É inegável que, nos últimos anos, e principalmente pelas mudanças legislativas, a atividade do Delegado de Polícia, antes tida como segundo plano, principalmente no aspecto jurídico, ganhou notoriedade e novas atribuições.
Dentro desse aspecto, compilei alguns artigos do PL 554/2011 que afetaram sobremaneira o exercício da função.
“Art. 304 § 5º: “O preso tem direito de ser assistido por defensor, público ou particular, durante o seu interrogatório policial, podendo lhe ser nomeado defensor dativo pelo delegado de polícia que presidir o ato.”
O destaque deste dispositivo, com toda certeza, é a previsão de que o preso, durante seu depoimento perante a autoridade policial, deve ser assistido por um defensor, seja público ou particular.
Mais uma vez, como vem ocorrendo nas mudanças legislativas recentes, o legislador tem dado mostras de que o inquérito policial deixou de ser um “mero procedimento administrativo”, como a doutrina menciona, e passou a ser um instrumento inegável de garantia do cidadão. Se o inquérito policial é um mero procedimento administrativo, por que há a necessidade de o investigado ser assistido por um defensor?
Talvez uma das polêmicas do dispositivo seja a presença de um defensor público. Como se daria na prática? Haverá um núcleo da Defensoria Pública dentro das delegacias? O defensor público irá até a Delegacia?
Outra polêmica será quanto ao Delegado de Polícia nomear um Defensor dativo. Como isso ocorrerá? Será a semelhante ao que é feito pela Defensoria Pública?
Entendo que a forma como o dispositivo menciona pode suscitar dúvidas. É exigida a presença obrigatória de um defensor ou este poderá ser dispensado caso o investigado assim o desejar?
São dúvidas que somente com a implantação de um aparato administrativo podem ser solucionadas, enquanto isso, da forma como está descrito no artigo acime mencionado e seguintes, o investigado exercerá sua defesa contra a prisão efetivamente na Audiência de Custódia, onde haverá um Defensor, sendo que, durante o inquérito policial, deve ser assegurada sua natureza inquisitiva.
Vamos aos demais parágrafos do dispositivo
“Art. 304 § 6º Todo preso será submetido a exame de corpo de delito cautelar, realizado por perito-médico oficial, onde houver, ou por médico nomeado pelo delegado de polícia, preferencialmente da rede pública de saúde”.
“Art. 304 § 7º Após a lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia, proceder-se-á na forma do art. 306, ficando o preso à disposição do juiz competente, em estabelecimento prisional previsto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).” (NR)
Tais parágrafos descrevem algo rotineiro ao Delegado de Polícia, contudo, foram positivados.
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente pelo delegado de polícia responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante ao juiz competente, ao Ministério Público, à Defensoria Pública quando não houver advogado habilitado nos autos e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§ 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o delegado de polícia encaminhará o auto de prisão em flagrante ao juiz competente e ao Ministério Público e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral do referido auto à respectiva Defensoria Pública.
§ 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pelo delegado de polícia, com o motivo da prisão, a capitulação jurídica e os nomes do condutor e das testemunhas.
§ 3º Imediatamente após a lavratura do auto de prisão em flagrante, diante da ocorrência de suposta violação aos direitos fundamentais da pessoa presa, o delegado de polícia em despacho fundamentado determinará a adoção das medidas cabíveis para a preservação da integridade do preso e ordenará a averiguação das violações apontadas, instaurando de imediato inquérito policial para apuração dos fatos e requisitando a realização de perícias e de exames complementares e a busca de outros meios de prova cabíveis.
§ 4º No prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judiciária tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 5º Na audiência de custódia de que trata o § 4º, o juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida, ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos do art. 310.
§ 6º A oitiva a que se refere o § 5º será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e a necessidade da prisão, a ocorrência de tortura ou de maus-tratos e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 7º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se o preso não tiver ou não indicar advogado, na de Defensor Público, e na de membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 6º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310.
§ 8º Na impossibilidade, devidamente certificada e comprovada, de a autoridade judiciária realizar a inquirição do preso quando de sua apresentação, a autoridade custodiante ou o delegado de polícia, por meio de seus agentes, tomará recibo do serventuário judiciário responsável, que será juntado aos autos, retornará com o preso e comunicará o fato de imediato ao Ministério Público, à Defensoria Pública, se for o caso, e ao Conselho Nacional de Justiça.
§ 9º Tendo em vista a necessidade de garantir os direitos fundamentais do preso, a audiência de custódia deverá ser obrigatoriamente realizada no primeiro dia útil subsequente à data constante do recibo previsto no § 8º, devendo a autoridade custodiante 4 ou o delegado de polícia, sob pena de responsabilidade, reapresentá-lo na data indicada.
§ 10. No caso de crime de competência da Polícia Federal, quando o Município do local de lavratura do flagrante delito não coincidir com sede da Justiça Federal, a autoridade custodiante ou o delegado de polícia federal determinará a seus agentes que conduza o preso ao juízo de direito do local da lavratura da peça flagrancial no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, acompanhado do auto de prisão em flagrante e de todas as oitivas colhidas, que serão encaminhados ao Ministério Público e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, à Defensoria Pública.” (NR)
Quanto ao artigo 306 do CPP, no projeto houve uma pequena alteração. O artigo atual diz: “Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”.
No projeto do aludido artigo, consta que a prisão de qualquer pessoa será comunicada imediatamente pelo Delegado de Polícia. E, ainda, positivou algo já consagrado na doutrina: na ausência de advogado, as cópias do auto de flagrante também deverão ser remetidas à Defensoria Pública.
§ 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pelo delegado de polícia, com o motivo da prisão, a capitulação jurídica e os nomes do condutor e das testemunhas.
A redação atual diz que “§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”.
A mudança fica por conta de se incluir “assinada pelo delegado de polícia”, substituindo-se a palavra “autoridade”.
Como se sabe, há muita confusão no conceito de “autoridade” e “autoridade policial”, muitos indicam que “autoridade” pode ser o delegado de polícia ou o juiz de direito. E quanto à “autoridade policial”, muitos consideram que a Polícia Militar está incluída no conceito. Para sanar tais dúvidas, no projeto resolveram incluir “assinada pelo delegado de polícia”.
§ 3º Imediatamente após a lavratura do auto de prisão em flagrante, diante da ocorrência de suposta violação aos direitos fundamentais da pessoa presa, o delegado de polícia em despacho fundamentado determinará a adoção das medidas cabíveis para a preservação da integridade do preso e ordenará a averiguação das violações apontadas, instaurando de imediato inquérito policial para apuração dos fatos e requisitando a realização de perícias e de exames complementares e a busca de outros meios de prova cabíveis.
Esse novel parágrafo diz que o delegado de polícia como primeiro “juiz do fato”, ao notar que o investigado foi violado quanto aos seus direitos fundamentais, ordenará medidas para que tal fato seja apurado, como ocorre em eventual crime de tortura, lesão corporal etc.
Esse dispositivo consagra um poder-dever do Delegado de Polícia no sentido de que, em que pese haver indícios de prática delitiva por parte do averiguado, este não deve ser punido além do que enseja a conduta que praticou.
§ 4º No prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a lavratura do auto de prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judiciária tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
Tal dispositivo determina o lapso temporal em que o investigado deve ser conduzido até o juiz, qual seja, o prazo de 24 (vinte e quatro) hora após a lavratura do auto de prisão em flagrante. Assim, a partir do momento em que o averiguado é conduzido até a autoridade policial, esta tem que efetuar o competente flagrante, contudo, o prazo de 24 horas só começará a correr após a conclusão dele.
Consta no mencionado parágrafo, que, ao ser o indivíduo apresentado ao juiz, este somente se limitará a verificar a legalidade da prisão.
§ 5º Na audiência de custódia de que trata o § 4º, o juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida, ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos do art. 310.
No dispositivo em apreço, verifica-se que o preso na audiência de custódia deverá ser ouvido, ou seja, mais uma oportunidade para se defender, já que, perante a autoridade policial, também poderá fazê-lo. O MP poderá requerer medidas cautelares diversas da prisão, prisão preventiva ou até mesmo pleitear a desclassificação do delito (ex.: autoridade policial entende que o crime é de tráfico de drogas, enquanto o membro do parquet entende que o investigado é tão somente um usuário).
Exige-se também que na Audiência de Custódia esteja presente de um Defensor, o qual poderá ser um Defensor Público ou um nomeado pelo investigado.
§ 6º A oitiva a que se refere o § 5º será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e a necessidade da prisão, a ocorrência de tortura ou de maus-tratos e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
Tal dispositivo consagra o que foi dito anteriormente. Na Audiência de Custódia somente versará sobre a prisão e eventuais cometimentos de crimes contra a integridade física do acusado. Verifica-se também que o depoimento do acusado não poderá ser utilizado contra ele.
Portanto, tal audiência só existirá, como dito, e mais uma vez repetido, para apurar a legalidade da prisão e eventuais crimes contra a integridade física do acusado.
§ 7º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se o preso não tiver ou não indicar advogado, na de Defensor Público, e na de membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 6º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310.
Este dispositivo é autoexplicativo.
§ 8º Na impossibilidade, devidamente certificada e comprovada, de a autoridade judiciária realizar a inquirição do preso quando de sua apresentação, a autoridade custodiante ou o delegado de polícia, por meio de seus agentes, tomará recibo do serventuário judiciário responsável, que será juntado aos autos, retornará com o preso e comunicará o fato de imediato ao Ministério Público, à Defensoria Pública, se for o caso, e ao Conselho Nacional de Justiça.
§ 9º Tendo em vista a necessidade de garantir os direitos fundamentais do preso, a audiência de custódia deverá ser obrigatoriamente realizada no primeiro dia útil subsequente à data constante do recibo previsto no § 8º, devendo a autoridade custodiante ou o delegado de polícia, sob pena de responsabilidade, reapresentá-lo na data indicada.
Muitas vezes o preso encontra-se impedido de ser conduzido até o Juiz. Assim, o dispositivo prevê que a autoridade custodiante (na maioria das vezes os agentes do serviço público penitenciário ou a Polícia Militar) ou o delegado de polícia tomará recibo do serventuário judiciário responsável, que será juntado aos autos. Desse modo, ao entregar o auto de prisão em flagrante, será informado que o preso não poderá ser apresentado, e o funcionário entregará um “recibo” informando uma data (fica difícil de imaginar como será na prática). Após o primeiro dia útil previsto no recibo, havendo para que o preso seja conduzido, assim o será feito, o que será informado de imediato ao MP e à Defensoria Pública, realizando assim a Audiência de Custódia.
“Art. 322. O delegado de polícia concederá fiança no caso de infração penal cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 6 (seis) anos, salvo se verificar a presença dos requisitos da prisão preventiva.
§ 2º Na hipótese do caput, o delegado de polícia poderá aplicar, em decisão fundamentada, a medida prevista no inciso I do art. 319 deste Código, comunicando o juiz competente no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.” (NR)
Com toda certeza, esse é um dos principais dispositivos que afetaram a atividade de delegado de polícia.
A disposição atual do artigo 322 do CPP determina que a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Com o projeto, a concessão da fiança aumentará para 6 (seis anos). Fica ressalvado que fica vedada tal concessão quando estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva.
Portanto, se a infração penal for de 6 (seis) anos de pena privativa de liberdade máxima, e ausente os requisitos autorizadores da prisão preventiva, o delegado de polícia deve arbitrar fiança, já que se trata de um direito subjetivo do investigado.
Verifica-se que a autoridade policial deverá fazer um juízo cognitivo, exercendo efetivamente a função de “primeiro juiz do fato”, já que deverá verificar se o acusado preenche os requisitos para a concessão da prisão preventiva.
Desta forma, mais uma vez, o legislador tem atribuído uma função a mais ao delegado de polícia, quase que uma “função jurisdicional”.
O § 2º aduz, ainda, que o delegado de polícia poderá, em decisão fundamentada, aplicar a medida cautelar prevista no artigo 319, inciso I, do CPP (I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades), comunicando ao juiz tal medida no prazo de 24 horas.
Mais uma vez, o legislador atribui uma função ao delegado de polícia de suma importância.
“Art. 350. A autoridade que arbitrar fiança, ao verificar a hipossuficiência econômica do preso, poderá dispensá-lo do recolhimento do valor arbitrado, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 e à medida cautelar prevista no inciso I do art. 319, todos deste Código.” (NR)
A redação atual aduz: “Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”.
Verifica-se que a redação atual do artigo 350 do CPP aduz que, nos casos em que couber ao juiz arbitrar a fiança, e diante da situação econômica do preso, este poderá ser sujeitado às regras previstas nos artigos 327 e 328 do CPP:
Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.
Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.
O dispositivo pelo projeto menciona “a autoridade”, logo o termo se refere ao juiz de direito ou ao delegado de polícia.
Assim, medidas que hoje são de exclusividade do juiz de direito serão também do delegado de polícia.
Concluindo, percebe-se que, cada vez mais, a função de delegado de polícia tem ganhado importância e exigido do profissional dessa área um amplo conhecimento jurídico, e ainda, de acordo com o projeto comentado, que o delegado de polícia é, efetivamente, um protetor dos direitos humanos, e, mais do que nunca, um “juiz do fato”.
Link do projeto: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=197816&tp=1