de uma comunidade. Qual seria então esse ambiente ideal?

Em seu manual de Microeconomia, o professor do Banco Mitsubishi de economia e finanças da Faculdade de Administração de Sloan no MIT, Robert S. Pincyck e o professor da Robert L. Bridges de direito e professor de economia da Universidade de Califórnia, Daniel L. Rubinfeld chegam às seguintes conclusões (2004, p. 595):

Em primeiro lugar, mostramos que, para qualquer alocação inicial de recursos, um sistema competitivo de trocas entre os indivíduos, seja no mercado de bens finais, no mercado de insumos ou no mercado de produção, levará a um resultado economicamente eficiente. O primeiro teorema do bem-estar econômico nos diz que um sistema competitivo, baseado nos próprios interesses de consumidores e produtores, bem como na capacidade que os preços de mercado têm para transmitir informações a ambas as partes, conseguirá uma alocação eficiente de recursos. Em segundo lugar mostramos que, com preferências convexas dos consumidores, qualquer alocação eficiente de recursos pode ser alcançada por meio de um processo competitivo com uma redistribuição viável desses recursos. (...) Ambos os teoremas do bem-estar econômico dependem crucialmente da suposição de que os mercados são competitivos. Infelizmente, nenhum desses resultados necessariamente se mantêm quando, por alguma razão, os mercados deixam de ser competitivos. (grifo nosso).

Assim, o ambiente ideal seria aquele em que se permite abertamente que haja competição entre os agentes econômicos, isto é, que haja concorrência. E isso é simples de ser compreendido. Suponha-se que em um bairro afastado do centro da cidade só haja uma padaria num raio de dez quilômetros. O padeiro, se aproveitando da situação, cobra um preço bem mais alto pelo seu pão do que as padarias do centro. Os moradores acham o preço um absurdo, mas acabam comprando lá porque ir até o centro tomaria muito tempo e, além disso, haveria gasto com transporte. Observando tudo isso, um morador da região conclui que montar uma padaria é muito lucrativo e abre uma outra padaria na região. Um mês depois, o dono da primeira padaria vê que suas vendas estão diminuindo por causa da nova padaria e, querendo recuperar a freguesia, resolve abaixar um pouco o preço. O segundo padeiro reage e além de abaixar seu preço, faz um pão de melhor qualidade. E assim por diante. Enquanto isso, a comunidade local se beneficia com preços melhores e pães cada vez mais gostosos. Basta aplicar esse raciocínio para os diversos bens produzidos e os variados serviços ofertados em suas diferentes magnitudes, para compreender a razão pela qual um ambiente que permite a concorrência aumenta o bem-estar social.

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 Se o mercado competitivo traz vantagens sociais em relação aos não-competitivos, é natural que se queira que o mercado regional ou nacional seja competitivo. Mas, qual são as características que tornam um mercado competitivo?

2.1.2.2  Mercados Totalmente Competitivos           

Mercados totalmente competitivos são o ideal de efetividade econômica quanto ao bem-estar social. Existem três características essenciais para que um mercado se enquadre nesse grupo: a aceitação de preços, a homogeneidade de produtos e a livre entrada e saída.

A aceitação de preços, segundo Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 250) pode ser esclarecida da seguinte forma:

Muitas empresas participam de mercados em que cada uma delas enfrenta um número significativo de empresas concorrentes. Como cada empresa vende uma parte suficientemente pequena do total da produção que vai para o mercado, as suas decisões não influenciam o preço ali fixado. Ou seja, cada empresa segue o preço de mercado. Em outras palavras, as empresas em mercados totalmente competitivos são aceitadoras de preços.

Para que a idéia da aceitação de preços fique mais clara, segue-se um exemplo. Um alimento bastante comum no Brasil é o feijão, de modo que muitos agricultores cultivam-no para atender a grande demanda. Como há muitos agricultores, se um deles resolver sozinho aumentar o seu preço, simplesmente os compradores vão comprar dos outros agricultores e ele provavelmente não venderá nem um quilo de feijão. Assim, ele terá que aceitar o preço de mercado.

Outra característica do mercado totalmente competitivo é a homogeneidade de produtos.  Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 250) assim a esclarecem:

A aceitação de preços usualmente ocorre em mercados nos quais as empresas produzem produtos idênticos ou quase idênticos. Quando os produtos de todas as empresas em um mercado são substitutos perfeitos entre si, isto é, quando eles são homogêneos nenhuma delas pode elevar o preço de seu próprio produto acima do preço praticado pelas outras empresas, porque, nesse caso, perderia todos ou a maior parte dos negócios. Muitos produtos agrícolas são homogêneos. Como a qualidade do produto é relativamente similar entre as fazendas de uma dada região, os compradores de milho, por exemplo, nunca perguntam em que pedaço de terra cresceram os grãos que pretendem adquirir. Petróleo, gasolina e matérias-primas como cobre, ferro, madeira, algodão ou folhas de aço são também bastante homogêneos. Os economistas costumam se referir a produtos caracterizados pela homogeneidade como commodities.

A última característica é a livre entrada e saída. Quando uma mercadoria a detém, significa que não há custos especiais que tornem difícil entrar nesse mercado e ao mesmo tempo, se o empreendedor não obtiver sucesso, não terá tantos prejuízos em deixar esse mercado. Deste modo, quando há livre entrada e saída, os mercados mais lucrativos vão atrair novos empreendedores, que poderão entrar facilmente nesses mercados e competir com as empresas que já estavam estabelecidas. Mais empreendedores em um ramo significa mais oferta, o que pode fazer o preço abaixar, diminuindo a lucratividade. Se esta se tornar muito baixa, algumas empresas tenderão a abandonar esse mercado, o que também não será difícil, pois não terão grandes prejuízos ao deixar o ramo. Neste livre entra e sai de empresas de acordo com a lucratividade de cada mercado, os preços vão encontrando sucessivos pontos de equilíbrio, não ficando nem muito altos nem muito baixos. Eis aí um dos mecanismos que tornam o mercado totalmente competitivo socialmente eficiente. As palavras de Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 251) complementam a explicação:

A suposição de livre entrada e saída é importante para que a competição seja efetiva. Ela significa que os consumidores podem mudar facilmente para uma empresa rival se o fornecedor usual aumentar o preço. Do ponto de vista dos negócios, significa que uma dada empresa pode entrar livremente em um ramo industrial se perceber que há oportunidade de lucro, podendo também sair caso esteja tendo prejuízos. Além disso, essa empresa está livre para contratar mão-de-obra e para adquirir capital e as matérias-primas necessárias, podendo livremente revender ou realocar esses fatores de produção caso tenha de encerrar o negócio ou mudar de ramo.

São essas as três características básicas para que um mercado seja e se mantenha totalmente competitivo e seja um ambiente propício a um maior bem-estar social. A questão é que no mundo real, são raros os mercados que por si próprios apresentam essas características. Ou seja, poucos são os mercados socialmente efetivos. A razão para isso são o que se chama de falhas de mercado.      

2.1.3 As Falhas de Mercado

Como se viu, o mercado ideal do ponto de vista do bem-estar social é aquele em que há competitividade, concorrência sem entraves. Entretanto, intrínseco à própria estrutura dos mercados, há falhas de mercado. De tal modo que, se o mercado for deixado por si próprio, sem maiores intervenções[4], não se produzirá no mundo real aquilo que se classifica como mercado ideal.

  Segundo Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld, as falhas de mercado são causadas por quatro razões básicas: poder de mercado, informações incompletas (ou assimetria de informações), externalidades e bens públicos.        

2.1.3.1  Poder de Mercado

O poder de mercado é a capacidade que alguns agentes econômicos podem ter de influenciar o preço e a demanda de uma mercadoria dependendo do seu comportamento no mercado. As principais formas de poder de mercado são o poder de monopólio e o poder de monopsônio.

O poder de monopólio é o poder que os vendedores têm de influenciar o preço de sua mercadoria. Já o poder de monopsônio é o poder que os compradores têm de influenciar o preço da mercadoria a ser comprada de acordo com a quantidade que vão comprar[5].

Quando um agente econômico tem poder de monopólio ele vende menos mercadorias e a um preço maior do que se o mercado fosse totalmente competitivo. E no caso de poder de monopsônio o agente econômico compra mais mercadorias a um preço menor do que se estivesse submetido às regras de um mercado competitivo. Isso é claramente prejudicial ao bem-estar social.

Assim, é interessante que se estude as fontes do poder de monopólio e do poder de monopsônio. As fontes do poder de mercado são: a elasticidade da demanda de mercado, o número de empresas e a interação entre as empresas.

a) Elasticidade da demanda de mercado

 A elasticidade da demanda de mercado é um índice econômico que mede o quanto a demanda de uma mercadoria aumenta ou diminui (em percentual) quando o preço dessa mercadoria diminui ou aumenta em uma unidade porcentual. Veja-se um exemplo. Sabe-se que ao preço de 10 unidades monetárias vende-se 100 unidades de uma mercadoria e se o preço subir para 10,50 unidades monetárias, vende-se apenas 90. Assim, quando o preço aumenta em 5% vende-se -10% unidades da mercadoria. Quanto mais um mercado é elástico significa que um aumento (diminuição) de preço causa uma grande diminuição (aumento) no número de unidades vendidas. Quanto mais um mercado é inelástico significa que um aumento (diminuição) de preço causa uma pequena diminuição (aumento) no número de unidades vendidas. 

O que gera poder de mercado é a inelasticidade da demanda de um mercado[6]. Assim, essa empresa pode aumentar o preço de sua mercadoria sem que as vendas diminuam muito. Isso faz com que aumentar o preço e vender um pouco menos possa ser mais lucrativo do que manter um preço baixo e vender apenas um pouco a mais. E como, nessa lógica, os empresários serão incentivados pelo próprio mercado a vender a um preço mais alto, isso diminui o bem-estar social. Se houvesse concorrência aberta ela impediria esse aumento de preço, mas se uma empresa atuar sozinha no mercado, ela tenderá a escolher o caminho que mais lhe gere lucros.

Um caso de demanda inelástica é a do petróleo na década de 1970. Nessa época, mais do que hoje, não havia muitas alternativas para combustível sem ser os derivados de petróleo. Some-se a isso que o combustível é essencial para muitas atividades e pronto, já se tem caracterizado um caso de mercado com poder de monopólio. Mesmo que o preço do petróleo aumentasse, muitas pessoas continuariam a ter que comprar a mesma quantidade de quando o preço era menor. Bastou que os países da Opep aumentassem o preço de seu “ouro negro” para que muitos países, tendo que comprar os barris a preços astronômicos, entrassem em recessão. Graças ao poder de monopólio advindo da inelasticidade da demanda do mercado de petróleo, os países da Opep tiveram grandes lucros. A coletividade, entretanto, saiu perdendo.

b) O número de empresas

Apenas vender um produto cujo mercado tenha baixa elasticidade (é a mesma coisa que dizer que o mercado é inelástico) não é suficiente para que o empresário tenha poder de monopólio. O produto pode ser extremamente essencial para as pessoas, de modo que ninguém deixaria de comprá-lo, mas se houver muitas empresas vendendo este produto, se uma empresa aumentar o seu preço, simplesmente os consumidores comprarão dos outros. Ou seja, quando há várias empresas participando de um mercado, quando apenas uma aumenta o seu preço, esta perde seus clientes para as outras. Assim, outra fonte do poder de monopólio é o número de empresas que participam de um mercado[7].

c)  A interação entre as empresas

A interação entre as empresas é talvez a fonte mais determinante de poder de mercado. A forma como as empresas se comportam uma em relação à outra define, muitas vezes, se elas terão ou não poder de mercado[8]. Imagine-se que haja três empresas atuando em uma mesma atividade econômica. É um número baixo, mas se elas concorrerem ferozmente entre si, competindo para ver quem consegue vender pelo menor preço e com mais qualidade para tomar os clientes das outras, nenhuma delas terá poder de mercado. Será, na verdade, um mercado muito próximo ao totalmente competitivo.  Por outro lado, essas empresas podem agir em conjunto, formulando estratégias comuns etc. Em casos extremos podem formar um cartel, concordando explicitamente em limitar os níveis de produção e aumentar os preços; o aumento coordenado de preços pelas empresas, em vez de um aumento individual, apresenta maiores probabilidades de lucro, portanto a união das empresas pode gerar um substancial poder de monopólio[9]

2.1.3.2  Informações Incompletas

Uma outra causa para que muitos mercados não sejam abertamente competitivos são as informações incompletas ou informações assimétricas. A idéia é simples e instintiva: a quantidade de informações que vendedores e compradores têm sobre o produto a ser negociado é diferente. Comumente o vendedor conhece mais o produto do que o comprador.

Imagine-se, por exemplo, o mercado de carros usados. Nesse mercado, muitas vezes o vendedor é o antigo dono. Com certeza ele conhece mais sobre o estado do veículo do que o comprador. Sabe se ocorreram batidas, se depois de estar um tempo funcionando o motor esquenta excessivamente, se há algum defeito oculto etc. Já o comprador sempre terá dúvidas do que pode ter acontecido com o carro. Há informações assimétricas. A dificuldade que isso gera é que o comprador desconfiará tanto dos carros usados em ótimo estado quanto daqueles com diversos defeitos ocultos. E isso ocorre simplesmente porque ele não pode saber o que realmente aconteceu. Decorre que, ao invés de carros bem conservados serem vendidos por preços mais altos do que carros com defeitos ocultos, ambos acabam sendo vendidos por preços muito próximos.

O problema gerado pela assimetria de informações é simples de ser constatado. Imagine-se duas pessoas, João e José. Ambos compraram um carro novo da mesma marca e modelo em março do ano passado. Após um mês, ambos tinham rodado 250 quilômetros. O carro de João estava totalmente conservado, sem nenhum defeito oculto. Já o carro de José,  pelo seu hábito de participar de rachas, já tinha alguns problemas, mas aparentemente estava tão bom quanto o de João. Coincidentemente, ambos decidem vender seus carros. Como não há meios simples de se verificar as reais condições dos carros, os compradores desconfiam do carro de João tanto quanto do carro de José. E ambos vendem por praticamente o mesmo preço. Se os compradores soubessem que o carro de João estava em melhores condições do que o de José, certamente João teria vendido seu carro por um preço bem melhor do que José, o que também seria mais justo.

Para esclarecer como tudo isso acarreta em perda de bem-estar, segue a explicação de Pindyck e Rubinfeld (2004, p. 604):

No exemplo com automóveis usados[10] fica claro como as informações assimétricas podem resultar em falha do mercado. Em um mundo ideal, com mercados em pleno funcionamento, os consumidores teriam a possibilidade de escolher entre automóveis de baixa qualidade e de alta qualidade. Enquanto alguns escolherão os automóveis de baixa qualidade devido ao fato de custarem menos, outros preferirão pagar mais e obter automóveis de alta qualidade. Infelizmente, no mundo real, os consumidores não podem determinar facilmente a qualidade de um automóvel  usado antes que o tenham adquirido. Consequentemente, o preço dos automóveis usados cai e os automóveis de alta qualidade são afastados do mercado. A falha de mercado ocorre, portanto, porque há donos de automóveis de alta qualidade que os avaliam por um preço maior do que o fazem seus compradores potenciais. Como resultado, há ganhos derivados da troca que ambas as partes poderiam obter em princípio. Infelizmente, a falta de informações por parte dos compradores impede que a troca mutuamente vantajosa ocorra.

2.1.3.3  Externalidades           

Diversos produtos só são produzidos e diversos serviços só são ofertados porque há empresas e pessoas atuando na economia. Cada vez que alguém pratica atos, há conseqüências. Essas conseqüências podem ser boas ou ruins. Muitas delas retornam para aquele que pratica os atos, mas há aquelas que atingem apenas terceiros. Essas conseqüências de uma ação ou omissão cujos custos ou cujos benefícios o autor da ação não recebe são as externalidades. Quando elas beneficiam terceiros são chamadas de externalidades positivas e quando prejudicam terceiros de externalidades negativas[11].

Veja-se o caso de uma indústria de beneficiamento de metais recém instalada. Desde que começou a funcionar, a indústria joga seus efluentes diretamente em um rio, sem nenhum tratamento prévio. Ocorre que alguns quilômetros correnteza abaixo reside um povoado ribeirinho, cuja principal fonte de renda é a pesca. Apenas alguns meses depois da indústria ter começado a sua atividade, devido aos efluentes jogados no rio, a quantidade de peixes nas águas havia se reduzido drasticamente. Além disso, os poucos peixes que os ribeirinhos conseguiam pescar estavam deformados ou impróprios para consumo. Eis aí uma externalidade negativa. O prejuízo que a indústria causa ao povoado ribeirinho não a atinge diretamente, pois a morte dos peixes não lhe acarreta nenhum custo financeiro[12]. Economicamente, o dono da indústria não tem incentivos para se preocupar com as conseqüências de jogar dejetos no rio.

O mesmo raciocínio se aplica em relação aos donos de carros em relação ao meio ambiente (como a poluição do carro não causa prejuízos diretos e significativos ao motorista, ele tende a não se preocupar com isso), a todas as fábricas e indústrias que poluem o meio ambiente, aos fumantes em relação aos não fumantes (a fumaça dos fumantes prejudica os não fumantes, mas sem nenhum custo direto para quem esta fumando) etc. Há também casos ambíguos, como a construção de um aeroporto em uma cidade. Ter um aeroporto na cidade traz inúmeras vantagens em termos de infra-estrutura e transporte para a população local, que não reverte necessariamente em lucro para o aeroporto (em casos de aeroportos privados). Entretanto, caso o aeroporto tenha sido construído nas proximidades de um bairro residencial, provavelmente o valor dos imóveis abaixará, devido aos freqüentes e incômodos ruídos causados pela decolagem e pouso dos aviões. Esse prejuízo também não se reverte em custos para o aeroporto, sendo uma externalidade negativa. 

Imagine-se também a construção de um grande shopping em um bairro um pouco afastado do centro da cidade. Com a esperada inauguração, pessoas de várias regiões da cidade começam a ir mais frequentemente àquele bairro. Como ele se torna mais movimentado, redes de supermercado também resolvem desfrutar daquele mercado. Pouco a pouco os imóveis daquele bairro vão se valorizando, além de tornar mais prática a vida dos moradores locais. Todas essas vantagens, embora impulsionadas pelo shopping, não são revertidas para os seus donos. São externalidades positivas.

Tantos as externalidades negativas quanto as positivas são falhas de mercado. As negativas são falhas porque elas permitem que pessoas causem prejuízos aos outros sem nenhuma conseqüência, incentivando a permanência dessa situação. Claramente elas diminuem o bem-estar social. Se cada um fosse concretamente responsabilizado pelos prejuízos que causa, as pessoas tenderiam a evitar tais atos ou a pensar em alternativas. Já em relação às externalidades positivas, se aqueles que beneficiam terceiros recebessem um retorno em troca, mais pessoas pensariam em como atuar de forma a aumentar o bem-estar social. Como, para aqueles que o fazem não há retorno, poucos atuam nesse sentido, e os que o fazem, muitas vezes acabam fazendo sem querer.         

2.1.3.4  Bens Públicos

Para suprir as diversas necessidades humanas diferentes bens são produzidos ou ofertados. Cada um tem as suas peculiaridades. Os que são chamados de bens públicos têm duas características específicas: são bens não disputáveis e não exclusivos[13].

Ser não disputável significa que não há custos adicionais para que mais pessoas usufruam de um bem. É o caso da iluminação pública. Uma vez iluminada a rua, tanto faz se isso beneficia dez ou vinte pessoas, o custo é o mesmo. Outro exemplo é a segurança nacional. Não é porque nasce mais um cidadão que o exército que cuida das fronteiras nacionais da região amazônica terá mais custos. Outro exemplo são os canais de televisão abertos. Não importa quantas pessoas estejam assistindo aos programas, o custo das emissoras é o mesmo.

A outra característica de um bem público é ser não exclusivo. Isso significa que não se pode impedir as pessoas de consumi-los. O exemplo é novamente a iluminação pública. Não há como determinar que um poste iluminará a rua apenas para determinadas pessoas. Qualquer um que passar por ali automaticamente estará sendo iluminado pelo poste. Assim como ocorre com a defesa nacional. Uma vez que se está dentro do território nacional, não há como não estar sendo beneficiado pelos exércitos de fronteira.

Há bens que são não disputáveis, mas que são exclusivos. É o caso de uma ponte. Em geral, não há custos adicionais se mais um ou dois carros a atravessarem. Entretanto, é fácil de imaginar que alguns veículos sejam impedidos de atravessá-la por serem excessivamente pesadas. Assim, seu uso pode ser limitado.

Por outro lado, pode haver bens não exclusivos, mas que são disputáveis. Segundo Ronald S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 656):

O mar ou um grande lago são não exclusivos, todavia a pesca é um bem disputável, porque impõe custos a outras pessoas: quanto maior for o número de peixes pegos, menor será a quantidade disponível para outros pescadores. O ar é um artigo não exclusivo e muitas vezes não disputável, mas pode tornar-se disputável quando as emissões de poluentes de uma determinada empresa passam a prejudicar sua qualidade e a possibilidade de outras pessoas desfrutarem seu uso.

Os bens que ao mesmo tempo são não disputáveis e não exclusivos são os bens públicos. E a razão de eles serem considerados falhas de mercado é que, embora muitos deles sejam de grande importância para as pessoas, as empresas privadas normalmente não os produzem.

O problema não é má-vontade, mas as próprias características desses bens. Imagine que um empresário está disposto a prestar o serviço de combate a mosquitos transmissores de doenças. Ele começa a estudar o mercado. Calcula que para que seu empreendimento compense precisa receber ao menos 50 mil unidades monetárias. E como há 10 mil famílias na comunidade, resolve cobrar 5 unidades monetárias de cada uma. Após passar em cada residência, apenas 6 mil famílias concordaram com a idéia e lhe pagaram o preço. Ora, com 30 mil unidades monetárias ele terá um grande prejuízo. Assim, o empresário insiste para as outras famílias, mas somente outras 2 mil famílias aceitam o serviço. As outras famílias não pagam de forma alguma, e o empresário não pode obrigá-las. Ele terá prejuízo, mas como as famílias que pagaram estão cobrando, terá que realizar o serviço. Com muito esforço ele consegue eliminar os mosquitos. Quem pagou está satisfeito. O empresário está falido. E as famílias que não pagaram também foram beneficiadas. Eis porque normalmente o setor privado não se anima a ofertar bens públicos. É a mesma história com a iluminação pública, a segurança nacional e outros bens que sejam não disputáveis e não exclusivos.

 Assim, embora importantes, esses bens não são ofertados pelo mercado. O bem-estar é menor do que poderia ser.

2.2  O ESTADO

A constatação de que o mercado possui falhas, que diminuem o bem-estar coletivo que poderia ser alcançado, fez com que muitas pessoas se perguntassem se e como essas falhas poderiam ser corrigidas.

Naturalmente, seria preciso que alguém se dispusesse a intervir na economia para suprimir as falhas. E esse alguém teria que ter poder suficiente para tamanha intervenção. Nas economias de mercado, geralmente há dois agentes que poderiam ser suficientemente fortes para tal empreendimento: o Estado e um ou um grupo de grandes empresários.

Quanto aos empresários, seria muito improvável que um agente econômico privado corrigisse essas falhas, pela sua própria natureza. Se um empresário é tão rico e poderoso, ele mesmo é fruto de uma falha de mercado. Além disso, a sua posição privilegiada na sociedade depende das falhas de mercado. Sem a assimetria de informações, as externalidades e o poder de mercado, ele não teria se tornado tão rico. Assim, a correção das falhas por um empresário dependeria da compaixão e solidariedade deste para com a sociedade.

Mesmo na remota hipótese de que um empresário se convença da importância social de combater as falhas de mercado, se ele chegar a esse objetivo, ele não terá mais poder para corrigir nenhuma falha, pois seu poder advinha das próprias falhas, e como as falhas são intrínsecas ao mercado, sem o seu poder para suprimi-las, o mercado produzirá novamente as mesmas falhas.

O Estado, por outro lado, pode existir com ou sem falhas de mercado. A sua existência não depende delas. Assim, para que um Estado buscasse corrigir as falhas de seu mercado, bastaria que ele se propusesse a tal objetivo. O método para chegar a esse objetivo, entretanto, pode variar segundo a teoria econômica que se adota e o viés político daqueles que estão no comando do governo.

A história exemplifica diversas formas pelas quais o Estado interagiu com a economia. Dentre os principais, pode-se citar o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Regulador.   

2.2.1  O Estado Liberal

Segundo o pensamento econômico liberal, as forças de mercado, entregues a si próprias, são suficientes para alcançar uma situação que não pode ser melhorada por intervenções exercidas do exterior sobre o próprio mercado e, em particular, que não podem ser melhoradas por intervenções operadas pelo Estado (NAPOLEONI, 1990, p. 93). Neste enfoque, cabe ao Estado apenas se ocupar de tarefas que assegurem o quadro institucional dentro do qual a atividade econômica privada deveria encontrar a garantia de um desenvolvimento ordenado (defesa, justiça, instrução etc.). Como diz Alexandre Santos de Aragão (2005, p. 49):

Sob o ângulo da atividade econômica privada os principais fundamentos do Estado liberal-burguês eram a propriedade, pela qual se assegurava a titularidade, o gozo e a fruição dos bens, e os contratos, veículos da circulação destes bens. Sobre ambos à Administração Pública não competia impor qualquer restrição, salvo se necessária para que os direitos de outros cidadãos não fossem prejudicados. Acreditava-se que o mercado seria muito mais benéfico para o conjunto da sociedade se agisse livremente, não devendo ser funcionalizado por qualquer finalidade coletiva.

Assim, na lógica do Estado Liberal, a economia funciona melhor (produz mais riqueza) se for deixada à própria sorte. Quando o Estado intervém, cria situações artificiais que só serão mantidas a muito custo, o que acaba trazendo mais prejuízos do que benefícios. Por outro lado, cabe ao Estado manter um ambiente social minimamente ordenado, sem a qual a prosperidade econômica fica comprometida (se o roubo tornar-se uma prática comum, o incentivo à produção diminui; se poucas pessoas sabem matemática, torna-se impossível implementar um sistema financeiro mais sofisticado etc.). Entretanto, não cabe ao Estado oferecer justiça social. Se a mão invisível do mercado levar a uma sociedade em que há poucos ricos e muitos pobres, o Estado não deve intervir, pois sozinho o mercado chega aos melhores resultados (do ponto de vista da produção de riquezas)[14].

2.2.2  O Estado Social

O Estado Social, como o próprio nome diz, dá mais ênfase à justiça social. Neste modelo, coloca-se de um lado da balança acréscimos de riqueza econômica e do outro ganhos em bem-estar social. Ao Estado não interessa apenas riqueza, esta deve vir acompanhada de desenvolvimento na esfera social, mesmo que para isso tenha que abdicar de maiores ganhos econômicos.

O Estado cria, então, leis que protejam as partes mais fracas e oprimidas nas relações econômicas, como as leis trabalhistas (determinando jornada de trabalho, salário mínimo, hora-extra, adicional noturno etc.). Além disso, toma medidas como cobrar tributos maiores dos ricos e menores dos pobres, melhorando a distribuição de renda através de gastos socialmente direcionados (sistema de educação e saúde disponível para todos, sistema público de aposentadoria, acesso gratuito à justiça etc.). Placha (2007, p. 39) escreveu ao refletir sobre o assunto:

Neste caso, a atuação estatal está voltada para garantir os recursos essenciais para que a parcela menos favorecida da sociedade possa ter uma condição compatível com padrões de existência digna. Assim, ao mercado cabe a atividade produtiva e ao Estado garantir a equidade social. (...) É que o próprio processo de evolução das sociedades acaba por excluir, de uma maneira ou de outra, determinadas classes que ficam a margem do desenvolvimento. (...) Portanto, o Estado assume a tarefa de conduzir o desenvolvimento social, adotando políticas distributivas, para o efeito de diminuir as imperfeições do mercado com a (re)inserção dos excluídos pelo processo econômico.

Entretanto, manter ativos todos os serviços que o Estado Social promete à população custa muito aos cofres públicos. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final da década de 1960, a economia mundial cresceu rapidamente, permitindo aos Estados abocanhar parte deste crescimento por meio de tributos. Isso contribuiu para que o Estado Social pudesse ser levado em frente, apesar dos grandes gastos que exigia. Entretanto, as crises de oferta de petróleo em 1973 e 1979 fizeram com que muitos países enfrentassem grandes crises econômicas. Tornava-se difícil sustentar o Estado Social. Sobre isso, Placha (2007, p. 41) ensina:

Verifica-se o aumento significativo da máquina pública pela assunção de novas tarefas voltadas para a promoção social, o que dificulta o andamento destas ações, até mesmo pela burocratização do aparato estatal, bem como surgem problemas decorrentes da escassez de recursos financeiros. (...) Aumentaram as despesas com projetos e políticas estatais, ao passo que as receitas estagnaram ou diminuíram frente aos gastos públicos. Isto ocorre porque o custo com programas sociais acaba superando os recursos financeiros para atender esta finalidade, ocasionando um impasse que coloca em risco os objetivos estatais de proteção social.

Embora trouxesse benefícios para o bem-estar coletivo, o Estado Social não podia ser mantido. Como alternativa à quase ausência do Estado na corrente liberal e ao gigantismo do Estado Social, surge a idéia do Estado Regulador.

 2.2.3  O Estado Regulador

Imagine-se um Estado que queira suprir as necessidades individuais e coletivas de seu povo. Há inúmeros modos para se tentar realizar este grande feito. E quando diferentes pessoas procuram soluções para isso, chegam a conclusões também diferentes. Alguns acreditam que deixar cada indivíduo agindo por seus próprios incentivos e ambições, apenas estabelecendo um patamar de ordem social mínima, seria a forma mais eficiente de chegar ao objetivo almejado. Dentre estes, pode-se citar von Mises, cujos pensamentos sobre o assunto foram relatados por Napoleoni (1990, p. 148) da seguinte forma:

Visto que a finalidade da economia, em qualquer contexto institucional, é de tornar mais eficiente a utilização dos recursos escassos na obtenção de certos fins, segue-se que todas as economias, para poder operar a escolha que a eficiência da gestão exige, necessitam que os recursos à disposição possuam rigorosos índices de escassez, na falta dos quais todas as bases para a obtenção da mencionada eficiência são menores. Ora, o único método que se conhece para atribuir tais índices aos recursos produtivos consiste em permitir que os mesmos recursos assumam um preço num mercado livre; os preços relativos, em outros termos, medem a escassez relativa dos recursos e, por isso, assumi-los como ponto de partida é condição necessária para a racionalidade, isto é, para a eficiência, do processo de escolha. Mas visto que uma economia planificada é por definição privada de mercado, e também privada do mecanismo que mede a escassez relativa dos recursos, todos os critérios racionais de escolha são piores, nesta economia. Uma economia planificada pode também dar lugar, segundo von Mises, a resultados elevados em termos puramente materiais; mas o custo que se deve suportar para atingir tais resultados não se pode conhecer, e precisamente porque o cálculo do custo não é possível, só por puro acaso a economia planificada pode evitar esbanjamentos gigantescos.

Com idéias diametralmente opostas, há aqueles que acreditam que a melhor solução para suprir as necessidades individuais e coletivas de um povo seja ter um Estado que planifique e coordene o trabalho de cada cidadão, bem como a distribuição das riquezas produzidas. Desta forma, haveria menos desperdícios e maior eficiência, uma vez que o trabalho de todos convergiria ordenadamente para os objetivos traçados pelo Estado.    

Tem-se aqui duas abordagens opostas. Uma dá relevância ao setor privado e a outra ao setor público. O problema é que na prática parecem não funcionar como os seus modelos teóricos prevêem. Estados que tentam controlar tudo por meio de seu setor público, acabam sendo identificados pela ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Por outro lado, quando deixa-se que o setor privado persiga seus próprios objetivos sem a imposição de limites (baseados em princípios e valores sociais) e a exigência de obrigações sociais, a desigualdade de oportunidades e de acesso a bens e serviços essenciais ensejam uma sociedade segregada, que só será mantida à custa de forte coerção[15].   

Uma terceira abordagem, interessante frente aos pontos fracos das abordagens acima exploradas, é a do Estado Regulador. Este teoricamente concilia a eficiência do setor privado com o atendimento dos interesses coletivos. A idéia é direcionar parte das forças do setor privado para promover bens sociais sem impedir seus lucros. Setor público e setor privado não são vistos como incompatíveis, mas como complementares para o bem-estar individual e social.

Historicamente, dada a dificuldade de se financiar o Estado social, o Estado Regulador aparece como uma alternativa atraente: alivia o peso sobre os cofres públicos sem abandonar os direitos sociais conquistados com muita luta. Placha (2007, p. 43) faz um comentário interessante a esse respeito:

Constatar que o Estado já não possui mais condições de implementar políticas de promoção social não retira a responsabilidade de cumprir com esta função. Nem mesmo a adoção de medidas voltadas para atender determinadas demandas públicas com  a colaboração da iniciativa privada, exime o Estado de seus deveres, persistindo suas funções de “(...) planejamento, regulação e fiscalização”[16]. Ainda que o Estado reconheça a sua ineficiência para determinadas atividades, permanece com o dever de disciplinar os setores necessários, cabendo, da mesma forma, garantir pela realização do bem-comum. É uma nova concepção de Estado, preocupado em redefinir seu papel de conduzir adequadamente o desenvolvimento sócio-econômico.

Como bem esclareceu Adam Smith (1983, p. 50) em sua obra clássica A Riqueza das Nações, no setor privado:

(...) não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossa próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles.

Por natureza, a maioria dos empresários e administradores de empresas tende a priorizar os seus interesses particulares aos interesses coletivos. Dar prioridade e atender a estes cabe ao Estado, representante do povo. Se o Estado não consegue por meios próprios produzir os bens e oferecer os serviços para atender as necessidades sociais, caberia a ele segundo o conceito de Estado Regulador direcionar o setor privado para tal finalidade coletiva. Entretanto, isso deve ser conseguido através de incentivos e não apenas coerção, sob pena de se tornar um Estado Planificado disfarçado. Por outro lado, assim como há um múnus público para os cidadãos, também o há para as empresas, que deverão cooperar com o setor público a custos coerentes. Como complemento a este raciocínio, relevantes são as palavras de Carvalho (2001, p. 324):

Em suma, regulações de qualquer natureza são, por definição, distorsivas, porque visam a orientar o comportamento privado em direção diferente daquela que seria adotada espontaneamente. Essa preocupação, porém, é menos relevante do que parece à primeira vista, porque a regulação, se bem planejada, introduz “distorções” compensatórias, no sentido de que tentam coibir falhas de mercado.       

 Para que a idéia de regulação remanesça clara, a definição dada por Aragão (2005, p. 37) é de grande ajuda:

(...) a regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.

A esta seção cabe apenas uma introdução sobre o tema. Nos capítulos 5 e 6 é que faremos um estudo mais aprofundado sobre o modelo regulador de Estado. Antes, porém, far-se-á uma abordagem histórica do papel exercido pelo Estado na economia brasileira e um estudo comparativo entre o desempenho de empresas públicas e privadas.

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Sobre o autor
Sérgio Eidi Yamagami Sawasaki

Analista Judiciário - TJPR Pós-graduado em Direito Público pela UNIBRASIL. Graduado em Direito pela PUC-PR. Graduado em Economia pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia:: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 4 nov. 2024.

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