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Venda conjunta de passagens aéreas: afronta à proteção consumerista e concretização da prática abusiva da venda casada

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Resumo:

RESUMO:



  • Estudo sobre a afronta ao princípio da proibição da venda casada na venda de passagens aéreas pelas companhias aéreas.

  • Análise das normas nacionais e internacionais de regulação aérea, contratos de transporte e posicionamento jurisprudencial sobre o tema.

  • Apontamento de possíveis soluções para coibir essa prática abusiva e garantir os direitos dos consumidores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apesar dos pontos obscuros existentes na legislação, contratos e orientações de órgãos reguladores sobre o tema, a jurisprudência vem sendo favorável aos consumidores.

RESUMO:Estuda a afronta existente ao princípio da proibição da venda casada, elencado no Código de Defesa do Consumidor, na venda de passagens aéreas. Demonstra que a venda denominada como de itinerário pelas empresas aéreas terminam vinculando a utilização de uma passagem a outra, quando adquiridas em uma única compra, induzindo os consumidores em erro e configurando a venda casada. Analisa utilizando como base normas nacionais e internacionais de regulação aérea, assim como os contratos de transporte de empresas aéreas nacionais e mundiais. Debate o posicionamento jurisprudencial a respeito do tema, assim como aponta possíveis soluções para o caso em tela.

Palavras-chave: Aviação civil. Venda casada. Passagens aéreas. Código de defesa do consumidor.


1 INTRODUÇÃO

Considerando a importância da defesa dos usuários hipossuficientes nas relações consumeristas, que se apresentam cada vez mais complexas, o presente artigo busca analisar a quebra de um dos princípios enraizados no Código de Defesa do Consumidor: o da proibição da venda casada.

Não obstante, esse estudo apresenta relevância prática, uma vez que expõe uma faceta elaborada pelos fornecedores de transporte aéreo para burlar o sistema protecionista, induzindo os clientes em erro e concretizando a venda casada. Tal prática é fruto de uma crescente evolução das metodologias utilizadas pelos fornecedores, que não se importam com o descumprimento das determinações legais, desde que atinjam o objetivo final: atrair consumidores e exercer influência sobre o poder de compra destes. Este estudo, em toda sua estrutura, utiliza-se de uma linguagem simples e clara, evitando termos jurídicos exagerados, visando valorizar uma das bases do acesso à justiça e proporcionar entendimento a qualquer leitor que busque conhecimentos sobre o tema.

Como enfoque principal, procura analisar as companhias aéreas e suas metodologias utilizadas para vincular o cliente na compra de passagens aéreas, afrontando um dos princípios mais importantes do Código de Defesa do Consumidor. Essas grandes empresas, por formarem um ramo específico que não desenvolve grandes concorrentes, detém um poder de mercado para regulá-lo de acordo com as suas necessidades. Assim sendo, em busca de um benefício financeiro elas acabam realizando uma manobra contratual que afeta diretamente o cliente e o princípio da proibição da venda casada, ao fazer com que este  perca o direito de utilização de uma passagem aérea caso não realize a utilização de outra, comprada na mesma ocasião.

Para demonstrar a afronta a esse princípio e o domínio que todas as empresas fazem sobre tal fato, criando contratos particulares que contrariam o direito público, será analisada a função do Código de Defesa do Consumidor perante a sociedade, assim como a forma que o princípio relativo à venda casada está disposto nessa legislação. No intuito de tornar este artigo prático, serão analisados os casos práticos do comportamento das empresas aéreas nacionais e internacionais, estudando ainda o modo com que as agências reguladoras e tratados internacionais se abstêm do combate a esta prática abusiva.

Por fim, será abordado como a jurisprudência nacional vem se comportando em relação ao tema, apesar de se tratar de um assunto novo nos debates jurídicos nacionais; assim como os meios que as empresas aéreas podem utilizar para beneficiar o cliente e não realizarem esta prática abusiva ao ordenamento jurídico pátrio.


2  O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A SUA FUNÇÃO SOCIAL PROTETIVA

Diante do estado evoluído que as relações consumeristas se apresentam e do desenvolvimento das empresas que atuam no mercado, englobando seu poder de influência sobre o consumidor e de domínio sobre o comércio de produtos e serviços, este torna-se cada vez mais frágil. Além de não obter o poder financeiro, técnico e operacional que os fornecedores de produtos e serviços obtêm, os consumidores ainda tem que lidar com as artimanhas que estes desenvolvem para se beneficiar perante os seus clientes, diminuindo ainda mais seu poder de escolha e o vinculando a determinadas empresas, produtos ou serviços. Tal fato se concretiza pois “é pródigo o ser humano na criação de situações enganosas, com o objetivo de auferir vantagens indevidas” (BONATTO; MORAES, 2009, p. 49).

Caracterizada essa relação desigual entre o fornecedor e o consumidor, tendo como aspecto principal a hipossuficiência do consumidor frente aos seus fornecedores, assim como as diversas metodologias utilizadas pelas empresas no intuito de se beneficiar frente aos pontos frágeis dos clientes, surge o Código de Defesa do Consumidor para defendê-los, visando igualar essa relação, caracterizadamente benéfica aos fornecedores. Esse caráter protecionista constitui um dos fundamentos basilares da defesa do consumidor, denominado de princípio da repressão eficiente aos abusos. Este recebe tal nomenclatura pois “abusar significa exercer de maneira desproporcional e contrária aos critérios de igualdade determinada conduta reconhecida, em princípio, como lícita” (BONATTO; MORAES, 2009, p. 47).

2.1 Estabelecimento da vedação à venda casada no Código de Defesa do Consumidor

Como anteriormente abordado, o Código de Defesa do Consumidor visa proteger os hipossuficientes consumeristas de práticas abusivas adotadas por empresas no mercado de consumo. Uma das práticas mais comuns é a venda casada, prevista no art., 39, I, deste Código, à saber:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. [1]

Analisando o texto legal, pode-se depreender como conceituação da venda casada o método que subordina o fornecimento de um produto ou serviço a outro, limitando ou dificultando a aquisição deste, caso não seja adquirido o que foi determinado. Nunes Júnior e Serrano de Matos (2009, p. 172) afirmam que tal prática “consiste no condicionamento do fornecimento de produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço”. Em suma, o fornecedor obriga, induz ou vincula a aquisição de um produto a algo que não é essencial ao funcionamento dele. No caso em questão, as empresas vinculam o uso de serviço ao uso de outro, criando assim a oportunidade dos sujeitos vulneráveis serem ofendidos, “na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do(s) sujeito(s) mais potente(s) da mesma relação” (MORAES, 2009, p. 125). Essa proibição, deste modo, visa proteger o direito a livre escolha do consumidor, que deve ter ampla liberdade do que vai consumir ou não. Vejamos, por conseguinte, a definição da Secretaria de Acompanhamento Econômico do governo federal para este tema, citada por NETO (2012, p. de internet):

Prática comercial que consiste em vender determinado produto ou serviço somente se o comprador estiver disposto a adquirir outro produto ou serviço da mesma empresa. Em geral, o primeiro produto é algo sem similar no mercado, enquanto o segundo é um produto com numerosos concorrentes, de igual ou melhor qualidade. Dessa forma, a empresa consegue estender o monopólio (existente em relação ao primeiro produto) a um produto com vários similares. A mesma prática pode ser adotada na venda de produtos com grande procura, condicionada à venda de outros de demanda inferior.

Outrossim, Garcia (2010, p. 254) define de modo simples a operação casada ao afirmar que “o vendedor não poder vincular seu produto e serviço a outro”. Rizzatto Nunes (2011, p. 591), por sua vez, conceitua a venda casada o modo “por meio da qual o fornecedor pretende obrigar o consumidor a adquirir um produto ou serviço apenas pelo fato de ele estar interessado em adquirir outro produto ou serviço”.

Assim sendo, pode-se concluir que as empresas que adotam essa prática se beneficiam com a venda de determinado produto, de modo quase obrigatório ao cliente, que não seria essencial para o uso do produto principal. Desnecessário se faz comprovar a lesividade dessa prática aos clientes, uma vez que estes são induzidos a adquirir determinado produto ou serviço contra o seu arbítrio e sua necessidade, concretizando “iniquidades sociais juridicizadas por estruturas legais, porém ilegítimas” (AMARAL, 2011, p. 79).


3  AFRONTA À PROIBIÇÃO DA VENDA CASADA PELAS COMPANHIAS AÉREAS

Antes de iniciar a verificação da afronta ao princípio da proibição da venda casada pelas empresas aéreas, é necessário observar como funciona, de modo geral, a venda das passagens por essas companhias.

Primeiramente, verifica-se que ha dois modos básicos de compra de passagens aéreas, que pode ser fisicamente, se dirigindo a loja/guichê da própria companhia aérea, assim como a determinadas agências de turismo; ou virtualmente, através do website da empresa aérea ou de algumas páginas online especializadas na venda desses produtos, tais como a Buscapé, Booking.com e Hoteis.com. Apesar da distinção teórica incidente no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, esta diferenciação foi realizada apenas para fins práticos, uma vez que o modo de compra e semelhante em ambas as modalidades, assim como o contrato de transporte aplicado as passagens aéreas são os mesmos, independentes do seu modo de aquisição.

Além disso, o cliente poderá escolher entre apenas um trecho, ou dois trechos (comumente conhecido como ida-e-volta). Na primeira opção, o cliente escolhe o trecho que deseja viajar, realiza o pagamento e adquire a passagem. Já na segunda alternativa, o cliente escolhe a cidade de qual partirá e o destino, realiza o pagamento das duas passagens, que serão discriminadas separadamente, uma vez que não apresentam nenhuma relação individual, e adquire as passagens.

Nessa segunda forma de aquisição, as empresas aéreas quebram o princípio da venda casada, utilizando determinadas metodologias que possibilitam uma afronta aparentemente legal a legislação, do modo que será analisado a seguir.

3.1 Análise teórica da quebra ao princípio da venda casada pelas companhias aéreas

Como outrora analisado, o cliente, ao adquirir uma passagem aérea, tende a adquiri-la de modo a se dirigir ao destino e retornar ao local de origem, uma vez que a grande maioria das viagens são realizadas com o intuito de permanência temporária.

Desse modo, ao realizar a compra de passagens aéreas, o consumidor, acreditando estar sendo beneficiado pela empresa, busca sempre a opção de comprar as passagens de ida e volta em uma única compra, uma vez que facilita o modo de pagamento (por realizar uma única operação de pagamento pelas duas passagens) e economiza tempo (pois terá que realizar a operação de compra uma única vez). Entretanto, essa vantagem pressuposta pelo cliente é inexistente, visto que as empresas aéreas utilizam da hipossuficiência técnica do cliente para lesá-lo e afrontar o princípio da proibição da venda casada.

As companhias de transporte aéreo, ao conduzir um cliente, realizam o fornecimento de um serviço como qualquer outro. Desse modo, necessitam de um contrato privado que regule a prestação deste, assim como o Contrato de Transporte Aéreo, que regula o transporte de pessoas e objetos pelas companhias aéreas.

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Ao analisar esse contrato, observa-se que nos acordos comerciais de transporte há uma cláusula afirmando que em passagens compradas como ida e volta, caso o cliente não utilize a passagem de ida, ele terá cancelado automaticamente a sua passagem de volta. Ou seja, ocorre a realização da venda casada sob uma nova ótica: o cliente realiza o pagamento por dois produtos, porem caso não utilize um, perderá o direito de utilizar o outro.

Claramente se configura, nesse caso, uma afronta ao princípio da venda casada. As empresas aéreas, como já abordado, induzem os clientes a adquirir as passagens ida e volta em uma única compra, como se existissem determinadas vantagens financeiras, porém acabam o prejudicando. Esse prejuízo se observa ainda mais quando se constata que caso realizasse a compra das mesmas passagens de modo separado, o cliente não teria a vinculação dessas passagens aéreas. A mera vantagem da economia de tempo, que é constatada na aquisição de passagens em uma única compra, não justifica o risco financeiro corrido pelo cliente.

Não obstante, a cláusula contratual que veda a utilização de um serviço caso o outro adquirido não seja utilizado, é de grande importância  para o consumidor. Assim sendo, este ponto, que se apresenta de modo tímido no contrato (como se fosse de baixa importância), deveria estar exposto de modo claro no momento da aquisição das passagens, de forma a deixar o consumidor ciente dos riscos corridos naquela compra. Como as empresas aéreas não realizam um dos direitos básicos do consumidor, que é o de ter direito a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços adquiridos, acabam cometendo um crime previsto no mesmo estatuto, a saber:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.[2]

Ainda, nenhuma vantagem é oferecida aos clientes que correm esse risco, na grande maioria das vezes sem saber, de comprar as passagens em conjunto. Nem mesmo os valores oferecidos são melhores. Um exemplo claro é o acontecimento pessoal do Prof. Flávio Siqueira Junior, ao afirmar que “o mais espantoso é que fui informado de que, se tivesse comprado o trecho de ida e o de volta separados – e que, juntos ou separados, custar-me-iam o mesmo preço –, aí eu poderia ter embarcado (!?)”.[3] Assim sendo, conclui-se claramente que a compra realizada de passagens separadas fornece riscos menores da perda dos valores das passagens, mesmo se a quantia paga pela compra das passagens em conjunto foi a mesma.

Observa-se, ainda, que ao comprar as passagens juntas, o cliente utiliza-se da mesma operação e do mesmo sistema de pagamento para comprar as passagens, porém os valores fornecidos pelas companhias aéreas não são calculados em conjunto pelas passagens. Os fornecedores, no momento da escolha das passagens pelo cliente, fornecem valores individualizados por cada passagem, que serão apenas somados no momento do pagamento. Assim sendo, nada vincula a compra de mais de uma passagem no mesmo procedimento. Em nenhum momento os contratos de transporte se referem às passagens como um pacote, mas sim de modo individuais. Essa situação só ocorre quando se referem às cláusulas abusivas de cancelamento de passagens por não utilização de outra adquirida conjuntamente, como veremos a seguir.

3.2 Breve estudo da prática da afronta ao princípio da proibição da venda casada pelas companhias aéreas nacionais

Uma vez que este escrito pretende se aplicar à prática, e não apenas à teoria, será analisado, doravante, os contratos de transporte das três companhias aéreas de maior atuação nacional, assim como o modo que elas se utilizam para violar esse direito básico consumerista.

A GOL Linhas Aéreas, no seu contrato de transporte, fala o seguinte sobre o tema:

1.3. Outros Deveres. Além dos mencionados acima, são ainda deveres do Passageiro: 

XI) utilizar o itinerário conforme o mesmo tenha sido adquirido, respeitando a ordem dos voos e condições especificadas nas regras de tarifas. A combinação de tarifas e trechos em uma mesma reserva forma um único itinerário, que passa a ser considerado em sua integridade para fins de alterações, cancelamento e reembolso.

[...]

3. NÃO COMPARECIMENTO (NO-SHOW)

3.1. Em caso de não comparecimento do Passageiro para o embarque (no-show), será deduzido do total da reserva valor referente à quebra do presente Contrato, sendo a reserva dos trechos subsequentes automaticamente cancelados. O valor residual, correspondente ao valor total da reserva menos o valor referente à quebra do Contrato, permanecerá como crédito, até a solicitação de reembolso ou remarcação dentro do prazo de um ano da data da criação da reserva, devendo o Passageiro, em caso de remarcação, arcar com eventuais diferenças tarifárias. Para a devida informação ao Passageiro, o pagamento do valor aplicado será devido de acordo com as regras tarifárias vigentes no momento da compra. [4] [grifos nossos]

Da mesma forma, é importante destacar o posicionamento da TAM Linhas aéreas, outra companhia aérea de renome nacional, e a sua abordagem sobre o tema:

1.3. HORÁRIO DE APRESENTAÇÃO

[...]

1.3.4. O passageiro que não se apresentar no check-in dentro do horário para o embarque, bem como não portar os documentos de viagem necessários, terá sua Reserva cancelada e a consequente impossibilidade de embarque. Caso o passageiro não compareça para o embarque ou não possa embarcar por ausência de documentos (no show), tenha adquirido os bilhetes em uma única compra, ou seja ida e volta, a TAM entenderá que o passageiro não iniciou sua viagem, cancelando a sua reserva da ida e da volta. [5] [grifos nossos].

Dessa forma, percebe-se que ambas empresas apresentam o mesmo posicionamento sobre o  não comparecimento do  passageiro em passagens compradas em conjunto. A Gol, como explicação para a realização dessa prática afirma que as tarifas que são combinadas integram um único itinerário, e por isso que a utilização de uma passagem automaticamente cancela a outro. Em síntese, ela pressupõe que, como a primeira passagem não foi utilizada, deve-se cancelar a segunda, uma vez que o itinerário não foi iniciado. Essa cláusula não apresenta uma explicação lógica cabível, uma vez que o consumidor pode se deparar com imprevistos que adiem ou atrasem a viagem de ida, fazendo-o perder o voo, mas que não impossibilitará a viagem de ida, tampouco a de volta. A TAM utiliza-se da mesma lógica frágil para realizar o cancelamento da passagem de  volta.

Por fim, nota-se que a companhia de aviação Azul Linhas Aéreas também utiliza o mesmo modo de atuação das companhias aéreas anteriores:

3.6. No-show. Em caso de não comparecimento do Passageiro para o embarque (no-show), será deduzido do valor da tarifa a taxa administrativa referente à quebra de contrato de transporte, e as reservas dos trechos subsequentes serão canceladas. O valor residual permanecerá em crédito até a solicitação de reembolso ou remarcação dentro do prazo de 01 (um) ano a contar da data da emissão do bilhete original não utilizado. Para a devida informação ao passageiro, a tabela com o valor da taxa estará sempre disponível quando da compra no site www.voeazul.com.br ou Central de Relacionamento com o Cliente.[6]

Desse modo, as companhias aéreas, ao utilizarem essa linha de pensamento, excluem, propositalmente, os possíveis imprevistos que impossibilitem o embarque do passageiro, em detrimento do lucro próprio das companhias, uma vez que ocuparão o assento já pago, e agora vago, com outro consumidor.

3.3 Análise prática da afronta ao princípio da proibição da venda casada pelas companhias aéreas internacionais

Após a análise do cenário nacional, deve-se estudar o comportamento das empresas aéreas internacionais frente ao descumprimento deste princípio. Para exemplificar, foram utilizados os contratos de transporte de duas companhias aéreas de renome internacional com atuação em nosso país: a Ibéria e a Qatar Airlines. Salienta-se ressaltar que, apesar de serem multinacionais de origem estrangeira, estas empresas atuam no Brasil, devendo respeitar, consequentemente o que está previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Veremos, ainda, que apesar dos modos de redação dos contratos aéreos se apresentarem diferentes, todas apresentam o mesmo posicionamento, que já foi explicitado no tópico anterior. Em suma, há, implicitamente, um acordo realizado pelas companhias aéreas nesse ponto, independentemente da sua afronta alegislação, como veremos a seguir:

A análise prática se inicia com a empresa Ibéria, companhia aérea de origem espanhola, que aborda o tema da seguinte forma na sua sessão de perguntas frequentes:

En una reserva de ida y vuelta, ¿si no utilizo la ida puedo usar la vuelta?

Independientemente de la tarifa aplicada, si alguno de los trayectos comprados no se usa, automáticamente se cancelarán los trayectos restantes compreendidos em el mismo billete.[7]

Observando o caso prático dessa companhia, verifica-se algo peculiar: a inserção desse ponto presente no contrato na seção de perguntas frequentes da empresa. Partindo desse ponto, podemos presumir que o questionamento sobre essa cláusula abusiva ocorre com muita frequência na Espanha, país-sede da empresa. Apesar dessa presunção de maior questionamento popular sobre o tema, a empresa utiliza-se do mesmo método abusivo aplicado pelas empresas nacionais, conforme se observa na própria resposta fornecida pela empresa.

A outra companhia internacional objeto de estudo, a Qatar Airlines, também aborda o tema de modo semelhante, a seguir:

5. Cobrança de No-Show Quando o Espaço Não For Ocupado

Será cobrado de você uma taxa de no-show, de acordo com  nossos Regulamentos, se você não utilizar o espaço para o qual foi feita uma reserva.

[...]

7. Cancelamento de Reservas de Prosseguimento de Viagem Feito por Nós

Se você não utilizar uma reserva e deixar de nos avisar, podemos cancelar ou solicitar o cancelamento de quaisquer reservas de prosseguimento de viagem ou de volta.[8]

A Qatar Airlines, conforme se observa, também vincula a utilização de uma passagem a utilização da outra do mesmo itinerário, apresentando diferença apenas na nomenclatura fornecida, uma vez que a utilizada é reserva de passagens. Ocorre que a utilização dessa terminologia diferenciada sugere que o cancelamento se realiza apenas na reserva do passageiro, o que não é verdade. O que se cancela, nesses casos, é uma compra já efetuada, uma vez que, nos serviços aéreos, o pagamento é efetuado antes da utilização dos serviços. Isto posto, a terminologia “reserva de passagem” só seria de correta utilização caso o passageiro realizasse o pagamento do serviço após a sua utilização, o que não ocorre – devendo, assim, ser mais adequada a nomenclatura cancelamento de compra de passagens.

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Sobre os autores
Lucas Bezerra Vieira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2015), inscrito na OAB/RN sob o n.º 14.465. Ex-presidente e atual membro da Comissão de Direito da Inovação e Startups da OAB/RN. Autor do livro “Direito para Startups: Manual jurídico para empreendedores” (ISBN 978-85-923408-0-3); e criador do site “Direito para Startups“, um dos primeiros portais do Brasil especializados na temática. Coordenador da Setorial Nacional de Empreendedorismo e Inovação do movimento Livres. Formação em Proteção de Dados e Data Protection Officer pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado com atuação especializada no assessoramento jurídico empresarial, com foco em startups, empresas digitais e de tecnologia. Possui em seu card de clientes startups de renome nacional, participantes de programas de fomento ou aceleração como Endeavor Scale Up, Shark Tank Brasil, Inovativa Brasil, Estação Hack from Facebook, ACE Startups e grandes fundos de investimentos, entre outros. Mentor legal do Programa Conecta Startup Brasil, um dos maiores programas de aceleração de startups do Brasil (Softex) e do Distrito, maior ecossistema independente de Startups do Brasil. Palestrante e autor de artigos publicados em periódicos científicos, como também de artigos publicados em grandes portais nacionais (Estadão, Jota, Conjur, Migalhas, Jornal do Comércio…).

Didier Pironi Evaristo Almeida

Graduando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte/RN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Lucas Bezerra ; ALMEIDA, Didier Pironi Evaristo. Venda conjunta de passagens aéreas: afronta à proteção consumerista e concretização da prática abusiva da venda casada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4844, 5 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35508. Acesso em: 18 dez. 2024.

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