O filme “Obrigado por Fumar” (Thank You for Smoking, Direção: Jason Reitman, EUA, 2006) é uma demonstração bem humorada e sarcástica de vários dilemas encontrados com muita facilidade nos dias de hoje. Conta a história de Nick Naylor (Aaron Eckhart), um lobista que representa um conglomerado de indústrias do tabaco, e seus dilemas morais diante de sua vida profissional e como isto afeta seu relacionamento com o filho Joey (Cameron Bright). O roteiro adaptado do livro homônimo de Christopher Buckleys (1994), procura mostrar como age um lobista da indústria do cigarro.
A atividade profissional de Lobby ou Lobbyng consiste em uma pessoa ou um grupo de pessoas que trabalham para a aprovação de projetos no Congresso estadunidense. Fazem vida disso, e é considerada uma atividade útil e legal. Já teve um sentido pejorativo, mas hoje é uma profissão como qualquer outra, devendo os seus participantes serem inscritos em órgãos competentes e indicarem as fontes de seus recursos. No Brasil, este tipo de atividade é ilegal, apesar de sabermos que, mesmo ferindo a legislação e os princípios mais básicos da ética, o lobby é também utilizado em quase todas as partes do mundo. Afinal, os poderes econômicos sempre exercem algum tipo de influência no mercado, na mídia e nos governos.
A função principal de Nick é ser a cara da indústria do tabaco e “moldar” as informações de maneira a atenuar os efeitos negativos à imagem do cigarro junto a população, principalmente dos jovens, a “mina de ouro” da indústria do tabaco. Neste sentido, o personagem principal se utiliza de uma argumentação e retórica extraordinárias, não dando espaço para certezas absolutas sobre quem está certo ou errado. A retórica, como disciplina, representa um conjunto de técnicas de pensamento e linguagem que visam organizar um discurso segundo um fim pretendido. Historicamente falando, o que Nick Naylor realiza com tanta maestria, se assemelha ao que faziam os sofistas na Grécia Clássica. Os sofistas preparavam os cidadãos em técnicas retóricas a fim de torná-los capazes de proferir discursos em público, hábeis em encantar plateias, ganhar causas em tribunais populares ou vencer uma disputa verbal. Tornaram-se mal vistos naquela sociedade por deixar de lado a ética em troca do êxito em qualquer discussão, inclusive sobre assuntos que não conheciam. Este tipo de comportamento ainda é muito comum nos dias de hoje, em discursos políticos, no marketing, e nas atividades de lobby, como as demonstradas no filme. Resumidamente a retórica é a arte de persuadir pelo discurso, o que Nick faz com perfeição.
O problema é: como defender uma indústria que é culpada pela morte de milhares de pessoas por dia, é reconhecidamente um dos maiores poderes econômicos mundiais exercendo grande influência em todo o mercado global, e ainda ter uma relação de responsabilidade e educação com seu filho?
Quais os princípios morais de quem precisa realizar tudo isso? É preciso uma grande dose de “flexibilidade moral”, como bem nos diz o personagem principal do filme.
A tal “flexibilidade moral” faz com que Nick Naylor se sinta perfeitamente à vontade para subornar a indústria cinematográfica para devolver ao cigarro o status e o glamour de outros tempos, ensinar ao filho que o importante de uma discussão não é estar certo, mas sim provar que o opositor está errado, deixando seus argumentos livres para se defender e inverter as posições do jogo. E ainda “presentear” com uma maleta de dinheiro um antigo garoto propaganda à beira da morte por ter consumido os produtos que ajudava a vender. Este último é o Mallboro Man. Um personagem criado para as propagandas de cigarro Mallboro e que se tornou um ícone da indústria do tabaco. Para se ter uma idéia do alcance do personagem, existe uma lista contendo "As 101 pessoas mais influentes que nunca viveram", elencando personagens da ficção e da propaganda presentes no imaginário popular. Nesta lista, o homem de Mallboro, caubói norte-americano que surgiu nos anos 1950 e ajudou a aumentar as vendas do cigarro, ocupa o primeiro lugar. O ator David McLean, o primeiro a representar o homem de Mallboro, morreu de câncer no pulmão, em 1995. O filme é cheio de detalhes sarcásticos como o nome da escola em que estuda o filho de Nick: ST Eutanásias Chiou, algo como “Escola Santa Eutanásia” - Morte serena, sem sofrimento. Prática, sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.
O grande problema com a tal “flexibilidade moral” é que ela pode ser fruto do hábito profissional, e, neste contexto, a revolta provocada por ela, se analisada com a frieza necessária, pode ser abrandada. Senão vejamos. Qual a reação de uma pessoa comum ao visitar um doente terminal em um hospital, ou ao ver um sobrevivente de um acidente automobilístico com ossos quebrados e à mostra? Provavelmente terá uma reação de tristeza e angústia, se sentirá profundamente deprimida e tocada pela situação. Mas o que dizer de um médico traumatologista que dá plantão em grandes hospitais e está acostumado a ossos quebrados e corpos sem vida no seu dia a dia. Provavelmente este tipo de visão não lhe provoque grandes reações. Não por que lhe falte ética ou valores morais, mas porque a morte e o sofrimento fazem parte do seu cotidiano. É um hábito em sua vida. O que dizer de um advogado, como nos exemplificou o personagem do filme, que defende um assassino? Parece perturbador para uma pessoa de princípios éticos e morais que um assassino deva ser defendido. Mas e se ele não for um assassino. Há alguns anos na cidade de São Paulo, um casal proprietário de uma escola teve sua vida destruída por uma acusação de pedofilia (Caso da Escola Base). Foram condenados e julgados pela população e pela mídia, seu negócio fechado e sua imagem destruída. Após todas as investigações ficou provada a inocência. Você defenderia um casal acusado de se aproveitar da condição de donos de escola para abusar sexualmente de seus alunos?
Talvez exista em Nick Naylor a força do hábito. A aparente frieza com que defende a indústria do tabaco seja apenas a exigência de uma profissão que nem todos possuem “flexibilidade moral” para exercer.
Não pretendo, com essas questões, defender incondicionalmente o personagem, mas apenas levantar questões que não podem deixar de ser abordas.
Não há dúvidas que a lucratividade é o objetivo principal de qualquer atividade econômica, seja ela empresarial ou individual. É o lucro que faz com que a empresa ou o negócio cresça e se transforme em satisfação pessoal e profissional, impulsionando a economia e a transformação da sociedade. Porém, a ética, com o seu papel de trazer uma relação de equilíbrio entre as necessidades individuais e aquelas que são da sociedade como um todo, não pode deixar de ser observada. A lucratividade não pode sobrepujar a ética. E nem necessita. A falta de ética pode até um certo momento fazer com que os lucros sejam multiplicados, mas em seu tempo, sua escassez acarretará em uma destruição da imagem do profissional ou da empresa. E este é um caminho sem volta para a diminuição dos ganhos.
Existe uma preocupação muito grande com imagem que a empresa passa para o público consumidor. Na ânsia de criar uma imagem positiva, visando um aumento do lucro, há um caminho natural para atitudes mais positivas. O objetivo final é o lucro, mas o ganho é geral em virtude da preocupação com a imagem. Empresas que não possuem este tipo de pensamento estão caminhando para um caminho de prejuízos e diminuição de seu mercado. A influência da comunicação e da mídia neste processo é de suma importância.
A Comunicação Empresarial tem assumido, nos últimos anos, maior complexidade, tendo em vista a necessidade de trabalhar com diferentes públicos (portanto diferentes conteúdos, discursos ou linguagens), o acirramento da concorrência, a segmentação da mídia e a introdução acelerada das novas tecnologias.
A ética, neste sentido, é um conceito difícil de ser seguido. Afinal, existe ética na maneira como somos influenciados pela mídia? Somos bombardeados incansavelmente por informações que nos direcionam para um consumo desenfreado de produtos que poucas vezes precisamos realmente.
A dicotomia entre ética e lucratividade sempre vai existir. É necessário que se crie um esforço para que a primeira sempre prevaleça sobre a segunda. O mercado é um sistema em constante mutação, mas princípios morais e éticos são sempre bem vistos e admirados. Empresas que percebem esta tendência conquistam um público muito maior e consequentemente uma maior lucratividade. Podemos dizer que a ética pode e deve ser lucrativa.