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Ambiente ecologicamente equilibrado, responsabilidade penal da pessoa jurídica e a regra da dupla imputação material:

a jurisprudência do STJ em descompasso com a nova hermenêutica do STF

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12/11/2015 às 13:28
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4.HERMENÊUTICA DO STJ E DO STF SOBRE O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA: Dupla Imputação ou Responsabilidade Própria da Pessoa Jurídica?

4.1 Ausência de Exame da Constitucionalidade do Art. 3º pelo STF

Cabe assinalar que, transcorridos mais de 25 anos, o STF ainda não enfrentou, expressamente, a questão de se saber se o § 3º, do art. 225, da CRFB/88, consagrou o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Da mesma forma e, em consequência, a Suprema Corte ainda não decidiu, em última instância e, num processo hermenêutico conforme a Constituição, se a norma contida no art. 3º da LCA é consentânea com a teoria do crime, da pena e com os princípios constitucionais penais que sustentam o ordenamento jurídico brasileiro. Em síntese, se a referida norma penal tem sua legitimidade assegurada em face do indispensável controle de constitucionalidade a que está sujeita toda lei penal, aprovada no contexto do Estado Democrático de Direito.

A questão tem relevância jurídica se for considerado que, desde o primeiro momento, estabeleceu-se uma polêmica acerca da validade da norma contida no art. 3º, da LCA.[32] Embora a questão já se encontre praticamente consolidada no âmbito da jurisprudência do STJ,[33] a verdade é que o STF ainda não se pronunciou, pela voz de seu Plenário, sobre a questão específica da constitucionalidade da norma que introduziu a responsabilidade criminal da pessoa jurídica no sistema penal brasileiro.

Esta questão poderia ter sido decidida ao tempo do julgamento do recurso extraordinário (RE 473.045-SC, j. em 15.10.2013), interposto pelo Ministério Público, contra decisão prolatada pela 2ª Câmara Criminal do TJSC, que manteve sentença de primeiro grau, negando a validade da norma contida no art. 3º, da LCA e, em consequência, rejeitou denúncia que responsabilizava a pessoa jurídica pela prática de crime ambiental. No entanto, os autos do processo dormiram nas gavetas e arquivos do STF, por mais de 12 anos sem julgamento do recurso e a ação penal foi julgada extinta pela prescrição penal, em 15.10.2013.[34] A omissão da prestação jurisdicional pela Suprema Corte impediu que se tivesse a decisão de última instância para se colocar um ponto final na polêmica que ainda ronda os corredores forenses e os escaninhos do pensamento doutrinário sobre o verdadeiro sentido do direito contido no referido dispositivo constitucional e, por consequência, no art. 3º da LCA.

Por isso, tem razão Paulo de Bessa Antunes, quando escreve que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma questão que não pode ser considerada jurisprudencialmente pacífica, enquanto o STF não se manifestar de modo consistente sobre a matéria.[35]

4.2 Posição do STJ em Favor da Regra da Dupla Imputação

Respaldando a posição defendida pela corrente doutrinária favorável à responsabilidade criminal da pessoa jurídica, o STJ admitiu que o § 3º, do art. 225, da CRFB/88 rompeu com o dogma da societas delinquere non potest. Pesquisa que fizemos, mostrou que essa Corte de Justiça Superior julgou mais de quatro dezenas de recursos, em cujos julgamentos foi admitida a validade da regra prescrita no art. 3º da LCA e afirmado o entendimento de que a responsabilidade empresarial, somente pode ocorrer em coautoria com a pessoa física que tenha praticado o crime ambiental. Assim sendo, nessa Corte Superior, prevalece a hermenêutica de que a lei brasileira adotou a regra da dupla imputação material.[36] Examinaremos apenas alguns desses acórdãos.

Em decisão que reflete o pensamento da Corte e que teve como relator o ministro Gilson Dipp, ficou decidido ser “inadmissível a imputação isolada da pessoa jurídica pela prática de crime ambiental”. Para o Relator, a vontade criminosa da empresa confunde-se com a vontade de seus administradores, dirigentes ou funcionários que tenham agido por sua conta ou no seu interesse: “A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral”. Concluiu seu voto, afirmando que “A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória”.[37]

Reiterando sua orientação jurisprudencial, o STJ deliberou que é perfeitamente admissível “a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício”. Para a hermenêutica do STJ, não é compreensível “a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio”. Assim, tendo o delito sido imputado tão-somente à pessoa jurídica e, “não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, a ação penal fica completamente inviabilizada”.[38]

Em outra decisão e, numa clara indicação de consolidar a hermenêutica favorável à exigência da regra da dupla imputação para que possa ser admitida a RPPJ em crimes ambientais, a Turma julgadora do recurso ratificou o entendimento de que se faz necessária a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício.[39] Assim, ficou decretado que deve ser excluída a ação penal contra a empresa, se seus dirigentes ou funcionários autores da conduta criminosa foram absolvidos ou excluídos da relação processual [40]

Finalmente, a adoção da teoria da dupla imputação ficou consolidada no julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança, em que o STJ decidiu pela inépcia da denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra somente a Petrobras, isolada no polo passivo, depois da exclusão de dois dirigentes da empresa da ação penal.[41]

Infere-se dessa seleção de julgados colhidos no STJ, que a aplicação da teoria da dupla imputação, exigindo a responsabilização da pessoa jurídica, em concurso necessário com a pessoa física, resulta em enormes dificuldades ao controle penal ambiental, pois nem sempre é possível identificar o autor da infração penal ambiental dentro de um sistema complexo como ocorre na estrutura administrativa das grandes empresas, que venham a praticar graves crimes ambientais. A produção da prova do nexo causal entre a conduta da pessoa física ou do sócio efetivamente responsável pelo crime ambiental e o dano ambiental gerado pela pessoa jurídica é tarefa, em muitos casos, praticamente inviável.

Assim, a adoção da regra da dupla imputação material tem sido fator, no âmbito da prática judiciária, de um grande número de ações penais julgadas extintas, sem conhecimento do mérito, pela impossibilidade de identificação da pessoa física autora da conduta delitiva contra o ambiente.

4.3 O STF e a Responsabilidade Criminal Própria da Pessoa Jurídica

Apesar da posição assumida pela corrente doutrinária largamente majoritária, respaldada pela jurisprudência consolidada do STJ, ocorreu significativa mudança na hermenêutica da Suprema Corte, no que concerne à exigência da regra da dupla imputação para se responsabilizar o ente corporativo pela prática de uma infração penal contra o ambiente. Já havia precedente anterior do STF (RE 548181/PR, j. em 17.04.2009), admitindo a dupla imputação como requisito indispensável para se atribuir responsabilidade criminal à pessoa jurídica. No entanto, decisão mais recente, proferida pela Primeira Turma, afastou a exigência obrigatória da dupla imputação para admitir da responsabilidade isolada da empresa poluidora.[42]

Embora não seja uma decisão plenária, não se pode deixar de reconhecer a enorme repercussão que causou e continua causando no campo da jurisprudência dos tribunais estaduais e, principalmente, do STJ sobre a matéria objeto deste estudo. Agora, permanece a expectativa em face de novos julgamentos que possam consolidar a posição do STF a respeito desta relevante, mas indefinida questão.

Em síntese, cabe esclarecer que o recurso julgado pela Suprema Corte teve origem em ação penal proposta contra a Petrobras, seu presidente e mais um dirigente da empresa. No STJ, após demorada e acirrada batalha recursal, os dois dirigentes empresariais foram excluídos da ação penal e esta declarada extinta, decisão que foi acatada pelo STF.[43]

Dessa forma, não se discutiu no julgamento do Habeas Corpus em tela a capacidade penal da pessoa jurídica, mas apenas a questão da imputabilidade ao presidente da empresa estatal por um fato ocorrido de forma acidental, longe do olhar direto da administração superior e, evidentemente, sem que tivesse ocorrido qualquer tipo de deliberação por parte do comando administrativo da estatal petroleira.

Com a negativa de seguimento ao recurso extraordinário[44], o MPF interpôs agravo regimental.[45] Ao votar pelo seu provimento a Min. Rel. Rosa Weber admitiu a presença de questão constitucional maior para que, em posterior julgamento em recurso extraordinário, fosse examinada pela primeira turma do STF a questão de se condicionar a responsabilização penal da pessoa jurídica a uma identificação e manutenção, na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural, que segundo a Relatora se trata de uma exigência que parece não existir no art.225, § 3º, da Constituição Federal.

No julgamento do recurso extraordinário, cujo acórdão só foi publicado em 30.10.2014, a relatora Rosa Weber registrou o argumento do MPF de que a decisão do STJ, de condicionar a persecução penal da pessoa jurídica à da pessoa física responsável individualmente pelos fatos, representa negativa de vigência ao art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime ambiental sem este condicionamento. Para o MPF este entendimento geraria impacto na eficácia da responsabilização penal da pessoa jurídica, já que não raras vezes, por questões probatórias, seria impossível identificar, no âmbito da empresa, a pessoa física especificamente responsável pelo delito ambiental.

Em extenso voto, Rosa Weber reconheceu os argumentos do MPF e aduziu que seria possível concordar com a necessidade de se condicionar a persecução penal da pessoa jurídica à persecução da pessoa física especificamente responsável pelo delito. No entanto, para ela, deve preponderar “o argumento do Ministério Público, de que tal condicionamento pode impactar a eficácia do princípio constitucional da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crime contra o meio ambiente, se mostra impregnado de razoabilidade”.

Em seu voto, a relatora diz, ainda, que a teoria da dupla imputação, adotada pelo STJ, “condicionaria a interpretação e aplicação da norma constitucional do § 3º do art. 225 da Carta Política a uma concreta identificação e imputação também da pessoa física”. Tal interpretação, a seu ver, estaria restringindo sobremaneira sua eficácia e contrariando a intenção expressa do constituinte originário. Estaria, também, restringindo o alcance das sanções penais e da tutela do bem jurídico ambiental.

Por fim, Rosa Weber ressaltou que o § 3º do art. 225 da Carta Política objetiva proteger um verdadeiro direito fundamental de terceira geração, de titularidade difusa, consistindo em comando ao legislador para a instituição de mecanismos de responsabilização civil, administrativa e penal de infratores da legislação ambiental, pessoas físicas ou jurídicas.

Desse modo, a Primeira Turma do STF, deu provimento, em parte, ao recurso para, reconhecida a possibilidade de a denúncia por crime ambiental contra a pessoa jurídica não abranger, necessariamente, a atribuição criminal do fato também à pessoa física, determinando o regular processamento da ação penal contra a Petrobrás.[46]

O que parece emergir da decisão do STF é que a teoria da dupla imputação, adotada pelo STJ, não tem permitido um controle penal eficaz para reprimir eventuais condutas criminosas cometidas pela pessoa jurídica contra o ambiente. Ao adotar a teoria da dupla imputação e justificar a incapacidade de conduta do ente moral, o STJ optou por uma fórmula que condiciona, necessariamente, a imputação penal da pessoa jurídica à da pessoa física, condicionamento que, na prática, tem criado entraves e, em muitos casos, impedido a efetiva aplicação da lei penal de proteção ao ambiente.

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 Por isso, a nova posição da jurisprudência do STF, no sentido de admitir a responsabilidade penal isolada da pessoa jurídica, parece ter sido uma resposta a esses entraves processuais que, desde o início da vigência do art. 3º da Lei 9.605/98, tem dificultado ou impossibilitado a punição da pessoa jurídica por crime ambiental. Na verdade, a rígida aplicação dos requisitos impostos pela regra da dupla imputação tem sido responsável pelo grande número de decisões extintivas da punibilidade, em ações penais contra empresas causadoras de danos ambientais. Este fato, a nosso ver, tem sido responsável, em grande parte, pela ineficácia e falta de efetividade da proposta punitiva de se responsabilizar a empresa criminosa contra o ambiente. Com isso, a LCA, com suas normas formais de prevenção e repressão às condutas empresariais lesivas ao ambiente, parece ter restado apenas uma função meramente simbólica como instrumento de controle penal do bem jurídico ambiental.


5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil, com seu texto comprometido com a construção de um Estado Democrático de Direito e de bem estar social, fundado nos valores da dignidade da pessoa humana, da cidadania e do pluralismo político, abriu importante espaço normativo para firmar o indispensável compromisso com o controle e a preservação do ambiente saudável e equilibrado. Considerada de “Carta Verde”, a CRFB constitui um importante instrumento político-jurídico formal na história do povo brasileiro.

A doutrina tem considerado que o texto do § 3º, do art. 225, da CRFB, que se refere à responsabilidade criminal da pessoa jurídica, tem redação ambígua e isto gerou sérias divergências entre os autores que estudaram a matéria. Mas, prevalece entre os autores e, principalmente, na jurisprudência, o entendimento de que o referido dispositivo constitucional rompeu com a regra da societas non delinquere potest.

Apesar da forte resistência de parte da doutrina, a validade formal do art. 3º, da Lei 9.605/98, decorre do próprio texto constitucional (art. 225, § 3º), cujo comando normativo faz referência à capacidade penal dos entes coletivos.  Se a Carta Magna sinaliza para a hipótese de se imputar capacidade penal à pessoa jurídica em matéria de crime ambiental, não se pode falar de inconstitucionalidade da norma ordinária, que apenas cumpriu o referido mandamento constitucional e que foi aprovada segundo o devido processo legislativo.

A redação dada à norma contida no seu art. 3º, da LCA, peca por falta de clareza e objetividade. Mas, numa interpretação segundo os termos da lei, é possível dizer que o critério ali adotado corresponde ao modelo de responsabilidade penal por atribuição ou de identificação de responsabilidade. Na doutrina brasileira, a corrente largamente majoritária defende esta posição para afirmar que o modelo aqui praticado, por força do art. 3º da LCA, é o da dupla imputação ou dupla incriminação.

Este é o entendimento adotado pelo STJ, que consolidou sua jurisprudência no sentido de não admitir que a pessoa jurídica possa atuar com responsabilidade penal própria, no cometimento de uma infração penal ambiental. É o reconhecimento da teoria da dupla imputação.

No entanto, recentemente ocorreu significativa mudança na hermenêutica da Suprema Corte, que rechaçou a exigência obrigatória da regra da dupla imputação para se responsabilizar o ente corporativo pela prática de uma infração penal contra o ambiente. Para a relatora do acórdão, a exigência da dupla imputação, estaria restringindo sobremaneira a eficácia da norma constitucional (art. 225, § 3º, da CRFB) e contrariando a intenção expressa do constituinte originário, além de restringir, também, o alcance das sanções penais e da tutela do bem jurídico ambiental.

Finalmente, a pesquisa realizada mostrou que o art. 3º da LCA não está cumprindo - com a necessária e desejada eficácia - sua relevante função de prevenção e de repressão aos atentados ambientais mais severos e devastadores. A maioria das ações penais acabou extinta sem julgamento do mérito, enquanto que o número de efetivas condenações restringiu-se a uma cifra verdadeiramente insignificante.

A efetiva eficácia da norma constitucional (§3º. do art. 225 da CRFB/88) e infraconstitucional (art.3º. da Lei 9.605/98) será sempre um desafio e para tanto será preciso contar com a atuação firme dos órgãos de controle formal do Estado e, principalmente, a participação coletiva de todos os cidadãos. Afinal, tal participação foi erigida em princípio constitucional de defesa do ambiente (art. 225, caput). Com isso, será possível avançar no legítimo processo de prevenção e de repressão à criminalidade ambiental cometida pelas empresas e evitar que a norma penal contida no art. 3º, da Lei dos Crimes Ambientais, apresente um efeito meramente simbólico, como ocorre em relação a tantas outras normas de Direito Penal.

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Sobre o autor
Rodrigo José Leal

Professor de Direito Penal da Universidade Regional de Blumenau - FURB e na Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Doutor em Direito pela Universidade de Alicante/Espanha. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB. Graduado pela Furb.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Rodrigo José. Ambiente ecologicamente equilibrado, responsabilidade penal da pessoa jurídica e a regra da dupla imputação material:: a jurisprudência do STJ em descompasso com a nova hermenêutica do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4516, 12 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44435. Acesso em: 22 nov. 2024.

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