A defesa do consumidor em juízo

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02/07/2016 às 01:53

Resumo:


  • A legitimidade ativa nas ações coletivas é extraordinária, pois os legitimados defendem em juízo, em nome próprio, direito alheio.

  • A distribuição dinâmica do ônus da prova permite flexibilidade, atribuindo a prova a quem tem melhores condições de produzi-la.

  • As ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos permitem que uma única ação seja proposta em benefício de todas as vítimas do mesmo evento, evitando múltiplas ações e fortalecendo a posição do consumidor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente trabalho tem como objetivo abordar a defesa do consumidor em juízo, à luz da legislação pertinente à matéria, à doutrina e à jurisprudência. Neste trabalho, analisaremos os instrumentos utilizados para a efetivação dessa proteção.

Palavras-Chave: Direito do Consumidor. Defesa dos Consumidores. Direitos Difusos. Ações Coletivas. Legitimidade.

Introdução

                        O surgimento das ações coletivas remonta a duas fontes principais: primeiro, e mais conhecido, o antecedente romano da ação popular em defesa das rei sacrae, rei publicae. Ao cidadão era atribuído o poder de agir em defesa da coisa pública em razão do sentimento, do forte vinculo natural que o ligava aos bens públicos latu sensu, não só em razão da relação cidadão/bem público, mas também pela profunda noção de que a República pertencia ao cidadão romano e era seu dever defendê-la. Daí o brocardo “Reipublicae interest quam plurimus ad defendam suam causa” (interessa à República que sejam muitos os defensores de sua causa.

                        Já as ações coletivas das classes, antecedente mais próximo das atuais class actions norte-americanas e da evolução brasileira das ações coletivas disciplinadas no CDC, são existentes na prática judiciária anglo-saxã nos últimos oitocentos anos.

                        No Brasil, as ações coletivas surgiram por influência direta dos estudos dos processualistas italianos da década de setenta. Muito embora as ações coletivas não se tenham desenvolvido nos países europeus, os congressos, s artigos e os livros publicados naquela época forneceram elementos teóricos para a criação das ações coletivas brasileiras e até mesmo para a identificação das ações coletivas já operantes entre nós.. Havia no Brasil um ambiente propício para a tutela dos novos direitos, vivia-se a redemocratização e a valorização da atividade do Ministério Público.

                        Neste quadro o papel da doutrina foi fundamental, sem o ativismo de gigantes do direito processual brasileiro como Barbosa Moreira, Kazuo Watanabe, Ada Pellegrine Grinover e Waldemar Mariz Oliveira Junior, o desenvolvimento dos processos coletivos no Brasil teria o mesmo resultado que as tentativas européias, um total desinteresse do legislador. Trabalhos doutrinários posteriores também se mostraram indispensáveis ao desenvolvimento da tutela jurisdicional coletiva no país, como é o caso das obras de Antônio Gidi, principalmente o estudo sobre a litispendência e a coisa julgada nas ações coletivas, amplamente citado por outros doutrinadores nacionais.

                        As ações coletivas iniciaram sua história no sistema processual brasileiro com a promulgação da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/1965), que se tornou o primeiro instrumento voltado à tutela de alguns interesses coletivos em juízo, em especial o patrimônio público.

                        Nesse momento, duas foram as grandes alterações ocorridas em âmbito processual: a legitimação ativa e a coisa julgada. Isso porque, o art. 1° legitimou o cidadão a defender, em nome próprio, os direitos pertencentes de toda a população, através da chamada substituição processual. Já no art. 18, ampliou a qualidade da coisa julgada, dando-lhe efeito erga omnes, desde que a ação fosse julgada procedente. Se, porém, fosse julgada improcedente por deficiência de provas, qualquer cidadão teria a faculdade de propor novamente a ação, desde que fundada em nova prova.

                       Por fim, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em 1990, surgiram regras especificas e inovadoras para a tramitação dos processos coletivos. Estabeleceu os conceitos de direitos difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos, fato que não havia sido feito por nenhuma outra legislação até então.

                        Acerca de tais inovações introduzidas pelo CDC, impende destacar:

  1. A possibilidade de determinar a competência pelo domicílio do autor consumidor (art. 101, I);
  2. A vedação da denunciação da lide e um novo tipo de chamamento ao processo (art. 88 e 101, II);
  3. A possibilidade de o consumidor valer-se, na defesa dos seus direitos, de qualquer ação;
  4. A tutela específica em preferência à tutela do equivalente em dinheiro (art. 84);
  5. A extensão subjetiva da coisa julgada em exclusivo benefício das pretensões processuais;
  6. Regras de legitimação (art. 82) e de dispensa de honorários advocatícios art. (87) específicos para as ações coletivas e aperfeiçoadas em relação aos sistemas anteriores;
  7. Regulamentação da litispendência entre a ação coletiva e a individual (art. 104);
  8. Alteração e ampliação da tutela da Lei nº 7.347/85 (LACP), harmonizando-a com o sistema do CDC (arts. 109 até 117).

                         Os sistemas processuais do CDC e da LACP foram interligados, estabelecendo-se, assim, um microssistema processual coletivo, sendo aplicáveis, reciprocamente, a um e ao outro, conforme os arts. 90 do CDC e 21 da LACP.

                       Assim, considerado um microssistema processual coletivo, o Título III do CDC (Da Defesa do Consumidor em Juízo), deve ser aplicado , no que for compatível, à ação popular, à ação de improbidade administrativa, a ação civil pública e ao mandado de segurança coletivo. O professor Antônio Gidi, em sua obra Coisa Julgada e Litispendência em ações coletivas, aduz que: “ a parte processual coletiva do CDC, fica sendo, a partir da entrada em vigor do Código, o ordenamento processual civil coletivo de caráter geral, devendo ser aplicado a todas as ações coletivas em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Seria, por assim dizer, um Código de Processo Civil Coletivo, como ordenamento processual geral.”[1]

                    Para o professor Rodrigo Mazzei, o microssistema processual coletivo não comportaria somente o Título III do CDC e a LACP. Para o doutrinador “a concepção do microssistema jurídico coletivo deve ser ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do CDC e da LACP, mas de todos os corpos legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual diploma que compõe o microssistema é apto a nutrir carência regulativa das demais normas, pois, unidas, formam sistema especialíssimo.” [2]

                        A recente jurisprudência do STJ aponta nessa direção:

“A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se. STJ, Resp 510.150/MA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ. 29.03.2004.”

                        Já com relação à aplicação do CPC às ações coletivas, Rodrigo Mazzei doutrina que “o CPC terá aplicação somente se não houver solução legal nas regulações que estão disponíveis dentro do microssistema coletivo, que, frise-se, é formado por um conjunto de diplomas especiais com o mesmo escopo (tutela de massa)”. Conclui seu entendimento aduzindo que “o CPC será residual e não imediatamente subsidiário, pois, verificada a omissão no diploma coletivo especial, o intérprete, antes de angariar solução na codificação processual, ressalta-se, de índole individual, deverá buscar os ditames constantes dentro do microssistema coletivo.”

                        Por derradeiro, insta salientar que está em fase de elaboração o Código Brasileiro de Processos Coletivos, o qual acabará com toda a problemática quanto à aplicação de normas, representando um diploma harmonizador dos processos coletivos no Brasil.         

                        Ainda em sede preambular, cabe arrolar alguns princípios do processo coletivo aplicáveis à defesa do consumidor em juízo, colhidos nas lições do mestre Gregório Assagra de Almeida:[3]

                        Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo: O juiz deve buscar facilitar o acesso à Justiça, superando vícios processuais, pois as ações coletivas são ações de natureza social. Portanto, deve o Judiciário flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual para enfrentar o mérito do processo coletivo e, assim, legitimar a sua função social, que é pacificar com justiça, na busca da efetivação dos valores democráticos. Exemplo de aplicação desse princípio ocorre quando o juiz, ao invés de extinguir a ação coletiva por ilegitimidade da parte autora, pública editais convidando outros legitimados para assumirem o pólo ativo da ação.

                        Princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva: A prioridade se justifica, pois, no julgamento dos conflitos coletivos se possibilita dirimir, em um único processo e em uma única decisão, grandes conflitos coletivos ou vários conflitos individuais entrelaçados pela homogeneidade de fato ou de direito que justifique, seja por força de economia processual, seja para evitar decisões conflitantes, a tutela jurisdicional coletiva.

                        Princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva: Se durante o curso do processo, o legitimado manifestar o interesse em desistir da ação, os motivos deverão estar presentes e fundamentados. O princípio determina a análise dos motivos da desistência da ação legitimados ativos. Se for considerada infundada, caberá ao Ministério Público assumir a titularidade do feito a ação houver sido originariamente proposta por qualquer dos legitimados concorrentes (art. 5º, §3º, LACP). Se, porém, a desistência houver sido levada a efeito pelo Ministério Público, duas correntes se propõem a solucionar a questão: a primeira, contanto com as opiniões de Gregório de Assagra, Nelson e Rosa Maria Nery[4], entende que caberá ao magistrado aplicar analogicamente a regra do art. 28, do Código de Processo Penal:

                        “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designara outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

                        A segunda corrente, por sua vez, encabeçada por Hugo Nigro Mazzilli[5] e Leonardo de Medeiros Garcia[6], discorda, entendendo pela aplicação da regra inserta no art. 9º, da LACP, que dispõe:

                      Art. 9º. Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamentos para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-as fundamentadamente.

                        §1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 03 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.

                        Princípio da presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação de direito coletivo: De acordo com o citado princípio, basta a afirmação de direito coletivo para que se presuma a legitimidade ad causam. Com relação ao Ministério Público, a aplicação do princípio decorre da própria Constituição, pois os arts. 127, caput, e 129, inciso III, atribuem legitimidade coletiva institucional, bastando se tratar de direito social para, naturalmente, restar configurada a legitimidade do parquet.

                        Princípio da não-taxatividade ou da atipicidade da ação coletiva: Por este princípio, não se pode limitar as hipóteses de cabimento de ação coletiva. Esse princípio está inserto no art. 129, III, do CF “outros interesses difusos e coletivos”, bem como nos arts. 5º, XXXV, da CF “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e 1º, IV, da LACP “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Dessa forma, limitações levadas a efeito tanto pela legislação infraconstitucional quanto pela jurisprudência são inconstitucionais.

                        Princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum: Por tal princípio, busca-se o aproveitamento máximo da prestação jurisdicional coletiva, a fim de se evitar novas demandas, principalmente as individuais que possuem a mesma causa de pedir. É o que se observa do sistema da extensão in utilibus da coisa julgada coletiva prevista no art. 103, § 3º, do CDC, em que fica garantido ao titular do direito individual, em caso de procedência da demanda coletiva, utilizar a sentença coletiva no seu processo individual (transporte in utilibus).

                        Princípio do ativismo judicial ou da máxima efetividade do processo coletivo: Este princípio refere-se ao novo papel a ser desempenhado pelos magistrados, como ensina a Douta Ada Pellegrini Grinover[1] “que nas demandas coletivas, o próprio papel do magistrado modifica-se, enquanto cabe a ele a decisão a respeito de conflitos de massa, por isso mesmo de índole política. Não há mais espaço, no processo moderno, para o chamado “juiz neutro”- expressão com que freqüentemente se mascarava a figura do juiz não comprometido com as instâncias sociais -, motivo pelo qual todas as leis processuais têm investido o julgador de maiores poderes de impulso.”

                        Princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva: Em decorrência desse princípio, são cabíveis todos os tipos de tutelas no direito processual coletivo: preventivas, repressivas, condenatórias, declaratórias, constitutivas, mandamentais, executivas latu sensu, cautelares etc. Da mesma forma, podem ser utilizados todos os ritos e medidas eficazes previstos no sistema processual.

                        Princípio da obrigatoriedade da execução coletiva: Previsto no art. 15 da LACP e no art. 16 da Lei da Ação Popular. Determina que, em havendo desídia dos outros legitimados ativos, caberá ao parquet a promoção da execução coletiva. Dessa forma, ajuizada a ação coletiva e julgada procedente, é dever do Estado (através do MP) efetivar o direito coletivo latu sensu. O autor é obrigado a executar a sentença proferida em ação coletiva em 60 dias, senão o MP o fará.

                        Principio da universalidade da jurisdição: Tem por objetivo atingir um número cada vez maior de pessoas e de situações jurídicas conflituosas. Sua finalidade só pode ser atingida a contento se partirmos da “ótica dos consumidores da justiça”, dando primazia para o tratamento coletivo e proibindo a fragmentação de litígios, mesmo que seja necessária a imposição legal e/ou controle judicial para tanto.

                        Princípio da Economia Processual: Segundo este princípio, o processo coletivo atinge a um só tempo os ideais de redução do custo econômico, em materiais e pessoas, bem como o de julgamentos uniformes para um grande número de situações conflituosas (concentrado), atendendo com mais facilidade os elevados propósitos determinados pelo principio.

                        Princípio da adequada representação: Este princípio está intimamente ligado ao principio da segurança jurídica, ao principio do devido processo legal coletivo bem como ao da efetividade da tutela coletiva. Nessa perspectiva, procura fazer com que esteja a classe/grupo/categoria bem representada nas demandas coletivas, quer dizer, por um legitimado ativo ou passivo que efetivamente exerça o direito coletivo em sua plenitude e guie o processo com boa técnica e probidade.

AS CATEGORIAS DE DIREITOS OU INTERESSES PREVISTOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

                        Dispõe o art. 81, do CDC:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I. Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II. Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III. Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

                        Pelo exposto, a sistemática do CDC abrange a defesa dos direitos dos consumidores de ordem individual e coletiva. Em seu Título III, intitulado “Da defesa do consumidor em juízo”, o código consumerista conceituou, de forma exclusiva, direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

                        Antes de passarmos a análise de cada uma das espécies de direitos ou interesses coletivos, é importante destacarmos a existência de divergência doutrinária a respeito da existência ou não de diferenças entre os termos “interesses” e “direitos” no plano da tutela coletiva.

                        Alguns autores preferem utilizar o termo “interesse”, argumentando que esta é mera pretensão; enquanto “direito” é a pretensão amparada pela ordem jurídica.[7]

                        Outros doutrinadores, por sua vez, prelecionam que os termos interesses e direitos foram utilizados como sinônimos, e que, a partir do momento em passam a ser amparados pelo direito, os interesses assumem o mesmo status de direitos, não havendo nenhum efeito prático ou jurídico na diferenciação.[8]

  1. Direitos Difusos

                        Segundo o mestre Antônio Gidi, o inciso I, do art. 81, do CDC, (interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato) apresenta três características dos interesses difusos: Titularidade do direito:

  1. titulares indetermináveis;
  2. Divisibilidade do direito: direitos ou interesses indivisíveis;
  3. Origem do direito: titulares ligados por uma circunstância de fato.

                        No tocante à titularidade do direito ou interesse, os direitos difusos são direitos que não dizem respeito a apenas uma pessoa, mas sim à coletividade de um número tão significativo de componentes que não podem ser identificados ou determinados.

                        No magistério sempre brilhante de Hugo Nigro Mazzilli, os direitos difusos “são como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato.”[9]

                        Com relação à segunda característica, sua indivisibilidade, resulta da sua própria natureza. A indivisibilidade do direito material justifica-se porque os direitos difusos pertencem a todos os titulares simultânea e indistintamente. Dessa forma, uma única ofensa é capaz de propiciar lesão a todos os componentes da coletividade, a cessação dessa ofensa beneficia a todos, indistintamente.

                        Assim, por exemplo: o interesse ao meio ambiente hígido, posto compartilhado por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificado ou dividido entre os membros da coletividade; também o produto da eventual indenização obtida em razão da

  1. Divisibilidade do direito: direitos ou interesses indivisíveis;
  2. Origem do direito: titulares ligados por uma circunstância de fato.

                        No tocante à titularidade do direito ou interesse, os direitos difusos são direitos que não dizem respeito a apenas uma pessoa, mas sim à coletividade de um número tão significativo de componentes que não podem ser identificados ou determinados.

                        No magistério sempre brilhante de Hugo Nigro Mazzilli, os direitos difusos “são como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontram unidas por circunstâncias de fato.”[10]

                        Com relação à segunda característica, sua indivisibilidade, resulta da sua própria natureza. A indivisibilidade do direito material justifica-se porque os direitos difusos pertencem a todos os titulares simultânea e indistintamente. Dessa forma, uma única ofensa é capaz de propiciar lesão a todos os componentes da coletividade, a cessação dessa ofensa beneficia a todos, indistintamente.

                        Assim, por exemplo: o interesse ao meio ambiente hígido, posto compartilhado por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificado ou dividido entre os membros da coletividade; também o produto da eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio objeto do interesse em si mesmo é indivisível. Destarte, estão incluídos no grupo lesado não só os atuais moradores da região atingida como também os futuros moradores do local, mas também, as gerações futuras, que também suportarão os efeitos da degradação ambiental.

                        Com efeito, como individualizar as pessoas lesadas como derramamento de grandes quantidades de petróleo na Baía da Guanabara, ou com a devastação da Floresta Amazônica? Como determinar exatamente quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma propaganda enganosa, divulgada pelo rádio ou pela televisão?

                        Barbosa Moreira, com a maestria que lhe era peculiar, nos ensina que “há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a `quota` de um e começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todos; e; reciprocamente, a lesão de um constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade.”[11]

                        Por fim, em relação à origem do direito, os titulares dos direitos difusos estão unidos por uma circunstância fática. Não há relação jurídica base entre os titulares dos direitos ou com a parte contrária. A circunstância que une os titulares reside justamente no fato de que todos são atingidos pela ofensa (circunstância fática).

2. Direitos Coletivos

                        Segundo o inciso II, do art. 81, do CDC: “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”

                        Do referido inciso, extraem-se as seguintes características dos direitos coletivos:

  1. Titularidade do direito: titulares determináveis;
  2. Divisibilidade do direito: direitos ou interesses indivisíveis;
  3. Origem do direito: titulares ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.

                       Com relação à titularidade do direito, os direitos coletivos são aqueles que, ao contrário dos direitos difusos, seus titulares são determináveis, justamente porque possuem entre si ou com a parte contrária uma relação jurídica-base anterior (origem do direito). O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de afirmar que “a indeterminabilidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinabilidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos” (STF, RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, p. 29/06/01). Um bom exemplo desse caso é o direito contra o reajuste abusivo das mensalidades escolares, em que somente os alunos (e pais) são afetados. Vê-se que é perfeitamente possível determinar quais são os titulares, em razão da relação jurídica-base anterior (relação dos alunos e pais com a escola).

                        Decidiu, a propósito, o STJ: “1. As Turmas que compõem a 2ª Seção deste Tribunal são competentes para decidir questões relativas a reajustes de mensalidades escolares por estabelecimentos de ensino particular. Precedentes da Corte Especial. 2. O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública para impedir a cobrança antecipada e a utilização de índice ilegal no reajuste das mensalidades escolares, havendo, nessa hipótese, interesse coletivo definido no art. 81, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. 3. A atuação do Ministério Público justifica-se, ainda, por se tratar de direito à educação, definido pela própria Constituição Federal como direito social” (STJ, REsp. 138.583, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T., p. 13/10/98).

                        Ainda na seara jurisprudencial, o STJ pacificou sua jurisprudência no sentido de que o “Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública para proteger interesses coletivos” (STJ, REsp. 169.876, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., p. 21/09/98). Mais recentemente decidiu-se: “A cobrança unilateral do serviço denominado “proteção adicional” aos proprietários de cartão de crédito confere legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública, na apuração de pretensa ilicitude, diante da existência do interesse coletivo, conforme estatuído pelo art. 129, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, combinado com os arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, com o fito de salvaguardar os direitos (interesses) difusos, coletivos e individuais homogêneos (STJ, REsp. 556.618, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T., p. 16/08/04).

                        Impende destacar que a relação jurídica base pode se dar entre os membros do grupo, categoria ou classe (membros de uma determinada associação ou pertencentes ao mesmo sindicato) ou com a parte contrária (como no exemplo dado acima, os estudantes em relação à determinada escola). Ademais, a relação jurídica-base necessita ser anterior à lesão (caráter de anterioridade) e não nascida com a própria lesão. Assim, considerando os exemplos dados, a publicidade enganosa também cria uma ligação entre os interessados, só que esta é verificável no momento em que a publicidade é exposta, ou seja, no momento da lesão. Antes da exposição não existia qualquer ligação entre os componentes da coletividade, nem tampouco com o fornecedor que veiculou a publicidade. Os interessados se unem justamente pela circunstância fática que acarreta a lesão.

                        Válidas são as observações de Ada Pellegrine Grinover, que com clareza, prescreve: “o que distingue os interesses difusos dos coletivos, no sistema do Código, é o elemento subjetivo, porquanto nos primeiros inexiste qualquer vínculo jurídico que ligue os membros do grupo entre si ou com a parte contrária, de maneira que os titulares dos interesses difusos são indeterminados e indetermináveis, unidos apenas por circunstâncias de fato (como morar na mesma região, consumir os mesmos produtos, participar das mesmas atividades empresariais). Nos interesses coletivos, ao contrário, tem-se um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica-base instituída entre elas (como acontece, por exemplo, quanto aos membros de uma associação) ou com a parte contrária (como nas relações tributárias, em que cada contribuinte é titular de uma relação jurídica com o fisco).[12]

                        Por fim, em relação à divisibilidade do direito, assim como nos direitos difusos, também está presente a indivisibilidade, ou seja, o direito ou interesse é insuscetível de ser dividido em quotas ou parcelas. Do mesmo modo, a lesão ou a satisfação do direito prejudicará ou atenderá, simultaneamente, o interesse de todos os titulares.

3. Direitos Individuais Homogêneos

                        Estabelece o inciso III, do art. 81, do CDC: “interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” Não se trata, portanto, de interesses ou direitos ontologicamente coletivos, mas apenas ocasionalmente coletivos. Neste inciso, temos interesses individualizados, porém, como numericamente são múltiplos os titulares, é conveniente para a ordem jurídica e para a sociedade que a defesa deles se processe nos moldes coletivos.

                        Da redação do inciso III, podemos extrair as seguintes características dos direitos individuais homogêneos:

a) Titularidade do direito: titulares determinados ou determináveis;

b) Divisibilidade do direito: interesses ou direitos divisíveis;

c) Origem do direito: titulares ligados entre si por uma situação de fato ou de direito comum.

                       Assim sendo, os direitos individuais homogêneos são aqueles cujo objeto pode ser plenamente dividido (divisibilidade do direito) e cujos titulares são perfeitamente identificáveis (titularidade do direito). Não existe, por regra, qualquer vínculo jurídico ou relação jurídica-base anterior, ligando-os. O que caracteriza um direito individual como homogêneo é a origem comum (origem do direito). A relação que se forma com a parte contrária decorre somente da lesão sofrida. Cuida-se de uma versão brasileira da chamada class action americana. A homogeneidade decorrente da origem comum faz surgir, em princípio, a possibilidade de defesa de forma coletiva.

                        O preclaro Barbosa Moreira esclarece o ponto: “não fica excluída a priori a eventualidade de funcionarem os meios de tutela em proveito de uma parte deles, ou até de um único interessado, nem a de desembocar o processo na vitória de um ou de alguns e, simultaneamente, na derrota de outro ou de outros. O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do impacto de massa.[13]

                        Exemplo disto é o direito dos indivíduos que sofreram danos em decorrência da colocação de produto estragado no mercado. Ou seja, em razão dos danos causados pelo produto estragado (origem comum), surge a homogeneidade dos direitos individuais de vários consumidores que foram lesados. Estes consumidores são pessoas determinadas ou determináveis que estão na mesma circunstância de fato (adquiriram produto estragado) e são titulares de interesses divisíveis (reparação do dano a cada um dos compradores). Trazendo o caso em apreço para os moldes da lição de Barbosa Moreira, podemos dizer que se trata de direitos subjetivos individuais tratados de forma coletiva, por serem homogêneos em razão da origem comum, mas, diferentemente das categorias anteriores (difusos e coletivos strictu sensu), não são essencialmente coletivos e sim acidentalmente coletivos.

                        Para a ilustre Professora Ada Pellegrine Grinover, a origem comum (causa) pode ser próxima ou remota. A origem comum próxima (ou imediata) aconteceria, por exemplo, no caso da queda de avião, vitimando diversas pessoas. Já a origem comum remota (ou mediata), aconteceria, por exemplo, no caso de dano à saúde imputado a produto potencialmente nocivo, que pode ter tido como causa próxima as condições pessoais ou o uso inadequado. Dessa forma, quanto mais remota for a causa, menos homogêneo serão os direitos individuais, concluindo que a origem comum quando remota ou mediata, pode não ser suficiente para caracterizar a homogeneidade.

                        Kazuo Watanabe traz à luz um exemplo elucidativo sobre a questão: “no consumo de um produto potencialmente nocivo, por exemplo, pode inexistir homogeneidade de direitos entre um titular vitimado exclusivamente por esse consumo e outro, cujas condições pessoais de saúde lhe causariam um dano físico, independentemente da utilização do produto, ou que fez deste uso inadequado. Ou seja, pode inexistir homogeneidade  entre situações  de fato ou de direito sobre as quais as características pessoais de cada um atuam de modo completamente diferente.” [14]

                        A Professora Ada Pellegrine ainda aponta dois requisitos necessários para a tutela dos direitos individuais homogêneos, quais sejam: a predominância das questões comuns sobre as individuais e a utilidade da tutela coletiva no caso concreto. [15]

                        Para a referida autora, o primeiro requisito serve para aferir se efetivamente os direitos individuas são, ou não, homogêneos. Assim, ainda que possuam origem comum, mas prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos não são homogêneos e sim heterogêneos, não se admitindo, portanto, a tutela coletiva, por falta de possibilidade jurídica do pedido. O segundo requisito está relacionado ao interesse de agir e à efetividade do processo. Se o provimento jurisdicional resultante da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos não possuir eficácia, a ação coletiva não se demonstrará útil e adequada à proteção dos direitos.

                        A professora Ada exemplifica: “ora, a prova do nexo causal pode ser tão complexa, no caso concreto, que tornará praticamente ineficaz a sentença condenatória genérica do art. 95, a qual só reconhece a existência do dano geral. Nesse caso, a vítima ou seus sucessores deverão enfrentar um processo de liquidação tão complicado quanto uma ação condenatória individual, até porque ao réu devem ser asseguradas as garantias do devido processo legal, e notadamente o contraditório e a ampla defesa. E a via da ação coletiva terá sido inadequada para a obtenção da tutela pretendida.”  [16]

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                        Muito se discutiu em doutrina se os direitos individuais homogêneos seriam, ou não, direitos coletivos. Pondo fim a divergência, o Egrégio Supremo Tribunal Federal decidiu (RE 163.231-3/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 29/06/2001) que os direitos individuais homogêneos são uma subespécie de direitos coletivos: “Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base. Indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, strictu sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.”

                        Nelson Nery chama a atenção para a necessidade de delimitação do objeto litigioso, no caso concreto, posto que o mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva e individual. Exemplificando a respeito, o autor cita o caso do acidente com o barco Bateau Mouche IV, que ocorreu no Rio de Janeiro, no final do ano de 1988, que poderia abrir oportunidade para a propositura de ação individual por uma das vítimas do evento (direito individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizadas por entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de fazer movida por associação de empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), além de ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). [17]

                        Conclui-se, portanto, que um mesmo fato pode gerar direitos de diversas naturezas e somente com a apreciação da tutela jurisdicional pretendida é que se poderá aferir diante de qual direito ou interesse se está a tutelar, se difuso, coletivo ou individual homogêneo ou se todos eles conjuntamente.

  1. Jurisprudência sobre o tema

                        Por fim, impende colacionar alguns recortes jurisprudenciais relativos à matéria em estudo:

  • Ilegitimidade do MP para ajuizar ação civil pública relativa a benefício previdenciário: tratando-se de interesses individuais, cujos titulares não podem ser enquadrados na definição de consumidores, tampouco sua relação com o instituto previdenciário considerada relação de consumo, é inviável a defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública. O benefício previdenciário traduz direito disponível. Refere-se à espécie de direito subjetivo, ou seja, pode ser abdicado pelo respectivo titular, contrapondo-se ao direito indisponível, que é insuscetível de disposição ou transação por parte do seu detentor. Em conclusão, não há que se confundir ou transmutar o vínculo jurídico existente entre a Autarquia Previdenciária e os seus beneficiários, com outras relações inerentes e típicas de consumo, pois a natureza e particularidades de uma não se confundem com a outra. (STJ, EDcl no REsp 419187/PR; Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., J. 14/10/2003, DJ. 24/11/2003).
  • Legitimação nos direitos individuais homogêneos – substituição processual: as entidades sindicais têm legitimidade ativa para demandar em juízo a tutela de direitos subjetivos individuais dos integrantes da categoria, desde que se tratem de direitos homogêneos e que guardem relação de pertencialidade com os fins institucionais do sindicato demandante. A legitimação ativa, nesses casos, se opera em regime de substituição processual, visando a obter sentença condenatória de caráter genérico, nos moldes da prevista no art. 95, da lei nº 8.078/90, sem qualquer juízo a respeito da situação particular dos substituídos, dispensando, nesses limites, a autorização individual dos substituídos. (STJ, REsp 487202/RJ; Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T, J. 06/05/2004, DJ. 24/05/2004).
  • Declaração de nulidade de cláusula: ação civil pública intentada pelo Ministério Público contra construtora, “pleiteando a declaração de nulidade de cláusula contratada de correção monetária de periodicidade inferior a um ano”. (STJ, REsp nº 146493/MG, J. 06/11/2000, p. 198, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 03/02/2000, 3ª T.)
  • Propaganda enganosa: A proibição de captação de novos contratos e de produção de propaganda enganosa constituem interesses difusos, uma vez que se tenha em mira a tutela de interesses transindividuais, de natureza indivisível, de pessoas indeterminadas ligadas transitoriamente por circunstâncias fáticas. (REsp nº 49.272-6-RS; STJ; Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 17/10/1994).
  • Planos de assistência médica e hospitalar: É cabível ação civil pública para requerer a suspensão de cobrança à maior de prêmios de seguro-saúde. Em tal caso, o interesse a ser defendido não é de natureza individual, mas de todos os consumidores lesados que pactuaram com as empresas de seguro-saúde. (REsp nº 286732/RJ, n.; STJ, 3ª T.; Rela. Mina. Nancy Andrighi; J. 09/10/2001; DJU 12/11/2001, p. 152).
  • Mensalidades Escolares: O Ministério Público, como já está bem assentado em precedentes de ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção, tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública com o fim de impedir a cobrança abusiva de mensalidades escolares, presente o art. 21, da Lei nº 7.347/85. REsp nº 239960-ES, Um.; STJ, 3ª T.; Rel. Min. Carlos Alberto MenezesDireito; J. 19/04/2001; DJU 18/06/2001).
  • Imóveis – aquisição: Processual civil. Ação coletiva. Cumulação de demandas. Nulidades de cláusula de instrumento de compra e venda de imóveis. Juros, indenização dos consumidores que já aderiram aos referidos contratos. Obrigação de não fazer da construtora. Proibição de fazer constar nos contratos futuros. (EDiv em REsp nº 141.491-SC; STJ, CE; Rel. Min. Waldemar Zveiter; J.17/11/1999, DJU 01/08/2000, p. 182).
  • Empréstimo compulsório sobre o consumo de combustíveis: O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) não tem legitimidade ativa para ingressar com ação civil pública de responsabilidade civil, por danos provocados a interesses individuais homogêneos, contra a União Federal, objetivando obrigar esta a indenizar todos os contribuintes do empréstimo compulsório sobre combustíveis, instituído pelo Dec. Lei 2.288/1986. Os interesses e direitos individuais homogêneos somente hão de ser tutelados pela via da ação coletiva, há hipótese em que os seus titulares sofrerem danos como consumidores. O contribuinte do empréstimo compulsório sobre o consumo de álcool e gasolina não é consumidor, no sentido da lei, desde que nem adquire, nem utiliza produto ou serviço, como destinatário (ou consumidor) final e não intervém em qualquer relação de consumo. Contribuinte é o que arca com o ônus do pagamento do tributo e que, em face do nosso direito, dispõe de uma gama de ações para a defesa de seus direitos, quando se lhe exige imposto ilegal ou inconstitucional. (STJ, 1ª T., REsp nº 97455/SP, Rel. Min. Demócrito  Reinaldo, J. 10.12.1996, Un., DJU 10/03/1997, p. 05903).
  • Dever de informação por parte de estabelecimento escolar: O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública contra estabelecimento escolar, atendendo à representação da associação de pais de alunos, para a defesa do interesse de receber informação adequada e indenização por danos. (STJ, 4ª T., REsp nº 94810/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. J.17/06/1997, Um., DJU 18/08/1997).
  • Consumidor X Contribuinte: Contribuinte e consumidor não se equivalem; o Ministério Público está legalmente autorizado a promover a defesa dos direitos do consumidor, mas não do contribuinte (REsp nº 173.294-SP, Un.; STJ, 2ª T.; Rel. Min. Francisco Peçanha Martins; J. 17/08/00; DJU 18/09/00).
  • Bancos – cadernetas de poupança – possibilidade da ação civil pública: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de depósito em caderneta de poupança firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. A ação civil pública é o instrumento adequado para a defesa dos interesses individuais homogêneos dos consumidores. (REsp nº 121067-PR, Um.; STJ, 4ª T.; Rel. Min. Barros Monteiro; J. 17/04/2001; DJU 25/06/2001).

LEGITIMIDADE

Sumário: 1. Legitimidade Ativa. 2. Interesse Social. 3. Legitimidade dos Procons. 3.1. Os Procons e a Legitimidade Passiva. 4. Legitimidade das Associações. 5. Legitimidade Das Defensorias Públicas. 6. Legitimidade da OAB. 7. Legitimidade dos Partidos Políticos. 8. Ação Coletiva Passiva ou Defendant Class Action.

  1. LEGITIMIDADE ATIVA

                                    Reza o art. 82, do CDC: Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

                            I – O Ministério Público;

                            II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

                            III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;

                            IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

                            § 1º o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

                            § 2º (Vetado).

                            § 3º (Vetado).

                            Para se aferir quem são os legitimados a ingressar com as ações coletivas, é necessário compreender o que vem a ser representatividade adequada. Portanto, vejamos: a representatividade adequada significa a relação que deverá existir entre aquele que pretede realizar a defesa e o direito coletivo que será tutelado. Portanto, com base na doutrina das class actions americanas, somente as pessoas, órgãos ou entes que dotados de representatividade adequada são habilitados a atuarem como legitimados ativos nas ações coletivas.

                            A doutrina nacional reconhece dois sistemas para se aferir a ocorrência da representatividade adequada, quais sejam: sistema “ope judicis” e o sistema “ope legis”.

                            Pelo sistema ope judicis, adotado pela class action americana, a legitimidade será aferida em cada caso concreto pelo juiz competente para o julgamento da causa. Nesse sistema não há um rol previamente estabelecido pela lei. Portanto, é diante do caso concreto que o juiz analisará se o possível legitimado possui algum vínculo com o direito coletivo que pretende defender.

                            No sistema ope legis, por sua vez, os legitimados para as ações coletivas são determinados previamente pela lei. A condição de representante adequado é estabelecida pelo legislador. Este é o sistema adotado pelo Brasil, conforme a dicção dos arts. 82, do CDC e 5º, da LACP. Dessa forma, ocorre verdadeira presunção legal de representatividade adequada.

                            Não obstante a opção legal pelo sistema da ope legis, a doutrina e jurisprudência nacionais passaram a analisar, em cada caso concreto, se os entes legitimados estabelecidos pela lei possuíam relação com o objeto da ação coletiva. Ou seja, a jurisprudência apenas exige um nexo temático entre o legitimado e a matéria tutelado (“pertinência temática”), como forma de ao menos especificar a legitimidade no caso concreto.

                            Assim, caso seja verificada a eventual inadequação do representante, em qualquer momento do processo, deverá o magistrado providenciar sua substituição, notificando o Ministério Público ou convocando outros legitimados adequados por edital, para, querendo, assumirem a titularidade da ação. Dessa forma, deverá ser evitada a extinção do processo coletivo, sem exame do mérito, por falta de legitimação coletiva.

                            Para o STF e o STJ a legitimidade prevista no art. 82, do CDC, é extraordinária (substituição processual), pois os legitimados concorrentes ali enumerados defendem em juízo, em nome próprio, direito alheio.[18]

                            Não obstante o art. 82, § 2º, do CDC, que previa o litisconsórcio entre Ministério Público Federal, Estadual e do Distrito Federal, tenha sido vetado, em virtude do art. 113, do CDC, ter introduzido o art. 5, na LACP, o veto tornou-se inócuo, admitindo a jurisprudência, a integração entre os ramos do parquet na defesa do consumidor:

                            “O Ministério Público é órgão uno e indivisível, antes de ser evitada, a atuação conjunta deve ser estimulada. As divisões existentes na Instituição não obstam trabalhos coligados. É possível o litisconsórcio facultativo entre órgãos do Ministério Público Federal e Estadual/Distrital.” (STJ, REsp 382659/RS, Rel. Min, Humberto Gomes de Barros, DJ 19/12/2003).”

            Conforme decidido pelo Egrégio STJ: “1. O Ministério Público Federal está legitimado a recorrer à instância especial nas ações ajuizadas pelo Ministério Público Estadual. 2. O MP está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público. 3. Questão referente a contrato de locação, formado como contrato de adesão pelas empresas locadoras, com exigência da Taxa Imobiliária para inquilinos, é de interesse público pela repercussão das locações na sociedade.” (STJ, EDiv, em REsp. 114.908, Rel. Min. Eliana Calmon, p. 20/05/02).

                            Assim, a delimitação das funções de cada Ministério não está constitucionalmente vinculada à competência dos órgãos judiciais, sendo objeto das leis complementares. A LC 75/93 (art. 37, II) é explícita ao anunciar o exercício das funções ministeriais federais nas causas de quaisquer juízes ou tribunais.

                            A previsão do art. 5°, § 5º, da Lei 7.347/85, revela nitidamente a possibilidade de o Ministério Público poder demandar em justiça que não lhe seria correspondente. Esse tipo de litisconsórcio é facultativo e unitário; e como tal exige que cada um dos litisconsortes, sozinho, tenha legitimidade para demandar o mesmo pedido. Se assim não fosse, o Ministério Público Estadual ficaria na dependência da atuação do MPF, que, se não agisse, impediria aquele de exercer as suas atribuições contra um ente federal.[19]

                        Dessa forma, pode ser admitido litisconsórcio ativo facultativo entre o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho em ação civil pública que vise tutelar pluralidade de direitos que legitimem a referida atuação conjunta em juízo. Nos termos do art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/1985: “Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei”. Além disso, à luz do art. 128 da CF, o Ministério Público abrange: o Ministério Público da União, composto pelo Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos Estados. Assim, o litisconsórcio ativo facultativo entre os ramos do Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados, em tese, é possível, sempre que as circunstâncias do caso recomendem, para a propositura de ações civis públicas que visem à responsabilização por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, bem como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive de natureza trabalhista. REsp 1.444.484-RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 18/9/2014. 1ª Turma.

     1. 1. Interesse Social

                            A jurisprudência tem entendido que haverá legitimação para a atuação do Ministério Público, por intermédio das ações coletivas, desde que os direitos individuais homogêneos ostentem caráter de relevante interesse social.

                             Esse entendimento é fruto de uma interpretação integrada das disposições da Carta Magna e das Leis nº 7.347/85 e 8.078/90, ensejando a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, quer indisponíveis quer disponíveis. No caso dos direitos individuais homogêneos disponíveis, exige-se que seja flagrante e indiscutível, no caso concreto, a relevância social (interesse social), determinante da tutela coletiva, de modo a inseri-los, em última análise, na concepção dos direitos difusos e coletivos.

                            Nessa senda, claudica Hugo Nigro Mazzilli: “a atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de interesses difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que:

  1. Haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, ainda que potencial;
  2. Seja acentuada a relevância social do bem jurídico a ser defendido;
  3. Esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico, cuja preservação aproveite à coletividade como um todo. (...)

                           Assim, se a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo convier à coletividade como um todo, deve o Ministério Público assumir sua tutela. Mas, nos casos de interesse de pequenos grupos, sem característica de indisponibilidade ou sem suficiente expressão ou abrangência social, não se justificará a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público. Não se exige a indisponibilidade do interesse nem a hipossuficiência econômica do grupo lesado; para que sua defesa seja assumida pelo Ministério Público, exige-se apenas que tenha ela relevância social.”[1]

                            Nesse propósito, já teve o STJ oportunidade de consignar que:

                            “o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos presentes nos contratos de compra e venda de imóveis de conjuntos habitacionais, pelo sistema financeiro de habitação, uma vez evidenciado interesse social relevante de defesa da economia popular. Precedentes.” (STJ, REsp. 404.239, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., p. 19/12/02)

                            “os estabelecimentos bancários, prestadores de serviços, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, são obrigados a atender as requisições do Ministério Público, que não resultem em quebra de sigilo bancário.” (STJ, HC, 5.287, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., j. 04/03/97).

                            O STF, por sua vez, consignou:

                            “o Ministério Público possui legitimidade ativa para propor ação civil pública na hipótese de direitos individuais homogêneos, havendo relevante interesse social em jogo – no caso, direito de certidão parcial de tempo de serviço diante da recusa da autarquia previdenciária.” (STF, RE 472.489, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12/07).

                          A tutela dos direitos e interesses de beneficiários do seguro DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, nos casos de indenização paga, pela seguradora, em valor inferior ao determinado no art. 3º da Lei 6.914/1974, reveste-se de relevante natureza social (interesse social qualificado), de modo a conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para defendê-los em juízo mediante ação civil coletiva. Essa a conclusão do Plenário, que proveu recurso extraordinário no qual discutida a legitimidade do “Parquet” na referida hipótese. O Colegiado assinalou ser necessário identificar a natureza do direito material a ser tutelado, uma vez que o art. 127 da CF (“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”) refere-se a “interesses sociais e individuais indisponíveis” e o art. 129, III, da CF (“São funções institucionais do Ministério Público: ... III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”), a “interesses difusos e coletivos”. Estabeleceu que “direitos ou interesses difusos e coletivos” e “direitos ou interesses individuais homogêneos” seriam categorias de direitos ontologicamente diferenciadas, de acordo com a conceituação legal (Lei 8.078/1990 - CDC, art. 81, parágrafo único). Asseverou que direitos difusos e coletivos seriam direitos subjetivamente transindividuais — porque de titularidade múltipla, coletiva e indeterminada — e materialmente indivisíveis. Frisou que a ação civil pública, regulada pela Lei 7.347/1985, seria o protótipo dos instrumentos destinados a tutelar direitos transindividuais. Nesses casos, a legitimação ativa, invariavelmente em regime de substituição processual, seria exercida por entidades e órgãos expressamente eleitos pelo legislador, dentre os quais o Ministério Público. Destacou que a sentença de mérito faria coisa julgada com eficácia “erga omnes”, salvo se improcedente o pedido por insuficiência de prova. Em caso de procedência, a sentença produziria, também, o efeito secundário de tornar certa a obrigação do réu de indenizar os danos individuais decorrentes do ilícito civil objeto da demanda. A execução, na hipótese, também invariavelmente em regime de substituição processual, seguiria o rito processual comum, e eventual produto da condenação em dinheiro reverteria ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. RE 631111/GO, rel. Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014 (RE-631111).

                          Assim, é o interesse social que passa a ser “o divisor de águas” entre o direito individual considerado em sua dimensão particular e aquele observado sob a ótica coletiva, legitimando a defesa pelo Ministério Público.

   1.2. Legitimidade dos Procons

                            Durante certo tempo, a doutrina e jurisprudência se debruçaram em tentar responder a seguinte questão: os Procons podem propor ações coletivas em prol dos consumidores?

                            A pergunta tem recebido resposta positiva. Dessa forma, o fato de o Procon ser um ente público sem personalidade jurídica não o impede de ajuizar ação com o fito de defender os direitos dos consumidores. Tal legitimidade se confirma ainda mais, quando consideramos que o fim precípuo do referido ente é a defesa do consumidor.

                            O STJ afirmou que: “O PROCON – Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, por meio da Procuradoria Geral do Estado, tem legitimidade ativa para ajuizar ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos, assim considerados aqueles direitos com origem comum, divisíveis na sua extensão, variáveis individualmente, com relação ao dano ou à sua responsabilidade. São direitos ou interesses individuais que se identificam em função de origem comum, a recomendar a defesa coletiva, isto é, a defesa de todos os que estão presos pela mesma origem. No caso, o liame está evidenciado, alcançando os candidatos a inquilinos que são cobrados de taxas indevidas.” (STJ, REsp. 200.827, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. 3ª T., p. 09/12/02)

             1.3. Os Procons e a legitimidade passiva

            Embora os Procons tenham capacidade postulatória, não poderão figurar no pólo passivo das lides. É o que vem decidindo o STJ: “No entanto, pela interpretação dos referidos artigos do Código Consumerista e do art. 5º, inciso XXXII, da

CF/88, bem como de acordo com a doutrina pátria, ainda que tenham capacidade postulatória ativa, os PROCONS não podem figurar no pólo passivo das lides, eis que desprovidos de personalidade jurídica própria, mormente não extensível à legitimação passiva a regra prevista na Lei nº 8.078/90.” (STJ, REsp. 788.006, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., p. 25/05/06.

                1.4. Associações        

                            Dispõe o art. 82, IV: “as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.” No caso em apreço, temos pessoas jurídicas de direito privado, entre cujos fins institucionais está a defesa dos interesses e direitos dos consumidores. O CDC dispensa a autorização assemblear com vistas a evitar maiores burocracias para a defesa de tais direitos em juízo. Dessa forma, o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, por exemplo, poderá propor ação civil pública em defesa dos consumidores.

                            Conforme contempla o § 1º, do art. 82, o requisito da pré-constituição pode ser dispensado, diante do caso concreto, desde que o interesse social seja evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico tutelado.

                            Em contrapartida, a exigência de pré-constituição visa obstar a propositura de demandas oportunistas e movidas por interesses políticos ou comerciais, sem nenhuma base social.


                                         No entanto, a autorização estatutária genérica conferida a associação não é suficiente para legitimar a sua atuação em juízo na defesa de direitos de seus filiados, sendo indispensável que a declaração expressa exigida no inciso XXI do art. 5º da CF (“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”) seja manifestada por ato individual do associado ou por assembleia geral da entidade. Por conseguinte, somente os associados que apresentaram, na data da propositura da ação de conhecimento, autorizações individuais expressas à associação, podem executar título judicial proferido em ação coletiva.

                           Com base nesse entendimento, o Plenário do STJ, por votação majoritária, proveu recurso extraordinário no qual se discutia a legitimidade ativa de associados que, embora não tivessem autorizado explicitamente a associação a ajuizar a demanda coletiva, promoveram a execução de sentença prolatada em favor de outros associados que, de modo individual e expresso, teriam fornecido autorização para a entidade atuar na fase de conhecimento.

                            Em preliminar, ante a ausência de prequestionamento quanto aos artigos 5º, XXXVI, e 8º, III, da CF, o Tribunal conheceu em parte do recurso. No mérito, reafirmou a jurisprudência da Corte quanto ao alcance da expressão “quando expressamente autorizados”, constante da cláusula inscrita no mencionado inciso XXI do art. 5º da CF. Asseverou que esse requisito específico acarretaria a distinção entre a legitimidade das entidades associativas para promover demandas em favor de seus associados (CF, art. 5º, XXI) e a legitimidade das entidades sindicais (CF, art. 8º, III). O Colegiado reputou não ser possível, na fase de execução do título judicial, alterá-lo para que fossem incluídas pessoas não apontadas como beneficiárias na inicial da ação de conhecimento e que não autorizaram a atuação da associação, como exigido no preceito constitucional em debate. Ademais, a simples previsão estatutária de autorização geral para a associação seria insuficiente para lhe conferir legitimidade. Por essa razão, ela própria tivera a cautela de munir-se de autorizações individuais.

                        O STJ decidiu ainda, que quando houver sintomas de que a legitimação coletiva vem sendo utilizada de forma indevida ou abusiva, o magistrado poderá, de ofício, afastar a presunção legal de legitimação de associação regularmente constituída para propositura de ação coletiva. REsp 1.213.614-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1º/10/2015, DJe 26/10/2015. 4ª Turma.

                   1.5. Legitimidade das Defensorias Públicas

                            Muito se discutiu em doutrina e jurisprudência acerca da legitimidade das Defensorias Públicas no âmbito das ações coletivas. Por fim, fixou-se o entendimento de que as Defensorias podem propor ações civis públicas ou coletivas, em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos de pessoas que se encontrem na condição de necessitados, ou seja, de pessoas que tenham insuficiência de recursos para custear a defesa individual, mesmo que, com isso, em matéria de interesses difusos (que compreende grupos indetermináveis de lesados), possam ser indiretamente beneficiadas terceiras pessoas que não se encontrem na condição de deficiência econômica. No tocante à defesa de direitos coletivos ou direitos individuais homogêneos (que compreendem grupos determináveis de pessoas lesadas), é mister que os beneficiários da ação sejam pessoas necessitadas, para que possam ser defendidas pela Defensoria Pública.

                          Recentemente no julgamento do EREsp 1.192.577-RS, o STJ decidiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos.
                                     Segundo o Egregio Superior Tribunal, a atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e a defesa dos necessitados econômicos. Entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos. A expressão "necessitados" prevista no art. 134, caput, da CF/88, que qualifica e orienta a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo. Assim, a Defensoria pode atuar tanto em favor dos carentes de recursos financeiros como também em prol do necessitado organizacional (que são os "hipervulneráveis").

                  1.6. Legitimidade da OAB

                            Enquanto órgão encarregado da representação e defesa da classe dos advogados, a Ordem dos Advogados do Brasil também recebeu da lei legitimação para propor ações civis públicas e coletivas. Essas ações envolverão verdadeira substituição processual da classe, e ora serão propostas pelo seu Conselho Federal, ora pelos presidentes dos Conselhos e das Subseções da entidade.[20]

                 1.7. Legitimidade dos Partidos Políticos

                            Segundo a Constituição Federal, os partidos políticos têm políticos têm personalidade jurídica na forma da lei civil. Podem ajuizar ações civis públicas ou coletivas, desde que em defesa dos interesses transindividuais de seus membros ou em defesa ds próprias finalidades institucionais.

               Ação Coletiva Passiva ou Defendant Class Action

                            Na lição de Fredie Didier, ocorre a ação coletiva passiva quando “um agrupamento humano (titular do direito coletivamente considerado) for colocado como sujeito passivo de uma relação jurídica afirmada na petição inicial – formula-se demanda contra os interesses de uma dada comunidade, coletividade ou grupo de pessoas. Os direitos afirmados pelo autor da demanda coletiva podem ser individuais ou coletivos (latu sensu) – nessa última hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses envolve duas comunidades distintas.” [21]

                          Admitido o ajuizamento da ação coletiva passiva, poderia uma indústria propor ação com o fito de declarar que seu produto não é defeituoso e que por isso não causa danos; ou, certa empresa poderia ajuizar ação com o propósito de ver reconhecido que determinada cláusula contratual não é abusiva; ou ainda, uma empresa poderia propor ação declaratória para reconhecer a regularidade ambiental de seu projeto, caso ganhasse, evitaria futura ação coletiva contra ela, de outro, se perdesse, desistiria de implantar o projeto, economizando dinheiro e sem prejudicar o meio-ambiente.[22] [23]

                            No entanto, a maioria da doutrina e a jurisprudência não admitem as defendant class actions, criação norte americana, sob o argumento de que o ordenamento nacional, sobretudo o art. 82, do CDC, não autoriza que os legitimados concorrentes legalmente previstos atuem no pólo passivo. Leonardo de Medeiros Garcia sustenta que, admitindo-se as ações coletivas passivas, o contraditório e a ampla defesa, de estatura constitucional, não seriam devidamente respeitados, posto que a sentença prolatada nos autos de tal processo prejudicaria um individuo sem que o mesmo pudesse lançar mão dos recursos inerentes àqueles princípios constitucionais.[24] Além disso, mesmo se fosse possível o ajuizamento da ação coletiva passiva, existiria o problema da identificação do representante adequado, já que não há previsão legislativa neste sentido. Fora que, o regramento da coisa julgada coletiva não poderia prejudicar os direitos individuais, tendo em vista o regime da extensão in utilibus da coisa julgada às situações jurídicas individuais, conforme o art. 103, do CDC. Antônio Gidi, em seu último trabalho, argumenta que as hipóteses de cabimento de ação coletiva no Brasil referem-se sempre à titularidade de um direito ou interesse (difuso, coletivo ou individual homogêneo), e não meramente à existência de uma questão comum de fato ou de direito como acontece nos EUA.[25]

ESTÍMULO À EFETIVIDADE

Sumário: 1. Admissibilidade de todas as espécies de ações. 2. Astreintes em face da Fazenda Pública. 3. Bloqueio de valores em contas públicas. 4. Obtenção do resultado prático equivalente. 5. A inversão do ônus probatório. 6. A distribuição dinâmica do ônus da prova. 7.Verbas sucumbenciais e honorários advocatícios.

  1. Admissibilidade de todas as espécies de ações

                             Estabelece o art. 83, do CDC : “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Tal dispositivo demonstra o quanto o direito processual brasileiro se ressente da falta de efetividade.

                             A jurisprudência tem se mostrado atenta aos reclamos de efetividade. Com ênfase se proclamou: “A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; proclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o principio fundante da Republica que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana.” (STJ, REsp. 836.913, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 08/05/07, DJ 31/05/07).

                             Cabe lembrar que dentre os direitos básicos do consumidor está “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. A tutela, portanto, deve ser, sempre que possível, preventiva, evitando danos. Assim, o referido artigo admite, na defesa dos direitos e interesses dos consumidores, seja a titulo individual, seja a titulo coletivo, que se utilize a ação de conhecimento (declaratória, constitutiva, condenatória, executiva latu sensu e mandamental), a ação cautelar e a ação de execução. Além disso, os provimentos antecipatórios (liminares e tutela antecipada) são totalmente cabíveis, ainda mais quando se trata de propiciar a adequada e efetiva tutela dos consumidores.

                             Prevê o art. 84, do CDC: “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela especifica da obrigação ou determinará providencias que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.” De teor praticamente igual ao do art. 461, do CPC, o artigo disciplina a obtenção da tutela especifica da obrigação de fazer e de não fazer, garantindo assim o resultado pratico assegurado pelo direito.

                          Tratando-se de direitos coletivos como o direito à saúde, à educação, ao meio ambiente saudável etc, a tutela preventiva e especifica ganha importância ainda mais especial, pois, freqüentemente, será difícil ou até mesmo impossível o efetivo retorno ao status quo ante das partes.

                           Sobre a ação inibitória e a ação de remoção do ilícito, Marinoni enfatiza que “nos casos em que teme que o fornecedor industrialize, fabrique, importe ou exponha à venda produto ou serviço de alto grau de nocividade ou periculosidade, ou dotado de defeito de concepção ou de fabricação, cabe ação inibitória, fundada no art. 84, do CDC, para que o fornecedor seja compelido a não violar o direito do consumidor. Nas hipóteses em que o produto já foi industrializado, fabricado, importado ou exposto à venda produto de alto grau de nocividade ou periculosidade, ou dotado de defeito de concepção ou de fabricação, deve ser proposta ação de remoção do ilícito, também baseada no art. 84 do CDC, para que o produto seja apreendido ou inutilizado. Tratando-se de serviço, deve ser interditada a sua comercialização.” [26]

                         Busca-se com isso, o resultado prático assegurado pelas normas de direito material. Para tanto, o CDC outorga ao magistrado amplos poderes, que poderão ser criativamente usados para atingir “o resultado pratico equivalente ao adimplemento”. Para isso, os mandamentos judiciais, com cominações e multas, são valiosos mecanismos para o atingimento destes fins.

                               Estabelece o parágrafo primeiro: “§ 1. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela especifica ou a obtenção do resultado pratico correspondente”. Portanto, as perdas e danos possuem caráter subsidiário na disciplina do CDC, prevalecendo a tutela especifica. As perdas e danos somente deverão ser fixados se por elas optar o consumidor, ou mesmo se for impossível a tutela especifica da obrigação.

                               Estatui o parágrafo segundo: “§ 2º. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil)”. A indenização relativa ás perdas e danos ou mesmo aos danos morais é instituto do direito material. Já a multa, prevista no art. 287, do Código de Processo Civil, é de caráter processual. Ambas, portanto, são cumuláveis.

                               Prevê o parágrafo terceiro: “§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é licito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”. Segundo alguns autores, entre eles Felipe Peixoto Braga Netto, certa identificação com os requisitos clássicos da cautelar, fumus boni iuris e o periculum in mora. Alei, porém, fala em “relevante o fundamento da demanda”, o que seria algo mais severo. De toda sorte, e à luz das circunstancias, o magistrado ponderará as vantagens e desvantagens da medida tendo presente que a prevenção dos danos deve nortear a sistemática de consumo.  [27]

                              Consoante o parágrafo quarto: § 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º, ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.”

                              O referido parágrafo trata das astreintes, que são  multas que objetivam forçar o devedor a cumprir a obrigação a seu cargo. Busca-se através da cominação, atingir o resultado pratico equivalente ao adimplemento. Objetiva-se vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância.

2. Astreintes em face da Fazenda Pública

                                A nova postura dos estudiosos do processo civil em torno do cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer levou ao aprimoramento das técnicas processuais, permitindo que se restringisse a necessidade de converter a obrigação específica em perdas e danos, o que - como observa DINAMARCO - só podia ser uma constante enquanto a ordem jurídica não tivesse a coragem de impor ao obrigado o resultado final de sua própria atividade.

                              Por isso, os ordenamentos processuais cunharam um sistema de sanções pecuniárias, representativas das medidas coercitivas, concebidas para induzir o devedor a cumprir espontaneamente as obrigações que lhe incumbem, principalmente, as de natureza infungível. Essas multas não são de natureza reparatória, de modo que sua imposição não prejudica o direito do credor à realização específica da obrigação ou ao recebimento do equivalente monetário, ou ainda, à postulação das perdas e danos. A multa, em suma, tem natureza puramente coercitiva.

                                   Pois bem. Muito se discutia em jurisprudência e doutrina acerca do cabimento da possibilidade de cominação de astreintes em face da Fazenda Pública. Em 2006, o Egrégio STJ decidiu pelo cabimento das astreintes em face de entes públicos, por descumprimento de obrigações.

                                 A cominação de multa diária é relevante instrumento para assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento. Trata-se de mecanismo que objetiva forçar o devedor a cumprir sua obrigação.

                                Consoante entendimento amplamente aceito pelos Tribunais pátrios, as astreintes podem ser concedidas de ofício ou a requerimento, pelo juízo da execução, em se tratando de obrigações de fazer, em face da Administração Pública.

3. Bloqueio em contas públicas

                              O STJ admite o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico ou fornecimento de medicamentos indispensáveis à manutenção da saúde e da vida.

4. Obtenção do resultado prático equivalente

                                A efetividade é o signo que marca as modernas preocupações processuais. Devemos, contudo, ater os olhos na efetividade virtuosa e na realização do direito pelo processo com a observância da “máxima coincidência” entre o que a parte obtém do processo e aquilo que teria obtido caso o direito fosse realizado sem conflito. Isto também considerando o tempo e o modo de realização desse direito.

                                Frisa o parágrafo quinto: “§ 5º. Para a tutela especifica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”. Neste ponto, o Código Consumerista exemplifica alguns dos poderes que são outorgados ao magistrado para buscar o resultado pratico equivalente ao adimplemento. Trata-se de rol exemplificativo, que não esgota e não exclui a aplicação de outras medidas, visando obter o resultado que se teria, caso a obrigação fosse cumprida voluntariamente.

5. Verbas sucumbenciais e honorários advocatícios

                               Estatui o art. 87: “art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais. Busca-se, mais uma vez, facilitar o acesso à justiça. O legislador infraconstitucional quis evitar que o código consumerista  ficassem no campo meramente retórico. A efetiva promoção da justiça depende da eliminação de entraves burocráticos e formais que afastam o Judiciário da população.

                             Firmou a jurisprudência do STJ: “As verbas sucumbenciais somente são cabíveis, em ação civil pública, quando comprovada má-fé. Descabe a condenação em honorários advocatícios, mesmo quando a ação civil pública proposta pelo Ministério Público for julgada procedente”.(STJ, REsp. 785.489, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma., p. 29/06/06).

                                  Proclama o parágrafo único: “parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao decuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos”. Embora a lei se refira, exclusivamente, em associação autora, havendo má-fé e deslealdade processual, a condenação é devida, qualquer que seja o legitimado que promoveu a ação.

                                Prescreve o art. 88. “art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação regressiva poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide”. O direito de regresso pode ser exercido nos mesmos autos da ação de responsabilidade ou em processo autônomo, vedada a denunciação da lide.

                               Estatui o art. 13: “O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I- o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

                             O legislador, ao proibir tal instituto, quis evitar que a intervenção de outros interessados no processo pudessem torná-lo mais moroso, retardando a tutela jurídica dos consumidores. Além do mais, a relação que se instaura entre o consumidor e fornecedor é baseada na responsabilidade objetiva e a relação que se instauraria, através da denunciação da lide, seria baseada na responsabilidade subjetiva, com verificação de dolo e culpa.

4. A inversão do ônus da prova

                             O CDC facilita a defesa dos direitos do consumidor, inclusive invertendo o ônus da prova, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação, ou, segundo as regras ordinárias de experiência, quando for hipossuficiente o lesado. Outrossim, o mesmo estatuto atribui o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária a quem as patrocina.

                        A inversão do ônus da prova não é automática, o juiz deve identificar uma das hipóteses em que a lei a admita, ou, ainda, no caso concreto, reputá-la adequada ou conveniente.

                        Diante da inversão do ônus da prova, o juiz pode, por exemplo: determinar ao réu que antecipe as custas de uma pericia requerida pelo autor beneficiário da inversão. Lembrando-se que a inversão do ônus da prova não temo efeito de obrigar a parte contrária a pagar as custas da prova requerida pelo consumidor, porem ela sofre as conseqüências de não produzi-la.

                        Os custos econômicos da produção da prova não podem ser o único fundamento para inverter-se o ônus da prova em defesa do consumidor: esses custos existem e devem ser tomados em consideração pelo magistrado ao decidir pela inversão, mas outro aspecto deve ser considerado pelo juiz: muitas vezes seria totalmente impraticável atribuir ao consumidor, ou ao substituto processual que o defenda, o ônus de provar que o produto está desconforme com especificações técnicas de alta complexidade, que nem o consumidor nem outro legitimado para as ações coletivas teriam facilidade de demonstrar. No entanto, para o fabricante, a prova em sentido contrário poderá ser perfeitamente factível e exigível.

                        Por fim, o entendimento majoritário em doutrina, aponta o momento da produção da prova como o adequado para a inversão do ônus probatório.

5. A distribuição dinâmica do ônus da prova

                           O CPC acolheu a teoria estática do ônus da prova (teoria clássica), distribuindo previa e abstratamente o encargo probatório, nos seguintes termos: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos (art. 333, CPC).

                        Ocorre que nem sempre autor e réu possuem condições de desincumbir-se desse ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído – em muitos casos, por exemplo, vêem-se diante de prova diabólica (prova impossível). Não havendo provas suficientes nos autos para evidenciar os fatos, o juiz terminará por preferir decisão desfavorável àquele que não pode atender ao seu ônus probatório.

                        É por essa razão que doutrinadores da estatura de Fredie Didier Junior, criticam essa rígida distribuição do ônus probatório, aduzindo que tal opção atrofia o sistema, e que sua aplicação inflexível pode conduzir a julgamentos injustos.[28]

                        O doutrinador argüi que a concepção mais acertada sobre o ônus da prova é a que permite a flexibilidade, dinamismo de sua distribuição: a distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, a luz das circunstancias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode. Esse posicionamento justifica-se nos princípios da adaptabilidade do procedimento às peculiaridades do caso concreto (adequação formal), da cooperação e da igualdade.

                                   Em síntese, de acordo com a distribuição dinâmica do ônus da prova: a) o encargo jamais deve ser repartido previa e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; b) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim dinâmica; c) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); d) não é relevante a natureza do fato probando – se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito -, mas, sim, quem tem mais possibilidades de prová-lo.

DAS AÇÕES COLETIVAS PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

                                 Qualquer um dos legitimados do art. 82 poderá propor ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos por uma coletividade de consumidores. A legitimidade tratada por este artigo é extraordinária (substituição processual), pois os legitimados concorrentes defendem em juízo, em nome próprio, direito alheio.

                                 Cuida-se de direitos individuais homogêneos (versão brasileira da class action americana) que são aqueles decorrentes de origem comum. Exemplo dessa espécie de direito é o caso dos indivíduos que sofreram danos em decorrência da colocação de um produto estragado no mercado.

                                  Pela própria característica dessa espécie de direito (homogêneo e de origem comum), poderiam ser propostas inúmeras, talvez milhares de ações individuais, pleiteando, cada um de per si, em beneficio próprio, o objeto da demanda. Nesse ponto reside uma das maiores inovações do CDC: permite o ajuizamento de uma única ação coletiva, por pessoas legalmente legitimadas, em beneficio de todas as vitimas do mesmo evento, evitando com isso o ajuizamento de milhares de ações, em todo o território nacional, proporcionando economia de tempo e dinheiro para as partes e para o Judiciário. Por outro lado, fortalece a posição do consumidor, que, isoladamente, poderia não se sentir em condições de litigar, em virtude do reduzido valor patrimonial da demanda ou das despesas que teria de efetuar, mas que, na via coletiva, mediante ação única terá uma razoável oportunidade de ressarcimento.

                                O art. 92, determina que: “se o Ministério Público não ajuizar a ação, atuará sempre como fiscal da lei”. Em tais ocasiões, naturalmente, o parquet estará livre para opinar como entender pertinente, ainda que contrariamente ao pretendido pelo co-legitimado.

                                Prevê o artigo seguinte: “Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”.

                              O dispositivo estabelece a competência para o julgamento das ações coletivas, sendo o foro competente fixado de acordo com a abrangência dos danos.

                              Assim, quando o dano (ou sua possibilidade) somente for verificado em âmbito local (município), competente será o juízo estadual do lugar onde ocorreu ou deveria ocorrer o dano.

                               O dispositivo estabelece a competência para o julgamento das ações coletivas, sendo o foro competente fixado de acordo com a abrangência dos danos.

                               Se, porém, a mesma situação abranger várias localidades de um mesmo estado (âmbito regional), será competente o foro da justiça estadual na capital do Estado.

                                 Se de âmbito nacional a ocorrência do dano (em mais de um Estado), será competente o foro da justiça estadual na capital do Estado ou o foro do Distrito Federal, pois possuem competências territoriais concorrentes.

                                  Mas, se em todos esses casos, a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, estiverem presentes na condição de autores, rés, assistentes ou opoentes, a competência será da Justiça Federal, a teor do art. 109 da CF.

                                  A sentença prolatada nessas ações , condenará o fornecedor pelos danos causados de forma genérica, sem estipular o valor a ser pago aos consumidores lesados. Somente estabelecerá a obrigação de indenizar, tornando-se assim, uma sentença certa e ilíquida (art. 95).

                             Nos dizeres de Ada Pellegrine Grinover: “a sentença genérica declarará a ocorrência de lesão a direitos individuais, mas, como toda sentença coletiva, não individualizará os sujeitos lesados. Como se vê, a sentença genérica não contém mais do que a declaração de mera potencialidade lesiva, ou seja, o reconhecimento de que certos fatos aconteceram e que eles são capazes de causar o dano afirmado na ação, sem, contudo, individualizar as pessoas lesadas e os valores a serem ressarcidos”.[29]

                              A indenização somente será paga depois que os consumidores lesados demonstrarem, na fase de liquidação, os danos sofridos para que seja possível mensurar o que cada um tem direito. A liquidação, nesse caso, será por artigos, uma vez que o liquidante deverá alegar e provar fatos novos: o evento danoso, o dano e o nexo causal existente entre eles. [30]

                               Embora o art. 96 do CDC que previa a publicação de edital para a divulgação da sentença de condenação genérica aos interessados, a doutrina majoritária entende que o juiz, em observância ao principio da publicidade dos atos processuais, deverá proceder à publicação da sentença por meio de editais, de modo que todos os interessados tenham conhecimento do teor e, assim, possam promover a liquidação.

                                 De acordo com o art. 97, a liquidação e a execução de sentenças que envolvam direitos individuais homogêneos poderão ser feitas não somente pelos legitimados do art. 82 (liquidação e execução coletiva), mas também, pelas vitimas e seus sucessores (execução e liquidação individual).

                               Portanto, a liquidação deverá ser sempre personalizada e divisível, pois embora a norma autorize a liquidação pelos legitimados do art. 82 (liquidação coletiva), esta somente ocorrerá na hipótese do art. 100 do CDC, ou seja, se, no prazo de um ano, não houver a habilitação de um numero de interessados compatível com a gravidade do dano. Sobre esse ponto, Marcelo Abelha doutrina que “nem a liquidação e nem a execução da norma jurídica concreta referida (...) será coletiva, ainda que o legitimado (e desde que a lei autorize a legitimidade extraordinária) seja ente coletivo, pelo simples fato de que o direito tutelado é individual puro”.[31]

                             Fixa o art. 98, do CDC: “A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vitimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.

                          § 1º A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do transito em julgado.

                         § 2º É competente para a execução o juízo:

                          I – da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

                          II – da ação condenatória, quando coletiva a execução;

                        Para que ocorra a execução coletiva, é necessário que se tenham as indenizações fixadas em sentenças de liquidação. Assim, a execução promovida pelos entes legitimados do art. 82 somente abrangerá as vitimas que já tiverem suas indenizações liquidadas.

                        Na execução coletiva, o foro competente será, necessariamente, o da ação condenatória e, na execução individual, o foro competente será não somente o da ação condenatória, como também o da liquidação da sentença poderá ser promovida no domicilio do autor.

                        Reza o art. 100 que “decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em numero compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei nº 7.347/85”.

                        Os legitimados do art. 82 somente poderão realizar a liquidação e a execução da sentença proferida em ação coletiva para a proteção de direitos individuais homogêneos na hipótese eventual e residual prevista no art. 100 do CDC, se decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em numero compatível com a gravidade do dano.

                                   O prazo de um ano do art. 100 conta-se a partir da publicação do edital, não sendo esse prazo preclusivo ou decadencial. Enquanto não ocorrida a prescrição ou a decadência, de acordo com as regras do direito material, o individuo pode promover a liquidação e a execução, ainda que já se tenham iniciado a liquidação e a execução coletivas.

                                      A quantia arrecadada, baseada nos danos causados, não será entregue aos consumidores lesados, mas a um fundo criado pela Lei nº 7.347/85, devendo os recursos ser destinados à reconstituição dos bens lesados.

                                       Recentemente, o STJ decidiu que após o trânsito em julgado de decisão que julga improcedente ação coletiva proposta em defesa de direitos individuais homogêneos, independentemente do motivo que tenha fundamentado a rejeição do pedido, não é possível a propositura de nova demanda com o mesmo objeto por outro legitimado coletivo, ainda que em outro Estado da federação. STJ. 2ª Seção. REsp 1.302.596-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/12/2015 (Info 575).

DAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR DE PRODUTOS E SERVIÇOS

                                  Dispõe o art. 101, do código consumerista: “Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste titulo, serão observadas as seguintes normas: I – a ação pode ser proposta no domicilio do autor; II – o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o sindico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.                             

                              As ações de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços que envolvem relações de consumo permitem uma prerrogativa ao consumidor, dentro do principio da facilidade de acesso ao judiciário determinado no art. 6º, VII, do CDC, qual seja, a de aforar as ações em seu domicilio.

                              Outra novidade introduzida pelo CDC é a de que o réu não poderá dispor da denunciação da lide no sentido de integrar eventual seguro contratado para que esse possa garantir, se houver, o valor estipulado na condenação. Isso porque, na sistemática do CPC, a existência de seguro entre a parte e a seguradora enseja a denunciação da lide a essa ultima, nos termos do art. 70, III, do CPC.

                              Entretanto, o CDC criou uma forma de proteger o consumidor de uma forma mais eficiente: estipulou ma solidariedade legal entre o segurado e a seguradora, fazendo com que o primeiro utilize do chamamento ao processo para possibilitar a integração da última à lide. Essa é a única hipótese de chamamento ao processo prevista no Código.

                               Essa proibição se dá em razão de a denunciação da lide criar duas demandas distintas, uma entre o consumidor e o fornecedor e outra entre o fornecedor e a seguradora. A sentença, na verdade, resolve duas situações: a eventual responsabilidade do fornecedor e se esse deverá ser ressarcido pela sua seguradora. Então, o fornecedor, caso seja condenado, deverá indenizar o consumidor para, só depois, pleitear o ressarcimento frente à seguradora. O consumidor, por não ter nenhuma relação processual com a seguradora, não poderá executá-la, somente podendo compelir o fornecedor a ressarci-lo dos danos sofridos.

                         O chamamento ao processo, por sua vez, estabelece uma solidariedade entre as partes de modo que, se condenados, o consumidor poderá pleitear a indenização tanto do fornecedor como da seguradora, ampliando, dessa forma, a garantia ao efetivo ressarcimento.

                          Kazuo Watanabe esclarece essa nova hipótese de chamamento ao processo, criado pelo CDC: “O fornecedor demandado poderá convocar ao processo o seu segurador, mas não para o exercício da ação incidente de garantia, que constitui s denunciação da lide..., e sim para ampliar a legitimação passiva em favor do consumidor, o que se dá através do instituto do chamamento ao processo... Com a norma do art. 101 do Código, elenco do art. 77, CPC, fica ampliado para nele ficar abrangido o segurador do fornecedor de produtos e serviços, que passa a assumir a condição de co-devedor perante o consumidor. (...) O chamamento ao processo, portanto, amplia a garantia do consumidor e ao mesmo tempo possibilita ao fornecedor convocar desde logo, sem a necessidade de ação regressiva autônoma, o segurador para responder pela cobertura securitária prometida”.[32]

                       Outro benefício criado em favor dos consumidores é a possibilidade de aforar ações diretas contra a seguradora, caso o fornecedor esteja falido, devendo o sindico da massa, ao tomar conhecimento da demanda, dar ciência ao consumidor da existência do seguro.

                      O STJ admite tal possibilidade desde que o fornecedor integre o pólo passivo também, ou seja, o fornecedor e a seguradora são legitimados passivos para responderem à ação de responsabilidade, desde que conjuntamente.

                      Conforme entendimento do STJ, não deve ser admitida a intervenção de terceiro quando já prolatada a sentença, uma vez que a anulação do processo para permitir o chamamento da seguradora acabaria por retardar o feito, prejudicando o consumidor, o que contraria o escopo do sistema de proteção do CDC.

                       Por fim, cabe destacar que quando a ação for proposta contra o consumidor no domicilio do fornecedor, o magistrado deve declinar, de oficio, para o foro do domicilio do consumidor. Segundo o STJ, trata-se de hipótese de competência absoluta.

COISA JULGADA

Sumário: Competência em matéria de defesa do consumidor

                         O art. 103 trata do regramento da coisa julgada nas ações coletivas: “Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vitimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1º Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a titulo individual. § 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347/85, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vitimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.”

                        Quando se estiver diante de direitos difusos, a sentença procedente fará coisa julgada erga omnes, ou seja, abrangerá não só as partes do processo, mas também toda a coletividade. O mesmo ocorre quando for improcedente o pedido, salvo se por insuficiência de provas. Nesse ultimo caso, o código admite que qualquer legitimado do art. 82, inclusive o autor anterior,poderá intentar nova ação com o mesmo fundamento, valendo-se agora de nova prova, pois a sentença não se revestiu da coisa julgada material.

                        O código adotou a chamada formação da coisa julgada “secundum eventum litis”, pois, como se denota, a coisa julgada será formada de acordo com o resultado do processo.

                       Em relação aos direitos coletivos, aplicam-se as mesmas observações relativas aos direitos difusos, somente tendo a diferença de que, nesse caso, a formação da coisa julgada não será erga omnes, mas sim ultra partes (estendida somente aos sujeitos que possuem um vinculo jurídico de forma a uni-los em torno de um grupo, categoria ou classe).

                        Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, sendo os decorrentes de origem comum, terão, assim como os direitos difusos, uma formação da coisa julgada erga omnes, mas apenas quando procedente o pedido, beneficiando todas as vitimas e seus sucessores, caso em que poderão se habilitar na liquidação e promoverem a execução, depois que comprovarem o dano sofrido.

                        A sentença de improcedência do pedido somente alcançará a coisa julgada material para aqueles que participarem do processo na qualidade de partes, não prejudicando os consumidores que não tenham integrado o processo como litisconsortes. Isso porque, conforme prescreve o art. 94, os consumidores que tiverem algum interesse na demanda coletiva de direitos homogêneos, poderão integrar o processo como litisconsortes, sendo naturalmente abrangidos pela coisa julgada material, seja quando da procedência ou da improcedência do pedido. Se optarem por permanecer inertes à ação coletiva, os consumidores somente serão abrangidos pela coisa julgada quando procedente o pedido. Por sua vez, quando o pedido for improcedente, não serão atingidos pela coisa julgada e poderão propor suas ações a titulo individual. Sendo assim, os efeitos da coisa julgada só se operam in utilibus,ou seja, só atingem os indivíduos se for para beneficiá-los.

                        Exemplificando o parágrafo acima: suponhamos que uma ação coletiva for intentada visando retirar determinado produto do mercado, por ser nocivo à saúde dos consumidores e o pedido for julgado procedente (reconhecida a nocividade do produto), o consumidor individual não precisará de uma nova ação de conhecimento para pleitear indenização pelos danos individualmente sofridos. Tendo em vista os princípios da economia processual e da efetividade do processo, o CDC permite o transporte in utilibus (extensão útil) da coisa julgada coletiva para o pleito individual, podendo diretamente promover a liquidação e a execução da sentença coletiva, nos moldes do art. 97 do CDC.

                        No entanto, se o pedido for julgado improcedente, nada afetará o direito individual do consumidor, já que ele poderá intentar ação individual para buscar indenização pelos danos sofridos, de acordo com o art. 103, § 1º.

                        Assim, o transporte da coisa julgada, resultante da sentença proferida na ação civil pública para as ações individuais de indenização por danos pessoalmente sofridos, opera-se secundum eventum litis, ou seja, só há transporte nas hipóteses de procedência.

                        Conforme a dicção do art. 104, em todos os casos de ações coletivas, a coisa julgada erga omnes ou ultra partes não beneficiará aqueles autores de ações individuais que, mesmo tendo ciência da ação coletiva, deixem de requerer a suspensão no prazo de 30 dias.

  1. Competência em matéria de defesa do consumidor

                        A Lei nº 9.494/97 deu nova redação ao art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, aduzindo que: “Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo de nova prova”.

                        A doutrina consumerista entende que a modificação operada na LACP pela Lei nº 9.494/97 não alcança as ações coletivas para a defesa dos direitos dos consumidores. Com efeito, o art. 90 do CDC manda aplicar o CPC e a LACP às ações coletivas de defesa dos consumidores, “naquilo que não contrariar suas disposições”. Ou seja, o CPC e a LACP somente poderão ser aplicados de modo subsidiário, naquilo que for cabível. Assim, como o próprio CDC, em seu art. 93, já tratou dessa matéria, qual seja, da competência territorial do órgão prolator da sentença em ação coletiva, não há, então, como admitir a aplicação do art. 16 da LACP, por ser incompatível com aquele dispositivo.

                        O preclaro Nelson Nery Junior, criticou severamente a mudança operada pelo art. 16 da Lei nº 9.494/97, aduzindo que: “confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do Direito. Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, quer verse sobre direitos difusos, quer coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso, em todo o território nacional. Não é relevante indagar-se qual a justiça que proferiu a sentença, se federal ou estadual, para que se dê o efeito extensivo da coisa julgada. A questão não é nem de competência nem de jurisdição, mas de limites subjetivos da coisa julgada, dentro da especificidade do resultado de ação coletiva, que não pode ter a mesma solução dada pelo processo civil ortodoxo às lides intersubjetivas”.[33]

                        Assim, por força dos arts. 21 da LACP e 90 do CDC, verifica-se uma perfeita interação entre os sistemas, que, ao se complementarem, podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, observado o principio da especialidade das ações acerca das relações de consumo, às quais a LACP é aplicada apenas subsidiariamente. Nesse contexto, mostra-se importante a interpretação conjunta dos arts. 16 da LACP, 93 e 103 do CDC, restando inócua e ineficaz a modificação trazida pela Lei 9.494/97.

                        O STJ, por sua vez, vem restringindo a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas aos limites do órgão prolator da sentença ou da liminar, não aplicando a tese sustentada pela doutrina consumerista.

                        Por fim, o legislador ampliou, ainda, o objeto do processo coletivo (nos dizeres da doutrina, “ampliação ope legis do objeto litigioso do processo coletivo”) ao dispor que as sentenças penais condenatórias também poderão ser aproveitadas pelas vitimas e seus sucessores, promovendo diretamente a liquidação e a execução, nos termos dos arts. 96 a 99, não havendo necessidade assim,pelo principio de economia processual, de nova sentença condenatória a titulo individual. Dessa forma, a coisa julgada penal poderá ser transportada, in utilibus, às ações de indenização por danos pessoalmente sofridos.

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Marinoni, Luis Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª ED. São Paulo. RT. 2008.

Netto, Felipe Peixoto Braga.  Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. Editora Jus Podivm. 4ª edição. 2009. Salvador.

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Sobre a autora
Aline Cunha

Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará e pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela Uninter.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho tem como objetivo abordar a defesa do consumidor em juízo, à luz da legislação pertinente à matéria, à doutrina e à jurisprudência. Considerando que a defesa do consumidor foi alçada a nível constitucional, todos os operadores do direito restaram vinculados à defesa destes, como entes vulneráveis que são, tudo com vistas à realização do direito privado solidário.

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