Artigo Destaque dos editores

A (in)constitucionalidade da extensão da imunidade recíproca às estatais

Exibindo página 1 de 3
Leia nesta página:

Estender às empresas estatais a imunidade inerente às pessoas políticas seria violar de uma só vez a capacidade contributiva, a iniciativa privada e, principalmente, os dispositivos que regem a ordem econômica, mais precisamente a livre concorrência.

RESUMO: O presente trabalho apresenta a imunidade tributária recíproca, com enfoque específico na possibilidade de sua extensão às Empresas Estatais, com o estudo mais detido do caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal no que tange à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a prestação do serviço postal. A análise parte do estudo, principalmente, do artigo 150, inciso VI, alínea ‘a’ da Constituição Federal, conjuntamente com o parágrafo terceiro do artigo 150 e do parágrafo segundo do artigo 173. Além da análise do Texto Constitucional, traz-se à colação da doutrina e da jurisprudência do STF, cujas conclusões divergentes justificam a tentativa de uma nova abordagem temática. Com esses estudos, é possível que se chegue a uma conclusão satisfatória quanto à (in) constitucionalidade (em regra) da extensão da imunidade recíproca às estatais, ainda que delegatárias de serviços públicos, tendo em vista, principalmente, o princípio da livre concorrência, premissa basilar à manutenção da Ordem Econômica.

Palavras-chave: imunidade tributária recíproca. livre concorrência. ECT. serviço postal.

SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. Fundamentos específicos da imunidade recíproca; 3. Abrangência do instituto: uma proposta de hermenêutica constitucional; 4. Empresa pública e sociedades de economia mista; 5. A (in)constitucionalidade da extensão da imunidade recíproca às estatais; 5.1. Princípios aplicáveis; 5.2. A influência do regime jurídico e da atividade preponderante; 5.3. A relevância da remuneração do serviço por taxa ou preço público; 5.4. O entendimento do Supremo Tribunal Federal; 5.4.1. O caso ECT – Empresa de Correios e Telégrafos; 5.4.2. Essencialidade do serviço postal; 5.4.3. Monopólio do serviço postal; 5.5. O óbice imposto pelo §3º do art. 150 da Constituição Federal; 5.6. O óbice imposto pelo §2º do art. 173 da Constituição Federal; 5.7. Hipótese de mutação constitucional; 6. Conclusão; 7. Referências.  


1.  INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo o estudo da imunidade tributária prevista no art. 150, IV, “a” da Constituição Federal[1] e da possibilidade de extensão às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Tal tema, há muito, está em voga e vem gerando divergências no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Nosso estudo procura situar-se dentro de um contexto de integração político, social, econômico e jurídico, onde será possível que se chegue a uma solução alternativa ao entendimento majoritário da doutrina e do STF. Neste trabalho, comentaremos o “paradigma dominante” firmado por eminentes juristas e pela suprema corte.

A extensão da imunidade recíproca às Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, além de possivelmente ser inconstitucional, conforme se pretende demonstrar neste trabalho, não traduz, como deveria, os anseios socioeconômicos de uma sociedade em desenvolvimento, cujo interesse é de que sejam adotadas, precipuamente, políticas de estímulo à iniciativa privada, o que, inclusive, encontra tutela constitucional.

Este trabalho pretende demonstrar que a tributação, lastreada no interesse público, encontra limites dentro do próprio interesse público, porquanto este também se faz presente no que tange aos princípios constitucionais que regulam a atividade administrativa, econômica e impõem limites ao poder de tributar. É preciso, portanto, tomar como pressupostos à análise da abrangência da imunidade recíproca a livre iniciativa e a livre concorrência, de modo a conferir uma unidade à interpretação do Texto Constitucional. 

Ao ampliar a incidência da regra imunizante do art. 150, VI, “a” da Carta Magna, parece não haver a devida observância à Ordem Constitucional Econômica, pois, em que pese o fato das empresas públicas e sociedades de economia mista possuírem capital estatal, essas, em regra, adentram na atividade econômica e, de certo modo, concorrem com a iniciativa privada. 

Ainda assim, parece ser condizente com a persecução do constituinte, ser constitucional a extensão da imunidade recíproca às Empresas Públicas e de Economia Mista delegatárias de serviços públicos essenciais ao funcionamento da máquina estatal (muito embora essas atividades devessem ser prestadas, em princípio, no mínimo, por autarquia e não por “empresa”). E é nesse ponto em que possivelmente divergiremos de parte das referências deste trabalho, principalmente da jurisprudência construída pelo STF, lastreada em entendimento majoritário da doutrina.

Este trabalho enfrentará de modo mais aprofundado o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pois, é nele que há alguma divergência, tornando-se um caso emblemático. O presente estudo trará à tona a discussão acerca da essencialidade e do monopólio do serviço postal, o qual é exercido pela referida empresa conjuntamente com outras atividades tais como: venda de selos, de caixas, transporte de mercadorias/encomendas, “Banco Postal”, dentre outras.

Este estudo trará uma proposta de interpretação do Texto Constitucional, de modo a conferir-lhe unidade em sua aplicação, analisando, dentre outros aspectos, se, num caso concreto, seria possível que a atividade preponderante da estatal a promovesse ao status de autarquia para que fizesse jus à imunidade. Aqui traremos à baila o art. 150, §3º da Constituição, o qual nos parece impor um óbice à extensão da imunidade recíproca às estatais, pelo fato destas possuírem, em regra, regime jurídico de direito privado.


2.  FUNDAMENTOS ESPECÍFICOS DA IMUNIDADE RECÍPROCA

A imunidade recíproca encontra como fundamento basilar o princípio federativo, tido, inclusive, como cláusula pétrea, no art. 60, §4º, I da Magna Legis[2]. Segundo Dirley da Cunha Junior (2009, p. 504-508) o princípio federativo define a forma de Estado, a qual encontra suas premissas fincadas na autonomia que, inclusive, impede que os entes se imiscuam em assuntos inerentes à administração de outro ente.

Roque Carrazza (2011, p. 155) ainda destaca a ausência de hierarquia entre os entes, uma vez que, caso houvesse, estar-se-ia diante da ineficácia do modelo federativo que é, frise-se, fincado na convivência harmoniosa dos poderes federal, estadual, municipal e distrital.

Outro não é o entendimento de Humberto Ávila (2004, p.214) para quem é pressuposto básico do princípio federativo a autonomia financeira, sendo, portanto, a sua continuidade, causa da imunidade recíproca.             

Isso porque, ao permitir que os entes tributassem uns aos outros, estar-se-ia diante de clara dissonância com o sistema federativo, pois a autonomia dos entes – lógica decorrente dessa forma – restaria prejudicada, pois eles, no ímpeto de majorar a arrecadação, feririam fundamento basilar do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, cabe citarmos o que preleciona Luis Eduardo Schoueri (2011, p. 231-232)

É o caso, por exemplo, da imunidade recíproca, expressa no artigo 150, VI, “a”, do texto constitucional, que proíbe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, um (sic) dos outros. Acaso o constituinte tivesse omitido tal dispositivo, se admitiria que as pessoas jurídicas de direito público instituíssem impostos uns (sic) sobre os outros?

Basta que se examine a origem do dispositivo para que se conclua pela possibilidade de se encontrarem outros suportes, na própria constituição, para a norma de imunidade.

Com efeito, verificando-se que a imunidade recíproca surgiu como base do sistema federal, a partir do exemplo do modelo estadunidense, não parece desacertado afirmar que o princípio federativo, reconhecido entre as cláusulas pétreas da Constituição (artigo 60, parágrafo 4º, I), já conduziria semelhante vedação. A tributação através de impostos de um ente pelo outro implicaria um vínculo de subordinação não tolerado em face da isonomia postulada pela forma federativa de Estado. 

No mesmo sentido Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 240):

se não houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a admitir o princípio da imunidade recíproca, como corolário indispensável da conjugação do esquema federativo de Estado com a diretriz da autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou.                                                                                                                                        

Roque Carrazza (2011, p. 787) também acaba por concluir que a imunidade recíproca “decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir imposto de outra, fatalmente acabaria por intervir em sua autonomia”, concluindo que a instituição de imposto em face de outro ente causaria embaraço na realização de seus objetivos, o que a Constituição jamais toleraria.

Além dos fundamentos decorrentes da forma federativa de Estado, tem-se que a imunidade recíproca encontra respaldo na supremacia do interesse público sobre o privado, pois, com a intributabilidade de seu patrimônio, os entes, sendo exonerados, podem desempenhar de modo mais efetivo suas funções em prol do interesse público.

Insta ainda salientar, com fulcro na obra de Regina Helena Costa (2006, p. 138), a ausência de capacidade contributiva das pessoas políticas, pois “seus recursos destinam-se à prestação dos serviços públicos que lhes incumbem”. Desse modo, se a ausência de capacidade contributiva é fundamento específico da imunidade recíproca (e de modo geral é fundamento da norma imunizante), se faz preciso, para averiguarmos a abrangência do instituto, que verificamos se, num caso em concreto, o ente, por intermédio de sua administração indireta, possui ou não capacidade. Nessa senda, ainda a lição de Luis Eduardo Schoueri (2011, p. 232):

Na construção da norma da imunidade, acrescer-se-ia, ao Princípio Federativo, o Princípio da Capacidade Contributiva. Tudo o que as pessoas jurídicas de Direito Público arrecadam já é voltado aos gastos da coletividade, descabendo, pois, cogitar de parcela que “sobra” para atender a gastos imputados a outra pessoa jurídica de Direito Público. Não parece desarrazoada, assim, a afirmação de que as pessoas jurídicas de Direito Público não têm capacidade contributiva.

A partir do exemplo, vê-se que o Princípio Federativo, de um lado, e a capacidade contributiva, de outro, já conduzem o entendimento de que não devem as pessoas jurídicas de Direito Público instituir e cobrar impostos, umas das outras. Embora mantenha sua importância, seja por explicitar a imunidade, seja por lhe apresentar contornos rígidos, o enunciado do artigo 150, VI, “a”, da Constituição apenas vem se adicionar aos já citados, todos caminhando na mesma direção. Ao tratar expressamente do assunto, o constituinte tratou logo de esclarecer o alcance da imunidade, reduzindo daí o esforço do jurista e dispensando o exegeta de longo trabalho analítico para conhecer a norma de uma vez que, sem o enunciado, a imunidade teria feições menos claras.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Cumpre destacar ainda, conforme veremos nos capítulos subsequentes, que os títulos VI e VII da Carta Magna, bem como todo o texto constitucional estão em plena harmonia e devem ser interpretados como tal. A título exemplificativo poderse-ia dizer que o Sistema Constitucional Tributário e à Ordem Econômica devem ser analisados sistematicamente. Nesse caso, a imunidade recíproca, além de já ter seu alcance restringido dentro do próprio artigo 150 – que trata das limitações ao poder de tributar e traz, no parágrafo 3º, uma restrição à abrangência da imunidade recíproca -, se sujeita também aos preceitos dos arts. 170 e seguintes – que dispõem acerca da Ordem Econômica e dos princípios que a regem3.


3.            ABRANGÊNCIA DO INSTITUTO. UMA PROPOSTA DE HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Consoante já exposto, a imunidade recíproca impede a tributação das pessoas políticas. Há, contudo, no âmago da norma imunizante, o seguinte questionamento: Essa imunidade é extensível às entidades da administração pública indireta vinculadas às pessoas políticas? Este tópico tratará do tratamento constitucional dado à questão a partir da interpretação dos dispositivos envolvidos.

Este trabalho sugere a adoção dos métodos hermenêuticos sistemático e casuístico, onde as normas Constitucionais serão interpretadas a luz do caso concreto com ênfase a efetivar princípios extraídos, implícita ou explicitamente, do próprio Texto Magno, ou seja, aplicar-se-ão em determinados casos àquelas normas que deem efetividade a toda Constituição, de modo irrestrito, levando em consideração não apenas as normas prima facie aplicáveis, mas todo o Texto sistematicamente.

A técnica interpretativa empreendida neste trabalho se dá com observância aos princípios apontados pela doutrina como sendo guias da interpretação da norma constitucional. Primeiramente, há que se falar no princípio da unidade da Constituição segundo o qual “as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios” (MENDES, 2008, p. 114). Por isso o caráter sistemático-conglobante da proposta interpretativa aqui sugerida, pois para a interpretação das regras relativas à imunidade recíproca não basta que procuremos respaldo tão-somente no Sistema Nacional Tributário, mas em toda a Constituição, inclusive, na Ordem Econômica e nos princípios que a regem.

Cumpre destacar a lição de JJ Gomes Canotilho (1999, p. 1148-1149) para quem:

O princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre suas normas. Como ponto de orientação, guia de discussão e fator hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade (...). Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.

Ora, aplicando tal princípio jamais poder-se-ia optar pela extensão da imunidade recíproca às estatais, tendo em vista que o Texto Magno, como um todo, preocupase em tutelar os princípios do sistema tributário, bem como da ordem econômica. Além do mais, tanto na adoção do método hermenêutico clássico quanto na adoção do método tópico, a conclusão se dará no sentido da não extensão da imunidade recíproca às estatais. 

Primeiramente, no que tange a hermenêutica clássica, JJ Gomes Canotilho (1999, p. 1136-1137) ao discorrer acerca de tal método, sugere a interpretação da norma constitucional a partir dos elementos textual, sistemático, racional e genético. Desse modo, seria preciso utilizar tais regras de hermenêutica que guiassem o intérprete. É preciso que se ressalte que as interpretações encontram, por óbvio, limites dentro do próprio texto. Aqui, conforme se verá adiante, será possível vislumbrar a não abrangência da imunidade recíproca às estatais, até mesmo por conta dos cânones sugeridos como guias interpretativos.

Já no que tange ao método tópico é preciso que se diga que a norma constitucional, diante de seu alto grau de abstração, deve ser interpretada à luz do caso concreto. O intérprete tem o papel de aplicar a lei que se adeque à problemática e sirva de instrumento para a solução de um conflito, sempre lastreado nos princípios hermenêuticos. Em que pese a interpretação a partir de tal método mereça “sérias reticências” (CANOTILHO, p. 1137) por conta de conduzir a um “casuísmo sem limites” (idem), a interpretação deve levar em conta não apenas a norma, como também a problemática do caso, devendo haver uma ponderação acerca da primazia da norma e do fato. Nesse sentido, a norma constitucional aplicável será aquela veiculada por dispositivo em consonância com todo o Texto Magno, e que se adeque ao caso concreto.

Desse modo, por exemplo, a abrangência do instituto é aferível mediante análise de seus fundamentos: para verificarmos até que ponto a imunidade recíproca exonera, basta que analisemos o efetivo cumprimento dos preceitos que a sustentam, levando em conta também, no caso concreto, a atividade exercida pela entidade imunizada.

A imunidade recíproca, conforme já amplamente exposto, tem por fim precípuo o de harmonizar as pessoas políticas, sendo fundada basicamente no princípio federativo, do qual decorre a autonomia dos entes federativos. Acontece, no entanto, que a mesma autonomia que impossibilita, por meio de negativa de competência, que os entes se tributem reciprocamente, também possibilita que essas pessoas de direito público interno onerem (e arrecadem), através dos tributos, a exteriorização de riqueza das pessoas jurídicas submetidas ao regime jurídico de direito privado, das quais são espécies as empresas estatais.

Cumpre destacar, portanto, que o próprio princípio federativo limita a abrangência da imunidade recíproca às estatais, e a estende, por meio de regra expressa na ordem constitucional insculpida no art. 150, §3º da Carta Política de 1988, às autarquias e fundações públicas, tendo em vista que, estas sim, representam uma longa manus do Estado em suas atividades essenciais.

Além do princípio federativo, faz-se preciso que seja demonstrado também que o fundamento “supremacia do interesse público sobre o privado” também limita a amplitude do instituto. Isso porque o fim precípuo ao qual se dirige esse fundamento é o de que as pessoas políticas não embarguem suas atividades reciprocamente. 

Conforme abordaremos mais adiante com maior precisão, as empresas estatais não prestam (ou não deveriam prestar) atividade própria (exclusiva, privativa ou obrigatória) do Estado e, ainda que prestassem, restaria dúvida acerca da sua submissão ao regime jurídico de direito privado. 

E, por fim, no que tange à isonomia/capacidade contributiva, conforme foi demonstrado anteriormente, tem-se que as estatais, em regra, demonstram capacidade contributiva, pois, conforme se verá no próximo capítulo, foram criadas justamente para o exercício da atividade econômica, a qual implica na exteriorização de riqueza e na manifestação da capacidade contributiva.

Desse modo, conforme dito, esclarecermos nos tópicos subsequentes a inviabilidade de extensão da imunidade recíproca às empresas estatais, bem como restará fundamentada essa impossibilidade na própria ordem econômica.


4.  EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

Segundo o Decreto-lei 200/1967[4], empresa pública é:

a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

Para Marçal Justen Filho (2008, p. 173), contudo, esse conceito é prolixo e com pouca utilidade, trazendo ele a seguinte definição: 

(...) empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, dotada de forma societária, cujo capital é de titularidade de uma ou mais pessoas de direito público e cujo objeto social é a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público.

O professor Celso Antonio Bandeira de Mello (2008, p. 186) também se preocupa em trazer a baila a sua definição do instituto, qual seja:

(...) é a pessoa jurídica criada por força de autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras de especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer formas admitidas em direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de direito público interno(...)

Em que pese a crítica (MELLO, 2008, p. 190) formulada pela doutrina no que tange ao fato de que o Decreto-lei 200/1967 trouxe apenas a conceituação das empresas públicas que exploram atividade econômica, entende-se que o nosso legislador trouxe uma hipótese de “atividade econômica lato sensu”, pois percebeu que ao criar uma “empresa” a pessoa política visava, ainda que de modo reflexo, a “gestão empresarial” de sua atividade com a obtenção de lucro, ainda que prestadora de serviço público (de prestação não obrigatória pelo Estado).

Não é por outro motivo que a essas empresas aplica-se o regime jurídico de direito privado, veja-se o que diz Marçal Justen Filho: “A empresa pública é dotada de personalidade de direito privado, o que significa o afastamento de algumas prerrogativas de direito público e a atuação segundo as regras comuns.” (JUSTEN, 2008, p. 173),             

Acontece, no entanto, que, embora seja clara a submissão da estatal ao regime de direito privado ao exercer “atividade econômica”, ao exercer “serviço público” (conforme dissociaremos a seguir), este se submete ao regime jurídico de direito público e aí reside a controvérsia no que tange ao regime aplicável à Estatal e qual a sua atividade preponderante.

Quanto as Sociedades de Economia Mista é o mesmo Decreto-lei 200/1967 é quem as define. Vejamos o seu art. 5º, III:

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta

Aqui, cabem as mesmas críticas no que tange a omissão da possibilidade de prestação de serviço público. Entendemos, todavia, o legislador que, inteligentia legis, pretendeu elevar “atividade econômica” ao status de gênero do qual é espécie a prestação de serviço público por empresa estatal.

E, por fim, cumpre apontarmos que há, no cerne das empresas estatais, um “mínimo de direito público” (JUSTEN FILHO, 2008, p. 185) o que afasta a premissa da aplicação total do regime de direito privado. Esse “mínimo”, contudo, não se confunde com as prerrogativas das pessoas políticas, mas no que tange ao “controle inerente à tripartição de poderes”.

Segundo Marçal Justen Filho (2008, p.185) “a empresa estatal deve visar o lucro, mas esse não é o seu valor único nem fundamental”. Cabe salientar ainda que a submissão ao controle exercido pela administração implica em limitações, mas, consoante o supramencionado autor, tais limites se destinam a assegurar princípios inerentes a uma democracia republicana.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Igor Nunes Costa e Costa

Doutorando em Ciências Jurídicas pela UMSA – Universidad del Museo Social Argentino. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Professor das disciplinas Direito Tributário e Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Anísio Teixeira – FAT em Feira de Santana e de pós graduação no CESB – Centro Educacional do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista. Advogado tributarista do escritório Didoné & Garrido Advogados Associados. Autor de artigos científicos e editor-assistente da Revista de Direito da FAT Saber Jurídico.

Ailson Santana Freire Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS. Pós Graduando em Direito Tributário pelo IBET. Advogado tributarista do escritório Didoné & Garrido Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Igor Nunes ; FREIRE FILHO, Ailson Santana. A (in)constitucionalidade da extensão da imunidade recíproca às estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4404, 23 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41167. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos