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A dissolução da sociedade conjugal e a dissolução do vínculo matrimonial. Consequências

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22/10/2016 às 15:42
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A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles.

I – separação e divórcio

A Lei 6.515/77, editada após a emenda do divórcio, deixou patente a distinção entre separação judicial e divórcio.

De início proibia a conversão da separação em divórcio em menos de um ano, fato que apresentava flagrante inconstitucionalidade.

Na separação, faz-se a partilha, o regime de guarda dos filhos, inclusive se for o caso o compartilhamento.

Qual a diferença entre separação e divórcio?

Separação é uma forma de dissolução da sociedade conjugal, que extingue os deveres de coabitação e fidelidade próprios do casamento, bem como o regime de bens. Fica mantido, contudo, o vínculo matrimonial entre os separados, permitindo-se a reconciliação a qualquer tempo, o que os impede de contrair outro casamento, até que seja realizado o divórcio. Já o divórcio é uma forma de dissolução total do casamento por vontade das partes. Somente após o divórcio é permitido aos cônjuges contrair outro casamento. Em caso de reconciliação do casal após o divórcio, é necessário um novo casamento.

Quais são os requisitos para se fazer o divórcio ou a separação extrajudicial?

Com a publicação da Lei 11.441, de 04/01/07, tornou-se possível a realização de divórcio e separação em cartório, mediante escritura pública da qual constarão as disposições relativas à partilha dos bens comuns do casal, quando houver, e à pensão alimentícia, desde que seja consensual, não haja filhos nascituros ou incapazes do casal e que haja assistência de advogado, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. De acordo com a Resolução CNJ 220/2016, que alterou a Resolução CNJ 35/07, as partes devem, ainda, declarar ao tabelião, que o cônjuge virago não se encontra em estado gravídico, ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição.

Há exceção a esta regra, contudo, em virtude da inclusão dos parágrafos 1º e 2º ao art. 310 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça/ TJRJ– Parte Extrajudicial, senão vejamos:

Art. 310. As partes devem declarar ao Tabelião, no ato da lavratura da escritura, que não têm filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente capazes, indicando seus nomes e as datas de nascimento.

§ 1°. Havendo filhos menores, será permitida a lavratura da escritura, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.

§ 2°. Nas hipóteses em que o Tabelião tiver dúvida a respeito do cabimento da escritura de separação ou divórcio, diante da existência de filhos menores, deverá suscitá-la ao Juízo competente em matéria de registros públicos.

É possível divorciar sem prévia partilha?

Sim, é possível, com fundamento no art. 1581 do Código Civil (este artigo revogou o art. 31 da Lei do Divórcio):

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Deve-se evitar, pois perpetua o litígio, o que é fonte de sérias desavenças e tumultos processuais.

Portanto, o divorciado pode casar antes de proceder a partilha, mas não deve (é bem diferente de ser proibido), a fim de evitar confusão patrimonial com a nova sociedade conjugal, conforme se vê:

Art. 1.523. Não devem casar:

.................

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

Não há impedimento ao casamento de pessoa divorciada e nem existe vedação à decretação do divórcio sem partilha de bens, porém se o divorciado casar, o regime de casamento será obrigatoriamente o de separação total, conforme se constata:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento.

Ou seja, há uma limitação na liberdade de convenção dos cônjuges, porque a falta de partilha no divórcio é causa suspensiva, determinando que se aguarde prazo ou condição que, naquele dado momento, desautorize o enlace. Assim, os nubentes não podem escolher livremente o regime de bens, o que é uma sanção negativa ao descumprimento do dever jurídico, imposta, pois, pela lei. É um ônus, um encargo que a pessoa deve suportar se decidir por determinado ato.

Há o entendimento de que  o que se quer é evitar uma eventual turbação patrimonial, por isso o novo casamento será celebrado obrigatoriamente pelo regime da separação, sem comunhão de aquestos (bens aquestos são aqueles adquiridos pelo esforço comum do casal e não de um só dos cônjuges na vigência do matrimônio, ou seja, são os bens adquiridos na constância do casamento).

Como ficará o regime de bens?

Temos diversos regimes de bens que podem ser objeto hoje de mudança mediante certas condições legais.

O antigo Código Civil impossibilitava alteração do regime de bens escolhido por ocasião da celebração do casamento, ao dispor no artigo 230 que: "O regime de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável".

 O atual Código Civil, ao contrário, em seu artigo 1.639, parágrafo segundo, dispõe que "é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiro".

 É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição da inexistência de dívida de qualquer natureza, sendo , exigida ampla publicidade”.

O Desembargador do TJRS e Presidente do IBDFAM-RS, Luiz Felipe Brasil dos Santos, em artigo intitulado “A mutabilidade dos regimes de bens”, explanou:

“Inovando profundamente na matéria, o Código Civil de 2002 subverte o sistema anterior, e passa a admitir a alteração do regime de bens no curso do casamento, nas condições postas pelo artigo 1.639, § 2o. Sinale-se que, desta forma, o ordenamento jurídico nacional, na linha das legislações mais recentes, faz com que a autonomia de vontade dos cônjuges, no que diz com o ajuste dos efeitos patrimoniais do casamento, amplie-se consideravelmente, não se manifestando apenas no momento anterior ao matrimônio, através da pactuação do regime de bens que adotarão ao casar – momento em que, pelo consagrado princípio da livre estipulação (art. 1.639, “caput”), poderão escolher (salvante as hipóteses em que é obrigatório o regime da separação de bens – art. 1.641, CC) o regime de bens que melhor lhes aprouver – como podendo vir a modificar, ante circunstâncias que a extraordinária dinâmica da vida venha a lhes apresentar, a escolha feita naquele momento precedente.

Para o STJ, é possível alterar o regime de bens do casamento, desde que respeitados os efeitos da opção anteriormente feita pelo casal.

O tema "Alteração do regime de bens na constância do casamento" possui 14 acórdãos. "É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando, então, o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com a ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade", diz um dos acórdãos.

Para os ministros do STJ, o Judiciário deve aceitar o desejo do casal de alterar o regime conjugal, uma vez que “a paz conjugal precisa e deve ser preservada”. No entendimento da Corte, diante de manifestação expressa dos cônjuges, não há óbice legal, por exemplo, de um casal partilhar os bens adquiridos no regime de comunhão parcial, na hipótese de mudança para separação total, desde que não acarrete prejuízo para ambos - entendeu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reformar decisão Justiça do Rio Grande do Sul. No caso, o casal recorrente argumentou que o marido é empresário e está exposto aos riscos do negócio, enquanto a esposa tem estabilidade financeira graças a seus dois empregos, um deles como professora universitária.

Os magistrados de primeiro e segundo graus haviam decidido que é possível mudar o regime, mas não partilhar os bens sem que haja a dissolução da união. Assim, o novo regime só teria efeitos sobre o patrimônio a partir do trânsito em julgado da decisão que homologou a mudança.

O relator do recurso interposto pelo casal contra a decisão da Justiça gaúcha, ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que os cônjuges, atualmente, têm ampla liberdade para escolher o regime de bens e alterá-lo depois, desde que isso não gere prejuízo a terceiros ou para eles próprios. É necessário que o pedido seja formulado pelos dois e que haja motivação relevante e autorização judicial.

Bellizze ressaltou que ainda há controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o momento em que a alteração do regime passa a ter efeito, ou seja, a partir de sua homologação ou desde a data do casamento. O ministro salientou, porém, que há hoje um novo modelo de regras para o casamento, em que é ampla a autonomia da vontade do casal quanto aos seus bens.

No STJ, tem prevalecido a orientação de que os efeitos da decisão que homologa alteração de regime de bens operam-se a partir do seu trânsito em julgado. A única ressalva apontada na legislação diz respeito a terceiros. O parágrafo 2º do artigo 1.639 do Código Civil de 2002 estabelece que os direitos destes não serão prejudicados pela alteração do regime.

“Como a própria lei resguarda os direitos de terceiros, não há por que o julgador criar obstáculos à livre decisão do casal sobre o que melhor atende a seus interesses”, disse o relator. “A separação dos bens, com a consequente individualização do patrimônio do casal, é medida consentânea com o próprio regime da separação total por eles voluntariamente adotado”, concluiu o ministro.

Para que tal modificação ocorra, é imprescindível a autorização judicial, que se dará mediante o ajuizamento de procedimento próprio por ambos os cônjuges, por intermédio de advogado. O pedido deve ser comprovadamente motivado, cabendo ao juiz acolher tal motivação.

Além disso, deve-se também preservar os direitos e interesses de terceiros, o que, aliás, tem se mostrado a maior preocupação dos juízes em relação a estes pedidos.

Para tanto, recomenda-se demonstrar ao juiz, através de certidões negativas dos cônjuges e documentos, que os direitos de terceiros serão preservados, ou seja, que o pedido não é uma tentativa de fraudar eventuais direitos de terceiros, por exemplo, credores.


II - dissolução conjugal e dissolução do vínculo matrimonial

A sociedade conjugal e o vínculo matrimonial são inconfundíveis, pois a sociedade conjugal, de forma simples, significa o convívio, os deveres entre os cônjuges, já o vínculo matrimonial seria o casamento válido propriamente dito, sendo o vínculo matrimonial um instituto maior que a sociedade conjugal. Discorre sobre isso Maria Helena DINIZ (2008):

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O casamento é, sem dúvida, um instituto mais amplo que a sociedade conjugal, por regular a vida dos consortes, suas relações e obrigações recíprocas, tanto morais quanto as materiais, e seus deveres para com a família e a prole. A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo apenas o regime matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um deles. Daí não se poder confundir o vínculo matrimonial com sociedade?

Com base no art. 1.571 do Código Cívil incisos I,II,III, IV e parágrafo primeiro, o vínculo matrimonial, somente é dissolvido pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges. A separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair novas núpcias. Pode-se, no entanto, afirmar que representa a abertura do caminho à sua dissolução.

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

§ 1º – O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

Confundindo assim muito a população, justamente pelos efeitos práticos entre divórcio e separação judicial serem muito parecidos.


III – a separação judicial   

A separação, portanto, é considerada uma dissolução da SOCIEDADE CONJUGAL, ou seja, um instituto que visa pôr fim aos deveres implícitos em uma relação matrimonial, qual sejam, fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos, todos contidos no art. 1.566 do Código Civil, porém os cônjuges não podem contrair novas núpcias, justamente por não romper com o vínculo matrimonial já detalhado anteriormente

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da formulação da súmula 39 acabou com uma discussão que já levava tempo, qual foi, a extinção da separação judicial após a criação da possibilidade de divórcio:

39. A Emenda Constitucional 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, dispensados, porém, os requisitos de um ano de separação de fato (quando litigioso o pedido) ou de um ano de casamento (quando consensual).

Referência: Incidente de Prevenção ou Composição de Divergência em Apelação Cível nº 70045892452, julgado em 05.04.2012. Sessão do 4º Grupo Cível. Disponibilização DJ nº 4820, de 27.04.2012, Capital, 2º Grau, p. 210.

De acordo com Maria Helena Diniz (2009):

"Duas são as espécies de separação judicial: a) consensual (CC, art. 1.574), ou por mútuo) consentimento dos cônjuges casados há mais de uma ano, cujo acordo não precisa ser acompanhado de motivação, mas para ter eficácia, requer homologação judicial depois de ouvido o Ministério Público; b) a litigiosa, ou não consensual, efetivada por iniciativa da vontade unilateral de qualquer dos consortes, ante as causas previstas em lei."

Portanto, as pessoas entram com a ação de separação apenas para discutir culpa, o que torna um procedimento mais demorado e oneroso para uma dissolução da sociedade conjugal.


IV  - separação de fato  

È uma situação fática. A separação de fato pode ser entendida como uma decisão, dos próprios cônjuges, não sendo mais possível conviver em harmonia, em por fim a sociedade conjugal, sem, no entanto, recorrer aos meios legais.

Para caracterização da separação de fato, é necessário o preenchimento de alguns requisitos de acordo com Guilherme Calmon Nogueira GAMA:

Dentro da distinção entre características e requisitos, importante enunciar inicialmente as características da separação de fato: (a) objetivo de dissolução da família matrimonial anteriormente formada (ainda que de um somente); (b) instabilidade; (c) continuidade; (d) notoriedade; (e) ausência de formalismo. E, como requisitos, mais uma vez, é relevante a distinção entre os requisitos objetivos e subjetivos. Assim, podem ser enumerados os requisitos indispensáveis à configuração da separação de fato: A ? requisitos objetivos: (a) a existência de casamento válido; (b) ausência de óbice a dissolução da sociedade conjugal; (c) superveniente falta de comunhão de vida; (d) lapso temporal de separação fática; (e) falta de justo motivo para a separação; B ? requisitos subjetivos: (a) intenção de não mais conviver (impossibilidade de reconstituição da vida em comum); (b) ausência de affectio maritalis.?

Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, podemos verificar, que mesmo a separação sendo de fato e não judicial, desde que comprovada, não há mais deveres entre os cônjuges, pois caracterizaria o fim da sociedade conjugal, como por exemplo o dever da fidelidade recíproca:

DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM NOME DA COMPANHEIRA POR HOMEM CASADO, JÁ SEPARADO DE FATO. DISTINÇÃO ENTRE CONCUBINA E COMPANHEIRA. As doações feitas por homem casado à sua companheira, após a separação de fato de sua esposa, são válidas, porque, nesse momento, o concubinato anterior dá lugar à união estável; a contrario sensu, as doações feitas antes disso são nulas. Recurso Especial de M.S.O conhecido em parte e, nessa parte, provido; recurso especial de F.P.P.T não conhecido.? (REsp 408.296/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe 24/06/2009)

Analisando o julgado, é notória a justificativa do julgador, pois se é possível contrair união estável sendo separado de fato, seria contraditório dizer que implicaria no dever da fidelidade.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A dissolução da sociedade conjugal e a dissolução do vínculo matrimonial. Consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4861, 22 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51293. Acesso em: 19 abr. 2024.

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