Breve comentário sobre o projeto de lei que obrigava os agentes públicos eleitos a matricularem seus filhos em escolas públicas

01/06/2016 às 11:58
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Como esse tipo de política deve ser analisada? Vejamos se este tipo de projeto se adequa à democracia brasileira e quais seriam os pontos positivos de sua aplicação.

Encontra-se arquivado no Senado Federal o Projeto de Lei n.º 480, de 16/08/2007, de autoria do senador Cristovam Buarque, que determinava a obrigatoriedade dos agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas. Diante da polêmica da matéria em apreço, importante uma breve análise jurídica sobre tema, que pode (e deve) voltar à tona nas discussões para melhoria do ensino público.

Inicialmente, é importante salientar a importância de um Estado Democrático de Direito Social que, conforme nos ensina o doutor Vinicius C. Martinez “é a organização do complexo do poder em torno das instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder Constituinte), no exercício legal e legítimo do monopólio do uso da força física (violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos ativos), sob a égide da cidadania democrática, do princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da justiça social (a igualdade real), da soberania popular e consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos. De forma resumida, pode-se dizer que são elementos que denotam uma participação soberana em busca da verdade política.”.

Assim, a fim de que esse Estado estabeleça o bem comum, necessário se faz a busca incessante dos objetivos fundamentais da Nação, resumidamente expressos em nossa Carta Magna, em seu artigo 3º, colacionado integralmente abaixo:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Por conseguinte, a conquista de tais objetivos somente se dará com ações práticas do Estado, através de atos emanados por governantes representantes do povo, em respeito aos princípios mais basilares da democracia.

São através destes atos que o Estado conquista a corporificação necessária para construir uma democracia sólida, para construir uma nação efetivamente democrática, cada vez mais distante daquela ideia demagoga de nação.

Esses atos, muitas vezes, podem estar no limiar entre o Estado Democrático e o Totalitário, pois algumas ações, principalmente àquelas necessárias para consolidar uma jovem democracia, podem representar uma usurpação pelo Estado dos direitos fundamentais do indivíduo em detrimento da coletividade.

Na matéria em apreço, tal medida parece percorrer esse limiar, mas, conforme será demonstrado a seguir, tal ato pode fortalecer ainda mais a democracia instaurada em nosso país, garantindo o avanço nas conquistas de nossa nação.

Dentre os direitos fundamentais do cidadão, está o direito à educação, e é papel do Estado garantir o acesso a uma educação de qualidade. Entretanto, não é necessária qualquer abordagem pejorativa sobre o tema educação pública, pois é unânime que o ensino público, principalmente o ensino fundamental, ainda beira à precariedade em nosso país.

Posto isso, caberia a uma lei exigir uma determinada postura do agente público elegível com o intuito subjetivo de melhorar o ensino público no país?

Antes de procurar responder tal questionamento, utilizo-me de outro questionamento análogo a este, para elucidar melhor a questão: Poderia uma lei exigir que o indivíduo utilize o cinto de segurança, sendo que a falta deste comprometeria sua própria vida e não a de terceiros?

Logicamente, é de conhecimento geral que a falta de cinto de segurança pode comprometer outros indivíduos que estão no veículo, mas, se considerarmos que uma pessoa sozinha esteja dirigindo sem cinto, não seria uma opção dela arriscar a própria vida? Então, por que o Estado estende seus “tentáculos” sobre o direito de liberdade do cidadão e impõe a obrigatoriedade de uso do cinto de segurança em qualquer situação?

Este é o cerne da questão, pois, até que ponto o Estado pode interferir no direito de livre escolha do cidadão? E, ainda, até que ponto tais regramentos não excederiam o limiar entre o democrático e o totalitário?

Na matéria em apreço, não vejo nenhum afronte aos princípios democráticos, tendo em vista que, baseado em outras experiências em diversos países, tal conduta poderia contribuir positivamente para a melhoria do ensino público do país. No mais, é opção do cidadão tornar-se ou não um agente público elegível, tendo em vista que tal regramento vai ao encontro com o próprio caráter do cargo, ou seja, laborar em prol da sociedade.

Quando diversos princípios intrínsecos ou extrínsecos no nosso ordenamento jurídico se confrontam, deve-se priorizar aqueles que beneficiem direta ou indiretamente a população, ou seja, os direitos individuais, privados, devem ser relativizados diante do interesse público.

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Assim, o direito do agente público elegível poder escolher em qual instituição de ensino quer matricular o seu filho pode ser relativizado em prol da melhoria do ensino público do país. Evidente que, uma nação em que prevaleça um ensino público de qualidade sem a necessidade de imposição de condutas, como a ora abordada, seria o ideal, mas em uma jovem democracia como a nossa, tais regramentos contribuem, conforme já mencionado, para o fortalecimento da nação.

Isto posto, entendo que o referido projeto de lei deveria novamente ser debatido com a sociedade, com o intuito de reforçamos a educação e construirmos bases sólidas para a superação de crises econômicas, como esta que enfrentamos atualmente.

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Sobre o autor
Daniel Carvalho

Advogado especializado em Direito Público e Eleitoral. Conselheiro Estadual de Trânsito no Estado de São Paulo na gestão 2012/14. Ampla experiência em Administração Pública, especialmente nas áreas de Transportes e Trânsito. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP, Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas.

Informações sobre o texto

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