Resumo: O contrato empresarial de cartão de crédito é regido pelo Código de Defesa do Consumidor que, por sua vez, faz diversas menções à cláusula de revisão contratual conhecida como onerosidade excessiva. Tal instituto visa à proteção da parte prejudicada no contrato por motivo superveniente ao pacto, por ter se tornado por demais onerosa a prestação à qual se obrigou. É este instituto decorrente dos princípios gerais que regem o contrato, como o da boa-fé objetiva e equivalência material, por sua vez disciplinados Código Civil vigente, que traz regras aplicáveis aos contratos como um todo. O presente trabalho objetiva analisar cada uma dessas noções, utilizando o método bibliográfico de pesquisa, mediante leitura, análise e interpretação de lições de doutrinadores e magistrados atuantes nas áreas de Direito abrangidas pelo tema, através do qual se conclui pela possibilidade de aplicação das regras da onerosidade excessiva ao contrato ora em estudo.
Palavras-chave: Consumidor. Civil. Contrato. Cartão. Onerosidade.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa tratar acerca do regramento jurídico dado ao instituto da onerosidade excessiva e analisar a possibilidade de ser o mesmo aplicado aos contratos empresariais de cartão de crédito. Buscou-se também, através deste, fazer um paralelo entre diplomas legais cíveis, empresariais e consumeristas, posto que o referido tema, por si só, engloba várias de suas regras. É este o fundamento, inclusive, que justifica a pesquisa empenhada.
Antes de adentrar ao referido tema, serão dispostas ideias acerca da disciplina dada aos contratos em nível de direito nacional, tais como dos princípios gerais que os regem, dos quais, inclusive, decorre a própria teoria da onerosidade excessiva.
No que se refere ao contrato de cartão de crédito, é feita uma abordagem inicial acerca dos contratos de natureza empresarial, bem como sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor àquele.
De modo a fundamentar as afirmações ora expostas, buscou-se embasamento em obras literárias, artigos divulgados em revistas eletrônicas, na própria letra da lei, além de entendimentos jurisprudenciais que demonstrassem que o assunto é discutido nas três searas – legislação, doutrina e jurisprudência.
2. DISCIPLINA JURÍDICA DOS CONTRATOS
Os contratos são parte inconteste da sociedade atual, uma vez que, por sua natureza de negócio jurídico, são meios pelos quais são firmadas obrigações entre pessoas físicas ou jurídicas, com intuito de favorecer seus interesses, que podem ser dos mais diversos tipos.
Assim como os atos unilaterais, os atos ilícitos e a própria lei, os contratos são geradores de obrigações, sendo tidos como a sua principal fonte. São estes, portanto, negócios jurídicos resultantes de acordo de vontades condicionadas a certas cláusulas, que visam a gerar obrigações para os contratantes ou, ao menos, para um deles. Tal acordo de vontades, inclusive, é requisito essencial para a validade de qualquer contrato.
O objeto de um contrato possui as características comuns às obrigações, como a transitoriedade (não são permanentes como os direitos reais, mas sim, em grande maioria, efêmeros ou com duração certa) e o valor econômico (que torna possível o surgimento de uma pretensão de que seja cumprido pela outra parte, diante da sua responsabilidade patrimonial).
Sua formação tem início com negociações preliminares, chamadas tratativas, conhecida também como fase de puntuação, em que não há, a princípio, vinculação dos futuros contratantes. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 90), neste momento prévio "[...] as partes discutem, ponderam, refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim, contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma proposta final e definitiva".
A seguir, no momento em que é lançada uma proposta por uma parte a outra, o art. 427. do Código Civil Brasileiro prevê que terá incidência de vinculação do promitente à sua proposta, caracterizando o chamado princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da proposta.
Em sequência, há a fase de aceitação da proposta, sem a qual o contrato não seria formado. Traduz-se na manifestação de vontade daquele que é o destinatário da proposta, no sentido de anuir com as suas condições. Quanto à forma, não há requisitos específicos previstos em lei, podendo se dar de modo expresso ou tácito, à exceção dos contratos solenes. É obrigatório que a aceitação seja conclusiva e que se refira a todos os termos da proposta: caso se dê de forma parcial, entende-se que uma proposta nova (divergente da primeira) é que foi aceita.
No momento em que o promitente toma conhecimento da aceitação tem-se formado o contrato. É possível, todavia, que haja a retratação do aceitante, situação prevista no art. 433. do Código Civil, que considera “inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.”
Quanto à disciplina legal dos contratos, há inúmeras espécies desse instituto previstas pela legislação brasileira vigente. Existem contratos cíveis, empresariais, trabalhistas, entre outros, e cada um possui seu regramento nos diplomas referentes.
Note-se que as previsões trazidas na lei não formam um rol taxativo, posto que qualquer pessoa civilmente capaz é livre para contratar ou mesmo para criar um contrato. Este contrato criado, que não possui regramento completo previsto em lei, é chamado atípico. Assim, os contratos podem ser criados com regras próprias, desde que respeitadas a boa-fé, os bons costumes e que não tenham objetos ilícitos. Isso se dá em decorrência dos princípios da liberdade contratual e da obrigatoriedade do pactuado: este último, conhecido como pacta sunt servanda, traduz-se como garantia mínima de que o contrato será obedecido pelas partes em suas regras, desde que não prejudique quem esteja de boa-fé; daquele primeiro decorre a ideia de que qualquer indivíduo é livre para contratar, bem como para escolher o conteúdo do contrato, e com quem vai estabelecê-lo.
Demais princípios que abrangem os contratos serão tratados a seguir.
2.1. Princípios Contratuais Gerais
É certo que, não importando a natureza do contrato, as regras gerais a serem seguidas são as previstas no Código Civil, nos artigos compreendidos no seu Título V (Dos Contratos em Geral). Nesse Título, o diploma legal traz noções preliminares de formação dos contratos, formas de intervenção de terceiros, os possíveis tipos (o contrato aleatório – arts. 458. ao 461 – e o contrato preliminar – arts. 462. ao 466); bem como a evicção e os vícios redibitórios, que são formas de proteção trazidas ao adquirente de boa-fé em contratos que envolvam transferência de posse ou propriedade.
Desta mesma Parte Geral são extraídos princípios contratuais de extrema importância e abrangência para os diversos tipos de contratos. Os principais são, além dos da liberdade contratual e da obrigatoriedade do pactuado, mencionados acima, os seguintes: o da função social do contrato; o da boa-fé objetiva; e o da equivalência material.
O princípio da função social do contrato foi previsto literalmente pelo art. 421. do Código Civil, que aduz: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Dele se detrai que é imperiosa a observância das conseqüências geradas pelo contrato à sociedade, já que pode causar repercussões além da seara dos contratantes, mas também a terceiros. Remeta-se, também, à leitura do art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal de 1988, pelos quais são garantidos o direito de propriedade e que a propriedade atenderá a sua função social. Sendo o contrato, portanto, a principal forma de se negociar o direito de propriedade, nada mais justo que a aplicação deste princípio abranja a disciplina do mesmo.
Outro importantíssimo princípio é o da boa-fé objetiva, também citado no texto do Código Civil, em seu art. 422, o qual versa que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. “A boa-fé que se procura preservar, prestigiando-se no texto legal, é a objetiva, entendida essa como a exigível do homem mediano, numa aplicação específica do critério do ‘reazonable man’, do sistema norteamericano” (PAMPLONA FILHO, 2009, p.180). Assim, os contratantes devem usar de bom senso ao executar todas as fases de um contrato, inclusive com deveres de lealdade, confiança e sigilo que couberem.
Já o princípio da equivalência material trata da forma em que devem ser consideradas as partes em um contrato, respeitando suas desigualdades, principalmente quando se tem em tela um de contrato de adesão, no qual as cláusulas são previamente estipuladas por apenas uma das partes, sendo a outra, em virtude disso, vista como o lado hipossuficiente da relação jurídica. Vê-se, portanto, que é uma decorrência do princípio constitucional da isonomia, pelo qual se deve tratar os desiguais na medida de sua desigualdade. Desse princípio, por sua vez, decorre a regra da possibilidade de resolução contratual por onerosidade excessiva, questão que será tratada a seguir.
2.2. Onerosidade Excessiva
A onerosidade excessiva é uma forma de resolução contratual, ou seja, uma forma de extinguir o contrato diante de seu descumprimento, mediante pleito em ação judicial.
Diz respeito a mudanças imprevisíveis que podem ocorrer, por exemplo, no valor da prestação acordada entre as partes em contratos a termo (que possuem período certo de duração), ou nos de trato sucessivo (em que o cumprimento ou pagamento das prestações se dá de forma repetida no tempo). Está disciplinada, inicialmente, no próprio Código Civil, nos arts. 478. ao 480:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Traduz-se da seguinte forma: caso ocorra algo alheio a qualquer vontade que torne insustentável o cumprimento da prestação por uma das partes, esta poderá resolver o contrato utilizando-se da cláusula rebus sic standibus, pela qual será mantido o estado vigente ao tempo da celebração da avença. Poderá, ainda, caso a outra parte aceite, utilizar-se da regra do art. 479. do Código Civil – CC/02, supracitado, modificando de forma equitativa as condições contratuais.
A configuração da onerosidade excessiva é possível inclusive quando se tratar de contrato unilateral, que gera obrigações para apenas uma das partes, como é o caso da doação, na qual poderá a parte obrigada pleitear a minoração do valor da prestação, nos termos do art. 480. do CC/02.
Conforme aduzido acima, tal regra é decorrência do princípio da equivalência material, que visa ao tratamento justo e igualitário entre as partes. Pode-se dizer, ademais, que esta proteção intenta evitar, também, o enriquecimento sem causa, de modo que o contrato pode se tornar, imprevisivelmente, excessivamente vantajoso para uma das partes, o que tornaria a avença uma forma de obter lucros não desejados inicialmente por esta e extremamente prejudicial para a parte oposta.
Além da disciplina no Código Civil, a onerosidade excessiva também é prevista no Código de Defesa do Consumidor - CDC, conforme observado por Braga Netto (2009, p. 218):
A preocupação do CDC com o equilíbrio material das prestações é quase obsessiva. Transparece em inúmeros dispositivos do CDC. Aliás, o rol de cláusulas abusivas é, todo ele, uma repulsa do legislador às cláusulas que provocam desequilíbrio entre as prestações. Digamos, porém, que tal repetição foi intencional. O legislador do CDC, com seu pragmatismo inteligente, plantou, em vários pontos da lei, o mesmo conteúdo normativo, buscando evitar que o veto presidencial, bloqueando certo dispositivo, restringisse a eficácia do CDC, uma vez que a mesma disposição estaria prevista em outro ponto da lei.
O diploma consumerista prevê como direito básico do consumidor, em seu art. 6º, inciso V, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, bem como em seu art. 39, inciso V, veda ao fornecedor de produtos ou serviços a prática de exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.
O CDC ainda traz como cláusula abusiva, em seu artigo 51. §1º, inciso III, a vantagem que “se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”. Neste caso, o legislador amplia os poderes do magistrado, que agora pode analisar as cláusulas contratuais, visando apurar a caracterização do referido instituto. A respeito:
O dispositivo deixa claro, em primeiro lugar, que a onerosidade excessiva terá que ser apurada no caso concreto (não em abstrato), atentando o julgador para as circunstâncias particulares do caso, entre as quais a natureza e o conteúdo do contrato, em como o interesse das partes. Em segundo lugar, que a excessividade deve ser aferida com base no desequilíbrio do contrato ou na desproporção das prestações das partes, uma vez que ofendem o princípio da equivalência contratual, princípio este instituído no art. 4º, inciso III – “sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor”, bem como no art. 6º, inciso II – “asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 172).
Destarte, vê-se que é ampla a proteção à proporção das prestações para as partes nos contratos, aplicando-se regras não só cíveis, mas também consumeristas, que visam evitar o desequilibrio interno do contrato.
3. CONTRATOS EMPRESARIAIS
Na seara empresarial, como já explicitado, há espécies específicas de contratos, como o objeto do presente estudo, que é o contrato de cartão de crédito. Porém, se faz pertinente destacar alguns pontos antes de ser aprofundado o estudo específico deste.
Faz-se imprescindível, na sociedade consumerista atual, um meio que torne possível e facilitada a circulação de capitais, movimentando as relações econômicas. Esta peça essencial é o contrato, que rege, neste caso, relações jurídicas entre as empresas, e entre elas e o consumidor. Ou seja, haverá, na grande maioria dos casos, um empresário ou sociedade empresária ocupando um dos polos da avença.
Nesse ramo do direito, como é conhecido de aplicadores da ciência jurídica, são criados a cada dia novos tipos de contratos, de acordo com as necessidades que surgem na prática, sendo abrangente o rol de contratos mercantis atípicos. Para Fázzio Júnior (2010a, p. 53), a prática produz continuamente contratos atípicos cuja delimitação reclama indagações mais verticais. É da índole do direito empresarial que assim seja, o que é reconhecido pelo art. 425. do CC, ao facultar a celebração de contratos atípicos.
Em maioria, embora incidam as regras contratuais gerais dispostas no Código Civil, como as de formação, validade, interpretação, extinção, e os próprios princípios, viu-se também o surgimento de avenças específicas que são regidas por regras tipicamente mercantis. Não há, porém, um único diploma codificado para tais contratos empresariais, situando-se em leis e regramentos esparsos.
3.1. Contrato de Cartão de Crédito
O contrato de cartão de crédito é um tipo de contrato mercantil corriqueiramente utilizado no cenário atual, diante das facilidades que oferece. Acerca da importância deste contrato, leia-se:
As operações com cartão de crédito têm crescido consideravelmente nos últimos anos. Hoje em dia, dificilmente um estabelecimento comercial não aceita recebimento via cartão de crédito. Se o faz, está correndo sério risco de ver suas vendas diminuírem sensivelmente, uma vez que seus concorrentes, muito provavelmente, facultam ao cliente essa possibilidade (RAMOS, 2010, p.590).
Trata-se de contrato que possui cláusulas previamente acertadas por uma das partes, ou seja, de adesão, e que pode possuir como objeto alguns tipos de prestações referentes à intermediação de relações de consumo entre cliente e empresário, por parte da empresa emissora do cartão. Tal intermediação pode ocorrer quando se tem como objeto tanto pagamentos à vista, como a crédito, este último concedido pela empresa emissora para cobertura de obrigações assumidas através do cartão de crédito junto ao fornecedor.
Esta relação jurídica envolve, portanto, ao menos três sujeitos que se interligam: o usuário/consumidor, que acorda com a empresa emissora do cartão o pagamento de certa prestação periódica em dinheiro para a sua utilização, pelo meio do qual obtém mercadorias ou prestação de serviços por parte do fornecedor; a empresa emissora, que realiza a intermediação entre os negócios de fornecedor e consumidor, garantindo o recebimento da prestação deste e o pagamento àquele, mediante cobrança de certa quantia em dinheiro de ambos; e o fornecedor, que pactua com a empresa emissora o pagamento de certo percentual em cada venda, em troca da intermediação entre este e o consumidor/usuário.
O cartão de crédito pode ser utilizado para compra e venda de bens e prestação de serviços, desde que, logicamente, não sejam estes antijurídicos ou contrários aos bons costumes. Em si, é apenas um objeto que instrumentaliza o referido contrato, sendo este o entendimento da doutrina:
O cartão de crédito é um documento de titularização de crédito perante determinada instituição financeira. Seu possuidor está credenciado a comprar bens e serviços a prazo, bem como a efetuar saques a título de empréstimo, dentro de certo limite. Ou seja, o cartão de crédito pode ser de pagamento diferido ou de crédito real. (FÁZZIO JÚNIOR, 2010a, p. 456. e 457)
É, ademais, um contrato de natureza bancária, diante das características financeiras que possui, no que a doutrina é uníssona:
Trata-se de um contrato bancário, na medida em que a emissora, na verdade, financia tanto o titular como o fornecedor. O primeiro pode, em virtude de disposição contratual, parcelar o valor da compra, em vez de pagá-lo totalmente no vencimento mensal do cartão. Este parcelamento, por certo, implica juros, comissões e correção monetária. Já o fornecedor, de posse das notas de venda, pode negociar o seu recebimento antecipado, pagando os juros e encargos convencionados. Mesmo se o titular pagar todas as suas dívidas integralmente na data de vencimento mensal do cartão e o fornecedor não negociar a antecipação do valor das notas de venda em seu poder, o cartão de crédito estará instrumentalizando uma operação de intermediação de recursos financeiros, de inegável natureza bancária. (COELHO, 2010, p. 470).
3.1.1. Aplicação do CDC ao contrato de cartão de crédito
Dadas as relações que surgem nos contratos de cartão de crédito, explicitadas no tópico anterior, percebe-se que pelo menos as relações firmadas entre a empresa emissora do cartão de crédito e o usuário/cliente e entre este e o estabelecimento comercial podem ser consideradas relações de consumo. É o que entende também Cavalieri Filho (2010, p. 203), ao apontar:
Embora não exista lei específica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram como titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade.
Com efeito, além do conceito abrangente de serviço inserto no art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor – serviço é qualquer atividade remunerada fornecida no mercado de consumo, salvo a decorrente de relação trabalhista -, o Código fez questão de nele incluir, expressamente, a atividade de crédito, na qual se enquadra, como já demonstrado, a atividade da empresa emissora do cartão de crédito.
Porém, há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da abrangência das regras consumeristas à relação entre estabelecimento comercial e empresa emissora, conforme se infere dos julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp 541.867-BA, pelo não reconhecimento de relação de consumo; e CC 41.056-SP, pelo reconhecimento, ambos datados de 2004.
Apesar de tal impasse, é certo que, naquilo que couber, são aplicadas aos contratos de cartão e crédito as normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, esta é a regra geral para todos os contratos bancários, entendimento este sedimentado no próprio CDC, em seu art. 3º, §2º, que versa que o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também segue esta idéia, tendo editado o seguinte enunciado de sua Súmula: “Enunciado nº 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
Todavia, imperioso se faz destacar a ressalva abaixo:
As operações creditícias oferecidas pelas instituições financeiras ao mercado de consumo estão sujeitas à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (CDC, arts. 3º, 2º, e 52). É necessário, contudo, ter-se presente o exato âmbito de incidência dessa legislação. [...] em se tratando de contrato bancário com um exercente de atividade empresarial, visando ao implemento da sua empresa, deve-se verificar se este pode ser tido como consumidor. Se o empresário apenas intermedeia o crédito, a sua relação com o banco não se caracteriza, juridicamente, como consumo, incidindo na hipótese, portanto, apenas o direito comercial. (COELHO, 2010, p. 431)
Por fim, um exemplo da adequação dos contratos de cartão de crédito às normas do CDC é o fato de que a publicidade veiculada com relação aos cartões obriga o fornecedor, mesmo que, a princípio, este não fosse obrigado a aceitar pagamento via cartão. Isso se dá pela aplicação do art. 30. do citado diploma legal que versa acerca da publicidade veiculada pelo fornecedor sobre os produtos e serviços oferecidos ao cliente, e estabelece que a ela se obriga o mesmo, e que devem suas informações integrar o contrato a ser celebrado.