3. AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A EFETIVIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA
3.1. A CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL E A APLICABILIDADE DO CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL NO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
A cláusula denomina de reserva do possível teve procedência no Tribunal Constitucional da Alemanha no ano de 1972. O aparecimento da expressão foi empregado na época em uma decisão de constitucionalidade sobre normas de aprovação em cursos superiores de medicina, que estabeleciam limites de vagas aos estudantes.
Para a Corte Alemã, a cláusula da reserva do possível (Vorberhalt des Möglichen) fundamentou a possibilidade de se limitar o acesso aos cursos superiores, sob o embasamento de que aos indivíduos não se pode conceder direitos subjetivos de cunho social sem examinar a concretude da razoabilidade e da proporcionalidade30.
De acordo com Dirley da Cunha Jr.:
A chamada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto da realidade histórico-concreta brasileira. Nestas diferentes ordens jurídicas concretas não variam apenas as formas de lutas, conquistas e realização e satisfação dos direitos, mas também os próprios paradigmas jurídicos aos quais se sujeitam. Assim, enquanto a Alemanha se insere entre os chamados países centrais, onde já existe um padrão ótimo de bem-estar social, o Brasil ainda é considerado um país periférico, onde milhares de pessoas não tem o que comer e são desprovidas de condições mínimas de existência digna, seja na área da saúde, educação, trabalho e moradia, seja na área da assistência e previdência sociais, de tal modo que a efetividade dos direitos sociais ainda depende da luta pelo direito entendida como processo de transformações econômicas e sociais, na medida em que estas forem necessárias para a concretização desses direitos. (CUNHA JR., 2013, p. 744)
Desse modo, no Brasil a cláusula da reserva do possível não está apenas associada à ideia de pretensão proporcional ou razoável da exigibilidade dos direitos no caso concreto. Mas, está vinculada ao fundamento da redistribuição de riquezas das receitas orçamentárias. Para Ingo Wolfgan Sarlet:
A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas, administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. (SARLET, 2007, p. 304)
Ocorre que, para os órgãos públicos a decisão sobre o critério de disponibilização dos recursos financeiros é ocupação típica e inerente da política legislativa e da própria administração.
Assim sendo, aponta Paulo Gustavo Gonet Branco que:
A satisfação desses direitos é, pois, deixada, no regime democrático, primacialmente, ao descortino do legislador. Não cabe em princípio, ao Judiciário extrair direitos subjetivos das normas constitucionais que cogitam de direitos não originários a prestação. O direito subjetivo pressupõe que as prestações materiais já hajam sido precisadas e delimitadas – tarefa própria de órgão político, e não judicial. (BRANCO, 2014, p. 162)
Todavia, no Brasil, a polêmica não está no conteúdo protegido e assegurado pela legislação. Mas, sim na má repartição e alocação dos recursos econômicos e financeiros voltados para os programas de cunho social.
Quanto o direito à educação, em 1996 foi instituído através da Emenda Constitucional nº14 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) e a valorização dos Profissionais da Educação. Esses incentivos, criados pelo legislador constituinte, referem-se a recursos destinados aos Municípios que devem atuar no ensino fundamental. Dessa forma, dispõe André Ramos Tavares que:
Esse Fundo representou um importante avanço no estabelecimento constitucional de prioridades orçamentárias. Significou, inicialmente, que do total solicitado aos Estados, Municípios e DF, indicado acima, pelo menos 60% deveria ser destinado ao ensino fundamental, objetivando sua universalização e remuneração condigna do magistério. Além disso, o próprio Corpo permanente da Constituição já assegurava, dentro do ensino, prioridade ao atendimento das necessidades resultantes do ensino obrigatório (art. 212, §3º). (TAVARES, 2013, p. 746).
Além disso, no artigo 212, foi incluído pela Emenda Constitucional nº 53 em 2006 o §6º31, a qual determina que as cotas estaduais e municipais do depósito da contribuição do salário-educação serão lançadas na educação básica para as redes públicas de ensino.
Destarte, é apreciável a preocupação de o legislador constituinte vincular prioritariamente recursos à educação. Vez que, o problema não é de legislação ou de como a distribuição deve ser feita dos recursos, mas sim da forma como se dá o seu gerenciamento.
No Brasil, a população carece de condições dignas e mínimas para a concretização das suas pretensões educacionais, tendo em vista que o Estado utiliza do fundamento da reserva do possível para motivar a não aplicação das verbas destinadas ao ensino escolar. Advoga Dirley da Cunha Jr. que:
[...] Onde pululam cada vez mais cidadãos socialmente excluídos e onde quase meio milhão de crianças são expostas ao trabalho escravo, enquanto seus pais sequer encontram trabalho e permanecem escravos de um sistema que não lhes garante a mínima dignidade, os direitos sociais não podem ficar reféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. (CUNHA JR., 2013, p. 745)
O direito à educação infantil para crianças que se encontram em pré-escola ou de creche é um direito que não se pode poupar ou se aguardar. Trata-se de um direito fundamental prioritário e que não deve deixar de ser aplicado o conteúdo do seu mínimo existencial.
Os direitos fundamentais sociais se qualificam pela graduação no seu processo de efetivação e são dependentes de recursos financeiros que se subordinam às verbas de arrecadação pública. Porém, o Poder Público não pode se desincumbir do seu dever de satisfazer as pretensões sob a invocação da cláusula da reserva do possível. Isto é, desde que comprovadas juridicamente pelo Estado, a insuficiência financeira para a concretização do bem jurídico a qual se pleiteia.
Outra defesa apontada pelos órgãos públicos por sua omissão na concretização dos direitos sociais é o fundamento de que estes direitos tem um elevado custo em comparação aos direitos civis e políticos. No entanto, essa motivação arquitetada pelo Estado não é admitida pela doutrina. Dessa forma, aborda Vicente de Paulo Barreto que:
Vestida de uma ilusória racionalidade, que caracteriza a ‘reserva do possível’ como limite fáctio à efetivação dos direitos sociais prestacionais, esse argumento ignora em que medida o custo é consubstancial a todos os direitos fundamentais. Não podemos nos esquecer do alto custo do aparelho estatal administrativo-judicial necessário para garantir os direitos civis e políticos. Portanto, a escassez de recursos como argumento para a não observância dos direitos sociais acaba afetando, precisamente em virtude da integridade dos direitos humanos, tanto os direitos civis e políticos, como os direitos sociais. Estabelecer uma relação de continuidade entre escassez de recursos públicos e a afirmação de direitos acaba resultando em ameaça à existência de todos os direitos. (BARRETO, 2003, p.121)
Desse modo, é manifesto o desengano quanto à efetividade dos direitos sociais quando são limitados em razão da cláusula da reserva do possível. Todavia, a doutrina tem firmado entendimento de que para esses direitos ao Estado está condicionada a tarefa de lhes conferir um mínimo essencial para a sua prestação. Nesta compreensão, Virgílio Afonso da Silva aduz que:
[...] tanto quanto qualquer outro direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e jurídicas presentes. O conteúdo essencial, portanto, é aquilo realizável nessas condições. Recursos a conceitos como o “mínimo existencial” ou a “reserva do possível”só fazem sentido diante desse arcabouço teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realizar diante das condições fáticas e jurídicas, que, por sua vez, expressam a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga, de reserva do possível. (SILVA, 2010, p. 205)
Assim sendo, o mínimo existencial é compreendido como o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. O seu núcleo deve ser intangível, não podendo sofrer qualquer espécie de limitação, incluindo nesse caso, a defesa do Estado através do espírito legal da cláusula da reserva do possível.
Para o direto à educação, o mínimo existencial importa em um conjugado de prestações materiais que representam as vantagens básicas para um ensino fundamental que gere a inclusão de qualquer indivíduo. Dessa forma, Marco Sampaio aponta que:
Fica tão somente uma boa sustentação retórica: os direitos fundamentais sociais possuem como conteúdo essencial tudo aquilo que seja conforme a dignidade da pessoa humana, assegurando-se uma condição diferenciada do indivíduo, relacionando-se tanto com a satisfação espiritual quanto com as condições materiais de subsistência do ser humano, vedando-se qualquer tentativa de degradação ou coisificação do indivíduo em sociedade. (SAMPAIO, 2013, p. 221)
Diante do exposto, a prestação positiva que incumbe ao Estado deve guardar e assegurar a o mínimo existencial dos direitos fundamentais sociais. Se caso ocorrer qualquer omissão por via dos órgãos públicos no tocante à implementação de programas sociais públicos, aduz a doutrina majoritária e a jurisprudência brasileira, que ao indivíduo é assegurado o acesso à justiça para a concretização do seu direito público subjetivo.
Por fim, outra questão importante sobre a função prestacional positiva estatal, está associada à proibição do retrocesso social. Significa dizer que, implementado e efetivado o direito à educação, não cabe ao Estado eliminá-lo sem uma suficiente compensação em prol da sua continuidade. Assim sendo, defende J. J. Gomes Canotilho que:
Os direitos derivados a prestações, naquilo que constituem a densificação de direitos fundamentais, passam a desempenhar uma função de guarda de flaco (J.P. Müller) desses direitos garantindo o grau de concretização já obtido. Consequentemente, eles radicam-se subjetivamente não podendo os poderes públicos eliminar, sem compensação ou alternativa, o núcleo essencial já realizado desses direitos. Neste sentido se fala também de cláusulas de proibição de evolução reacionária ou de retrocesso social (ex.: consagradas legalmente as prestações de assistência social, o legislador não pode eliminá-las posteriormente sem alternativa ou compensações retornando sobre os seu passos; reconhecido, através de lei, o subsídio de desemprego como dimensão do direito ao trabalho, não pode o legislador extinguir este direito, violando o núcleo essencial do direito social constitucionalmente protegido. (CANOTILHO, 2003, p. 479)
Não é dever do Estado eliminar o conteúdo essencial dos direitos sociais, econômicos e culturais. Restringir o mínimo existencial desses direitos significa o mesmo que aniquilar o conteúdo da dignidade da pessoa humana.
Portanto, a proteção do núcleo essencial resguarda o direito fundamental contra a atuação desproporcional ou desarrazoada por parte dos órgãos dos poderes públicos.
3.2. A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
O neoconstitucionalismo, oriundo do final da Segunda Guerra Mundial, foi alcançado no Brasil com o advento da Carta Constitucional de 1988, e é o responsável pelos novos paradigmas que influenciam decisivamente a política e a jurisdição constitucional. Tal marco jurídico ficou caracterizado pelo reconhecimento da força normativa da Constituição, a extensão da jurisdição constitucional e a politização do Poder Judiciário.
Houve um grande avanço na justiça constitucional, especialmente na seara das políticas públicas que até então, eram de exclusividade dos Poderes Legislativo e Executivo. O Poder Judiciário passou a ter grande interferência decisória em casos concretos e também de extensa repercussão, como por exemplo, com a adoção do controle concentrado de constitucionalidade das leis infraconstitucionais.
Em virtude da redemocratização e das garantias asseguradas constitucionalmente aos indivíduos, as pretensões deduzidas pela sociedade se ampliaram em busca dos seus direitos e da justiça, o que ocasionou o surgimento do fenômeno denominado pela doutrina de judicialização. Segundo Luís Roberto Barroso:
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.
(BARROSO. Disponível em: <https://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf > Acesso em: 04 ago. 2015).
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXV32 determina ao Judiciário a defesa dos direitos lesionados ou que estão sob a ameaça de danos. É função jurisdicional, portanto, a defesa e tutela dos direitos fundamentais quando demandados, sejam eles direitos individuais ou de cunho social.
Ao se referir sobre a tutela do direito fundamental à educação, deve-se levar em consideração que se trata de um direito social, e, por conseguinte, um direito dependente da prestação positiva dos órgãos do poder público. Ocorre que, diante da omissão estatal na concretização de políticas públicas e a ausência de aplicação dos recursos financeiros destinados às diretrizes educacionais, tem-se causado intensos danos à formação escolar infantil e juvenil.
Dessa forma, tem sido tarefa dos tribunais, em especial das Cortes, definirem o conteúdo dos direitos fundamentais sociais através do controle jurisdicional, de forma a assegurar e preservar o núcleo essencial desses direitos. Para Marcos Sampaio:
Resta asseverar que o Judiciário brasileiro, embora não exclusivamente, pode e deve, como defendeu Andreas Krell, mediante decisões firmes, “exercer seu importante papel no processo político da realização dos direitos fundamentais sociais através da melhoria gradual e permanente dos serviços públicos básicos. (SAMPAIO, 2013, p. 248)
Entretanto, a polêmica que rege as discussões jurídicas tem aduzido que, o caráter pró-ativo dos órgãos jurisdicionais veio a invadir consideravelmente a esfera das funções típicas dos demais Poderes. Por se tratar de direitos de cunho social, caberia tão somente ao Legislativo e ao Executivo a execução das políticas públicas. Assim sendo, destaca Gilmar Ferreira Mendes que:
A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nessa perspectiva, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal enquanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. (MENDES, 2014, p. 628)
Em âmbito jurisdicional, a Suprema Corte brasileira tem decidido de forma unânime que, em situações excepcionais, o Poder Judiciário poderá determinar aos órgãos públicos medidas necessárias e assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos, sem que esteja configurada a violação ao princípio da separação dos poderes33.
Dessa forma, no ano de 2014 foi julgado o Agravo Regimental do Recurso Extraordinário com Agravo 761.12734 pelo Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, na qual definiu a possibilidade do Poder Judiciário determinar ao Executivo a implementação de políticas públicas para avalizar o acesso à educação básica, sem que isso violasse a separação tripartite dos poderes.
Contudo, a maior controvérsia sobre a judicialização do direito à educação envolve a cláusula da reserva do possível no que tange a disponibilidade dos recursos financeiros estatais.
A contenda chegou a ser núcleo de discussões no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 45)35 pelo Supremo Tribunal Federal, sob a autoria do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em desfavor do Presidente da República.
O julgamento da medida cautelar da ADPF 45 definiu a legitimidade constitucional sobre a intervenção do Judiciário em questões que versam sobre a implementação de políticas públicas e também sobre a inoponibilidade do arbítrio estatal à concretização dos direitos sociais sob a alegação da cláusula da reserva do possível. O Supremo Tribunal Federal julgou por prejudicada a presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em razão da perda superveniente do seu objeto.
Diante disso, a defesa dos órgãos públicos tem alegado a insuficiência financeira para a implementação da eficácia destes direitos. Assim sendo, tem julgado a Suprema Corte sob a tese da chamada “escolhas trágicas”, na qual devem ser sopesados os direitos fundamentais, e dentre eles um deverá ser sacrificado em prol de outro que servirá melhor ao interesse da coletividade.
Para esclarecer, em 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 63933736, de relatoria do Ministro Celso de Mello determinou ao Município de São Paulo a matrícula de crianças de até cinco anos de idade em creches e pré-escola próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, sob sanção de multa diária por criança que não fosse atendida.
O Supremo fundamentou a decisão sob a elucidação de ser obrigação do Estado em respeitar os direitos da criança, dentre eles o direito à educação infantil, sendo este um dever imposto pela Constituição Federal ao Município. Advertiu que a escassez de recursos financeiros não pode ensejar na exclusão do mínimo existencial do direito social à educação. Dessa forma, entendeu a Corte Suprema que ao Estado cabe o encargo de resolver o antagonismo imposto pela cláusula da reserva do possível e deve proceder às “escolhas trágicas” sob o fulcro da preservação da dignidade da pessoa humana.
Asseverou ainda que os órgãos do Poder Público não podem invocar a cláusula da reserva do possível com o intuito de frustrar ou inviabilizar a concretização das políticas públicas exigidas pelas normas programáticas constitucionais.
Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça também tem seguido o mesmo raciocínio para a se fazer valer a concretização dos direitos de cunho programático. André Ramos Tavares aponta uma das decisões do Superior Tribunal de Justiça ao definir que é dever processual do Estado provar a cláusula da reserva do possível:
Uma das polêmicas da judicialização desses direitos está na disponibilidade orçamentária limitada e da invocação, por parte do administrador, da insuficiência orçamentária. Contudo, a alegação desta insuficiência, em juízo, por parte da Administração Pública, implica, como decidiu o STJ no REsp 474.361-SP (rel. Min. Herman Benjamin), tornar incontroverso o fato constitutivo do direito dos interessados (dispensando-os de prova), porque aduz a Administração, nessas hipóteses, fato supostamente impeditivo do direito. Assim, passa a ser dever processual da Administração o provar a insuficiência orçamentária. Essa inversão do ônus da prova tem conduzido ao provimento dos pedidos para assegurar o direito a creche e pré-escola (e, pelo mesmo raciocínio, a educação gratuita obrigatória em geral). (TAVARES, 2013, p.747).
Diante do exposto, os tribunais superiores brasileiros tem proferido julgados que orientam a concretização do direito à educação através da sua intervenção de forma excepcional quando da inatividade dos órgãos públicos.
A inércia governamental caracteriza em abuso aos direitos fundamentais constitucionais. Portanto, é admissível a intervenção do Judiciário em sede da eficácia dos direitos de cunho social, tendo em vista a inaceitável aplicabilidade da cláusula da reserva do possível quando utilizada em prol de decisão arbitrária pela negligência estatal.
Como já referido pela Suprema Corte, a interpretação das normas constitucionais programáticas não podem ser transformadas em “promessa constitucional inconsequente”, é preciso que se dê vida a essas normas através do acesso e da permanência da criança e do adolescente em creches e escolas, bem como do provimento de recursos financeiros para materiais didáticos, transporte escolar, alimentação, e dentre outras necessidades básicas do ensino e da aprendizagem.
Destarte, a cláusula da reserva do possível quando invocada em virtude de real escassez orçamentária deverá respeitar o mínimo essencial do direito à educação, pois este é o representante do postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, o Estado não pode tergiversar ou descumprir a obrigação constitucionalmente vinculada sob a tentativa de frustrar ou inviabilizar os objetivos educacionais que se motivam no exercício da cidadania, no direito à profissionalização e no pleno desenvolvimento da pessoa humana.