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A tutela de evidência e seus reflexos no âmbito do direito tributário

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23/09/2017 às 16:38

Resumo:


  • A tutela de evidência no Direito Tributário pode ser considerada uma hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e é admissível em sede de liminar em Mandado de Segurança.

  • O novo CPC de 2015 introduziu a tutela de evidência, que dispensa a demonstração de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, podendo ser concedida com base em prova documental e tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.

  • A aplicabilidade da tutela de evidência no âmbito tributário não inova o rol do art. 151 do CTN e está alinhada com os requisitos do Mandado de Segurança, como a necessidade de prova pré-constituída e a caracterização de direito líquido e certo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discute-se a compatibilidade da tutela de evidência no âmbito do direito tributário como uma hipótese de suspensão do crédito tributário e o seu cabimento em sede de liminar em mandado de segurança.

RESUMO:Essa pesquisa teve como temática a discussão da compatibilidade da tutela de evidência no âmbito do Direito Tributário como uma hipótese de suspensão do crédito tributário e o seu cabimento em sede de liminar em Mandado de Segurança.

PALAVRAS – CHAVE:Tutela de evidência. Suspensão da exigibilidade do crédito. Mandado de Segurança. Liminar. Cabimento.

ABSTRACT:This research was subject to evidence of protection of the compatibility of the discussion in the tax law as a suspension hypothesis of the tax credit and its appropriateness in injunction headquarters in Writ of Mandamus

KEYWORDS:Protection evidence. Suspension of payment falls due. Writ of Mandamus. Injunction. Pertinence.

SUMÁRIO:1. Tutela provisória. 2. A tutela de evidência como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. 3. Tutela de evidência em sede de liminar em mandado de segurança. 4. Considerações finais. 5. Referências.


INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, buscou-se discutir, sem se esgotar o tema, a respeito da nova disposição do Código de Processo Civil sobre Tutela Provisória e suas espécies de divisão, fazendo-se sempre que possível analogia com o antigo CPC 73.

Tentou-se aprofundar o tema a respeito da tutela de evidência em si e suas possíveis implicações no ramo do direito tributário, especialmente no tema ligado as liminares em sede de Mandado de Segurança.

A pesquisa foi feita em modelo teórico, com base em livros, revistas e jurisprudência atualizada acerca do tema, de modo a verificar a compatibilidade da medida e suas possíveis reflexões no âmbito do Direito Tributário.


I - Tutela provisória

Com a vigência do novo Código de Processo Civil de 2015 surgiu a Tutela Provisória[1], gênero esse dividido em duas espécies: a tutela de urgência e a tutela de evidência.

O novo CPC uniu os institutos da tutela antecipada e as cautelares em um único instrumento chamado “tutela provisória”, acabando assim com a distinção que havia entre os mesmos, sendo de cunho satisfativo (antecipação do pedido) e cunho protetivo (uma respostas prévia do Estado-Juiz para assegurar o provimento final), respectivamente.

A tutela de urgência[2] se baseia quando houver indícios ou elementos mínimos que atestem ou corroborem a probabilidade do direito alegado. Fazendo-se uma analogia com o código anterior, especificamente com o procedimento cautelar, percebe-se a semelhança que esse requisito possui com o fumu boni iuris ou fumaça do bom direito, como um requisito para concessão das cautelares.

Além da probabilidade do direito, a parte incumbe demonstrar o perigo de dano ou o possível risco que a não concessão pode ocasionar para a efetividade do processo com a possibilidade de perda do interesse processual ou a perda do bem objeto do litígio. Novamente é possível se fazer uma comparação com o antigo procedimento cautelar, com nítida similaridade com o requisito do periculum in mora ou perigo da demora que se pode causar ao resultado útil do processo.

A tutela de evidência[3] será concedida independentemente da demonstração da existência de perigo, dano ou risco ao resultado útil do processo, ou seja, nessa modalidade de tutela provisória, não há o que se falar do periculum in mora, apenas deve-se comprovar a probabilidade do direito alegado, encarregando-se o próprio Código de estabelecer suas hipóteses de cabimento.

Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Como se pode perceber, os casos expostos não trazem questões de urgência da prestação jurisdicional, são hipóteses em que o próprio legislador considerou que o direito do autor é tão cristalino que chega a ser “evidente”, não assistindo razão em se negar uma tutela jurisdicional prévia em relação ao julgamento final diante da robustez e liquidez de seu direito apresentado, mesmo que ausente o periculum in mora.

Leciona Wambier[4] a respeito que:

Tais situações não se confundem, todavia com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (art. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória.

O magistrado poderá decidir liminarmente nas hipóteses dos incisos II e III do art. 311 do novo CPC, hipóteses essas que incumbe à parte demonstrar: (i) prova documental que ateste as alegações de fato somadas à tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; e (ii) prova documental adequada do contrato de depósito.

Como se verá adiante, a tutela de evidência é perfeitamente compatível com o direito tributário, principalmente, pela disposição expressa no art. 311, inciso II, CPC.


II – A TUTELA DE EVIDÊNCIA COMO CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O termo exigibilidade é referente ao direito do crédito oriundo da obrigação tributária que se forma entre o sujeito ativo (credor) e o passivo (devedor), característica essa só conferida graças à certeza e liquidez que o mesmo possui.

A certeza e a liquidez só serão verificadas no ato de lançamento que homologa o procedimento tendente a verificar a ocorrência do evento jurídico tributário (fato gerador), montante devido (base de cálculo x alíquota), sujeitos da relação, etc., surgindo assim à exigibilidade da obrigação tributária e consequentemente do seu crédito.

A suspensão da exigibilidade serve para impossibilitar o Fisco na promoção de atos de cobrança do crédito respectivo da obrigação tributária. O que se suspende é a exigibilidade e não o crédito em si. Para ser executável um título precisa ter os seguintes atributos: certeza, liquidez e exigibilidade. A falta de uma delas desnatura a execução.

A doutrina majoritária entende que as hipóteses de suspensão da exigibilidade são taxativas, esse entendimento é corroborado pelo fato que o art. 141 do CTN afirmar que:

Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

Ademais, afirma o art. 111, I, do CTN que as hipóteses de suspensão do crédito tributário serão interpretadas literalmente.

Apesar do entendimento majoritário, corrente considerável da doutrina e jurisprudência tem se inclinado pela flexibilização das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, art. 151, do CTN.

Nesse sentido, entende Íris Vânia Santos Rosa[5] afirmando ser possível admitir novas possibilidades, lastreada em princípios constitucionais, podendo ser aplicadas por analogia às existentes.

O próprio STJ admite certa flexibilização das hipóteses de suspensão da exigibilidade, afirmando que o pedido administrativo de compensação de tributo suspende a exigibilidade e impede o ajuizamento da execução fiscal. Nesse sentido:

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO DO EXECUTADO E CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARA OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. VERBA HONORÁRIA A SER SUPORTADA PELA FAZENDA. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em que o pedido administrativo de compensação de tributos possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. Precedentes.  2. São devidos honorários advocatícios contra Fazenda Pública se a execução fiscal foi extinta após a citação do devedor e, em especial, se houve a contratação do advogado para que fosse apresentada exceção de pré-executividade. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1192182/PR, Rel. min. HAMILTON CARVALHIDO, primeira turma, julgado em 24/08/2010, DJe 04/10/2010)

O pedido de compensação não se trata de impugnação nem de recurso administrativo, sendo uma nova hipótese não elencada no art. 151 do CTN e amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência do STJ como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ressaltando assim a posição adotada mesmo que discretamente pela flexibilização das hipóteses de suspensão.

O próprio artigo 151 do CTN possui dois incisos afirmando ser possível a concessão de liminares como hipóteses de suspensão da exigibilidade, inciso IV e V.

Como o Direito Tributário não possui um código de processo tributário específico, muitas de suas disposições processuais se amparam na utilização do Código de Processo Civil naquilo que não lhe seja contrário, sendo lá estipulado a definição, conteúdo e alcance das liminares.

Percebe-se que o CTN utilizou da lei geral sobre processo, o CPC, para definir sua aplicação no âmbito tributário. Com a mudança da legislação processual do CPC 73 para as novas disposições já sobre vigência do CPC 2015, como já anteriormente afirmado, não existe mais a separação de liminares (cautelares) e tutelas antecipadas, sendo ambas conceituadas como parte do gênero tutelas provisórias.

Como o CTN embasava processualmente essa temática na lei geral, o CPC, se houvesse qualquer alteração nesse tema, também se repercutiria no âmbito do Direito Tributário, devendo as disposições do CTN serem atualizadas, sendo agora possível a tutela de urgência e a tutela de evidência, não mais havendo o que se falar de tutela antecipada e suas implicações na suspensão da exigibilidade, art. 151, V do CTN.

Com a devida vênia, no meu entender não se trata de novas hipóteses de suspensão da exigibilidade, cuida-se de uma releitura atualizada dos institutos estipulados na lei geral processual então vigente, o CPC 2015, para sua correta adequação e cabimento no âmbito do Direito Tributário.

Como lei posterior revoga lei anterior, não faz sentido o CTN amparar suas hipóteses processuais no antigo código se existe um novo então vigente, sendo perfeitamente compatível com suas disposições.


III – TUTELA DE EVIDÊNCIA EM SEDE DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA

Afirma José da Silva Pacheco sobre o Mandado de Segurança[6]:

O mandado de Segurança surgiu num momento em que se objetivava “ultrapassar o formalismo do procedimento ordinário, no processo judicial, a fim de obter solução rápida e urgente, impedindo o ato judicial violador ou tornando-o insubsistente, antes que se consumasse ou aumentasse o prejuízo, num contexto em que (a) a ação sumária era insuficiente por carecer de procedimento rápido e expedito; (b) o habeas corpus restringia-se aos casos de violação ou ameaça da liberdade de locomoção; (c) os interditos tinham aplicação restrita à proteção da posse das coisas corpóreas.

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A respeito das liminares, leciona Camila Vergueiro Catunda[7]:

A idéia de medida liminar que temos atualmente, concedida in limine, no início do processo e sem que ainda tenha havido a oitiva da parte contrária (enquanto ainda ausente o contraditório, portanto), foi incrustada no sistema jurídico com a regulamentação do remédio constitucional pela Lei Federal n. 191 de 16/01/1936, pois, a partir de então passou a ser assegurada ao magistrado a possibilidade de suspensão imediata do ato coator quando verificada a relevância do direito invocado e o risco de lesão grave ou irreparável ao direito invocado pelo impetrante.

A lei que prevê o Mandado de Segurança é a lei 12.016/09, afirmando que será cabível nas hipóteses em que se planeja proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja em que categoria for e sejam quais forem as suas funções.

O art. 7, inciso III da referida Lei prevê expressamente a possibilidade de concessão de medida liminar desde que haja “fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida”, sendo facultado do juiz se exigir caução, fiança ou depósito do impetrante.

O §2º desse mesmo artigo prevê as hipóteses que não será concedida a medida liminar: (i) objeto de compensação de créditos; (ii) entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior; (iii) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (iv) concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamentos de qualquer natureza.

Novamente, como a Lei especial do Mandado de Segurança foi feita amparada na lei geral processual, CPC, a medida tinha de ter sempre natureza cautelar, protetiva, não podendo possuir cunho satisfativo, uma vez que esse elemento era característico das tutelas antecipadas.

Como já explicado, com a vigência do novo CPC 15, acabou-se a distinção de antecipações de tutela e procedimentos cautelares e criou-se a espécie tutela de evidência, sem o requisito do risco de dano, podendo ser ainda concedida em liminar.

Paulo Cesar Conrado a respeito do tema entende[8]:

Como o CPC/15 não define, materialmente, os efeitos extraíveis da tutela de evidência (deixando de apontar, por outros termos, se a providência por ela aparelhada é cautelar ou satisfativa), fica a questão desde logo: o jurisdicionado pode pedir tutela de evidência apenas para um, para outro ou para ambos os fins?

Em princípio, poderíamos dizer que, por não restritivo, o novo estatuto caminharia para uma posição mais abrangente, contemplando, via tutela de evidência, tanto as providências cautelares como as satisfativas.

Se assim for, partindo-se da premissa (já assentada) de que liminar em mandado de segurança é submodelo de cautelar, o que se poderia concluir é para além das condições gerais fixadas nos incisos do artigo 7º da Lei 12.016/2009, seria possível a concessão da aludida medida sob o regime do art. 311 (especificamente o seu inciso II)

Como anteriormente já afirmado sobre a necessidade de atualização da linguagem empregada no código e a interpretação de seus signos pelo intérprete segundo a nova sistemática adotada, não haveria o que se falar de ofensa a nenhuma lei, uma vez que a Lei especial deve ser interpretada em conjunto com a lei geral e não isoladamente.

Nesse sentido entendeu o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC no enunciado nº 422 “A tutela de evidência é compatível com os procedimentos especiais”.

André Vasconcelos Roque[9] traz um exemplo para elucidar melhor um caso:

Imaginemos que a ilicitude de determinado tributo tenha sido reconhecida em recurso especial repetitivo. Nas ações individuais subsequentes sobre a mesma matéria, bastaria ao autor, por exemplo, demonstrar documentalmente suas alegações e o enquadramento de seu caso na tese jurídica definida no recurso especial repetitivo para fazer jus à tutela de evidência que suspendesse a exigibilidade do tributo (art. 311, II), sem que fosse necessário demonstrar o periculum in mora.

Como se pode ver, perfeitamente cabível o manejo do Mandado de Segurança cumulado com pedido de concessão de liminar com base na tutela de evidência do art. 311, II, do novo CPC 2015, desde que corroborada por prova exclusivamente documental, o que caminha lado a lado com a necessidade de prova pré-constituída em sede de Mandado de Segurança e a impossibilidade de dilação probatória; sendo a tese firmada em julgamento de recursos repetitivos ou súmula vinculante para embasar ainda mais a probabilidade do direito líquido e certo.

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. A tutela de evidência e seus reflexos no âmbito do direito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5197, 23 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51858. Acesso em: 21 dez. 2024.

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