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Ação regressiva acidentária: requisitos e possibilidades

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03/10/2016 às 16:13

Resumo:


  • O ordenamento jurídico brasileiro garante a proteção adequada ao trabalhador para o desenvolvimento de suas atividades, visando sua integridade física e psicológica.

  • O elevado número de acidentes de trabalho no Brasil gera prejuízos significativos aos cofres da Previdência Social, impactando a economia e a sociedade como um todo.

  • As ações regressivas, fundamentadas na legislação previdenciária, buscam o ressarcimento dos valores pagos em benefícios decorrentes de acidentes de trabalho, atuando como um instrumento educativo e preventivo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A ação regressiva acidentária é a forma pela qual o INSS busca o ressarcimento ao erário dos valores desprendidos em acidentes ou doenças do trabalho decorrentes da negligência do empregador.

Introdução

O ordenamento jurídico brasileiro garante ao trabalhador a proteção adequada para o melhor desenvolvimento de seu labor e consequentemente a sua contribuição para a sociedade, sem que o desempenho de suas atividades ponha em risco sua integridade física e psicológica. A Constituição Federal estabeleceu a saúde como um direito fundamental, tornando a proteção ao ambiente do trabalho parte integrante dessa proteção. Seu artigo 7º, no inciso XXII, dispõe:

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Mesmo diante de um direito constitucionalmente estabelecido, é alarmante o número de acidentes do trabalho que ocorrem no Brasil. Por consequência os prejuízos aos cofres da Previdência Social são sentidos de forma muito significativa, sendo que o pagamento de benefícios decorrentes de acidentes do trabalho consomem 90% dos recursos do INSS: cerca de R$7,8 bilhões são gastos anualmente apenas com benefícios gerados de algum tipo de acidente ocorrido com os segurados da previdência.

Além das perdas humanas que já são trágicas por só, a economia e a sociedade em geral também perdem e pagam um preço muito alto por isso. O Brasil teve uma amarga demonstração disso com seus 700 mil acidentes e doenças decorrentes do trabalho por ano.

O fato preocupante destes bilhões custeados pelos cofres públicos e trabalhadores com suas vidas interrompidas, seja total ou parcialmente para o trabalho, é saber que muitos desses acidentes e mortes poderiam ter sido evitados com medidas simples de segurança, obediência às normas para um ambiente saudável de trabalho, fiscalização dos equipamentos de segurança, sejam individuais ou coletivos, manutenção adequada desses equipamentos, treinamento eficaz dos empregados.

Políticas de prevenção e educação no trabalho, fiscalização preventiva, palestras e campanhas diretamente para os empregados e empregadores, poderiam diminuir a quantidade de acidentes que ocorrem todos os anos, diferentemente disso, tais orientações não surtiram os efeitos esperados.

Os governos devem decidir pela saúde e proteção dos trabalhadores com medidas mais eficazes de prevenção de acidentes, bem como políticas de acompanhamento e reabilitação de trabalhadores lesionados que voltam ao trabalho e muitas vezes retornam para o mesmo posto de serviço, agora incompatível com a sua nova condição de saúde.

Esta questão é tão grave e de tanta importância que foi instituído o dia 28 de abril de cada ano como o dia Mundial pela Saúde e Segurança do Trabalho, data referente ao acidente ocorrido em 1969 com a explosão da mina de Farmington, West Virginia, nos Estados Unidos, no qual 78 trabalhadores vieram a óbito.

No ultimo 28 de abril, houve um ajuizamento coletivo de centenas de ações regressivas acidentárias em todo o Brasil, as quais buscam o reembolso ao INSS dos valores pagos às vitimas de acidentes do trabalho, objeto principal desse artigo, com expectativa de ressarcimento de 115 milhões de reais.


Acidente de trabalho

O acidente de trabalho encontra respaldo legal, basicamente, nos artigos 11, VII e 19 da Lei n. 8.213/91. Trata-se de acontecimento externo, decorrente do exercício laboral, violento e súbito, que gera dano à integridade física ou mental do indivíduo abruptamente (FREITAS, 2011, p. 4). Explica Sebastião Oliveira (2014, p. 64) que

“O acidente do trabalho pode ser o fato gerador de diversas e sérias consequências jurídicas que se refletem no contrato de trabalho, na esfera criminal, nos benefícios acidentários, nas ações regressivas promovidas pela Previdência Social, nas indenizações por responsabilidade civil, nas Inspeções do Trabalho, no pagamento de indenização de seguros privados que cobrem a morte ou a invalidez permanente, e na reação corporativa do sindicato da categoria profissional”.

Luciane de Freitas (2011, p. 4) ressalta os resultados sociais negativos de sua ocorrência, pois que

“o trabalho no contexto social possui valor ético e moral, de modo que o infortúnio laboral nos conduz a conseqüências políticas e sociais desastrosas, havendo evidente interesse público na sua prevenção e ressarcimento justo”.  

A lei definiu apenas o acidente típico, que é aquele que ocorre de forma súbita, inesperada e violenta, gerando uma lesão grave e até a morte, mas também acrescentou outras hipóteses como equiparadas ao acidente típico, tais como doenças do trabalho ou ocupacionais, os quais são chamados de acidentes do trabalho por equiparação, vide art. 19 da Lei 8.213/91 

“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para o trabalho”.

Há também o acidente in itinere e o acidente por equiparação. O primeiro se refere ao acidente ocorrido no deslocamento entre residência e trabalho. Embora não tenha acontecido exatamente dentro do local de trabalho, é considerado acidente típico por manter relação direta com o exercício da atividade.

Já o segundo abarca as doenças profissionais e doenças do trabalho, essas estão ligadas às condições do ambiente e/ou exercício do trabalho. Jean Selva (2010, p. 17) esclarece que 

“O art. 20 da lei 8.213/91 traça uma diferenciação entre doença profissional e doença do trabalho. A doença profissional é aquela peculiar a determinada atividade ou profissão, também chamada doença típica do trabalho. Por outro lado, a doença do trabalho é atípica do trabalho, pois apesar de igualmente ter origem na atividade laboral, não está vinculada necessariamente a alguma profissão. O aparecimento da doença do trabalho ocorre pelas condições em que o trabalho é prestado”.

Dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT – informam que cerca de 2,2 milhões de acidentes e doenças do trabalho ocorrem por ano em todo o mundo e cerca de 860 mil pessoas sofrem algum tipo de acidente todos os dias. Destaque-se que este já alto número é referente apenas aos acidentes registrados, pois há ainda aqueles que não são notificados, por razões diversas, que acabam por impedir que o lesionado possa gozar da proteção legal estabelecida.

Segundo Guy Ryder, diretor-geral da instituição, os custos globais diretos e indiretos chegam a 2,8 trilhões de dólares, sendo que os números de mortes acidentárias do trabalho são maiores do que as mortes em guerras.

As mudanças na forma de organização de trabalho para que haja melhores condições para o trabalhador em sua saúde e segurança estão sempre em discussão, mas a cada ano o número de acidentes fatais cresce de forma assustadora. Algumas empresas, visando seus lucros a qualquer custo, com metas cada vez mais inalcançáveis, produtividade exigida ao limite do humano, colaboram para os acidentes típicos e outras doenças ocupacionais do trabalho.          


Benefícios por incapacidade

A ocorrência de acidente de trabalho levará o segurado à aposentadoria-por-invalidez" data-type="category">aposentadoria por invalidez,

“devida ao segurado que [...] for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição.

A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social” (KERTZMAN, 2014, p. 355-356) .

Para que o trabalhador tenha reconhecido o direito ao recebimento de beneficio previdenciário acidentário, não basta apenas a comunicação do acidente (CAT). Deverá ser comprovado o nexo causal entre o acidente e o exercício do trabalho que o gerou, assim a Previdência Social fica obrigada a gerar o benefício para o segurado incapacitado para o trabalho.          


Ação regressiva

O Instituto Nacional de Seguridade social – INSS – visando o ressarcimento desses benefícios pagos para as vitimas de acidentes de trabalho, ou seus dependentes, busca uma forma até então polêmica de ingressar com as chamadas ações regressivas em desfavor das empresas causadoras dos acidentes laborais.

A ação regressiva é o instrumento pelo qual o INSS busca o ressarcimento dos custos desprendidos por ele, com relação aos benefícios concedidos decorrentes de acidentes e doenças do trabalho, causados por negligência e inobservância das normas de segurança e saúde no ambiente de trabalho pelo empregador.

A responsabilidade civil do empregador não isentará a responsabilidade da Previdência Social na cobertura de concessão de beneficio previdenciário ao empregado lesionado, bastando apenas o preenchimento dos requisitos que a lei exige. Ocorre que as ações regressivas buscam ressarcir aos cofres públicos os custos advindos da negligência do empregador com as normas de segurança e saúde do ambiente de trabalho e buscam, de forma educativa, incentivar as empresas ao investimento, fiscalização, obediência e cumprimento de todas as formas de proteção do trabalhador.

A previsão legal para as ações regressivas está expressa na Lei 8213/91 em seus artigos 120 e 121. 

“Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.

Dispõe ainda o artigo 19, caput e parágrafo 1º do referido diploma legal, que

“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Observa-se, portanto, que embora haja previsão legal para o INSS alguns pressupostos devem ser preenchidos para a procedência da ação regressiva, a saber:

a) Que o acidente de trabalho seja sofrido por um segurado da Previdência Social, não importa a modalidade do acidente, seja típico ou em decorrência de doença ocupacional do trabalho;

b) Que o acidente tenha ocorrido por negligência ou descumprimento das normas de segurança por culpa do empregador;

c) Que o pagamento do beneficio acidentário seja decorrente desse acidente ou doença do trabalho.

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Após preenchidos estes três requisitos poderá o INSS ingressar com a ação regressiva, com o intuito de êxito judicial condenatório contra as empresas e, consequentemente, o ressarcimento dos valores suportados pelo Instituto em decorrência do acidente laboral.

Para a procedência das ações regressivas de ressarcimento ao INSS, é fato incontroverso que se comprove a negligência por parte do empregador, concernentes ao descumprimento das normas de segurança, proteção e higiene do ambiente de trabalho, assim, o nexo de causalidade é obtido pela conduta omissiva e ineficaz do empregador e o acidente que gerou a concessão do beneficio previdenciário. Sendo assim, o pagamento do benefício deverá ocorrer por consequência do acidente laboral, o qual por sua vez seja demonstrado que os fatores que contribuíram para o acidente, tenham sido gerados pela falta de observância das normas de segurança do meio ambiente de trabalho.

Esta tem sido a forma de punir as empresas em seu patrimônio financeiro para que se pense mais na segurança e na saúde de seus funcionários, como uma forma de educar e incentivar maiores cuidados. É o chamado efeito financeiro-educativo, mas que custou caro para os acidentados e suas famílias.

Logo, cumpre destacar que o intuito maior da legislação é a proteção do trabalhador e a garantia de sua integridade física e psicológica, portanto as ações regressivas nada mais são do que um incentivo pedagógico que, com a diminuição do patrimônio das empresas, visa maiores cuidados e proteção àquele que move as engrenagens de um país, o trabalhador.


Competência e legitimidade

Diante de várias discussões acerca da competência para julgar as ações regressivas movidas pelo INSS com o intuito de ressarcimento dos valores pagos decorrentes de acidentes do trabalho por culpa do empregador, em que primeiramente a competência seria da Justiça do Trabalho, o STJ se posicionou e o entendimento majoritário apontou a Justiça Federal como competente para julgar esse tipo de ação pleiteada pelo referido instituto.

O INSS é representado pelas Procuradorias Federais, sendo que a legitimidade passiva nesse tipo de ação é atribuída a todo aquele que de certa forma desrespeitou as normas de segurança e com negligência, culpa ou dolo causou o acidente que fez gerar o beneficio previdenciário. Também não se exclui do polo passivo aquele que mesmo indiretamente contribuiu para a causa como, por exemplo, empresas terceirizadas prestadoras de serviços que têm o dever de verificar o ambiente em que está inserindo o seu trabalhador.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, divulgado em julho de 2014, incluiu uma empresa terceirizada como ré em ação regressiva do INSS contra a boate Kiss no Rio Grande do Sul, visando o ressarcimento à União de parte dos valores pagos aos funcionários da terceirizada que atuavam na boate na noite do acidente. Este foi um entendimento de que a responsabilidade do empregador para com o seu empregado se fundamenta no dever de fiscalização do ambiente de trabalho.


Prescrição

A prescrição é o fenômeno jurídico pelo qual perde-se a oportunidade de ajuizamento de uma ação pelo decurso do tempo em razão do não exercício de um direito em determinado lapso temporal.

Enquanto o INSS sustenta o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/32, as empresas sustentam o prazo trienal de acordo com o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem se posicionando em suas decisões adotando o prazo de cinco anos:

CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI N. 8.213/91. PRESCRIÇÃO. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA. NÃO COMPROVADA. 1. Os fundos da previdência social, desfalcados por acidente havido hipoteticamente por culpa do empregador, são compostos por recursos de diversas fontes, tendo todas elas natureza tributária. Se sua natureza é de recursos públicos, as normas regentes da matéria devem ser as de direito público, porque o INSS busca recompor-se de perdas decorrentes de fato alheio decorrente de culpa de outrem. Assim, quando o INSS pretende ressarcir-se dos valores pagos a título de benefício previdenciário, a prescrição aplicada não é a prevista no Código Civil, trienal, mas, sim, a quinquenal, prevista no Decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932 (...) (RIO GRANDE DO SUL, 2013).

Diante da divergência na doutrina e jurisprudência brasileiras, e na ausência de lei específica, o STJ se posicionou no sentido de que a prescrição para as ações regressivas acidentarias é de cinco anos. As ações regressivas previdenciárias abrangem as prestações vencidas e vincendas em seu pedido de ressarcimento.

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Sobre a autora
Cristiane Correia

Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social - Faculdade Legale. <br><br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Cristiane. Ação regressiva acidentária: requisitos e possibilidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4842, 3 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35571. Acesso em: 22 dez. 2024.

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