5 CONCLUSÃO
Os comandos constitucionais, pela teoria da constitucionalização do direito, devem espraiar-se por todo o ordenamento jurídico e se concretizarem na vida dos cidadãos.
O manto da impenhorabilidade absoluta do salário, qualquer que seja o seu valor, não está em sintonia com a Constituição da República. Deve-se assegurar ao devedor e seus familiares um valor suficiente para garantir sua dignidade. Feito isso, a parcela salarial que ultrapassar esse valor deve ser passível de penhora.
Em ordenamentos jurídicos de outros países, notadamente Portugal e Espanha, ambos da mesma tradição jurídica brasileira, ou seja, Civil Law, constata-se que o salário não é absolutamente impenhorável. Enquanto no primeiro a impenhorabilidade atinge dois terços do seu valor, no segundo há uma gradação no percentual penhorável, de modo que quanto maior o salário, maior será o quantum penhorável, chegando a atingir 90% (noventa por cento) do que ultrapassar cinco salários mínimos.
Neste trabalho propõe-se que seja penhorável o que dispunha o vetado art. 649, §3º, do CPC, ou seja, 40% (quarenta por cento) do que ultrapassar vinte salários mínimos depois de feitas pertinentes deduções. Comparativamente, tomando como parâmetro Portugal e Espanha, verifica-se que o valor proposto está muito acima do que previsto na legislação destes países.
A justificativa para escolher este percentual é que o próprio Presidente da República, ao justificar o veto àquela norma, entendeu ser razoável aquele valor, mas com uma argumentação frágil e tida por inconstitucional, achou melhor vetá-la, estimulando novas discussões sobre o tema. Além disso, pretendeu-se deixar estreme de dúvidas a natureza não alimentar do percentual penhorável e a efetiva salvaguarda da dignidade humana do devedor.
A jurisprudência ainda vacila, ora pendendo para uma interpretação literal do art. 649, IV, do CPC, razão pela qual, aponta a impenhorabilidade absoluta do salário, ora dando um enfoque mais constitucional ao tema, e aí sim, permitindo uma penhora de percentual do salário.
A lei n. 10.820/03 e o seu decreto regulamentador n. 4.840/03 permitem que um assalariado comprometa até 40% (quarenta por cento) do seu salário através de empréstimo consignado, estatuindo que o montante que será a base de cálculo onde incidirá o desconto deverá ser calculado levando em consideração as deduções ali previstas. Assim, pode-se facilmente inferir que o quantum penhorável do salário, conforme sugerido, está muito acima do que dispõe aquele decreto
Espera-se que prevaleça cada vez mais o entendimento que afasta a impenhorabilidade absoluta do salário, qualquer que seja seu valor. No mesmo sentido, e para evitar retrocessos, poderia o Congresso Nacional lutar para que prepondere o interesse social por uma Justiça mais efetiva e célere, e, cumprindo seu papel político, busque reeditar a norma vetada, pela aprovação de um novo projeto de lei.
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Notas
[1] CR, art. 5º, §1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
[2] “Para o homem e para a sociedade, o Direito não constitui um fim, apenas um meio para tornar possível a convivência e o progresso social”
[3] O art. 5º, LXVII, da CR, dispõe: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Em que pese a CR permitir a prisão do depositário infiel, há diversas jurisprudências dos tribunais superiores afastando tal possibilidade, já que infringiria o art. 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.
[4] Em que pese o autor entender absolutamente legítima a proposta de penhorabilidade dos salários, pensa que esta deve ser feita somente de lege ferenda.
[5]Art. 655, do CPC: A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
[6] Regulamenta a Lei n. 10.820/2003
Abstract: The objective of this monograph is to verify the possibility of pledging a percentage of the salary and other revenues of similar nature. Thus, dialectically and based on bibliographic research, analyses of case law and national legislation, this study aims to demonstrate that the pledging in the abovementioned circumstance is in consonance with the constitutional norms and principles, thus the rule of absolute non-pledgeability of a certain good, of whatever value, is not justified. In this context, there is no reasonability or coherence with the constitutional command leaving the creditor without means to have their credit receivables paid whilst the debtor carries an elevated standard of living, incompatible with their debts. There is no definitive jurisprudence position on the issue. In some jurisprudences, there is a literal interpretation of art. 649 IN of CPC (Brazilian code of civil procedure), fully protecting the salary, regardless of its value, secured by absolute non-pledgeability. In others, the interpretation incorporates constitutional precepts, protecting only the percentage of salary high enough to ensure the shelter and dignity of the respondent and their family. The pledgeability of 40% of what surpasses twenty minimum wages after deductions is advocated according to what art. 649, §3º, of CPC established. This pledgeable quota, at once, preserves the dignity of the respondent and ensures the satisfaction of the rights of the creditor, contributing, also, to the accomplishment of the constitutional precepts which prescribe the reasonable duration of the process and the effectiveness of the Constitution.
Key words: Constiotutionalization; Pledge; salary.