4 As novas alterações da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96)
Seguindo a demanda de desenvolvimento efetivo da prática dos meios alternativos de conflitos e evidenciada na edição do novo Código de Processo Civil, a Lei de Arbitragem foi recentemente alterada, contendo como uma das principais inovações a sua aplicabilidade na Administração Pública Direta e Indireta.
Tal posição, segundo Silvia Rodrigues Pachikoski (2015), uma das juristas que compôs a comissão de elaboração da reforma da Lei de Arbitragem, buscou respaldo no fato de que a Administração Pública já vinha sendo parte em arbitragens, baseando-se na jurisprudência de nossos Tribunais, na Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/04, art. 11), Leis estaduais (Lei Mineira de Arbitragem: Lei Estadual nº 19.477/11) e na própria Lei de Arbitragem vigente, que não restringia expressamente a participação das entidades públicas em procedimentos arbitrais.
A disposição expressa na Lei de Arbitragem é louvável, pois busca sedimentar as divergências doutrinárias quanto à arbitrabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público, não só pela capacidade em si desses entes de se submeter à arbitragem, mas também por eles lidarem com interesse público, que, a princípio, seria indisponível e, portanto, não arbitrável.
Ao fazer apontamentos quanto à arbitrabilidade subjetiva de ente público, PACHIKOSKI (2015) ressalta o leading case do Supremo Tribunal Federal da década de 1970, conhecido como Caso Lage, o qual reconheceu não haver proibição de per se para que pessoa de Direto Público participe de arbitragem[2].
O fato de que no caso Lage havia decreto específico autorizando a arbitragem levou alguns autores a entenderem que a participação de entes públicos na arbitragem dependeria de autorização legal específica, considerando, principalmente, a primazia do princípio da legalidade aplicável a entes públicos. Essa “necessidade” de autorização passa a ser suprida pela nova disposição do artigo 1º da Lei de Arbitragem.
Controvérsia maior surgiu quanto à arbitrabilidade objetiva, ou seja, quanto a qual matéria a pessoa jurídica de direito público poderia discutir em sede de arbitragem. A polêmica se dá em reflexo do princípio da indisponibilidade do interesse público e em que matérias esse interesse está presente. Os doutrinadores administrativistas distinguem atos de império (aqueles praticados com supremacia sobre o particular) de atos de gestão (aqueles em que o Estado se encontra no mesmo patamar que o particular).
Considerando tais conceituações teóricas do Direito Administrativo no âmbito da arbitragem, os atos de império seriam indisponíveis e, portanto, inarbitráveis, já os atos de gestão, por serem atos concernentes a funções instrumentais, mesmo que efetuados por pessoas jurídicas de direito público, seriam direitos disponíveis e transacionáveis.
Nesse ponto, a jurista PACHIKOSKI salienta que toma força o posicionamento de que:
(...) sempre que a controvérsia possa ser resolvida por meio de acordo entre as partes, sem necessidade de intervenção do Judiciário, será arbitrável. Assim, o obstáculo à arbitrabilidade das disputas não residiria na natureza dos direitos envolvidos, mas na compatibilidade do meio processual adotado com o pedido. (PACHIKOSKI, 2015, p.14)
Parece-nos que tal tendência tenha se consolidado, considerando a previsão do Novo Código de Processo Civil[3] da criação pelos entes federados de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.
O projeto de lei que culminou na Lei nº 13.129/2015 foi sancionado com três vetos presidenciais, precisamente aos §§ 2º, 3º e 4º, constantes do art. 4º, que ampliavam o escopo da arbitragem para as relações de consumo e algumas situações trabalhistas.
No que tange aos motivos dos vetos, ressalta PACHIKOSKI (2015) que, “em sentido contrário ao defendido pela comunidade arbitral, prevaleceu o entendimento tecnicamente equivocado e demagógico de que haveria prejuízos aos consumidores e trabalhadores”.
Não obstante tais vetos, permaneceu a tentativa de ampliação do uso da arbitragem nas relações trabalhistas e de consumo, dispondo que a cláusula compromissória terá eficácia somente na hipótese de o trabalhador ou consumidor tomarem a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordarem expressamente com a sua instituição. Já nos contratos de trabalho, a cláusula compromissória só poderá ser pactuada entre empregadores e empregados que ocupem ou venham a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário[4].
Uma notável alteração da Lei de Arbitragem no Direito Societário foi a disposição expressa do direito de recesso nas Sociedades Anônimas quando, por deliberação da maioria, insere-se no estatuto social a convenção de arbitragem, aspecto que, em tópico apropriado, analisaremos de forma pormenorizada.
5 DA ARBITRAGEM NO DIREITO EMPRESARIAL
A utilização da arbitragem em Direito societário, como se viu no capítulo dois, não é fato recente. A Lei de Arbitragem buscou sanar os primeiros obstáculos no intuito de viabilizar sua utilização. Com a edição da Lei nº 13.129/2015, por sua vez, almeja-se a efetividade do instituto e sua popularização, no sentido estrito do vernáculo.
No que tange ao Direito Societário, considerando que sua essência se perfaz na prosperidade da empresa, o instituto da arbitragem coaduna-se, diametralmente, ao seu escopo, notadamente, no que se refere à solução de seus eventuais conflitos.
A dinamicidade da atividade empresarial exige soluções igualmente céleres, o que, ao se buscar o Judiciário em eventual litígio, é inviável, pois a formalidade exigida em juízo acaba por prejudicar a sociedade empresária, como bem salienta-nos DIAS:
Na prática, uma grande e demorada celeuma, estabelecida dentro de uma sociedade empresária, indiretamente diminui sua credibilidade junto aos parceiros comerciais, principalmente seu crédito perante as instituições financeiras nacionais. O custo operacional, consequentemente, aumenta, diminuindo e, às vezes, até acabando com os lucros. (DIAS, 2007, p.414)
Além da dinamicidade do direito empresarial, a especificidade e a exigência técnica presentes em suas questões vão de encontro ao instituto da arbitragem, que tem como princípios a informalidade, celeridade, confidencialidade e sigilo, bem como a primazia da adequação da legislação aplicável ao caso; especificidade dos árbitros, que certamente serão escolhidos pela sua capacidade técnica atrelada ao litígio; e economia, onde o custo benefício, capacidade técnica e consequente celeridade corresponde a um valor inferior ao da demora do Judiciário e seus custos indiretos.
A arbitragem, portanto, é como ressalta DIAS (2007) “medida que se impõe à boa saúde das sociedades brasileiras”, podendo ser utilizada por qualquer espécie societária.
5.1 Dos Limites subjetivos da arbitragem no Direito Societário
Não obstante ser possível a utilização do instituto por todas as sociedades empresárias, restringiremos nossa análise à sociedade limitada e à sociedade anônima por serem as mais usuais.
Uma vez inserida a cláusula compromissória nos estatutos e, por conseguinte, renunciando os sócios ou acionistas à jurisdição estatal, surge, quanto ao alcance subjetivo, a celeuma relativa a quais sócios e acionistas estariam vinculados. A omissão legislativa a esse respeito deixou a cargo da doutrina a interpretação de seu alcance, levando os doutrinadores a longos debates e posicionamentos divergentes.
Para melhor exame do tema os doutrinadores, dentre eles Luís Loria Flaks, distinguiam a natureza do acionista da seguinte forma:
(a) é fundador da companhia; (b) aprovou em assembleia geral a alteração do estatuto social que inseriu a cláusula arbitral ou passou a deter ações da companhia após a referida alteração estatutária; (c) dissentiu da deliberação assemblear que inseriu a cláusula arbitral no estatuto da companhia, absteve-se de votar na referida deliberação ou não compareceu à respectiva assembleia geral; ou (d) era detentor apenas de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, quando da aprovação da alteração estatutária que inseriu a cláusula arbitral. (FLAKS, 2003, p.101)
A celeuma em questão não tem lugar nas pequenas companhias fechadas, onde, em regra, todos aprovam o estatuto original ou a deliberação pela inclusão posterior da cláusula compromissória. Mesmo raciocínio se faz nas grandes companhias em que, em sua criação ou na inclusão da cláusula compromissória, esta foi aprovada por unanimidade, pois, por óbvio, todos declararam a vontade pela arbitragem, renunciando expressamente à jurisdição estatal.
A discussão se acirra, notadamente, em duas situações: quando o acionista adquire suas ações após a deliberação social que inseriu a cláusula compromissória no estatuto; e quando a inclusão da cláusula compromissória não é por unanimidade.
Alguns doutrinadores afirmam que os sócios ou acionistas que não concordaram com a inclusão da cláusula compromissória, seja porque ingressaram no quadro social após sua inclusão ou por não ter anuído com tal deliberação, não estariam sujeitos ao juízo arbitral e estariam, portanto, livres para levarem os eventuais litígios societários ao Judiciário, direito este, por sinal, constitucional.
Prosseguem os doutrinadores desse posicionamento ressaltando que eventual compulsoriedade fere os princípios do próprio instituto da arbitragem o qual só se instaura pela manifestação de vontade do particular, portanto, incabível a obrigatoriedade de se submeter ao processo arbitral em decorrência da concordância de terceiros.
Para consubstanciar este posicionamento seus defensores ainda concluíam que a cláusula compromissória trataria de pacto parassocial ou mesmo que o estatuto se trataria de contrato de adesão e, sendo assim, estariam vinculados apenas aqueles que formalmente, em documento em separado, manifestassem seu interesse de se submeter às regras arbitrais.
Tais interpretações somente depõem contra o instituto em apreço, propondo unicamente o estímulo ao seu desuso. Evidente é a sujeição dos novos sócios à cláusula compromissória, pois, ao se adquirir determinadas ações, estará acatando, por conseguinte, as disposições estatutárias que foram aprovadas pela maioria de seus acionistas.
Em consonância com este raciocínio, FLAKS assevera:
Todos os acionistas que, posteriormente à constituição da companhia, tenham aprovado a introdução da cláusula compromissória em seu estatuto social, estarão a ela vinculados, sem a necessidade do cumprimento de qualquer outra exigência formal.
Da mesma forma, todas as pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas, que passarem a fazer parte do quadro acionário de determinada companhia, que já contenha em seu estatuto social cláusula compromissória arbitral, estarão vinculados à arbitragem. Essa vinculação é imediata desde a data da subscrição de capital ou aquisição de ações. (FLAKS, 2003, p.102)
Aos autores que aventavam ser os estatutos das sociedades contratos de adesão e, em decorrência da disposição do art. 4º, §2°, da Lei de Arbitragem, deveriam formalizar o consentimento da escolha da arbitragem em documento anexo, adverte FLAKS (2003) que o referido dispositivo legal se refere tão somente aos contratos de adesão, e "os estatutos sociais não podem jamais ser confundidos com contratos de adesão”, vez que estes divergem conceitual e instrumentalmente dos contratos de sociedade.
(...) o contrato de adesão se caracteriza, em regra, pela bilateralidade da relação jurídica, ou seja, pela existência de interesses distintos das partes contratantes, diferentemente do que acontece em uma sociedade.
Ocorre que os interesses dos acionistas de uma companhia, independentemente de seu objeto social, convergem necessariamente para um mesmo fim: a obtenção de lucro pela sociedade. Essa convergência de interesses é uma das principais características dos chamados contratos plurilaterais – como são os estatutos sociais – os quais, de modo algum, poderiam ser considerados como contratos de adesão. (FLAKS, 2003, p.103)
A alegação de alguns autores quanto ao eventual desconhecimento do novo sócio acerca da cláusula compromissória não procede, vez que, ao buscar fazer parte de uma sociedade empresária, este deve procurar ter conhecimento de seu estatuto, e a publicidade deste instrumento é tamanha que há, inclusive, a presunção deste conhecimento[5]. Caso o potencial novo sócio ou acionista discorde da cláusula compromissória contida no estatuto tem a opção de não se vincular à sociedade empresária.
Na hipótese do sócio ou acionista dissidente da deliberação que inseriu a cláusula compromissória abstenha-se de votar na referida deliberação ou, até mesmo, não compareça na assembleia, para alguns doutrinadores, como já mencionado, não estariam vinculados, notadamente, em consonância com princípio de que ninguém pode ser submetido, contra sua vontade, ao processo arbitral. Nessa linha de raciocínio, estariam os sócios vinculados a todas as disposições do estatuto social, exceto à cláusula compromissória.
Nesse tocante, necessário evidenciar que a vontade de uma sociedade empresária, em regra, é expressada através da maioria, qual seja, a vontade social. O princípio majoritário concede a segurança jurídica societária necessária para que sempre prevaleça a vontade social, pois seria impraticável a exigência da unanimidade em todas as reuniões deliberativas de uma organização.
Sobre o princípio da maioria, DIAS (2007) ressalta a explanação de Trajano de Miranda Valverde:
Não há renúncia de direitos, mas, única e exclusivamente, sujeição de pessoa, que adquire a qualidade de membro da sociedade ou corporação, às regras que disciplinam as relações internas entre os seus componentes, regras dentre as quais figura, como elementar, a de que as resoluções ou deliberações se vencem por maioria. (VALVERDE, 1959 apud DIAS, 2003, p.423)
Ao cogitar a hipótese de que a cláusula compromissória não vincula a todos os sócios, tenham ou não aprovado a sua inclusão, cria-se a insegurança jurídica de que um mesmo conflito de interesse possa ser submetido, ao mesmo tempo, à apreciação do Poder Judiciário e do juiz arbitral, podendo existir decisões conflitantes.
A Lei nº 13.129/2015, visando superar a aparente incompatibilidade existente entre o princípio da maioria, vigente nas sociedades, com a vontade individual do acionista e seu direito de acesso à Justiça, colocou fim a tais divergências e, tal como sugerido por alguns doutrinadores, incluindo DIAS (2007), criou o direito de recesso nas companhias, quando, por deliberação da maioria, insere-se no estatuto social a convenção de arbitragem.
Nos termos de seu art. 3º, a Lei previu que a Lei da S/A passa a vigorar acrescida do art. 136-A, na Subseção “Direito de Retirada” da Seção III, do Capítulo XI, com a seguinte redação:
Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.
§ 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.
§ 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável:
I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe;
II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei. (BRASIL, 2015)
Impende ressaltar que, ao se optar pela arbitragem, em nenhuma hipótese, retirar-se-á dos sócios ou acionistas o acesso às ações a que têm direito. Para defenderem-se, sentindo-se prejudicado, deverão pleitear no juízo arbitral o que for de seu interesse.