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A teoria do adimplemento substancial nos contratos de seguro e de plano de saúde

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13/08/2014 às 15:45
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3.      APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.

3.1  DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE E APLICAÇÃO DO CDC

Questão bastante relevante e de grandes discussões em nossos tribunais, diz respeito ao adimplemento substancial nos contratos de plano de saúde quanto à resolução contratual.

Inicialmente cumpre apresentar breve conceito sobre o contrato de plano de saúde, o qual diz respeito ao instrumento pelo qual as operadoras prestadoras de tais serviços se obrigam, mediante remuneração mensal, a prestar aos usuários o tratamento das doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde, através de rede própria de médicos, clínicas e hospitais ou por terceiros, mediante convênios. É o que dispõe o artigo 1º, inciso I, da Lei de Planos de Saúde (Lei. 9.656/98).

Senão vejamos:

Art. 1o  Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:

I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;

O contrato de plano de saúde é classificado como um modelo de contrato de adesão. Assim denominado porque suas cláusulas são estipuladas unilateralmente (na maioria das vezes, o fornecedor de serviço), cabendo à outra parte (normalmente, o consumidor) somente a adesão, aquiescendo a seus termos.

Tais contratos são escritos, em sua grande maioria, com cláusulas reduzidas em sua forma, com minúsculas letras, provocando no consumidor o desinteresse na leitura absoluta do contrato, bem como o desconhecimento de todas as cláusulas contratuais, entre essas, as relativas à cobertura em específicas assistências médico-hospitalares.

Diante disso, a doutrina majoritária afirma não haver o pacta sunt servanda nessas formas de contrato, visto que não há autonomia de vontade entre ambas as partes, pois somente a vontade do fornecedor rege a relação contratual, não tornando possível a discussão ou modificação de cláusulas por parte do consumidor.

Por esse motivo, essas cláusulas devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, a fim de reequilibrar a relação jurídica de consumo, em prol dos princípios da isonomia, eqüidade e boa-fé contratual.

Muito embora os contratos de plano de saúde possuam legislação específica – Lei 9.656 de 03 de junho de 1998 - nada obsta a aplicação do Código de Defesa de Consumidor, dada a relação consumerista existente no contrato em estudo. O legislador através das normas postas no CDC buscou garantir o respeito à dignidade, a saúde e a segurança do consumidor, ao tratar dos seus direitos básicos no art. 6º do referido diploma, deixando claro ao fornecedor de tais serviços o dever de zelar pela vida e saúde do usuário.

Ora, os planos de saúde devem buscar a manutenção da saúde de forma contínua, oferecendo ao consumidor tudo aquilo que o seu médico indica como necessário para o tratamento da patologia apresentada, e não impedir ou oferecer tratamento diverso do indicado sob a alegativa do alto custo, ou não abrangência em sua cobertura.

O Código de Defesa do Consumidor além de tratar dos direitos básicos do consumidor, propõe uma efetiva proteção jurídica aos usuários através, por exemplo, da tutela de urgência prevista no artigo 84[5], bem como a proteção aos abusos do fornecedor refletida no artigo 51{C}[6] do mesmo diploma legal, que veda a inclusão de cláusulas que indiquem renúncia a direito, pois como se observa o parágrafo primeiro combinado com seu inciso segundo do art. 51, são nulas de pleno direito as cláusulas que restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual. Assim já decidiu o TJMS:

APELAÇÃO CÍVEL -AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER -RECURSO DO AUTOR -PLANO DE SAÚDE -CIRURGIA CARDÍACA -DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES QUE DEVEM SER CUSTEADAS PELA RÉ -CLÁUSULA LIMITATIVA DE COBERTURA -REDAÇÃO QUE DIFICULTA O ENTENDIMENTO DO CONSUMIDOR E SE MOSTRA INCOMPATÍVEL COM A VONTADE DE CONTRATAR -OFENSA AOS ARTIGOS 46 E 51, IV, DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA -PROVIDO.(TJMS, 5ª C.C., A.C. nº 2007.000309-0/0000-00, Rel. Luiz Tadeu Barbosa Silva, J. 28/05/2009).(grifo nosso)

3.2  FORMAS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL AOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.

Após breves considerações, impende discorrer sobre o adimplemento substancial nos contratos de plano de saúde. Conforme explicações anteriores, de forma resumida, o adimplemento substancial consiste na quitação das obrigações derivadas do contrato, tendo como princípios a boa-fé objetiva, função social do contrato, vedação ao abuso de direitos e enriquecimento sem causa, todos com previsão no código civil, sempre em observância ao princípio da proporcionalidade. Assim, analisa-se toda a sua extensão em relação ao vínculo contratual e não somente a alguns pontos, devendo-se levar em consideração o conjunto de situações fáticas que proporcionem uma solução equilibrada entre o consumidor e o fornecedor de tal serviço. 

Sob esse aspecto, questiona-se se o inadimplemento é suficiente para a resolução do vínculo contratual quando há significativo cumprimento das obrigações assumidas.

Consoante leitura do inciso II do parágrafo único do art. 13 da Lei 9.656/98, fica vedada a “suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência”.

A Lei dos Planos de Saúde é clara ao determinar o prazo de 60 dias de mora como suporte para a rescisão unilateral do contrato, sob a regular notificação ao consumidor da situação a que está submetido, caso não quite as parcelas em atraso.

Apesar da leitura expressiva do artigo supra mencionado, não cabe aplicá-la de forma literal, devendo ser feitas considerações significativas a cada caso existente, como o comportamento das partes no decurso do vínculo contratual, os prejuízos a serem suportados pelo fornecedor e consumidor, a natureza e finalidade do contrato, o número das prestações pagas e outras considerações que devem ser interpretadas antes de consumar a resolução contratual.

Pois bem, hipoteticamente, vê-se o caso do consumidor que firmou contrato familiar para cobertura de assistência médico-hospitalar em 1990, porém o período relativo a maio e junho de 2010, ele deixou de pagar, porque fora despedido de seu emprego, e essa renda comprometera sua subsistência, assim como a de sua família, porém, mostra-se empenhado a quitar seu débito, ao restabelecer-se financeiramente. Sendo necessitado da assistência médica, no mês de julho, foi surpreendido com a sua negativa, vez que o plano de saúde rescindiu unilateralmente o contrato sob a alegação do art. 13 da Lei 9.656/98, acima transcrita.

Ora, cabe fazer relevantes considerações acerca do caso em tela, ressaltando que a resolução do contrato de seguro saúde deve ser temperada com o princípio da boa-fé objetiva, que limita o exercício abusivo de direitos.

Ou seja, existem múltiplas hipóteses que o consumidor deixou de pagar naquele mês a prestação assumida, seja porque está desempregado ou por outro motivo financeiro que lhe impossibilite de arcar com os encargos contratuais sem prejuízo do sustento próprio e de sua família.

Observa-se que, no caso acima descrito, o consumidor durante vinte anos sempre adimpliu com as obrigações contratuais, deixando de pagar apenas duas parcelas, pelo que não poderia ser surpreendido com a resilição unilateral do contrato, dado que o referido inadimplemento não descaracteriza a finalidade contratual, bem como, faz-se mister ressaltar a razoabilidade e proporcionalidade existente entre os anos de pontualidade na prestação da obrigação e o único descumprimento.

Esse é o entendimento consubstanciado nos nossos Tribunais de Justiça, através da jurisprudência abaixo transcrita:

SEGURO SAÚDE - Cancelamento automático de contrato de plano de saúde por inadimplemento de uma única mensalidade - Dúvida quanto ao recebimento dos respectivos boletos para cobrança - Ausência de notificação inequívoca, alertando a devedora quanto à existência e efeitos do inadimplemento - Simples menção ao atraso no verso dos boletos posteriores que não corresponde à notificação e nem tem o efeito de converter o inadimplemento relativo em absoluto - Resolução automática que infringe o próprio ajuste entre as partes e se mostra abusiva, por não permitir ao consumidor a purgação da mora - Aplicação da teoria do adimplemento substancial, pela qual não se justifica a resolução contratual por inadimplemento se houve descumprimento de pequena parte do contrato, mantendo-se a utilidade, contudo, do recebimento das prestações pelo credor - Comportamento concludente da operadora, que dois meses após o inadimplemento de única parcela, recebeu as subseqüentes e prestou cobertura contratual aos sinistros - Manutenção do contrato entre as partes - Recurso não provido.(TJ SP, 4ª C., A.C. nº 994.09.272142-4, Rel. Francisco Loureiro, J. 11/03/2010).(grifo nosso).

***

CONTRATO DE SEGURO SAÚDE COLETIVO DE LONGA DURAÇÃO. EXTINÇÃO. LEI Nº 9.656/98, RESOLUÇÃO Nº 19/99 DO CONSU E CDC. APLICABILIDADE. PERICULUM IN MORA REVERSO. CONFIGURAÇÃO. MANUTENÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA SEGURADA/AGRAVADA E DE SUA DEPENDENTE. NECESSIDADE. MIGRAÇÃO PARA PLANO INDIVIDUAL OU FAMILIAR. POSSIBILIDADE. Tratando-se de relação de consumo de longa duração, configurada através de contrato de seguro saúde coletivo, em que a descontinuidade poderá acarretar o periculum in mora reverso para a segurada/agravada e para sua genitora, atualmente, com mais de 80 (oitenta) anos, na qualidade de dependente, necessitada de cuidados médico-hospitalares, para quem, inegavelmente, a ruptura do vínculo contratual mostra-se de grave risco, há de ser aplicado ao caso os ditames da Lei nº 9.656/98 e da Resolução nº 19/99 do CONSU, no sentido da continuidade da prestação dos serviços pela operadora, agora na modalidade individual, sem qualquer alteração ou limitação unilateral, até ulterior pronunciamento judicial, ainda que esta tenha deixado de ofertá-los aos consumidores e a despeito de eventuais prejuízos financeiros suportados pela mesma, os quais não têm o condão de justificar o desamparo dos segurados, após anos de convivência e regularidade contratual.(TJPE, 2ª C.C., A.I. nº 0144069-9, Rel. Alberto Nogueira Virgínio, J. 17/09/2008).(grifo nosso).

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Pois bem, observa-se que o exercício do direito potestativo de resolução do contrato deve guardar correlação com a relevância do inadimplemento, sob pena de se converter em abuso de direito.

Causa outra de adimplemento substancial configura-se, quando em contratos de prestação de serviços médicos, impõe-se a observância de carência para internamentos emergenciais, pois caracteriza cláusula abusiva, ou seja, são nulas de pleno direito, as cláusulas contratuais e as resoluções infralegais que regulamentem a lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos de saúde privados, e condicionem a cobertura do plano de saúde ao cumprimento de prazos de carência quando o atendimento pretendido possui o caráter emergencial. Não obstante, é preciso observar que para alguns procedimentos médicos, que não o de internamento emergencial, exige-se um prazo de carência, todavia esse prazo não deve ser, em todos os casos, observado inflexivelmente, pois, se dessa forma for interpretado, dar-se-ia margem a interpretações absurdas, que ofendem o bom senso, ferindo a boa-fé contratual e conduzindo à iniqüidade. Dessa forma, já decidiu o TJRJ:

PLANO DE SAÚDE. DOENÇA PREEXISTENTE. RISCO DE VIDA OU LESÕES IRREPARÁVEIS. O art. 35-C da Lei 9.656/98 deixa claro que independem de carência os procedimentos médicos emergenciais, assim caracterizados aqueles que impliquem risco imediato de vida ou lesões irreparáveis ao paciente. Importante destacar, ainda, que o apelante se encontrava filiado ao seguro promovido pela ré há 1 ano e 8 meses, faltando' apenas 2 meses para a cobertura completa da moléstia, como se vê do art. 11 da Lei 9.656/98. Em assim sendo, pode-se dizer que houve o adimplemento substancial da carência exigida, não havendo razões para negar ao consumidor a cobertura assistencial, exceto quanto ao valor do stent, tendo em vista a angioplastia primeira realizada em período anterior à contratação. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (TJRJ- 2006.001.12731 - APELACAO CIVEL -DES. ROBERTO DE ABREU E SILVA - Julgamento: 06/06/2006 - NONA CAMARA CIVEL). 

3.3  REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL AO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE.

Assim sendo, pode-se afirmar que, para a configuração do adimplemento substancial, faz-se necessário a observância de alguns requisitos: 1) cumprimento de boa parte do contrato; 2) prestação realizada que almeje à finalidade do negócio jurídico; 3) boa-fé objetiva na execução do contrato; 4) tentativa de equilíbrio contratual; 5) ausência de enriquecimento sem causa e de abuso de direito, de parte a parte.

Posto isso, o adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução. Para isso, deve restar configurado a intenção do consumidor em não mais dar continuidade ao vínculo contratual, bem como a comprovação do fornecedor que a mora lhe cause dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato restará afetada.

Com efeito, para fazermos um juízo de valor sobre se tal circunstância fática deve ser abrangida pelo adimplemento substancial, devemos enxergá-la de forma mais condizente com a realidade concreta vivenciada entre as partes, e não com um total apego às letras da lei ou do contrato, pois se assim agirmos, estaremos contribuindo para um distanciamento do fato ao Direito e à Justiça.

Na lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, 

"o reconhecimento de que do inadimplemento surgiu um dano bastante grave para que se decrete a extinção do contrato depende da avaliação do valor desse dano. Para isso não será levada em linha de conta a quantidade de dano causada à parte, mas sim o grau de ofensa à economia do contrato, pois é em função dela que há de se ponderar a gravidade da infração, não apenas pelo efetivo prejuízo causado ao credor" (Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, 2a. Edição atualizada AIDE, p. 135). 

Evidente que a gravidade do descumprimento, capaz de levar à resolução do contrato deve ser aferida caso a caso. No dizer de Karl Larenz, "há o incumprimento definitivo quando a prestação resultar economicamente distinta" (Derecho de Obligaciones, Revista de Derecho Privado, v. I, p. 303). 

Em suma, a recepção, em nosso sistema jurídico, da "Teoria do Adimplemento Substancial" faz-se necessária para a aplicação e sintonia dos princípios e valores norteadores do Direito contemporâneo, agindo como um fator de equilíbrio e correção dos dispositivos legais e contratuais à realidade. Destarte, torna-se medida obrigatória como mecanismo de materialização da Justiça aplicada aos contratos, entre esses os de planos de saúde, visto que, na modernidade, a aderência a tal modalidade de contrato vem se tornando cada vez mais comum, em face da inépcia governamental com relação à assistência pública na área da saúde.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, Luiz Fernando Braga. A teoria do adimplemento substancial nos contratos de seguro e de plano de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4060, 13 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29122. Acesso em: 18 dez. 2024.

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