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Por um mundo com mais compliance

23/12/2014 às 12:40
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De forma alvissareira, o tema "compliance" invadiu o mundo jurídico nacional, em especial com a promulgação da Lei nº 12.846, de 1/08/2013. Mas sabemos realmente o que significa esse termo? Como ele se aplica à Administração Pública?

A recente Lei nº 12.846, de 1/08/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, a chamada Lei da Empresa Limpa, é promissora na busca de equilibrar a equação corrupto e corruptor, e ainda trouxe a seu reboque um tema novel na administração pública: O Compliance.

O artigo Art. 7o do diploma legal em comento diz que serão levados em consideração na aplicação das sanções, conforme Inciso VIII – “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”, uma positivação do potencial dessa legislação em promover a melhoria da integridade das instituições privadas que prestam serviço ao setor público, contribuindo, de forma indireta, com a mudança da cultura empresarial e com ganho na credibilidade de nosso setor econômico no plano internacional.

Louvada essa iniciativa legislativa, pontapé inicial de um amadurecimento das relações público-privado no país, verifica-se também a necessidade de discussão da questão do compliance no âmbito do setor público, e que benefícios essa palavrinha quase mágica nos trará, como espaço de uma gestão mais eficaz, eficiente e proba.

Inicialmente, faz-se necessário pontuar o que é compliance. Compliance vem do inglês “to comply” e se prende a ideia de obedecer, cumprir e observar o regramento estabelecido. Ou seja, é uma discussão predominantemente de conformidade, de aderência a normas de diversas estaturas- leis, políticas internas, convenções-, situação que no Brasil, pelas suas características, já desponta uma dificuldades estrutural, em especial pela cultura da Lei “não pegar”.

O compliance é uma função administrativa oriunda do aumento da relevância no contexto social de ideias de governança, ética, gestão de riscos e sustentabilidade, e esse novo cenário demandou um equilíbrio entre as tensões do modelo competitivo-individualista da sociedade capitalista pela implementação de ações que promovam a adesão a regras, na prevenção de riscos regulatórios, de imagem e até das relações humanas.

O compliance se propõe a ser uma vantagem competitiva para as organizações, a similitude do que foi apregoado para a sustentabilidade e a responsabilidade social em outros momentos. Visa fornecer maior credibilidade junto aos stakeholders, proteção a sanção de reguladores e ainda, procura  evitar a corrosão das relações pelos desvios éticos, sintonizando as políticas da empresa com os regramentos no contexto ao qual ela está inserida.

Nesse ponto, em especial, o Compliance padece de um dilema! Por ser uma medida de autorregulação na selva do mercado, pode ser, na prática, encarada como uma deficiência competitiva, pelo seu caráter inibidor, se não conseguir ser associada pelo gestor a uma melhoria da eficiência. Luta para ser um sistema de incentivos a conformidade em meio a luta desenfreada pelo lucro, tendo como fatores de força a bandeira da credibilidade e da sustentabilidade das relações, em um mundo de grande valorização da informação.

Ainda que esteja inserido em um modelo mercadológico diverso, baseado em um sistema político de clientes espalhados difusamente, mecanismos avaliativos baseados em eleições e regulação por órgãos internos e externos, os órgãos e entidades governamentais necessitam do compliance, pois estão também submetidos a riscos éticos, de imagem, de regulação e de conformidade.

Uma política de compliance protege a organização pública de danos a reputação, dela e de seus funcionários; e mais do que uma discussão de “brand”, tem-se em jogo a confiança e a credibilidade daquela equipe à frente da organização junto ao público, como fator de sobrevivência e de respaldo na construção de seus objetivos. O sistema funciona à base de credibilidade !

Da mesma forma, um investimento em compliance protege a organização pública do risco regulatório, da ação de órgãos de controle e as correspondentes sanções administrativas, judiciais e os danos de imagem de divulgação dessas sanções, bem como de denúncias de conselhos e entidades de classe.

Por fim, um ambiente que preza pelo compliance, reduz a incidência dos desvios éticos e as ocorrências de práticas corruptas, que corroem as relações pessoais e administrativas daquela organização, fazendo que as suas finalidades públicas sejam substituídas pelos interesses puramente privados e que os custos sejam majorados, com objetivos não concretizados, afetando, de forma sistêmica, a eficácia e eficiência da organização.

Os custos de compliance devem ser sempre sopesados aos possíveis efeitos de sua ausência. Em um mundo de comunicação intensa, de valorização recente da transparência, da postura ética e da qualidade dos serviços públicos, a discussão do compliance não pode deixar de fora as organizações públicas, que aliás, não tem se furtado destas iniciativas, ainda que sob outras nomenclaturas e estruturas.

Componente do sistema de integridade das organizações, o compliance fortalece aspectos preventivos da gestão, atuando na cultura e no cotidiano administrativo, e ainda que não seja condição suficiente para tornar a organização a prova de desvios de conduta, e seus problemas decorrentes, é condição necessária para se atingir a esta meta.

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Uma Administração Pública mais aderente, mais íntegra, protegida de riscos, não pode dispensar os avanços trazidos pela discussão do compliance, que se materializa pela criação de normas, pela realização de treinamentos e pela criação de estruturas que promovam essas ideias, fugindo da ideia sedutora de tratar o compliance como um modismo administrativo e percebendo este como um mecanismo de promoção da integridade, necessidade básica dos grupos humanos.

Mas, para essa opção política florescer, necessitamos cultivar a crença, como gestores, que o compliance agrega valor ao serviço público, de que é indissolúvel uma gestão eficaz e eficiente de uma gestão ética.

Não existe mágica! Se queremos o compliance, temos que valorizá-lo por medidas administrativas que permitam a essa discussão entrar no cotidiano das organizações, rompendo o paradigma de legislação versus punição, atuando por meio de elementos culturais na promoção da conformidade e todos os benefícios dela advindos.

O setor público, mais do que o privado, não pode enxergar o compliance como um penduricalho que não agrega valor a sua missão. Deve o setor público perceber que ações de incentivo a integridade, no contexto democrático, como o compliance, a transparência, o controle social os controles internos, constituem vantagens competitivas de incremento da credibilidade e de aumento do valor da organização pública, junto aos seus stakeholders, que são, em última instância, a própria população representada pelos cidadãos.   

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Sobre o autor
Marcus Braga

Doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ (GPP/PPED/IE/UFRJ). Auditor Federal de Finanças e Controle. CV em http://lattes.cnpq.br/6009407664228031

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Marcus. Por um mundo com mais compliance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4192, 23 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31415. Acesso em: 22 dez. 2024.

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