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A (in)constitucionalidade da extensão da imunidade recíproca às estatais

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6.  CONCLUSÃO

Após a pesquisa e revisão da doutrina e jurisprudência acerca do tema aqui debatido, foi possível consolidar o entendimento segundo o qual a extensão da imunidade recíproca às estatais vai de encontro à índole constitucional - principalmente, no que tange às diretrizes socioeconômicas adotadas pelo constituinte. 

Acontece, no entanto, que quando da prestação de serviço público essencial haveria a possibilidade de tal abrangência ser validada por conta da atividade exercida pela estatal, tendo esta natureza jurídica de autarquia. Para tanto, contudo, seria preciso que tal atividade fosse tipicamente estatal, que desenvolvesse a prestação de serviço público e que esse serviço fosse essencial e remunerado por taxa. 

Entretanto, como restou demonstrado, o Supremo Tribunal Federal estendeu a imunidade recíproca à ECT, estatal que não se enquadra em nenhum dos requisitos supra elencados para o gozo do privilégio fiscal da imunidade.

Esse entendimento, adotado pelo pretório excelso, causou extrema angústia em empresas concorrentes da referida estatal, porquanto esta, não recolhendo tributo, promove, em clara afronta ao Texto Magno, a famigerada concorrência desleal.

A amplitude do instituto da imunidade recíproca - voltado à tutela do princípio federativo – acabou por provocar uma desarmonia entre os entes, tendo em vista que os Estados, Municípios e Distrito Federal ficaram impossibilitados de arrecadar justamente os tributos devidos pela ECT que, indubitavelmente, possui capacidade contributiva. Ou seja, houve uma subversão do próprio instituto causada por julgamento político do STF.

Estender a imunidade que, ressalte-se, é inerente às pessoas políticas, às Empresas estatais seria violar de uma só vez: a capacidade contributiva, a iniciativa privada e, principalmente, os dispositivos que regem a ordem econômica, mais precisamente a livre concorrência, bem como a não extensão de benefícios fiscais às empresas estatais (art. 173, §2º/CF).

E, por fim, é preciso que se saliente que seria possível a atuação do poder constituinte derivado – este sim com inevitável função política - para, querendo, alterar as redações dos artigos 150 e 173 da Constituição no intuito de estender legitimamente a imunidade recíproca às estatais delegatárias de serviço público, não havendo aqui, em razão da interpretação do Texto Constitucional, que se falar em mutação de tais dispositivos.

A tributação está atrelada ao desenvolvimento de qualquer Estado, o que está lastreado no interesse público. Não se pode, por questão de caráter politico, atacar a iniciativa privada – que, frise-se, é dotada de função social e essencial à realização do interesse público – e promover concorrência desleal. O próprio Estado jamais poderia tolerar ofensa à sua própria índole capitalista.

Deixamos aqui nossa irresignação com a posição, a nosso ver, inconstitucional adotada pelo STF, que, embora tenha, consoante se pôde concluir aqui, prezado por uma razão política em detrimento de uma jurídica, está sempre na vanguarda no que tange à consolidação da democracia neste país e no respeito às diretrizes emanadas pelo poder constituinte.


7.  REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

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VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

[2] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado

3 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional;

  1. - propriedade privada;
  2. - função social da propriedade;
  3. - livre concorrência;
  4. - defesa do consumidor;
  5. - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 
  6. - redução das desigualdades regionais e sociais;
  7. - busca do pleno emprego;
  8. - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.  

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em 09 dez. 2013.

[5] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

[6] Art. 21. Compete à União:

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; 

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

[7] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[8] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

[9] EMENTA. Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do RE nº 407.099/RS, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 6/8/04, firmou-se no sentido de que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública prestadora de serviço público, é beneficiária da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da

Constituição da República. Esse entendimento foi confirmado pelo Plenário desta Corte na ACO nº 765/RJ, Redator para o acórdão o Ministro Menezes Direito. 2. Ação cível originária julgada procedente.

(STF - ACO: 814 PR , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 01/09/2010, Tribunal Pleno,Data de Publicação: DJe-194 DIVULG 14-10-2010 PUBLIC 15-10-2010 EMENT VOL-02419-01 PP-00015)

[10] RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. impenhorabilidade DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e nãoincidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal.

[11] Art. 21. Compete à União:

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE: 229696 PE , Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 16/11/2000, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 19-12-2002 PP-00073 EMENT VOL-0209605 PP-01043)

12 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

  1. patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
  2. templos de qualquer culto;
  3. patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
  4. livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
  5. fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
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Sobre os autores
Igor Nunes Costa e Costa

Doutorando em Ciências Jurídicas pela UMSA – Universidad del Museo Social Argentino. Especialista em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Professor das disciplinas Direito Tributário e Direito Empresarial em cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Anísio Teixeira – FAT em Feira de Santana e de pós graduação no CESB – Centro Educacional do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista. Advogado tributarista do escritório Didoné & Garrido Advogados Associados. Autor de artigos científicos e editor-assistente da Revista de Direito da FAT Saber Jurídico.

Ailson Santana Freire Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS. Pós Graduando em Direito Tributário pelo IBET. Advogado tributarista do escritório Didoné & Garrido Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Igor Nunes ; FREIRE FILHO, Ailson Santana. A (in)constitucionalidade da extensão da imunidade recíproca às estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4404, 23 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41167. Acesso em: 26 abr. 2024.

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