Artigo Destaque dos editores

A correção monetária sobre Títulos da Dívida Agrária - TDAs e o obscurantismo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

25/10/2015 às 08:15
Leia nesta página:

Estuda-se a correção monetária incidente sobre os Títulos da Dívida Agrária - TDAs, apontando os principais equívocos da jurisprudência atual do STJ.

Um dos temas mais palpitantes no âmbito das ações de desapropriações para fins de reforma agrária é o relativo à incidência de correção monetária sobre os chamados Títulos da Dívida Agrária – TDAs.

Não muito raro, o Poder Judiciário é desafiado a resolver demandas cuja principal discussão é saber se incide ou não correção monetária sobre os TDAs e qual a lei de regência daquele caso concreto.

Acerca dessa controvérsia, observa-se que vários equívocos são cometidos por alguns operadores do Direito que militam na seara do Direito Agrário. E o primeiro equívoco é cometido quando não se faz a necessária diferenciação entre os TDAs que já foram emitidos logo no início da ação de desapropriação e os TDAs complementares que serão emitidos quando houver diferença entre o valor da condenação e o valor ofertado pelo entre expropriante.

O próprio egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja missão constitucional é uniformizar a interpretação da lei federal, não tem feito essa diferenciação e isso só pode ser debitado à pouca profundidade com que o tema é abordado pela Corte.

Em razão da aludida superficialidade com que essa matéria é tratada, verifica-se no âmbito daquela Corte Superior a formação de entendimento jurisprudencial que guarda o seguinte teor:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. ARTIGOS INFRACONSTITUCIONAIS TIDOS POR  VIOLADOS NÃO PREQUESTIONADOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282/STF. TDA'S. CORREÇÃO MONETÁRIA. CABIMENTO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO EXARADO PELO STJ. SÚMULA 83/STJ. 

1. A matéria inserta nos arts. 741, II, V e parágrafo único, e 743, I, do Código de Processo Civil - CPC não foi debatida pelo acórdão hostilizado, de modo que não foi atendido o requisito  inarredável do prequestionamento. Incidência, na espécie, da Súmula n. 282/STF.

2. Esta Corte Superior possui entendimento no sentido de que é devida a correção monetária dos Títulos da Dívida Agrária - TDAs, porquanto raciocínio inverso implicaria desvirtuamento da cláusula constitucional que garante a justa indenização.Precedentes: AgRg no REsp 1066423/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11/02/2009; AgRg no REsp 1273903/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 04/11/2011.

3. Dessarte, o acórdão do Tribunal a quo guarda perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, incidindo, no presente caso, o enunciado da Súmula 83/STJ, in verbis: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida."

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 91.422/SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 8.5.2012, DJe 14.5.2012.)

No entanto, se é certo que o raciocínio plasmado no precedente acima transcrito é válido em relação aos TDAs complementares, não menos certo é que ele não é válido em relação aos TDAs já emitidos e depositados logo no início da demanda expropriatória.

E isto por que, uma vez emitidos e depositados os TDAs no início da demanda, deve-se obedecer, no que se refere à CORREÇÃO MONETÁRIA e aos JUROS, o quanto disposto no art. 5º, caput e § 3º da Lei n. 8.177/91 (que dispõe sobre regras de desindexação da economia), com redação dada pela MP n. 2.183-56/2001, que prevê correção monetária e juros remuneratórios específicos, in verbis:

Art. 5° A partir de 1° de março de 1991, o valor nominal das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), emitidas anteriormente a 15 de janeiro de 1989 (art. 6° do Decreto-Lei n° 2.284, de 10 de março de 1986), dos Bônus do Tesouro Nacional (BTN), emitidos até a data de vigência da medida provisória que deu origem a esta lei, das Letras do Tesouro Nacional, de Série Especial (§ 1° do art. 11 do Decreto-Lei n° 2.376, de 25 de novembro de 1987), e dos Títulos da Dívida Agrária (TDA), será atualizado, no primeiro dia de cada mês, por índice calculado com base na TR referente ao mês anterior.

        § 1° O disposto neste artigo aplica-se também aos BTN emitidos anteriormente à vigência da medida provisória que deu origem a esta lei, com cláusula de opção, ficando assegurada, por ocasião do resgate, a alternativa de atualização com base na variação da cotação do dólar norte-americano divulgada pelo Banco Central do Brasil.

        § 2° Os BTN-Série Especial, emitidos em conformidade com o § 2° do art. 9° da Lei n° 8.024, de 12 de abril de 1990, passam a ser atualizados, a partir de 1° de fevereiro de 1991, pela TRD, acrescidos de juros de seis por cento ao ano, ou fração pro rata.

        § 3o  A partir de 5 de maio de 2000, os Títulos da Dívida Agrária - TDA emitidos para desapropriação terão as seguintes remunerações: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

        I - três por cento ao ano para indenização de imóvel com área de até setenta módulos fiscais; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

        II - dois por cento ao ano para indenização de imóvel com área acima de setenta e até cento e cinqüenta módulos fiscais; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

        III - um por cento ao ano para indenização de imóvel com área acima de cento e cinqüenta módulos fiscais. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

Portanto, em relação aos TDAs já emitidos no início da demanda, a correção monetária aplicável é aquela própria do título, pelo que a sentença expropriatória sobre ela não deve se ocupar, ou pelos menos não deveria, já que sua fórmula de cálculo está expressamente prevista na Lei n. 8.177/91.

Nesse contexto, aplicar indistintamente o entendimento de que “é devida a correção monetária dos Títulos da Dívida Agrária – TDAs”, sem perquirir se trata-se de TDAs já emitidos e depositados ou de TDAs a serem emitidos em complementação à indenização (TDAs complementares) demonstra pouca familiaridade com a sistemática de correção dos Títulos da Dívida Agrária.

Em verdade, o obscurantismo desse entendimento encampado pelo STJ somente pode ser explicado se olharmos para os precedentes que estão na origem da formação dessa inclinação jurisprudencial.

Com efeito, o entendimento jurisprudencial no sentido de que “é devida a correção monetária dos Títulos da Dívida Agrária – TDAs” finca suas raízes em acórdãos proferidos pela Primeira Seção do colendo Superior Tribunal de Justiça, que tinham como pano de fundo a discussão acerca da inclusão dos índices inflacionários expurgados pelos Planos Governamentais (Plano Bresser/1987, Collor II/1991, etc) para os títulos da dívida agrária emitidos anteriormente a tais planos, bem assim a discussão acerca da incidência de juros moratórios e compensatórios sobre TDAs vencidos e não pagos, como por exemplo, os acórdãos proferidos no MS nº 5.857/DF e no MS nº 8.341/DF.

Para certificar-se dessa afirmação, basta conferir os seguintes trechos do Relatório e do Voto-Condutor do acórdão prolatado no MS nº 8.341/DF, acima referido. Confira-se:

RELATÓRIO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Umberto Bastos Sacchelli impetrou Mandado de Segurança contra ato praticado pelo Senhor Ministro de Estado da Fazenda.

O impetrante apresenta os argumentos alinhados a seguir:

a) É senhor e legítimo possuidor de 873 (oitocentos e setenta e três) Títulos da Dívida Agrária - TDA's, que relaciona em sua petição.

b) Pretendeu, nos termos do Decreto n.º 578, de 24.06.92 (fls. 57⁄59), a inclusão dos seus títulos na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP encontrando, no entanto, resistência da autoridade ora impetrada, "que se nega a aceitá-los pelo valor corrigido, considerando os índices expurgados de 8,03% - resultante da edição do Plano Bresser em 1987 - e 13,89% de fevereiro de 1991, advindo do Plano Verão, em clara violação a direito líquido e certo do Impetrante, como se pode verificar na Portaria STN n.º 35, publicada no DOU de 05 de fevereiro de 1.999.";

c) Referidos títulos devem ser corrigidos segundo a desvalorização da moeda, de modo a preservarem o seu valor real, consoante o preceito ínsito no art. 184 da Constituição Federal e a legislação de regência;

d) Não bastasse isso, a autoridade impetrada, após o vencimento dos títulos, fez cessar a incidência dos juros compensatórios fixados em 6% ao ano, isto é, eximiu-se do pagamento dos juros que vinham remunerando o capital, opondo-se, ainda, ao lançamento dos juros moratórios, de 6% ao ano, também a partir do vencimento;

e) No que tange à correção monetária, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é devida no resgate dos TDA's, "para assegurar ao expropriado um preço sempre real", com a garantia de "valor aquisitivo estável e indenização justa." (MS 1.101, Min. Garcia; MS 1.023, Min. Demócrito);

f) A Constituição atual realçou o princípio, nesse particular, ao garantir não simplesmente a exata correção monetária, mas sim, "a preservação do valor real" dos TDA's (artigo 184);

g) Assim, a utilização de outro índice, que não reflita a real evolução da moeda, ainda que decorra de lei, representa nítida violação ao preceito constitucional contido no art. 184, da CF⁄88 (MS 4.005⁄DF-Min. Asfor);

h) No tocante à negativa da autoridade impetrada, consistente em não computar os juros compensatórios, após o vencimento dos títulos, limitando-se à simples correção monetária daqueles lançados até o seu vencimento, já houve manifestação da própria Procuradoria Geral da Fazenda, determinando a sua inclusão juntamente com os juros moratórios previstos no art. 1.062 do CC (parecer PGFN⁄CRJN⁄n.º 515⁄95);

i) A inclusão dos juros compensatórios e moratórios sobre os Títulos da Dívida Agrária, não resgatados, não é tema novo no STJ, que, por unanimidade dos Ministros da 1ª Seção, decidiram afirmativamente (MS 3.186⁄DF);

j) Requer o impetrante seja-lhe concedida a ordem, "a fim de que, por ocasião da inclusão dos referidos títulos na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP, na forma estabelecida pelo Decreto n.º 578⁄92", sejam lançados juntamente com o valor principal: (fl. 14)

- os índices de 8,03% e 13,89%, correspondentes à correção monetária suprimida em razão dos Planos "Bresser" e "Collor II";

- os juros compensatórios e moratórios de 6% a.a., devidos a partir do vencimento dos títulos e, daí em diante, até o respectivo resgate.

[...]

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O pedido de Segurança merece acolhida, em parte.

Preliminarmente observo que a Ordem teria caráter preventivo: o impetrante não recebeu qualquer pagamento.

O impetrante diz ser possuidor de 873 (oitocentos e setenta e três) Títulos da Dívida Agrária - TDA's, conforme descrito na inicial, informação não elidida pelo informante.

Entende que referidos títulos devem ser corrigidos mediante aplicação dos índices expurgados de 8,03% e 13,89%, resultantes da edição dos chamados Plano Bresser, de junho⁄87 e Plano Verão, de fevereiro⁄91, respectivamente, negando, no entanto, o impetrado a sua inclusão na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP, inclusive com o cômputo dos juros compensatórios e juros de mora devidos, de 6% a.a., nos termos da Lei n.º 8.177⁄91 e do Decreto n.º 578⁄92, a partir do vencimento dos TDA's.

Trouxe à colação decisões do STJ, dizendo da procedência da correção monetária sobre os títulos em comento, não liquidados, considerando os mencionados expurgos inflacionários, bem como dos juros compensatórios e moratórios.

O impetrante reivindica dita correção monetária e juros, por ocasião da inclusão dos títulos na CETIP, como direito líquido e certo a ser atendido.

A tais alegações opõe-se a autoridade tida por coatora, com argumentação deduzida nos seguintes termos:

1 - O pedido não tem condições de prosperar, em face da ausência de certeza e liquidez da pretensão. Sob esse argumento, pede, em preliminar, o indeferimento da inicial.

2 - Como segunda preliminar, invoca a Súmula 269⁄STF, no entendimento de estar o autor pretendendo mandado de segurança como ação de cobrança, e como tal deve ser repelido.

3 - Na questão de fundo, alega que a correção dos TDA's obedecem aos preceitos legais.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue a orientação de que é devida a correção monetária sobre os TDA's vencidos e não quitados, aplicando-se os índices de 6,81 (Plano Bresser) e 13,89% (Plano Collor II), acrescidos de juros compensatórios e moratórios de 6% a.a., a partir do vencimento dos títulos. Exemplifico:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. TÍTULO DA DÍVIDA AGRÁRIA - TDA. DECLARAÇÃO DO DIREITO DO PARTICULAR DE INCIDÊNCIA DOS ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA EXPURGADOS. PLANOS BRESSER E COLLOR II.

I - É admissível a impetração de mandado de segurança com pedido de declaração do direito do proprietário de TDA à incidência de índices de correção monetária expurgados, nos percentuais de 6,81% (Plano Bresser) e 13,89% (Plano Collor II), acrescidos de juros compensatórios e moratórios de 6% a.a., a partir do vencimento do título.

II - Constituindo o cerne da questão a incidência de expurgos inflacionários em título de dívida pública, a natureza do provimento jurisdicional é declaratória, e não condenatória para automática inclusão no sistema fazendário da Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP, porque a eventual natureza condenatória transformaria o mandamus em ação de cobrança com efeitos pretéritos.

III - ...Omissis...

IV - Segurança concedida parcialmente."(MS 6.835⁄Nancy).

Na mesma direção as seguintes decisões desta Primeira Seção: MS's 7.805⁄DF-Laurita; 7.975⁄DF-Garcia; 5.857⁄DF-Milton; 7.194⁄DF-Delgado; 8.100⁄DF-Fux; 6.254⁄DF-Humberto; 7.670⁄DF-Franciulli; EDMS 5.820⁄DF-Falcão).

[...]

Aliás, a ementa do referido acórdão (MS nº 8.341/DF) é bastante explicita em estabelecer as hipóteses em que incidem correção monetária, juros moratórios e compensatórios sobre TDAs já emitidos: somente na hipótese em que tais títulos venceram e ainda não foram quitados. Veja-se:

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA - TDA'S. CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DOS PLANO "BRESSER" E "COLLOR II". CABIMENTO. JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS. DEVIDOS. NÃO APLICAÇÃO, "IN CASU", DA SÚMULA 269⁄STJ.

1. Admite-se Mandado de Segurança para determinar que os Títulos da Dívida Agrária sejam corrigidos monetariamente e rendam juros tanto moratórios quanto compensatórios. Tal situação em nada interfere com a Súmula 269 do STF.

2. A Súmula 269 do Supremo Tribunal Federal deve ser aplicada com temperamentos. É lícita a emissão de Mandado de Segurança para obviar preterição ilegal do resgate de TDA vencido.

3. O impetrante busca, tão-somente, a declaração do direito à aplicação da correção monetária no valor dos TDA's, bem como, igualmente, o reconhecimento do direito aos juros compensatórios e moratórios, a partir do vencimento dos títulos, a serem lançados, juntamente com o principal, por ocasião da inclusão destes na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos - CETIP.

4. Está assente a jurisprudência do STJ no sentido de que são devidos os índices de 6,81% (Plano Bresser) e 13,89% (Plano Collor II), sobre os títulos da dívida agrária, assegurados àqueles que tenham sido emitidos anteriormente àquela data, além de juros compensatórios e moratórios de 6% a.a., após vencimento dos TDA's.

5. A cláusula de preservação do valor real (CF, art. 184) adere ao TDA, mesmo depois de sua circulação, beneficiando quem quer que seja o portador do título

6. Segurança parcialmente concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Franciulli Netto, Laurita Vaz, Paulo Medina, Luiz Fux e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins.

Brasília (DF), 11 de setembro de 2002 (Data do Julgamento).

Ocorre que a esmagadora maioria das teses jurídicas, veiculadas nos Recursos Especiais das partes, na atualidade, dizem respeito aos juros e correção monetária que irão remunerar os TDAs após sua emissão até o seu vencimento, e não a respeito de juros e correção que irão eventualmente incidir sobre TDAs vencidos e não quitados.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Assim, para que não se cometa grave violação às disposições da Lei n. 8.177/91, é imperioso que se restrinja a aplicação desse entendimento do STJ aos Títulos da Dívida Agrária – TDAs complementares, ou seja, aqueles a serem emitidos em complementação à indenização, quando o valor ofertado for inferior ao valor da condenação, já que em relação aos TDAs já emitidos no início da demanda, a correção monetária aplicável é aquela própria do título e prevista art. 5º da Lei n. 8.177/91.

Outro grave equívoco cometido pelo STJ ao apreciar essa matéria está relacionado à aplicação do referido entendimento jurisprudencial, ainda quando não há diferença entre o valor ofertado inicialmente e o valor imposto na condenação.

Ora, se o valor efetivamente devido já havia sido integralmente depositado no início da demanda, não há que se falar em mora e tampouco de CORREÇÃO MONETÁRIA, pois, nos termos do art. 33, caput, do Decreto-Lei nº 3.365/41, “O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é considerado pagamento prévio da indenização” e, sendo pagamento, extingue a obrigação, não havendo que se falar em valor COMPLEMENTAR a ser pago ao expropriado.

É sabido que, quando há condenação superior à oferta, o valor das benfeitorias segue a ordem dos precatórios, enquanto que para pagamento da terra nua deve-se emitir TDA´s complementares, sendo ambos os valores devidamente atualizados antes da emissão.

Mas aí vem a pergunta: e quando o valor fixado na sentença é igual ou inferior ao valor ofertado inicialmente incide correção monetária? A resposta é SIM, mas essa correção monetária é própria da conta bancária em que está depositado o valor relativo às benfeitorias e a prevista para os TDAs já emitidos e depositados.

Com efeito, conforme já mencionado acima, uma vez emitidos e depositados os TDAs no início da demanda, deve-se obedecer, no que se refere à CORREÇÃO MONETÁRIA e aos JUROS, o disposto no art. 5º, caput e § 3º da Lei n. 8.177/91 (que dispõe sobre regras de desindexação da economia), com redação dada pela MP n. 2.183-56/2001, que prevê correção monetária e juros remuneratórios específicos.

Por outro lado, há que se considerar que o valor depositado em dinheiro por ocasião da oferta inicial já possui atualização monetária própria da conta bancária em que está depositado, pelo que essa é a única CORREÇÃO MONETÁRIA devida ao Expropriado, não se vislumbrando qualquer prejuízo a este. 

Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente: 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. JUROS COMPENSATÓRIOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO IGUAL AO DA OFERTA INICIAL. INCIDÊNCIA APENAS SOBRE A QUANTIA QUE FICA INDISPONÍVEL PARA O EXPROPRIADO. EVENTUAIS DIFERENÇAS DE CORREÇÃO MONETÁRIA. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEPOSITÁRIA. SÚMULA 179/STJ.

(...)

4. Hipótese em que a indenização fixada corresponde, exatamente, ao valor ofertado no início do feito expropriatório, ou seja, não há nenhuma diferença entre a condenação final e o valor inicialmente ofertado.

(...)

7. Havendo, por outro lado, no início da demanda, o depósito integral da indenização fixada, a instituição financeira depositária é quem deve responder por eventuais diferenças de correção monetária, nos termos da Súmula 179/STJ, assim redigida: "O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos."

8. "A partir da data do depósito, a correção monetária e os juros serão pagos pela instituição financeira depositária, não sendo eles (correção e juros) imputáveis ao expropriante. Súmula 179/STJ." (REsp 214.996/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 11.3.2002).

9. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a incidência dos juros compensatórios apenas sobre os vinte por cento (20%) do preço ofertado em juízo, bem como para afastar a responsabilidade do recorrente pelo pagamento de eventuais diferenças de correção monetária.

(REsp 1055418/MT, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 10/09/2008)

Dessa forma, somente se houver diferença entre o valor ofertado inicialmente pelo ente expropriante e o valor fixado na sentença condenatória é que se poderia cogitar da aplicação do entendimento jurisprudencial, segundo o qual “é devida a correção monetária dos Títulos da Dívida Agrária – TDAs", pois o valor depositado inicialmente não teria sido suficiente para quitar integralmente o valor devido, ainda remanescendo valores a serem pagos ao Expropriado, e estes, por óbvio, devem ser pagos corrigidos monetariamente.

Logo se vê que o tema relativo à incidência de correção monetária sobre Títulos da Dívida Agrária – TDAs ainda carece de uma análise mais detida e profunda por parte do colendo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de se perpetuar grave violação à legislação federal regente dessa matéria.


Bibliografia:

 AgRg no AREsp 91.422/SE. 91.422/SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 8.5.2012, DJe 14.5.2012 (STJ, 14 de maio de 2012).

BRASIL. Coletânea de legislação e jurisprudência agrária correlata/Organizadores Joaquim Modesto Pinto Junior, Valdez Farias. – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2007.

BRASIL. Lei 8.629/93 Comentada por Procuradores Federais: Uma contribuição da PFE/INCRA para o fortalecimento da reforma agrária e do direito agrário autônomo/ Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA. Brasília: INCRA, 2011.

MS 5.857/DF. 5.857/DF, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/1998, DJ 29/03/1999, p. 59 (STJ, 29 de março de 1999).

MS 8.341/DF. 8.341/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/09/2002, DJ 11/11/2002, p. 141 (STJ, 11 de novembro de 2002).

REsp: n. 1.055.418/MT. 1.055.418/MT, REsp 1055418/MT, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 10/09/2008 (STJ, 10 de setembro de 2008).

SILVA, Daniel Leite da. Juros em desapropriação. A verdade sobre a jurisprudência do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2424, 19 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14374>. Acesso em: 12 nov. 2013.

- Sítios eletrônicos. 

AGU. Disponível na URL: http://www.agu.gov.br/.

INCRA. Disponível na URL: http://www.incra.gov.br/portal/.

STJ. Disponível na URL: http://www.stj.jus.br/.

STF. Disponível na URL: http://www.stf.jus.br/.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. A correção monetária sobre Títulos da Dívida Agrária - TDAs e o obscurantismo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4498, 25 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34209. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos