4. DS 382: Sobre a legalidade de medidas antidumping aplicadas ao suco de laranja brasileiro[3]
O contencioso sobre o suco de laranja, que envolveu Brasil e Estados Unidos (DS 382), é bastante emblemático sobre o tema do antidumping e sobre os eventuais efeitos sistêmicos da vitória consistente de um dos BRICS no OSC. O Brasil, nesse caso, contestou a metodologia aplicada pelos EUA (zeroing) no cálculo da margem de dumping em determinado setor do país importador. A alegação do Brasil foi, com base em precedentes julgados pelos OSC, de que a prática norte-americana era incompatível com o Acordo Antidumping.
O êxito do país, entretanto, foi diferente do ocorrido em casos similares. Os resultados dessa demanda apresentaram-se como mais definitivos no que concerne à perspectiva do órgão judicante, além de efetivamente alterarem a conduta do Estado demandado. O painel, além de se referir aos casos anteriormente julgados, nos quais o procedimento antidumping resultava em margens de dumping irreais a serem objeto de compensação, afirmou que o zeroing, como um todo, é uma prática ilegal, que deveria ser reformulada. Em outros termos, enquanto, nos casos anteriores, as decisões apenas se referiam a inadequação dos procedimentos nos casos concretos levados a julgamento, no caso brasileiro, a decisão condenou in abstrato a prática do zeroing (Lohbauer, 2011). Adicionalmente, e em vista do conteúdo do relatório do painel, os EUA, ao contrário do que fizeram no passado, decidiram não recorrer ao Órgão de Apelação, além de adotarem medidas internas concretas com a finalidade de reformular sua prática de antidumping.
5. Conclusões
O padrão de litigância comercial dos BRICS, no qual os conflitos entre os membros do grupo são evitados e, simultaneamente, direcionados aos EUA e à UE, decorre de uma concentração não coordenada de esforços na reversão de medidas comerciais protecionistas dos países desenvolvidos. Essas medidas contestadas, em regra, são complexas e dotadas de elevado grau de unilateralidade, uma vez que sua aplicação inicial é determinada por investigação conduzida no âmbito doméstico do país aplicador, característica que, por vezes, dificulta a ação de países em desenvolvimento menores, dotados de poucos recursos.
Essa conduta sistemática dos BRICS, por sua vez, embora não concertada, é parte de um projeto mais amplo de reforma do sistema econômico internacional, conformado no período posterior à Segunda Guerra, no qual ainda predominam os países ricos. No caso específico do comércio internacional, os três principais litigantes dos BRICS buscam, por meio de demandas estratégicas contra as duas principais economias do mundo, a reversão de medidas protecionistas unilaterais, bem como a garantia da efetividade, por meio litigioso, do tratamento especial e diferenciado que deve beneficiar os países em desenvolvimento. Esse ativismo no âmbito do OSC, que é altamente concentrado contra os países desenvolvido: 1) possibilita a participação dos BRICS na consolidação da jurisprudência da OMC (produção normativa em nível concreto); 2) diminui os custos de litígio de outros países com problemas similares; 3) e, em casos extremos, como a controvérsia sobre o suco de laranja brasileiro, determina a mudança de comportamento dos grandes players internacionais. Dessa forma, esse padrão de litígio contribui, mesmo que indiretamente, para pequenas modificações no sistema econômico internacional, tornando-o mais favorável aos países em desenvolvimento.
Referências:
DAVIS, Christina L. and Sarah B. BERMEO.“Who files? Developing Country Participation in GATT/WTO Adjudication.” Journal of Politics Vol. 71(3), pp. 1033-1049, 2009.
KRUGMAN, Paul e OBSTFELD, Maurice. Economia internacional: teoria e política. São Paulo, Makron Books, 2001.
LAFER, Celso. Comércio, desarmamento de direitos humanos: reflexões sobre uma experiência diplomática. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
LOHBAUER, Christian. “O contencioso do suco de laranja entre Brasil e Estados Unidos na OMC in Política Externa, Vol. 20, nº2, 2011.
MESSERLIN, Patrick A. China in the World Trade Organization: Antidumping and Safeguards. The World Bank Economic Review, v. 18, n. 1, 2004.
MIELNICZUK, Fabiano. BRICS in the Contemporary World: changing identities, converging interests in Third World Quarterly Vol. 34, No. 6, 2003.
NARLIKAR, Amrita. The World Trade Organization: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2005.
NARLIKAR, Amrita. “New powers in the club: the challenges of global trade governance International Affairs” in Royal Institute of International Affairs Vol. 86, No. 3, 2010.
THORSTENSEN, Vera e OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado (org.). Os BRICS na OMC: políticas comerciais comparadas de Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Brasília: IPEA, 2012.
Notas
[1] Ver parágrafo 21 da Declaração de Fortaleza, adotado na VI Cúpula dos BRICS (2014).
[2] Ver, por exemplo, parágrafo 18 da Declaração de Fortaleza.
[3] Para mais detalhes: https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds382_e.htm (Consultado em 25 de junho de 2015)