A influência do neoconstitucionalismo no âmbito do Direito Civil

04/05/2015 às 17:27
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Apresenta uma análise sobre a teoria da constituição e o conceito de constitucionalismo, discorrendo sobre a sua evolução. Expõe a etapa em que se encontra o constitucionalismo atualmente, denominado por parte da doutrina como neoconstitucionalismo. Explica o fenômeno da constitucionalização do direito decorrente dessa nova etapa constitucional. Demonstra as implicações da constitucionalização no âmbito do direito civil e sua importância para resolução dos conflitos da sociedade contemporânea. Discorre sobre o aparente paradoxo entre a democracia e o constitucionalismo.

               RESUMO

            Apresenta uma análise sobre a teoria da constituição e o conceito de constitucionalismo, discorrendo sobre a sua evolução. Expõe a etapa em que se encontra o constitucionalismo atualmente, denominado por parte da doutrina como neoconstitucionalismo. Explica o fenômeno da constitucionalização do direito decorrente dessa nova etapa constitucional. Demonstra as implicações da constitucionalização no âmbito do direito civil e sua importância para resolução dos conflitos da sociedade contemporânea. Discorre sobre o aparente paradoxo entre a democracia e o constitucionalismo. A metodologia usada foi a pesquisa bibliográfica. Ao final, faz-se uma análise sobre o atual paradigma do direito civil sob a ótica do neoconstitucionalismo.

Palavras-chave: Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização. Direito Constitucional.

1 INTRODUÇÃO

“Nos tiraram a justiça e nos deixaram a lei”

Eduardo Galeano

A frase foi lida pelo escritor em meio a manifestações na Puerta del Sol, em Madri. Milhares de pessoas se reuniam para protestar contra medidas anti-sociais do governo para conter a crise econômica de 2008. Dentre outras reivindicações dos manifestantes –que incluíam mudanças políticas e sociais– por acreditarem que os partidos políticos não os representavam, tampouco tomavam medidas que os beneficiassem. Caso semelhante aconteceu no Brasil, em 2013, quando ocorreram diversas manifestações populares contra várias iniciativas governamentais ou omissões destas. O fenômeno parece ser mundial.

No atual estágio da democracia brasileira, a sociedade parece conscientizar-se do poder que detém para a efetivação de seus direitos. As premissas de limitação do poder e de intervenção estatal em diversos setores da sociedade não parecem ser mais suficientes. O neoconstitucionalismo é visto como uma nova etapa do constitucionalismo, o prefixo neo traz a ideia de novo ou do que veio depois. Busca-se nessa nova etapa à reaproximação do Direito com a Moral e a Ética. O conjunto de transformações dessa nova visão ocasionou um profundo processo de constitucionalização do direito.

Na acepção aqui empregada, o processo de constitucionalização traz a ideia de supremacia material da Constituição, a qual se irradia por todo o ordenamento. Sendo que os valores, os princípios e os fins constitucionais passam a dar sentido a todas as normas infraconstitucionais, além de servirem como paradigma de validade destas. A constitucionalização repercute sobre a atuação dos três poderes, bem como nas relações entre particulares. No âmbito do Legislativo e da Administração Pública, o processo limita a discricionariedade e os impõem deveres de atuação. Já em relação ao Poder Judiciário, a constitucionalização serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade, condicionando ainda a interpretação de todo o sistema. Finalmente, no que diz respeito aos particulares, estabelece limitações na autonomia da vontade.

Embora o fenômeno ainda gere algumas controvérsias, é imprescindível o estabelecimento de parâmetros mínimos para dignidade da pessoa humana, de modo a limitar o poder de maiorias eventuais que venham a contraria-los ou que dificultem a efetivação dos direitos fundamentais. Parece-nos ser inegável a influência da Constituição sobre o direito, em especial, em relação ao direito privado. Busca-se no presente trabalho estudar as mudanças ocorridas no direito constitucional contemporâneo, principalmente as que refletem sobre o direito civil. Tenta-se demonstrar a aplicação do direito com base nas premissas teóricas, de modo a concretizar os preceitos constitucionais nas relações privadas. Seja com a sua aplicação direta, inclusive no que concernem os direitos fundamentais. Seja de forma indireta, limitando o alcance das normas infraconstitucionais aos fins constitucionais, tendo como base o princípio-matriz da dignidade da pessoa humana.

2 UMA ANÁLISE DA TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Inicialmente cumpre analisar o que fundamentou a ideia de Constituição, do seu surgimento até a forma como a entendemos hoje. De modo a demonstrar sua essência e função. Sobre a teoria das Constituições, Bonavides (2011, pg. 225), leciona que:

A teoria das Constituições, produto da razão humana, ou seja, de reflexões racionalistas acerca de um modelo lógico de organização política da sociedade, conduziu à elaboração de uma primeira camada de Constituições, de acentuado teor revolucionário e inspiração jusnaturalista.

A rigidez constitucional outrora verificada demonstrava o sentimento de desconfiança e a irresignação contra o poder.  Ainda de acordo com Bonavides (2011, pg. 226), “a Constituição veio a exteriorizar-se, pois, num instrumento escrito, adquirindo aspecto formal. O caráter de rigidez há sido em alguns Estados o seu traço mais simbólico”.

Lenio Luiz Streck (2014, pg. 179) assevera que a teoria da Constituição “deve conter um núcleo (básico) que albergue as conquistas civilizatórias próprias do Estado Democrático (e Social) de Direito, assentado no binômio democracia e direitos humanos-fundamentais-sociais”.

Na visão de Canotilho (2003, pg. 1438) uma das principais funções das Constituições é a “revelação normativa do consenso fundamental de uma comunidade política relativamente a princípios, valores e ideias directrizes que servem de padrões de conduta política e jurídica nessa comunidade”.

O primeiro constitucionalismo foi o liberal, que tinha o intuito de superar o estado absolutista, a sua preocupação básica era limitar o poder político. Para alcançar esse objetivo, as Constituições “deveriam possuir normas com dois conteúdos: normas instituidoras de direitos individuais e normas que organizassem o estado de acordo com o princípio da separação de poderes”. (SARMENTO, 2012, pg. 346).

No século XIX, então Estado Liberal, o Texto cuidava do poder estatal e garantia os direitos individuais (direitos civis e políticos). Essa concepção de constituição passou a mudar com o declínio do Estado Liberal e o advento do Social, sendo que este “regula uma esfera muita mais ampla: o poder estatal, a Sociedade e o indivíduo”. (BONAVIDES, 2011).

Isto é, o Estado Democrático de Direito Social não mais se contenta apenas em garantir a esfera privada dos cidadãos, direitos individuais, e podar a ingerência estatal, contudo agora avaliza uma série de direitos fundamentais que preservem o substrato mínimo de dignidade, como os direitos sociais (educação, saúde, entre outros) e os ditos de fraternidade (meio ambiente).

2.1 O CONCEITO DE CONSTITUCIONALISMO E A SUA EVOLUÇÃO

O constitucionalismo pode ser definido como um movimento que defende a limitação do poder dos governantes e a garantia da prevalência dos direitos fundamentais. Segundo Lenio Luiz Streck (2002, pg. 95):

O constitucionalismo pode ser visto, em seu nascedouro, como uma aspiração de uma constituição escrita, como modo de estabelecer um mecanismo de dominação legal-racional, como oposição à tradição do medievo, onde era predominante o modo de dominação carismático, ao poder absolutista do rei, próprio da primeira forma de estado moderno.

Ele também é visto com uma forma de superação do estado absolutista, fase em que os monarcas não sujeitavam-se as leis. Tendo como base Constituições escritas, com forças que encontram-se acima dos poderes dos governantes.

Nesse sentido, Kildare Gonçalves Carvalho (2009, pg. 243), explica que o constitucionalismo, além da perspectiva jurídica, tem uma visão sociológica. Sendo que em termos jurídicos, “reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que encontra-se acima dos detentores de poder”. Uadi Lammêgo Bulos, acrescenta que o constitucionalismo, em sentido estrito, “é a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e arbítrio.”

Sarmento (2012, pg. 207) aduz que desde o século VI e IV A.C, na Grécia, surgiam ideias e institutos que podiam ser vistos de forma análoga a um modelo antigo de constitucionalismo, haja vista que na polis grega, durante certo período, vigou a democracia direta, na qual cidadãos deliberavam em assembleias, reunidas em praças públicas, sobre assuntos de interesse coletivo. Embora a participação política se restringisse aos homens livres, bem como não houvesse Constituição, essa forma de regime político preocupava-se em limitar o poder das autoridades e conter os arbítrios.

Ainda de acordo com o autor, o constitucionalismo moderno, da forma como o vemos hoje, surgiu como forma de superação do estado absolutista, limitando o poder do estado em favor das liberdades individuais. Ele teve a influência de três constitucionalismos distintos: o inglês, o americano e o francês.

Na Inglaterra, as constantes tensões entre a Coroa e o Parlamento culminaram na Revolução inglesa, que assentou a supremacia política do parlamento inglês, valorizando os direitos individuais. Durante o século XVII, foram editados três documentos constitucionais de suma importância: a Petition Of Rights, o Habeas Corpus Act e o Bill of Rights. Os quais garantiram as liberdades dos súditos ingleses, limitando o poder da Coroa e transferindo-o ao Parlamento. (SARMENTO, 2012)

No que pese não haver Constituição escrita, o constitucionalismo inglês é baseado nas tradições, nas convenções constitucionais e nos princípios da commom law. Desenvolvendo-se a ideia de soberania do Parlamento, de modo que as normas editadas pelo Poder Legislativo não sujeitam-se a qualquer tipo de controle por outro órgão. Diferentemente do modelo inglês, no constitucionalismo moderno acabou prevalecendo a ideia de normas baseadas em uma constituição escrita.

Tendo como marco inicial a revolução francesa, o constitucionalismo francês teve como fundamentos os ideais da igualdade, da liberdade e da fraternidade. Fundando uma nova ordem jurídica, inspirada em valores universais centrados no indivíduo. Assim como no modelo inglês, o constitucionalismo francês tem o Poder Legislativo como soberano. (SARMENTO, 2012)

Já o constitucionalismo norte americano tem origens que antecedem a promulgação da Constituição do país, com ideais de limitação do poder dos governantes e de proteção das minorias. A Constituição trouxe uma nova estruturação política: O Estado Federal. Instituiu, ainda, o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos, alicerce da separação de poderes. Outra importante marca do constitucionalismo estadunidense é o controle de constitucionalidade difuso – que pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal – com jurisprudência proveniente do clássico caso Marbury v. Madison. (BARROSO, 2013, pg. 381)

A jurisdição constitucional americana não se limitou ao país, disseminando-se por todo mundo a partir da segunda metade do século XX.

Faz-se necessário, ainda, a distinção das etapas pelas quais passou o constitucionalismo.

De acordo com a análise de Sarmento (2012, pg. 210), o constitucionalismo liberal-burguês baseava-se na ideia de que a proteção dos direitos fundamentais, restringia-se a limitação dos poderes do Estado. Nesse modelo os direitos fundamentais eram garantidos por meio de direitos negativos, ou seja, o estado não intervinha na propriedade privada, de modo a não interferir na esfera econômica. Valorizava-se a autonomia da vontade nos negócios jurídicos celebrados no âmbito privado, por mais desproporcional e lesivo que fosse o negócio para uma das partes.

Em suma: valorizava-se mais a propriedade privada do que direitos fundamentais relativos ao indivíduo. Apesar de se proclamar o princípio da igualdade, este era de caráter meramente formal, de modo que liberdades e garantias não eram concedidas aos mais pobres, gerando exclusão social.

Esta foi uma das razões que deram causa ao movimento constitucional que veio a seguir, haja vista que em uma economia de mercado não havia como impedir os fenômenos da concentração de renda e da exclusão social.

Devido a uma série de fatores, o Estado Liberal entrou em crise no final do século XIX, dentre eles destacam-se: à ameaça de revoluções inspiradas no ideário esquerdista. O marxismo e o socialismo. A democratização do direito ao voto, até pouco tempo privativo das elites. A crise de 1929.

Todos esses fatores fizeram com que o Estado viesse a intervir na economia – passando de mero mediador à protagonista­ – exercendo diretamente atividades de produção e serviços. O Estado passou a investir em obras públicas, no intuito de estimular o consumo. Sobre o papel desempenhado pelo estado, Daniel Sarmento (2012, pg. 246), explica que:

No plano teórico, a sua atuação passa a ser justificada também pela necessidade de promoção da igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e previdência social.

As constituições passaram trazer em seus textos os direitos econômicos e sociais, dando lugar a democracia social. Elas passaram a ver os direitos individuais de uma nova forma, com a atuação do estado não sendo de simples abstenção, mas pelo contrário, passando a protege-los ativamente. Ou seja, o Estado não deveria somente omitir-se sobre tudo que fosse contrário as liberdades individuais, mas deveria legislar e administrar de forma a realizar os objetivos sociais (SARMENTO, 2012).

Já o constitucionalismo moderno, na acepção de Uadi Lammêgo Bulos (2014, pg. 73), “representou o estágio da reaproximação entre os fundamentos éticos da vida humana e o Direito, reintroduzindo as concepções de justiça e legitimidade”.

Atualmente vivemos a fase do constitucionalismo contemporâneo, que Kildare Gonçalves Carvalho (2009, pg. 243) define como:

Tem sido marcado por um totalitarismo constitucional, no sentido da existência de textos constitucionais amplos, extensos e analíticos, que encarcerem temas próprios da legislação ordinária. Há um acentuado conteúdo social, a caracterizar a denominada constituição dirigente, repositório de promessas e programas a serem cumpridos pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário [...]

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Sobre a importância dos direitos sociais estarem previstos nas Constituições de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento – como o Brasil – novamente nas palavras de Daniel Sarmento (2012, pg. 255):

Não há, em contextos como o nosso, como subtrair do constitucionalismo um conteúdo social, que imponha, por cima das deliberações da política ordinária, o dever do Estado e da sociedade de reduzirem a miséria e a desigualdade, e possibilitarem a fruição efetiva de direitos fundamentais pelos integrantes dos setores mais vulneráveis da sociedade.

Nessa fase, de acordo com Uadi Lammêgo Bulos (2014, pg. 76), é possível notar a consagração das ideias pós-positivistas, propostas durante o constitucionalismo moderno. Tendo como resultado, em suas palavras, “o desenvolvimento de um constitucionalismo principialista, e, em última análise, da própria fase principiológica do Direito”.

Por fim, pode-se dizer que o constitucionalismo contemporâneo, conforme discorre Luís Roberto Barroso (2013, pg. 64), “ainda se debate com as complexidades da conciliação entre soberania popular e direitos fundamentais. Entre governo da maioria e vida digna e em liberdade para todos, em um ambiente de justiça, pluralismo e diversidade”.

Em suma: o constitucionalismo significa a supremacia da lei, de modo a limitar os poderes dos governantes, em um estado em que as funções de legislar, administrar e julgar sejam exercidas por poderes distintos, que controlam-se entre si por meio do sistema de freios e contrapesos. Valorizando-se os direitos e garantias fundamentais.

3 O NEOCONSTITUCIONALISMO E A CONSTITUCIONALIZAÇÂO DO DIREITO

Atualmente, o constitucionalismo passa por uma fase de transformação, não conformando-se apenas em limitar o poder dos governantes, mas principalmente preocupa-se em efetivar os direitos e garantias fundamentais. O novo conceito vem sendo chamado de pós-positivismo. Este caracteriza-se, segunda parte da doutrina, pela ideia de união entre o Direito e a Moral. No modelo constitucional, ele vem sendo denominado por diversos autores como: neoconstitucionalismo. Como pode-se extrair da acepção da palavra este modelo expressa a ideia de novo, ou do que veio depois, dando o sentido de mudança na teoria jurídica.

Na visão de Luís Roberto Barroso (2013), são três os marcos fundamentais que mobilizam a mudança de paradigma para o neoconstitucionalismo: o histórico, o filosófico e o teórico. Segundo o doutrinador, o marco histórico deu-se após a segunda guerra mundial, aproximando as ideias de constitucionalismo e de democracia, produzindo uma nova forma de organização política: O Estado Democrático de Direito.

Já o filosófico diz respeito ao pós-positivismo, que procura harmonizar as ideias do positivismo e do jusnaturalismo, de forma a atenuar a dicotomia existente entre ambos. Nas palavras do Ministro, em artigo intitulado ‘’Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito’’, o pós-positivismo “busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas”. Buscando-se uma nova interpretação do direito, valorizando os direitos fundamentais, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.

Ainda de acordo com o jurista (2013, pg. 284), no marco teórico ocorreram três grandes transformações: i) o reconhecimento da força normativa da constituição; ii) a expansão da jurisdição constitucional; iii) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

Em breve síntese, Barroso (2013, pg. 284) explica que a força normativa, deu-se com a atribuição de norma jurídica à norma constitucional, superando a ideia de que a Constituição era apenas um documento político. Sendo todas as normas jurídicas dotadas de imperatividade.

A expansão da jurisdição, inspirada pela supremacia da Constituição, dá-se na medida em que os direitos fundamentais foram constitucionalizados, passando a serem protegidos pelo Poder Judiciário. Daí a criação de Tribunais Constitucionais, em um modelo em que vigora o controle de constitucionalidade, que no caso brasileiro poderá ser exercido na via difusa, por qualquer juiz ou tribunal, bem como na forma concentrada, pelo Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição.

Sem embargo do emprego dos elementos tradicionais da aplicação do Direito, a interpretação constitucional tem como princípios: a supremacia da constituição, a presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, a interpretação conforme a Constituição, a unidade, a razoabilidade e a efetividade.

No desenvolver do direito constitucional, a suas premissas de interpretação tornaram-se insatisfatórias para a resolução dos conflitos da sociedade contemporânea. Ao passo em que estas necessariamente tiveram de passar por grandes transformações. A nova interpretação passa por conceitos que incluem: às cláusulas gerais, os princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação. Elas são importantes na medida em que devido as diferentes pretensões protegidas pelo texto constitucional, surgem-se conflitos específicos entre elas, que necessitam harmonizar-se e conviver conjuntamente.

Em sua maioria os conflitos se dão entre colisões de normas constitucionais, dotadas de mesma hierarquia, sobre o mesmo fato, lhe dando soluções diversas. Nesse cenário, Ana Paula Barcellos ([?]) explica que os direitos fundamentais parecem entrar em choque em muitas circunstâncias, mas outros elementos constitucionais também podem apresentar uma convivência difícil em determinados ambientes.

Como bem sintetiza Daniel Sarmento (2012, pg. 691), o neoconstitucionalismo está ligado a diversos fenômenos do direito contemporâneo, como: o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e a valorização de sua importância na aplicação do direito; a repudiação ao formalismo e a utilização mais recorrente de métodos mais abertos de raciocínio jurídico, caso da ponderação; a constitucionalização do Direito; a reaproximação do Direito com a Moral; e o deslocamento de poder do Legislativo e do Executivo para o Judiciário devido a judicialização da política e das relações sociais.

Essa nova etapa constitucional ocasionou um processo de constitucionalização do direito de forma intensa. Barroso (2013, pg. 378) explica a o fenômeno, em sua acepção:

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o ordenamento jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional.

O caso Lüth, julgado pela Corte Constitucional Alemã, faz-se paradgmático como uma das primeiras referências da eficácia irradiante dos princípios constitucionais. Sarmento (2012, pg. 99) explica que a corte alemã, no referido julgado, “assentou que as cláusulas gerais do Direito Privado devem ser interpretadas de acordo com a ordem de valores contidas na Constituição”. Demonstrou, assim, tal julgamento, a supremacia da força e caráter vinculante do Texto, o qual é uno e não admite, consequentemente, que normas infraconstitucionais tentem sobrepô-lo, sob pena de colocar-se em risco o próprio ordenamento jurídico.

Com o surgimento do neoconstitucionalismo, marcado pela superação do positivismo, o direito passou por um processo intenso de constitucionalização. Dessa forma, as normas constitucionais passaram a irradiar-se por todo o sistema. Passando a condicionar todo o direito infraconstitucional, haja vista não só o conteúdo material dessas normas, mas principalmente o seu grande teor valorativo ou axiológico. (CARVALHO, 2009, pg. 22)

No Brasil o processo tem como base e fundamento a Constituição Federal de 1988, em que foram abordados diversos ramos do direito infraconstitucional. Embora o fenômeno da constitucionalização não possa ser confundido com apenas a positivação de diversos institutos de ramos do direito infraconstitucional, a sua interação com a Constituição, muda a forma de intepretação das normas infraconstitucionais, devendo-o ser feita necessariamente a sua leitura limitando o alcance das normas infraconstitucionais aos princípios constitucionais, de modo a subordinar toda a matéria as disposições expressas na Constituição Federal.

A carta magna passou a ter além da supremacia formal –que sempre teve­– uma supremacia material, axiológica. Deslocando o Código Civil do centro do ordenamento jurídico.

Na acepção de Sarmento (2012, pg. 98), a constitucionalização do direito envolve dois fenômenos distintos, chamados de “constitucionalização-inclusão” e “constitucionalização releitura”. O autor explica que:

A constitucionalização-inclusão consiste no tratamento pela constituição de temas que antes eram disciplinados pela legislação ordinária ou mesmo ignorados. Na Constituição de 88, este é um fenômeno generalizado, tendo em vista a inserção no texto constitucional de uma enorme variedade de assuntos – alguns deles desprovidos de maior relevância. Já a constitucionalização releitura liga-se à impregnação de todo o ordenamento pelos valores constitucionais.

Desse modo, todos os conceitos e institutos da ordem jurídica passam a ser lidos pela ótica da constituição federal, em um fenômeno denominado pela corrente majoritária de filtragem constitucional. Sendo assim, toda a interpretação jurídica seria uma interpretação constitucional. Seja direta, quando a pretensão for extraída de uma norma do próprio texto constitucional. Seja indireta, quando a pretensão basear-se em norma infraconstitucional. Neste caso, primeiro o interprete deverá efetuar um controle de constitucionalidade, no intuito de verificar se a norma é compatível com a Constituição. E depois, deverá interpretar a norma dando-lhe o sentido constitucional. Ou seja, a fim de realizar os fins previstos na carta magna.

Em apertada síntese, vislumbra-se que a Constituição passou para o centro do ordenamento jurídico, servindo não só como norma de validade de todo o sistema, mas bem como dando sentido à interpretação de todas as normas do sistema, de acordo com os valores e princípios nela contidos. Sobre os mecanismos de atuação prática, Barroso (2013) explica que:

A constitucionalização, no entanto, é obra precípua da jurisdição constitucional, que no Brasil pode ser exercida, difusamente, por juízes e tribunais, e concentradamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando o paradigma for a Constituição Federal. Esta realização concreta da supremacia formal e axiológica da Constituição envolve diferentes técnicas e possibilidades interpretativas, que incluem: a) o reconhecimento da revogação das normas infraconstitucionais anteriores à Constituição (ou à emenda constitucional), quando com ela incompatíveis; b) a declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais posteriores à Constituição, quando com ela incompatíveis; c) a declaração da inconstitucionalidade por omissão, com a consequente convocação à atuação do legislador; d) a interpretação conforme a Constituição, que pode significar: (i) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes; (ii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente a mais óbvia – e a afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.

A constitucionalização do direito já é uma realidade no país, sendo invocados dispositivos constitucionais das mais complexas às mais simples causas, do 1º grau de jurisdição ao STF. A constituição está presente em todos os ramos do direito, em que são debatidos pela doutrina os seus efeitos sobre o ramo do direito em análise.

O fenômeno é importantíssimo com a atual superação do positivismo. Os códigos tornaram-se obsoletos e constituem óbices para o desenvolvimento das normas infraconstitucionais, em especial do direito privado, que com a evolução tecnológica e dos costumes não mais comporta a ideia de regras rígidas, características da codificação.

Como referido anteriormente, um dos ramos mais afetados pela constitucionalização do direito foi o civilista, em que seu código civil deixou de ser soberano, dando lugar a Constituição como principal norma do ordenamento jurídico. Tema que será objeto de uma análise mais aprofundada em capítulo próprio do presente trabalho.

3.2 CONTROVÉRSIAS ACERCA DO CONSTITUCIONALISMO

A grande controvérsia acerca do constitucionalismo contemporâneo gira em torno de sua compatibilidade com a democracia. A questão não é nova, mas intensifica-se com a atual tendência de judicialização das relações políticas e sociais.

Como referido anteriormente, a questão do aparente antagonismo entre constitucionalismo e democracia surge com o nascimento das Constituições, como assevera Lenio Luiz Streck (2009, pg. 17), “Com efeito, a Constituição nasce como um paradoxo porque, do mesmo modo que surge como exigência para conter o poder absoluto do rei, transforma-se em um indispensável mecanismo de contenção do poder das maiorias”

É nesse ponto que, eventualmente, podem colidir as noções de constitucionalismo e democracia, como aduz Barroso (2013, pg. 111), ao afirmar que “a vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição.”

Dessa maneira, como bem expõe Lenio Streck (2009, pg. 18), poderia entender-se que o constitucionalismo é antidemocrático. Nas palavras do autor:

Se se compreendesse a democracia como a prevalência da regra da maioria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em que “subtrai” da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, reservadas e protegidas por dispositivos contramajoritários.

Para Barroso (2013, pg. 111), em princípio, cabe a jurisdição constitucional efetuar o controle e garantir que a deliberação majoritária observe o procedimento prescrito e não vulnere os consensos mínimos estabelecidos na Constituição.

Ainda de acordo com Barroso (2013), o aparente paradoxo nos tempos modernos reside em “harmonizar a existência de uma Constituição – e dos limites que ela impõe aos poderes ordinários – com a liberdade necessária às deliberações majoritárias, próprias do regime democrático.” O autor ainda assevera que as questões que desafiam a doutrina e a jurisprudência atualmente são as seguintes: por que um texto elaborado décadas ou séculos atrás (a Constituição) deveria limitar as maiorias atuais? E por que se deveria transferir ao judiciário a competência para examinar a validade de decisões dos representantes do povo?

As respostas para essas indagações vêm sendo respondidas pela doutrina, o próprio Barroso (2013, pg. 112) afirma que:

A Constituição de um Estado democrático tem duas funções principais. Em primeiro lugar, compete a ela veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime democrático, e que não devem poder ser afetados por maiorias políticas ocasionais. (...) Em segundo lugar, cabe a Constituição garantir o espaço próprio do pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos

Entendimento este que se coaduna com o raciocínio de Lenio Streck (2009, pg. 19):

Na verdade, a afirmação da existência de uma “tensão” irreconciliável entre constitucionalismo e democracia é um dos mitos centrais do pensamento político moderno, que entendo deva ser desmistificado. Frisa-se, ademais, que se existir alguma contraposição, esta ocorre necessariamente entre a democracia constitucional e democracia majoritária, questão que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitucional pressupõe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente a função de colocar-se como limites/freios às maiorias eventuais

STRECK (2009) afirma ainda que:

Por isso, o alerta que bem representa o paradoxo que é a Constituição: uma vontade popular majoritária permanente, sem freios contramajoritários, equivale à volonté générale, a vontade geral absoluta propugnada por Russeau, que se revelaria, na verdade, em uma ditadura permanente.

Daí a importância do Poder Judiciário na democracia, como explica Barroso (2013, pg. 411):

Sem embargo de desempenhar um poder político, o Judiciário tem características diversas dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados com base no mérito e no conhecimento específico. Idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis.

Pode-se entender, portanto, tomando emprestadas as palavras de Barroso (2013, pg. 113) que:

Longe de serem conceitos antagônicos, portanto, constitucionalismo e democracia são fenômenos que se complementam e se apoiam mutuamente no Estado contemporâneo. Ambos se destinam, em última análise, a prover justiça, segurança jurídica e bem estar social. Por meio do equilíbrio entre Constituição e deliberação majoritária, as sociedades podem obter, ao mesmo tempo, estabilidade quanto às garantias e valores essenciais, que ficam preservados no texto constitucional, e agilidade para a solução das demandas do dia a dia, a cargo dos poderes políticos eleitos pelo povo.

Conclui-se que eventuais tensões em torno do princípio da separação dos poderes são inevitáveis. A realização dos fins constitucionais, em especial da efetivação dos direitos fundamentais, pode bater de frente com os interesses dos poderes eleitos, que muitas vezes não respeitam o texto constitucional. Devendo prevalecerem os princípios constitucionais quando contrapostos com deliberações políticas que os contrariem.

4. O NOVO PARADIGMA DO DIREITO CIVIL SOB A ÓTICA NEOCONSTITUCIONAL

O direito constitucional e o direito civil viveram separados ao longo de sua história, passando por fases distintas até a sua convivência harmônica, que teve início na Revolução Francesa.

Faz-se necessário uma breve explanação sobre as fases que precederam a constitucionalização do direito civil. De acordo com Barroso (2013, pg. 394), a 1ª fase se deu no início do constitucionalismo moderno, na Europa, época em que a Constituição era vista como uma Carta Política, que servia de referência para as relações entre Estado e o cidadão, ao passo que o Código Civil era o documento jurídico que regia as relações entre particulares.

Ressalta-se, a Constituição não possuía aplicabilidade imediata, portanto, o direito civil regulava as relações entre particulares, como: propriedade e liberdade de contratar, de modo a garantir a segurança jurídica nestas relações. Esse modelo começou a mudar, tendo em vista que ele baseava-se na liberdade individual, na igualdade formal entre as pessoas e na garantia absoluta do direito de propriedade. O Professor leciona ainda que:

Ao longo do século XX, com o advento do Estado social e a percepção crítica da desigualdade material entre os indivíduos, o direito civil começa a superar o individualismo exacerbado, deixando de ser o reino soberano da autonomia da vontade. Em nome da solidariedade social e da função social de instituições como a propriedade e o contrato, o Estado começa a interferir nas relações entre particulares, mediante a introdução de normas de ordem pública.

Esta fase é denominada de dirigismo contratual, a qual fortificou a publicização do direito privado.

O autor complementa que a fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. Daniel Sarmento (2012, pg. 101) afirma que “a constitucionalização tem provocado a releitura dos institutos mais importantes e tradicionais do Direito Civil, como a propriedade, a posse, o contrato, a família etc, de modo a torna-los compatíveis com os valores humanitários da Constituição”

Os civilistas Pablo Stolze e Rodolpho Pamplona (2012, pg. 104) sintetizam o atual papel da Constituição Federal no âmbito do direito civil:

 Por tudo isso, a Constituição Federal, consagrando valores como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos, o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um simples documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária.

Nesse sentido, Kildare Gonçalves Carvalho (2009, pg. 21) explica que o processo diz respeito ao “fim da supremacia do marido no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a função social da propriedade, e a despatrimonialização e a repersonalização desse ramo do direito, em decorrência da irradiação do princípio da dignidade da pessoa humana”

Barroso (2013, pg. 396) destaca que a dignidade da pessoa humana:

Impõe limites e atuações positivas ao Estado, no atendimento das necessidades vitais básicas, expressando-se em diferentes dimensões. No tema específico aqui versado, o princípio promove uma despratrimonialização e uma repersonalização do direito civil, com ênfase em valores existenciais e do espírito, bem como no reconhecimento e desenvolvimento dos direitos da personalidade, tanto em sua dimensão física como psíquica.

Merece destaque, ainda, a aplicabilidade dos direitos fundamentais as relações privadas, onde existe razoável entendimento de que as normas se aplicam. Kildare Gonçalves Carvalho (2009, pg 721) assevera que:

a mudança de paradigma da eficácia apenas vertical dos direitos fundamentais decorreu, sobretudo, do reconhecimento de que não é somente o Estado que pode ameaçar esses direitos, mas também outros cidadãos nas relações horizontais entre si. O Estado, portanto, se obriga não apenas a observar os direitos fundamentais, em face das investidas do Poder Público, como também a garanti-los contra agressões propiciadas por terceiros.

Atualmente a divergência na doutrina e na jurisprudência diz respeito ao modo e a intensidade da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas. Dividindo-se ela em duas correntes: a da eficácia indireta e mediata; e a da eficácia direta e imediata. Parecendo ser a aplicabilidade direita e imediata a mais adequada ao sistema jurídico brasileiro, tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Federal, se manifestado pela teoria da eficácia externa imediata dos direitos fundamentais em diversas ocasiões.

Sobre essa corrente, Barroso (2013) leciona que a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais se dá “mediante o critério de ponderação entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e da autonomia da vontade, de um lado, e o direito fundamental, do outro lado”.

Sobre a técnica da ponderação, Barroso (2013, pg. 398) aduz que:

Na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em geral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto. Para essa especifica ponderação entre autonomia da vontade versus outro direito fundamental, merecem relevo os seguintes fatores: a) a igualdade ou desigualdade material entre as partes (e.g. se uma multinacional renuncia contratualmente a um direito, tal situação é diversa daquela em que um trabalhador humilde faça o mesmo); b) a manifesta injustiça ou falta de razoabilidade de critério adotado (e.g. escola que não admite filhos de pais divorciados; c) preferência para valores existências sobre os patrimoniais; d) risco para a dignidade da pessoa humana (e.g. ninguém pode sujeitar-se a sanções corporais).

Em breve resumo, de acordo com Sarmento (2013, pg 101) trata-se de “reconhecer, a partir dos princípios constitucionais, a prioridade dos valores existenciais sobre os valores meramente patrimoniais no âmbito-jurídico privado”. Entendimento que se coaduna com o do civilista Roberto Senise Lisboa (2012, pg. 88), ao asseverar que “a realidade atual exige o repensar do direito e a busca dos valores principiológicos para regulação das relações jurídicas, centralizando-se a preocupação na proteção a pessoa, e não no patrimônio.”

Pode-se auferir que o processo de constitucionalização no âmbito do direito civil potencializa os dois ramos do direito, superando a dicotomia outrora existente entre o direito público e o privado, acarretando a descodificação do direito civil. O surgimento de vários microssistemas, como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Direito Autoral, dentre outros embasados na Constituição Federal, desconcentra as relações privadas da codificação exacerbada do Código Civil. Ocasionando um verdadeiro processo de despatrimonialização.

5 CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, vislumbra-se que a Constituição é um importante meio de conter o poder e de favorecer as liberdades individuais. O constitucionalismo, que nasceu com a ideia de conter os arbítrios, atualmente, tem no neoconstitucionalismo o papel de efetivar os direitos fundamentais, buscando, ainda, reaproximar o Direito e a Moral. Com a crescente judicialização da política e das relações sociais, devido a maior conscientização da sociedade em relação aos seus direitos e a ampliação das legitimidades e direitos, desloca-se o poder das esferas do Legislativo e do Executivo para o Judiciário. Situação que se potencializa com as frequentes ilegalidades praticadas pelos órgãos públicos, ou por omissões destes em realizar os fins constitucionais. Na medida em que os outros poderes, via de regra, agem por interesses, cabe ao Judiciário, em última análise, proteger os valores democráticos. 

Nesse sentido, a jurisdição constitucional torna-se um importante instrumento de controle das maiorias eventuais, de forma a garantir que os procedimentos prescritos sejam seguidos, e ainda, de assegurar os direitos fundamentais básicos e de respeitar os direitos das minorias.

A judicialização das relações políticas e sociais leva a tendência de utilização direta da Constituição Federal pela sociedade, intensificada pelo processo de constitucionalização do direito trazido pelo neoconstitucionalismo, deixando para traz a antiga noção de que a Constituição tratar-se-ia de uma carta meramente política

A constitucionalização do direito não pode ser vista apenas como a positivação de institutos de ramos do direito infraconstitucional na Constituição Federal, mas principalmente pela releitura dos institutos das normas infraconstitucionais à luz da Constituição Federal, de modo a realizar os valores nela consagrados, bem como limitando o alcance das normas aos fins constitucionais.

Desta forma, toda interpretação jurídica seria uma interpretação constitucional. Seja ela direta quando a pretensão surgir de uma norma do próprio texto constitucional. Ou indireta, quando primeiramente o interprete deverá verificar se a norma é compatível com a constituição, e depois, dar-lhe a interpretação que melhor aproxime-lhe dos valores constitucionais.

No âmbito do Direito Civil, a constitucionalização do direito provoca a releitura de institutos clássicos do ramo como: família, contratos, propriedades, etc. De modo a consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana, promovendo a despatrominialização e a repersonalização do direito civil.

Outro ponto importante desse fenômeno é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas de forma direta e imediata, utilizando-se do critério da ponderação.

Assim, supera-se o individualismo exacerbado do Código Civil, deixando de lado a soberania da autonomia da vontade, dando lugar a solidariedade social e as funções sociais.

Em suma: valoriza-se mais o ser do que o ter. Ou seja, os valores existenciais são privilegiados em detrimento dos valores meramente patrimoniais.

A Constitucionalização do direito potencializa e engrandece os dois ramos do direito, sendo imprescindível para efetivação dos direitos fundamentais e da solução que melhor prover o interesse social. Promovendo à justiça

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas. Disponível em: <www.direitopublico.com.br/pdf.../artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.p>. Acesso em: 25 out. 2014.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2009

GAGLIANO, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2012

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria do Estado. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

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Sobre o autor
Thiago Marinho

Graduado em Direito pela Universidade Potiguar (UnP). Residente Judicial ESMARN/UFRN. Pós-graduando em Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

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