4 PENHORABILIDADE DE SALÁRIO
Conforme ensina Assis (2004) vencimento abrange a parte fixa, a verba de representação e parcelas eventuais, como a função gratificada, vantagens pecuniárias permanentes e eventuais do servidor público, proventos da aposentadoria e a pensão. Soldo abarca todas as vantagens dos militares e salário equivale a remuneração total do empregado público ou da iniciativa privada.
Para Demócrito (2009), os magistrados brasileiros não têm dado a correta interpretação do inciso IV do art. 649 do CPC, quando atribuem impenhorabilidade absoluta a toda a qualquer verba de origem salarial. Com isso criam demasiada proteção ao devedor em detrimento da própria efetividade do processo de execução.
Esse mesmo autor argumenta que é inaceitável o entendimento de que verbas de origem salarial fiquem isentas totalmente de excussão patrimonial, por mais elevadas que sejam. A grande parte da população brasileira é formada de assalariados, empregados dos setores público e privado, que em geral só têm os rendimentos do trabalho como exclusiva fonte de renda. Outra boa parte da população é formada de trabalhadores autônomos e profissionais liberais, que também têm no rendimento do trabalho a sua origem patrimonial. Não sendo possível penhorar parte do salário destes, equivale a, na prática, tornar ineficaz contra eles processo de execução para o pagamento de dívidas.
Os valores obtidos a título de salário, vencimentos, proventos e pensões são impenhoráveis somente nos limites do eventual comprometimento da renda mensal necessária à subsistência do devedor e de sua família. Desse jeito, preserva-se um mínimo para a sua sobrevivência, mas ao mesmo tempo entrega-se a prestação jurisdicional pleiteada pelo exequente. (DEMÓCRITO, 2009).
De fato, se não se puder penhorar os rendimentos dessa categoria de pessoas físicas, certamente não sobra quase nenhum outro bem de valor que integre seu patrimônio, sabendo-se que a impenhorabilidade prevista no próprio art. 649 do CPC e em outras leis, dentre elas a Lei 8.009/90, é muito mais abrangente e alcança muitos outros bens, tais como móveis que guarnecem a residência do executado, máquinas e utensílios destinados ao exercício profissional, materiais para obras em andamento, a pequena propriedade rural e o imóvel destinado à residência da família (DEMÓCRITO, 2009).
Demócrito (2009) entende que é necessário buscar um justo equilíbrio entre a regra da impenhorabilidade salarial e remuneratória (tal como prevista no inciso IV do art. 649 do CPC) e a necessidade de se garantir a satisfação do direito de crédito do exequente. A interpretação que eleva a um patamar máximo a imunidade executória de verbas de origem salarial é injusta para o credor e, além disso, produz efeitos sociais extremamente maléficos, na medida em que, criando demasiada proteção processual ao devedor, gera um sentimento de ineficiência do Poder Judiciário e estimula o calote de dívidas. Uma interpretação excessivamente abrangente em termos de restrição à penhora de bens do devedor acaba por gerar proteções excessivas, diminuindo a responsabilidade pelo pagamento de dívidas e comprometendo a própria tutela jurisdicional executiva.
Para FIDELIS DOS SANTOS (1987) a impenhorabilidade só se verifica quando vencimento, soldo ou salário estiverem em poder da fonte pagadora. Ele argumenta que é muito comum o pagamento de salários, soldos e vencimentos por via bancária. A partir do depósito, a importância perde a característica de impenhorável, transformando-se num simples numerário, e, em conseqüência, penhorável.
No mesmo sentido, José da Silva Pacheco apud Demócrito, “a impenhorabilidade não abrange o produto indireto do trabalho. Assim se o salário, o vencimento já recebido é depositado em banco, ou investido em outra atividade empresarial ou financeira, nada há que impeça a penhora”. (DEMÓCRITO, 2009, p. 62).
Também Celso Neves apud DEMÓCRITO (2009) tinha a opinião de que a impenhorabilidade salarial significa apenas a impossibilidade de subordinar antecipadamente os vencimentos e salários à execução, não tendo qualquer impedimento quanto à penhora de dinheiro não utilizado e, por isso, integrado ao patrimônio ativo do devedor.
O entendimento de se possibilitar a penhora do salário uma vez que depositado em conta bancária ou não utilizado pelo devedor, embora muito pertinente para demonstrar que o salário não é totalmente inatingível pela penhora, não toca o ponto principal deste trabalho monográfico. Com efeito, o entendimento acima impossibilita a penhora antecipada do salário e o que se defende é justamente a possibilidade de se penhorar antecipadamente as verbas salariais que perdem a natureza alimentar.
Postula-se que o juiz deve fazer uso da norma prevista no art. 655-A do CPC, determinando a penhora on line de parte do salário ou então oficiando ao empregador que proceda aos descontos na folha de pagamento do executado, nos mesmos percentuais da penhora on line, até se atingir o valor do débito, devendo-se o empregador depositar tais quantias numa conta judicial.
4.1 Referencial do quantum penhorável
Pode-se usar como referência para a penhora de salário o §3º do art. 649 do CPC, in verbis:
na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de impostos de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.
Essa norma foi vetada pelo Presidente da República ao argumento de que aquela previsão estava quebrando o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar. Contudo, nas próprias razões do veto houve elogio a mencionada norma: “a proposta parece razoável, porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário mínimo vigente no País seja considerado como integralmente de natureza alimentar”. Buscando embasar o veto, concluiu-se que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração, razão pela qual se entendeu pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão voltasse a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral.
Depreende-se que apesar de entender penhorável parcela salarial nos termos do art. 649, §3º do CPC, o Presidente da República suprimiu essa norma do ordenamento argumentando primordialmente que se estava ferindo a tradição jurídica brasileira.
Didier (2009) leciona que a possibilidade de penhora nos termos do vetado art. 649, §3º, do CPC é muito razoável. Deixa de ser razoável e inconstitucional, por aniquilar o direito fundamental à efetividade, a impenhorabilidade de qualquer parcela desta remuneração. Para Didier (2009) tratava-se de uma das melhores mudanças sugeridas pelo projeto que redundou na Lei 11.382/2006, que mostrava uma guinada axiológica importante do direito brasileiro em favor do credor e do princípio da efetividade.
A fundamentação do vetor é singela, errada, contraditória, lamentável e inútil. De ínfimo tamanho, as razões do veto não enfrentam o fundamento principal das propostas de mudanças, que é a aplicação do princípio da proporcionalidade, para o equacionamento do conflito entre o direito fundamental à dignidade humana do réu e o direito fundamental à dignidade humana do credor (simbolizado na dificuldade de efetivar direitos seus por entraves causados pela legislação processual). (DIDIER, 2009, p. 558).
Esse mesmo autor, contestando as razões do mencionado veto, afirma que o Presidente da República errou ao afirmar que há, no direito brasileiro, o dogma da impenhorabilidade absoluta das remunerações de caráter alimentar, haja vista que sempre se permitiu a penhora dos “salários” na execução de crédito alimentar. É contraditória a fundamentação do veto, já que o Presidente considerou a mudança razoável, mas ainda assim a vetou (DIDIER, 2009).
Finalizando a obstinada contestação ao veto, Didier (2009) discorre que “o veto é inútil”, pois o órgão jurisdicional deve afastar a incidência da regra que, aplicada ao caso concreto, ofenda de maneira não razoável um direito fundamental, como o direito à efetividade, como pode de fato ocorrer a partir da interpretação literal do inciso IV do art. 649 do CPC.
Não bastasse as contundentes justificativas contrárias ao veto do art. 649, §3º do CPC, Arenhart (2007) postula pela inconstitucionalidade desse veto, uma vez que o veto presidencial somente é possível em casos de inconstitucionalidade da lei ou contrariedade ao interesse público (art. 66, §1°, CR). Nenhum daqueles fundamentos foi apontado pelo Presidente da República. O motivo apontado no veto é a necessidade de maior amadurecimento das propostas contidas naquelas regras, o que, por si só, não é razão suficiente para autorizar o veto. O espaço para a discussão da viabilidade ou não de nova disciplina jurídica é o Poder Legislativo, não se podendo admitir que o Poder Executivo controle tais opções.
Quando a tradição jurídica está em descompasso com vetores constitucionais e legais, ela tem de ceder, permitindo que o ordenamento seja oxigenado e cumpra seus objetivos jurídicos e sociais.
Buscou-se utilizar como parâmetro do quantum penhorável o vetado art. 649, §3º, do CPC, porque além de não ser de caráter alimentar o valor que ultrapassa 20 (vinte) salários mínimos, feitas as deduções, não se menospreza o princípio da dignidade humana, já que fica garantido ao executado e sua família um valor suficiente para satisfazer as exigências mínimas, previstas constitucionalmente, consoante dispõe o art. 7º, IV, da Constituição da República (CR).
O art. 7º, IV, da CR, prescreve como necessidade vital básica do trabalhador urbano e rural e de sua família a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Com efeito, possibilitar a penhora de 40% do valor recebido mensalmente acima de vinte salários mínimos, depois de realizada as deduções, além de não comprometer as necessidades vitais supra mencionadas, permitirá que outras que não constam naquele rol sejam perfeitamente realizáveis.
O fundamento da impenhorabilidade prevista no inciso IV do art. 649, do CPC, segundo DEMÓCRITO (2009) é preservar a dignidade material básica do devedor, e com isso evitar que o processo de execução pudesse representar uma ameaça à sua subsistência. A justificativa para a impenhorabilidade salarial escora-se precisamente na natureza alimentar de tal verba, considerando que a penhora realizada de forma integral compromete a subsistência do devedor e aniquila a manutenção de sua dignidade material. À pessoa humana devem ser garantidas condições mínimas de habitação, alimentação, vestuário e saúde, condições que se entendem indesjungíveis da própria subsistência digna. É por meio dessa proteção patrimonial parcial do devedor é que se permite que o mesmo não perca as condições de subsistência e desenvolvimento material. E essa é a nota característica do instituto de impenhorabilidade, de manter com o devedor apenas o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.
Bruno Dantas Nascimento e Marcos Antônio Köhler, ambos citados por Didier (2009) ensinam que é possível mitigar a regra da impenhorabilidade, se, no caso concreto, a importância recebida a título de verba alimentar (salário, rendimento de profissional liberal etc.) exceder consideravelmente o que se impõe para a proteção do executado. Nesse caso, será possível penhorar parcela desse rendimento.
Daniel Assumpção Neves apud Demócrito (2009) defende que a parcela do patrimônio a ser preservada deve ser efetivamente o mínimo necessário à sobrevivência digna e jamais a manutenção do padrão de vida do devedor, muitas vezes impossível de ser mantido quando diante da obrigatoriedade de honrar seu compromisso.
De forma enfática e muito coerente Demócrito argumenta que:
Se o fundamento da regra da impenhorabilidade pressupõe que se evitem sacrifícios patrimoniais exagerados, por outro lado não pretendeu exageros de liberalização. A norma deve ser interpretada dentro de um indispensável plano de equilíbrio entre a concepção humanitária da preservação das condições mínimas de dignidade material do devedor com a necessidade também relevante de se garantir a efetividade da tutela jurisdicional executiva. (DEMÓCRITO, 2009, p. 61).
A impenhorabilidade de salários da forma como prevista no art. 649, IV, do CPC é “lamentável”, contrariando a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício da sua subsistência digna (NEVES, 2011)[4].
Cândido Dinamarco citado por DEMÓCRITO (2009), sustenta que com alguma frequência surge dúvidas sobre a penhorabilidade de aplicações ou depósitos bancários oriundos de vencimentos, soldos ou salários, sendo que estas dúvidas devem ser resolvidas segundo um critério de razoabilidade e levando em conta os fundamentos que levam a lei a estabelecer impenhorabilidades. Enquanto esses valores forem de monta apenas suficiente para prover ao sustendo durante um tempo razoável, eles são impenhoráveis, porque privar deles o executado seria privá-lo do próprio sustento; mas quando os valores se avultam a ponto de se converterem em verdadeiro patrimônio, é natural que se submetam à penhora e execução.
Pensando de forma semelhante Luiz Rodrigues, Tereza Arruda e José Miguel (2007) ensinam que não se deve dar uma interpretação literal que não esteja em consonância com a finalidade do inciso IV do art. 649, assim não se deve permitir que a execução reduza o executado a uma situação indigna, contudo o executado não pode abusar desse direito, manejando-o para indevidamente impedir a atuação executiva, em atenção aos princípios da máxima efetividade e da menor restrição possível. Dessa forma, em atenção às peculiaridades do caso concreto, não tendo sido localizados outros bens penhoráveis, é possível a penhora de parte da remuneração recebida pelo executado, em percentual razoável, que não prejudique seu acesso aos bens necessários à sua subsistência e de sua família.
Constata-se que Luiz Rodrigues, Tereza Arruda e José Miguel também afastam a impenhorabilidade absoluta do salário, mas defendem a possibilidade de penhorar parte dele somente depois de não terem sido localizados outros bens penhoráveis.
Diferentemente, no que concerne ao momento da penhora, postula-se pela penhora de parcela do salário antes mesmo de se proceder a busca de outros bens, pois além do dinheiro ser o primeiro da ordem de preferência, consoante dispõe o art. 655, I, do CPC[5], torna mais efetiva, segura e rápida a prestação jurisdicional.
O quantum penhorável do salário, conforme sugerido acima, está num patamar muito mais alto do que o fixado no Decreto n. 4.840/2003[6] para desconto de prestações em folha de pagamento. Com efeito prevê o art. 3º, II, de tal decreto:
Art. 3º No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos neste Decreto observará, para cada mutuário, os seguintes limites:
II - o total das consignações voluntárias, incluindo as referidas no art. 1º, não poderá exceder a quarenta por cento da remuneração disponível definida no § 2º do art. 2º.
A remuneração disponível, para efeitos deste decreto é obtida conforme prevê o art. 2º, §2º:
§ 2º Para os fins deste Decreto, considera-se remuneração disponível a parcela remanescente da remuneração básica após a dedução das consignações compulsórias, assim entendidas as efetuadas a título de:
I - contribuição para a Previdência Social oficial;
II - pensão alimentícia judicial;
III - imposto sobre rendimentos do trabalho;
IV - decisão judicial ou administrativa;
V - mensalidade e contribuição em favor de entidades sindicais;
VI - outros descontos compulsórios instituídos por lei ou decorrentes de contrato de trabalho.
Constata-se que, diferentemente do sugerido nesta monografia, que prevê um limite acima do qual se permite a penhora (20 salários mínimos), para fins de possibilitar descontos em folha de pagamento não há um patamar mínimo, apenas previsão de deduções (também previstas no caso de penhora). Da forma como previsto no decreto até mesmo um indivíduo que receba um salário mínimo poderá autorizar descontos em sua folha de pagamento, depois de ressalvadas as deduções legais.
Dessa forma, conclui-se que se é possível que um assalariado que recebe um salário mínimo possa comprometer sua parca renda, é mais que razoável possibilitar a penhora de um percentual do salário de quem aufira mais de vinte salários mínios mensalmente, e com um fim maior, que é de garantir efetividade às decisões judiciais.
Didier (2009, p.554) analisando legislações de outros países, menciona o art. 824 do Código de Processo Civil português, in verbis: “ARTIGO 824° (Bens parcialmente penhoráveis) 1 – São impenhoráveis: a) dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado”.
Na legislação espanhola também se permite penhorar parcela do salário. Nesta, constata-se que quem recebe até um salário mínimo tem a sua renda blindada, pois até este valor não se pode penhorar nada. Acima desse patamar a porcentagem do quantum penhorável vai aumentando numa escala, culminando com a possibilidade de se penhorar 90% (noventa por cento) do valor que ultrapassar cinco salários mínimos (DIDIER, 2009).
4.2 Alguns julgados sobre a penhorabilidade do salário
No Superior Tribunal de Justiça há entendimento tanto favorável quanto desfavorável a penhora de salário.
Pela penhorabilidade, a Ministra Nancy Andrighi decidiu:
Em princípio é inadmissível a penhora de valores depositados em conta-corrente destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor. Entretanto, tendo o valor entrado na esfera de disponibilidade do recorrente sem que tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas, vindo a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráter alimentar, tornando-se penhorável. (RMS n. 25.397-DF).
Contra a penhorabilidade, o Ministro Herman Benjamin julgou:
Entendeu-se que a poupança formada a partir da remuneração do trabalho recebida pelo devedor é impenhorável. Os valores recebidos como contraprestação da relação de trabalho (vencimentos, subsídios, salários, etc.-aqui incluídos os soldos pagos aos militares) gozam da proteção legal da impenhorabilidade absoluta. Tal proteção – disposta no art. 649, inciso IV, do CPC, deve-se ao seu caráter alimentar, na medida da indispensabilidade para o sustento próprio e familiar. A poupança comprovadamente alimentada por parcela do soldo – mesmo antes do advento da Lei n. 11.382/2006 – deve gozar da proteção legal, porque não ultrapassa o objetivo de estabelecer segurança mínima para os infortúnios da vida e por representar aplicação de recursos destinados ao sustento próprio e familiar”. (REsp. n. 515.770-RS).
No Tribunal de Justiça do Distrito Federal também não há consenso jurisprudencial a respeito da penhorabilidade do salário.
Entendendo pela penhorabilidade do salário e fixando esta em 30% do seu valor, o Desembargador Natanael Caetano, julgou o agravo de instrumento abaixo ementado, sendo acompanhado, a unanimidade, pelos demais desembargadores vogais
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BLOQUEIO ON LINE PELO SISTEMA BACENJUD. CONTA SALÁRIO. POSSIBILIDADE DESDE QUE EM PERCENTUAL RAZOÁVEL, LIMITADO A 30% DO SALDO EXISTENTE NA CONTA E QUE NÃO COMPROMETA A DIGNIDADE DO SUSTENTO DO DEVEDOR.
A jurisprudência desta e. Corte vem entendendo que, com o advento da recente reforma processual introduzida no procedimento da execução pelo caput do art. 655-A, com o escopo de imprimir celeridade e efetividade ao processo de execução, tornou-se legal o bloqueio on line de valores depositados na conta corrente do executado, ainda que se trate de conta salário, desde que em percentual razoável - limitado a 30% do saldo existente na conta - a fim de não comprometer a dignidade de seu sustento. (reformulação de entendimento para se ajustar ao entendimento da jurisprudência majoritária deste Tribunal). (Agravo de Instrumento 20100020128073AGI).
Por outro lado, julgando pela impenhorabilidade absoluta do salário, e também por decisão unânime e muito recente, decidiu-se:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PROVENTOS. PENHORA. ILEGALIDADE. INTANGIBILIDADE ABSOLUTA. ARTIGO 649, IV, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE RESSALVAS. VERBAS REMUNERATÓRIAS RECOLHIDAS EM CONTA BANCÁRIA. ORIGEM E NATUREZA PRESERVADAS. CONSTRIÇÃO INVIÁVEL.
1. Os salários, subsídios, soldos, remunerações, proventos e vencimentos usufruem de intangibilidade legalmente assegurada, sendo absolutamente impenhoráveis, conforme apregoa o artigo 649, inciso IV, do estatuto processual, não contemplando esse preceptivo nenhuma ressalva, salvo exclusivamente a constrição destinada à satisfação de obrigação alimentícia (§ 2º), à proteção que contempla, inclusive porque se utilizara da expressão “absolutamente impenhoráveis” ao enunciar o privilégio que dispensa às verbas de caráter alimentar.
2. O dogma da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial está impregnado na tradição jurídica brasileira, o que as torna impassíveis de constrição quando não se trata do adimplemento de obrigação alimentícia, ainda que observada a denominada “margem consignável”, porque reputadas pelo legislador absolutamente impenhoráveis, e, não se cuidando da única exceção admitida pela lei, ao exegeta não é legítimo desprezá-la de forma a relativizar a proteção dispensada.
3. Guardando vinculação com a fonte da qual germinam, as verbas remuneratórias depositadas na rede bancária não se desprendem da sua origem, preservando, ao invés, sua procedência e sua natureza jurídica, ensejando que, percebidas através de depósito na rede bancária, continuam acobertadas pela intangibilidade legalmente assegurada. (Agravo de Instrumento n. 20110020133934AGI).
Pelos julgados, verifica-se que não há uniformidade de opinião acerca da penhora tratada neste trabalho. Alguns julgadores fazem uma interpretação literal do disposto no art. 649, IV, do CPC, razão pela qual protegem o salário com o manto da impenhorabilidade absoluta. Outros, dando uma interpretação menos literal àquela norma e mais harmônica com os princípios constitucionais e processuais protegem com a impenhorabilidade absoluta apenas o percentual do salário suficiente para garantir ao executado e sua família a almejada dignidade humana. Daí, o que remanescer, é penhorável, e agora, já com o fundamento de garantir também os direitos do exequente, bem como conferir eficácia a tutela jurisdicional.