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As licitações públicas na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016)

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12/02/2017 às 08:00
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Surge uma “nova velha lei”. O diploma usa a plataforma da Lei nº 8.666/93, acrescendo-lhe novidades, a maioria delas inspirada no regime diferenciado de contratações.

1. INTRODUÇÃO. 2. DAS HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO DIRETA. 2.1 DA NÃO OBSERVÂNCIA DAS REGRAS LICITATÓRIAS. 2.2 DAS LICITAÇÕES DISPENSÁVEIS. 2.3 DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. 3. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE LICITAÇÕES. 4. NORMAS “ESPECÍFICAS” PARA OBRAS E SERVIÇOS. 5. NORMAS “ESPECÍFICAS” PARA AQUISIÇÕES E PARA ALIENAÇÕES DE BENS. 6. DO PROCEDIMENTO DE LICITAÇÃO E DOS PROCEDIMENTOS AUXILIARES. 7. DA CONCLUSÃO.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo realizar uma sucinta análise sobre a regulamentação das licitações na nova Lei das estatais (Lei federal nº 13.303/2016). A referida Lei foi sancionada na passagem do mês de junho ao mês de julho, de 2016. Sua aprovação apresenta-se deveras tardia, já que este diploma era aguardado desde o momento em que a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, alterou o artigo 173 da Constituição Federal para prever que uma lei específica estabeleceria “o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços”, dispondo sobre diversos temas, entre eles licitações e contratação.

Nesse período, diante da inanição do legislador em aprovar tal estatuto jurídico especial, os constantes problemas vivenciados pelas estatais, notadamente aquelas que exploram atividade econômica, geraram dilemas polêmicos sobre os limites de aplicação da Lei nº 8.666/93, em relação a essas pessoas jurídicas. Calorosos debates envolviam a possibilidade de que sociedades de economia mista e empresas públicas, exploradoras de atividades econômicas, não se sujeitassem ao dever de licitar, uma vez que elas estariam sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas, conforme disposto pela própria Constituição Federal.

Para alguns, poderia ser afastada a aplicação do regime tradicional de licitação, quando a estatal, exploradora de atividade econômica, atuasse em sua atividade fim e a submissão à Lei nº 8.666/93 se constituísse em óbice intransponível à sua atividade negocial. De qualquer forma, sempre seria necessária a observância dos princípios aplicáveis à Administração Pública e imprescindível a submissão ao regime licitatório tradicional da Lei nº 8.666/93, em relação às atividades meio.  Nesse sentido, por exemplo, manifestou-se o TCU:

EMENTA: Consulta formulada por Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia. Licitude da dispensa de licitação, pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, na contratação de bens e serviços ligados à sua atividade-fim. Conhecimento. Resposta ao consulente.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. conhecer da presente Consulta, formulada pelo Exmo. Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, Sr. Eduardo Campos, por atender aos requisitos de admissibilidade de que tratam os arts. 1º, XVII, da Lei n. 8.443/92 e 264 do Regimento Interno/TCU, para responder ao consulente que, enquanto não for editado o estatuto a que se refere o art. 173, § 1°, da Constituição Federal, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços devem observar os ditames da Lei n° 8.666/1993 e de seus regulamentos próprios, podendo prescindir da licitação para a contratação de bens e serviços que constituam sua atividade-fim, nas hipóteses em que o referido Diploma Legal constitua óbice intransponível à sua atividade negocial, sem olvidarem, contudo, da observância dos princípios aplicáveis à Administração Pública, bem como daqueles insertos no referido Estatuto Licitatório;[i]

Seguindo esta linha, massificou-se o entendimento de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, exploradoras de atividade econômica, não necessitariam de obediência estrita ao procedimento licitatório quando realizassem contratações relativas às atividades-fim para as quais foram criadas[ii].

Nada obstante, conforme defendemos outrora, embora tal assertiva facilitasse a compreensão do assunto, não era a simples diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio que deveria respaldar a exigibilidade ou não do certame licitatório, mas sim a constatação ou não da impossibilidade de consecução dos objetivos institucionais da pessoa jurídica, através do certame licitatório[iii]. Este raciocínio, defendido por relevante parcela da doutrina[iv], admite que determinadas atividades das estatais pudessem transpor limites estabelecidos pela Lei nº 8.666/93, pela percepção de que o regime burocrático disposto pela Lei era incompatível com parte da atividade econômica por ela realizada, notadamente quando atua em regime de concorrência com outras entidades do Mercado.

Por fim, conforme destacado pela melhor doutrina, interessante compreender que não tratar-se-ia de uma situação de inexigibilidade licitatória, mas de uma “não incidência do dever de licitar em razão da pessoa e do objeto contratado”[v].

O próprio STF vinha admitindo a adoção de regime diferenciado a estatais exploradoras da atividade econômica, sem restrição ao tipo de atividade (fim ou meio), sob o fundamento de que a atividade econômica exercida por essas empresas estatais, em regime de livre competição com as empresas privadas, justificaria a submissão a um regime diferenciado de licitação[vi].

Necessário refletir que a experiência prática demonstrou, nas últimas décadas, que o regime licitatório da Lei nº 8.666/93, em grande parte inspirado ainda no Decreto-Lei nº 2.300/86, não se apresentava plenamente compatível com a eficiência necessária à atuação das estatais, notadamente quando ela está inserida em um ambiente de disputa com o mercado privado. Percebido isso, chega a ser frustrante que as regras de licitação previstas pela novel legislação, dedicada às estatais, tenham sido formuladas sob a plataforma da Lei nº 8.666/93, resguardando muito de seu ranço burocrático e sua forma detalhista em relação aos procedimentos.

Nas linhas a seguir, reproduziremos uma síntese das regras dispostas na nova legislação, em relação ao processo licitatório.


2. DAS HIPÓTESES DE CONTRATAÇÃO DIRETA

A Lei federal nº 13.303/2016 adota regime de contratação direta assemelhado ao previsto na Lei nº 8.666/93, repetindo a dispensa e a inexigibilidade como exceções à obrigatoriedade de licitar, mas com algumas particularidades.

2.1 DA NÃO OBSERVÂNCIA DAS REGRAS LICITATÓRIAS

Primeiramente, consagrando o entendimento desenvolvido pela doutrina e jurisprudência, acerca da não aplicabilidade do regime licitatório tradicional, em algumas atividades realizadas pelas estatais, a referida Lei dispôs, no §3º de seu artigo 28, que as empresas públicas e as sociedades de economia mista são dispensadas da observância de suas regras acerca de licitações (previstas no capítulo I, de seu título II), nas seguintes situações:

  • comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; 
  • nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a “oportunidades de negócio” definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo. 

A primeira hipótese parece ter por base o entendimento de desvinculação das regras licitatórias, em relação à atividade fim, já a segunda alcança situações em que o procedimento seria incompatível (e, portanto, inaplicável), conforme defendido pela corrente doutrinária acima explicada. Nada obstante, convém destacar a inadequação técnica da referência à “inviabilidade” de procedimento competitivo, já que esta seria fundamento para uma hipótese de inexigibilidade, o que não afasta a observância das regras pertinentes, descritas no próprio capítulo.

Em acréscimo, a própria Lei considerou como “oportunidades de negócio” a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Esta descrição, entendemos, é exemplificativa, não exaurindo a possibilidade de que outras relações negociais se enquadrem na referida hipótese.

2.2 DAS LICITAÇÕES DISPENSÁVEIS

A nova Lei adota regime de licitações dispensáveis semelhantes ao da Lei nº 8.666/93. Conforme destaca Murilo Jacoby, há uma perceptível redução do número de hipóteses de dispensa, pela exclusão daquelas inaplicáveis às estatais[vii]. Outra mudança significativa envolve o valor limite para as chamadas dispensas de pequeno valor. A Lei especial previu limites bem superiores aos previstos na Lei nº 8.666/93, claramente defasados.

Assim, para obras e serviços de engenharia, o valor limite da dispensa é de R$ 100.000,00 (cem mil reais); já para outros serviços e compras, além das alienações, o valor limite é de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), respeitada, obviamente, as consagradas regras de vedação ao fracionamento ilícito.

No restante dos 18 dispositivos que regulam as hipóteses de licitação dispensável, identifica-se texto semelhante aos dispositivos da Lei nº 8.666/93, ao menos aqueles compatíveis com as atividades das estatais.

2.3 DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

Em relação à inexigibilidade de licitação, a nova Lei manteve também padrão assemelhado ao da Lei Geral, fundamentando-a na inviabilidade de competição. Assim, diferentemente da dispensa, em que a competição é possível, porém o legislador permite não fazê-la, na inexigibilidade a competição é inviável, tornando inócuo o procedimento licitatório.

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Assim como na Lei Geral, a nova legislação indica situações exemplificativas de inviabilidade de competição, para aplicação do instituto, quais sejam:

  • aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo; 
  • contratação dos alguns serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação 

Em complemento à segunda hipótese, o dispositivo elenca quais os serviços técnicos especializados seriam abrangidos pela hipótese de inexigibilidade[viii].

Nada obstante o caráter exemplificativo das hipóteses, além da vedação aos serviços de publicidade, convém destacar a tentativa de delimitar quais serviços técnicos especializados seriam passíveis de aplicação do dispositivo, algo questionável, já que outros serviços especializados podem envolver ambiente de inviabilidade de competição, justificando a aplicação da inexigibilidade.

Mantemos a opinião de que parece um equívoco engessar o universo de serviços a serem considerados como “técnicos especializados” a um rol concebido pelo legislador, sem a percepção de que novas tecnologias e serviços podem surgir, de característica até mais “especializada”, com o transcorrer do tempo, envolvidos em ambiente de inviabilidade de competição[ix]. Na prática, esteja ou não um serviço no rol do artigo 13, persistindo condições que apontem para uma inviabilidade de competição, será possível a contratação por inexigibilidade, utilizando como fundamento o caput do artigo 30.


3. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE LICITAÇÕES

A Lei traz uma seção com “Disposições de Caráter Geral sobre Licitações e Contratos”. Há certa atecnia no título da seção, uma vez que ela dispõe também sobre regras materialmente específicas. O aspecto generalidade suscitado pelo inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal está relacionado à matéria tratada, motivo pelo qual é necessário perceber que, nada obstante a nomenclatura da seção, existem dispositivos ali indicados que são materialmente gerais, conquanto outros dispositivos se caracterizam como regras materialmente específicas.

Nesse ponto, bom lembrar que o Constituinte outorgou competência privativa à União para legislar sobre regras gerais de licitação, competindo aos demais entes federativos disciplinar regras específicas próprias, para suas estatais, vinculando-se, de qualquer forma, às normas gerais traçadas pela União.

De qualquer forma, o legislador reproduziu regras interessantes, já definidas outrora pela doutrina, jurisprudência e regulamentações da Lei Geral, como a diferenciação entre sobrepreço e superfaturamento, a forma de obtenção dos orçamentos de referência, além da possibilidade de adoção do procedimento de manifestação de interesse privado e estabelecimento de determinadas diretrizes, como fora feito no RDC.

Há uma regra, contudo, que destaca-se, negativamente. O inciso IV do artigo 32 indica como uma de suas diretrizes a “adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns”. Tal regra seria até compreensível, caso a própria Lei não tivesse adotado um modelo procedimental flexível, claramente inspirado no RDC, em que não há modalidades estáticas (como ocorre na Lei nº 8.666/93 ou na Lei nº 10.520/2002). Assim, embora o dispositivo indique a adoção preferencial do pregão, não há outras modalidades licitatórias indicadas pela Lei a serem preteridas, o que reflete um erro grosseiro no texto legal. A expressão “modalidades”, por sinal, é usada sem o devido rigor técnico, para classificar espécies de regimes de execução ou espécies de garantia.

A interpretação adequada desta regra parece ser que, na modelagem do processo licitatório, a estatal deve utilizar, preferencialmente, procedimento assemelhado ao do pregão.

Ainda nesta seção, há regras interessantes sobre o impedimento de participar em licitações, as quais, por exemplo, adotam o entendimento doutrinário e jurisprudencial restritivo aos efeitos sancionatórios da sanção suspensão e até mesmo restringem os efeitos da sanção declaração de inidoneidade aplicada por municípios (ao menos em relação ao entendimento jurisprudencial e doutrinário atual), para fins de impedimento na participação de licitações das estatais. Tais regras trilham o raciocínio de limitação dos efeitos restritivos de algumas sanções administrativas.

Por outro lado, a Lei cria hipóteses de impedimento que implicam ampliação dos efeitos restritivos da sanção aplicada à empresa, em detrimento de seus sócios. Esta interessante opção legislativa, certamente, irá gerar fortes     questionamentos, devendo ser compreendida com algumas ressalvas, sendo incabível que tal restrição prescinda do respeito às garantias de ampla defesa e contraditório. Será necessário contornar eventuais falhas, com a regulamentação específica.

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Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. As licitações públicas na nova Lei das Estatais (Lei federal nº 13.303/2016). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50905. Acesso em: 23 abr. 2024.

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