Capa da publicação Conflito de competência entre o CADE e o BACEN na concentração de instituições financeiras
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O conflito positivo de competência entre o CADE e o BACEN na análise dos atos de concentração de instituições financeiras

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22/08/2017 às 14:08
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4.    UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O FUTURO

Foi proposto em 2015 o Projeto de Lei do Senado Federal 350[10] que altera os dispositivos da lei bancária e da lei antitruste para definir o CADE como órgão competente para a realização da análise dos atos de concentração de instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional, mantendo-se, no entanto, a competência do BACEN nas hipóteses em que a concentração puder afetar a higidez do Sistema Financeiro Nacional

Isso significa que, com o advento deste projeto, a competência para a análise dos atos de concentração de instituições financeiras será compartilhada entre as duas autarquias, cabendo ao BACEN zelar pelo equilíbrio do SFN e ao CADE zelar pela concorrência no setor financeiro. A legislação bancária, por exemplo, sofrerá a seguinte alteração:

“Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:

[...]

X - Conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam:  

[...]

c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas, respeitado o exercício da competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)” (Grifo nosso)

[...]                                                                     

g) alienar ou, por qualquer outra forma, transferir o seu controle acionário, respeitado o exercício da competência do Cade;”(grifo nosso)

Além dessa alteração, o artigo 10º da referida lei será acrescido do inciso XIV e do parágrafo 3º, que estipulam a análise prévia realizada pelo BACEN para averiguar se no caso concreto aquele  ato de concentração tem o poder de afetar os objetos do SFN e, em caso positivo, a notificação do CADE para que se abstenha de realizar o controle concorrencial daquela concentração.

A lei antitruste, por sua vez, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 9o  Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei: 

[...]

XX – zelar pela defesa da concorrência no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, decidindo os processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica instaurados pela Superintendência-Geral e os processos administrativos de atos de concentração econômica, na forma desta Lei e da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.(grifo nosso)

Esse projeto tem como objetivo por fim ao conflito de competência entre as autarquias, trazendo a previsão tanto na legislação bancária quanto na legislação concorrencial da complementaridade entre as competências do CADE e do BACEN no que tange os atos de concentração do Setor Financeiro Nacional.

O projeto encontra-se em regular tramitação no Senado Federal. Entretanto, enquanto não for aprovado, o conflito continua, bem como a busca por outras soluções para o impasse, vez que, na vigência da atual legislação, não há espaço para a competência complementar entre as duas autarquias.

Nesse sentido, há um direcionamento doutrinário de grande relevância para o debate, tendo em vista que por diversas vezes tal posicionamento foi adotado pelo CADE em outros conflitos de competências.


5.    A APLICAÇÃO DA DOUTRINA “PERVASIVE POWER” NO DIREITO BRASILEIRO

Com a necessidade de definir de forma mais clara as competências dos órgãos antitrustes e dos órgãos regulatórios no que diz respeito aos mercados regulados surge na Suprema Corte norte-america as figuras da doutrina “state action” e “pervasive power”.

A leitura mais precisa dessas doutrinas ao ordenamento jurídico brasileiro foi feita por Calixto Salomão Filho e o CADE em seus julgados tem se debruçado sobre esses aspectos para definir sua própria competência em setores regulados.

No que se refere ao conflito de competência entre o CADE e o BACEN nos interessa a leitura realizada acerca da doutrina ”pervasive power”, uma vez que ela se concentra no conflito entre agências federais, enquanto a doutrina “state act” decorre da própria estrutura do federalismo norte-americano, que preza pela autonomia dos estados-membros da federação nos mais diversos aspectos – incluindo-se os regulatórios.

Trata-se, portanto, da análise das competências regulamentares concedidas às agências regulatórias, hipóteses nas quais, quando for verificada a presença de poder amplo (pervasive) o suficiente conferido a agência reguladora, poderá ser afastada a competência concorrencial do órgão antitruste.

Dessa forma, aponta Calixto Salomão filho que existem duas hipóteses nas quais é possível verificar a existência de poder amplo conferido a agência regulatória.

Numa primeira hipótese, o poder deve ser extenso o bastante para afastar a aplicação da legislação concorrencial, isto é, o poder deve ser conferido com o intuito de substituir o sistema concorrencial pela regulação. Nessa hipótese, é possível presumir a substituição do controle de mercado pelo controle governamental quando é atribuído ao órgão poderes para controlar decisões empresariais que, em regra, são controladas exclusivamente pelo próprio mercado, como o controle de entrada e saída das empresas do mercado e os preços por elas cobrados.

“Segundo esse critério, a atribuição a um órgão de poderes tão amplos incidentes sobre decisões empresariais que normalmente seriam tomadas com base apenas nos indicadores do mercado demonstra a existência de intenção de substituir o sistema concorrencial pelo sistema da regulamentação e fiscalização estatal. Os atos ou contratos realizados segundo suas determinações gozam, portanto, de imunidade (implícita) à aplicação do direito antitruste. Nessa versão da teoria do pervasive power a imunidade deriva da extensão dos poderes atribuídos ao órgão regulamentar.”[11]

Existe, ainda, um segundo critério adotado pela “pervasive power doctrine” no que tange a amplitude do poder conferido a agência regulatória. Mesmo no caso do órgão regulamentar não ser dotado de poderes extensos o bastante para afastar o sistema concorrencial, há que se verificar se os poderes conferidos ao órgão são profundos o bastante para fazê-lo. Neste sentido, trata-se de uma discussão sobre quem detêm competência para aplicar os princípios concorrenciais aos setores regulados.

O poder da agência regulatória será dotado de profundidade quando por hipótese as regras concorrenciais forem aplicadas nas análises das condutas e das estruturas pelo órgão regulador na instrução de seus procedimentos.

Portanto, embora não dotado de extensãono exercício regular de sua competência inclui-se a análise de aspectos de mercado, sendo profundo o bastante para englobar a análise concorrencial.

“A análise da profundidade dos poderes estatais Poe em realce um aspecto muito importante. A profundidade, ao contrário da extensão, não pode se determinada de maneira eficaz sem a veirficação da atuação efetiva da referida agência ou órgão. As competências são geralmente estabelecidas em termos genéricos, sem especificar as matérias que devem ser levadas em consideração na aplicação da lei (e nem seria possível exigir o contrário). Dessa maneira é necessário analisar a atuação pretérita do órgão.”[12]

Sustenta o autor, ainda, que a existência de atuação efetiva da agência reguladora, apenas, não basta. Necessário também que esta seja dotada de capacidade técnica e conhecimento superior sobre o mercado regulado do que aquele que é possível imaginar que o Judiciário ou os órgãos antitrustes possam ter em razão das peculiaridades demandadas por aquele setor em específico.

Portanto, presentes o requisito da extensão ou da profundidade dos poderes conferidos ao ente regulatório, não há que se falar em controle das condutas e das estruturas pela autoridade antitruste.

No caso do Sistema Financeiro nacional, Calixto Salomão Filho argumenta no sentido de que para averiguar a profundidade do poder conferido ao SFN e sua consequente imunidade antitruste seria necessário o preenchimento de três requisitos. São eles:

  • Dispositivos legais e constitucionais que regulamentam ao menos o gênero de comportamento ou situação em análise;
  • Órgão estatal ou agência regulamentar independente encarregada da fiscalização do setor específico, autorizada a levar em consideração dos os aspectos envolvidos, inclusive os efeitos sobre o mercado e;
  • Efetiva atuação desse órgão no controle e fiscalização do setor, que demonstre sua consideração dos aspectos mercadológicos (SALOMÃO FILHO, 2013, pag. 285)
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Sendo assim, observa-se que o Sistema Financeiro Nacional preenche os dois primeiros requisitos acima expostos em razão da existência de previsão para análise de questões concorrenciais na lei bancária e a existência do próprio BACEN.

Entretanto, é necessário averiguar se o BACEN, de fato, exerce sua competência concorrencial, debruçando-se sobre questões mercadológicas do ponto de vista da concorrência ao realizar suas análises dos atos de concentração das instituições financeiras.

Para o doutrinador, o banco central jamais exerceu essa competência teórica em matéria concorrencial, razão pela qual, por mais que seja plenamente possível afastar a competência do CADE no setor financeiro, principalmente em razão da expertise do BACEN, não será possível considerar o poder do Banco Central do Brasil profundo o bastante para fazê-lo “até que se demonstre efetiva assunção da fiscalização, também do ponto de vista concorrencial” (SALOMÃO FILHO, 2013, pag. 288).


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após apresentadas às iniciativas que visam à resolução desse conflito positivo de competência entre o CADE e o BACEN, é preciso ressaltar que, na vigência da atual legislação, não há espaço para a competência complementar entre as autarquias, como sustentado por Calixto Salomão Filho, pois a lei bancária confere ao BACEN as mesmas competências em relação às instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional que a lei antitruste confere ao CADE em relação às empresas em geral no que diz respeito à análise e fiscalização sobre aspectos concorrenciais de mercado.

Por outro lado, a lei bancária tem caráter específico enquanto a lei antitruste possui caráter geral. Dessa forma, por força do princípio da especialidade, a lei bancária não pode ser derrogada pela lei antitruste.

Portanto, apenas será possível aplicar o princípio da complementaridade se houver alterações nos dispositivos da lei bancária e da lei antitruste, como sugere o PLS 350 de 2015, que determina que será do BACEN a competência para realizar a análise dos atos de concentração que possam impactar na higidez do setor financeiro e, nos demais casos, a competência será do CADE, conforme exposto no item 4. Mas na vigência da atual legislação, como sustentando, também, pelas decisões judiciais em relação ao conflito, deve prevalecer o princípio da especialidade, sendo a lei bancária preponderante em relação à lei antitruste.

Não obstante, a doutrina norte-americana do poder amplo, ou “pervasive power”, nos oferece importantes mecanismos para dirimir o conflito entre as autarquias.

Conforme ressaltado no item 5, há o entendimento de que, apesar de dotado de plena competência para a realização da análise concorrencial, o BACEN, ao instruir os procedimentos referentes aos atos de concentração não o faz. Por essa razão, seus poderes não seriam dotados de profundidade o bastante para afastar a competência do CADE.

Entretanto, nos últimos anos a autoridade financeira tem se especializado em questões concorrências, como demonstra a circular nº 3.590 do BACEN[13], onde há a previsão expressa de que a autarquia realizará a análise dos atos de concentração sob o ponto de vista concorrencial, embora sem prejuízo da análise sob a ótica da estabilidade do SFN, e o comunicado nº 22.366 de 2012[14], que instituiu a guia para análise dos atos de concentração envolvendo instituições financeiras com o objetivo de orientá-las em relação à metodologia e as etapas a serem observadas no exame concorrencial feito pela autarquia.

As etapas de análise dos atos de concentração previstas na referida guia envolvem:

  • A definição de mercados relevantes, debruçando-se sobre sobreposições horizontais e integrações verticais;
  • A determinação de parcelas de mercado sob controle das instituições participantes daquele ato, preocupando-se com concentrações que resultem na dominação de altas parcelas do mercado relevante;
  • A análise quanto á probabilidade do exercício de poder de mercado pela instituição, analisando a possibilidade de alterações unilaterais ou coordenadas no mercado;
  • A análise quanto a eventuais eficiências econômicas que possam ser geradas pelo ato e;
  • A avaliação entre o custo e o benefício do ato de concentração.

Sendo assim, é clara a intenção do Banco Central do Brasil em especializar-se nos aspectos do direito concorrencial, somado a sua expertise em relação ao SFN, para que assim possa exercer plenamente a competência teórica em matéria antitruste que a lei bancária conferiu a autarquia. Por essa razão, no atual cenário legal que envolve esse conflito, é possível que o poder conferido a ao BACEN torne-se profundo o bastante para afastar a competência do CADE em relação às instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional.

Dessa forma, seja pelo princípio da especialidade adotado pelo STJ, ou pela plena caracterização da profundidade do poder conferido ao BACEN nos aspectos da doutrina “pervasive power”, no atual cenário legislativo, a tendência é que a competência exclusiva do BACEN seja mantida pelo poder judiciário em seu posicionamento final.

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Sobre o autor
Victor Pegoraro

Bacharel em Direito e especializando em Direito Empresarial. Advogado em São Paulo. Sócio de Pegoraro Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEGORARO, Victor. O conflito positivo de competência entre o CADE e o BACEN na análise dos atos de concentração de instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5165, 22 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52968. Acesso em: 22 nov. 2024.

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