O relatório da CNV foi divulgado, e agora?

15/12/2014 às 15:40
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O reconhecimento da verdade é uma farsa se não acarretar consequencias.

Ontem pela manhã a Comissão Nacional da Verdade divulgou seu relatório. A íntegra do relatório da CNV está disponível na internet. Ainda não tive tempo de ler seu conteúdo. Mesmo sem ter feito isto me ocorreu perguntar: e agora?

O relatório, pelo que sua estrutura dá a entender, reconhece que o Estado brasileiro incentivou, tolerou e acobertou crimes cometidos pelos seus agentes. Alguns destes crimes são continuados (seqüestro), outros são imprescritíveis (tortura). Os nomes dos criminosos constam do relatório. O que ocorrerá com eles? O Estado brasileiro começará a respeitar a decisão da OEA que, com base na jurisprudência internacional, condenou nosso país a repudiar a Lei de Auto-anistia que os criminosos proclamaram durante o regime ditatorial?

A publicação do relatório na internet é importante, mas seria ainda mais importante transformar o relatório em material didático que fique à disposição dos alunos das escolas públicas em todo país. Milhões de estudantes brasileiros não tem internet e aqueles que tem não se sentirão estimulados a ler o volumoso relatório na integra. Além disto, é notória a dispersão causada por informações compartilhadas on line. Os estudantes, entretanto, tem o direito à ser informados acerca do que o país fez no passado e o Estado tem a obrigação de criar as condições para que eles possam discutir o que pode ser feito para que isto não volte a ocorrer.

É fato notório que a imprensa brasileira apoiou o golpe de estado que desembocou nos crimes cometidos de 1964 a 1985. Crimes que somente agora foram oficialmente descritos e narrados em detalhes.  Quem custeará a publicação de livros com o relatório da CNV? O Estado ou os jornais e redes de TV que instigaram o golpe e o recepcionaram como sendo uma restauração da democracia?

Os empresários de comunicação não gostam de ter prejuízos. Eles engordaram seu patrimônio durante a ditadura e tem que responder pelos danos que ajudaram a provocar à sociedade brasileira. Não me parece que eles estejam muito inclinados a custear o que quer que seja sem que tenham sido obrigados pelo Poder Judiciário.  Nesse sentido, o MPF, a AGU e a OAB poderiam se unir para estudar a possibilidade de processar todas as empresas de comunicação que instigaram e apoiaram o golpe de 1964 para obrigá-las a custear a publicar alguns milhões de volumes com os relatórios da CNV. O Ministério da Educação distribuiria as publicações nas escolas públicas.

Apesar de constituída com uma finalidade específica e ter existência transitória, a CNV é um órgão estatal reconhecido internacionalmente. Em seu relatório ela reconheceu e detalhou crimes que foram cometidos sob os governos militares. Em razão disto, a partir de hoje se tornou imoral (a moralidade é um princípio constitucional a teor do art. 37, da CF/88) a utilização dos nomes dos generais presidentes ou de seus subordinados em qualquer monumento ou equipamento público. Sendo assim as praças, ruas, viadutos, pontes, rodovias etc... com nomes dos governantes que estimularam ou acobertaram a tortura terão que ser renomeadas em todo o território nacional. O monumento erguido em homenagem a Castelo Branco será demolido?

As Forças Armadas foram responsáveis pelo golpe de 1964. Muitos dos crimes cometidos durante a ditadura foram executados sob a supervisão de militares ou praticados pessoalmente por militares. Cada um responde por seus atos, mas as Forças Armadas precisam se distanciar do que fizeram. A única maneira disto acontecer é os comandantes das três armas se ajoelharem diante do relatório da CNV e pedirem perdão a nação, jurar que nunca mais farão algo parecido e, pelo exemplo, estimular todos os soldados brasileiros a fazerem o mesmo. Sem arrependimento público dos militares, as Forças Armadas não poderão ser perdoadas pelo povo brasileiro.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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