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Poder de apreensão do delegado de polícia

07/03/2017 às 15:15
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Dentre os diversos meios de obtenção de prova à disposição da autoridade de Polícia Judiciária, a maioria passível de utilização por autoridade própria, a apreensão ganha destaque, relativizando direito fundamental do investigado em prol de uma investigação criminal eficaz.

A importante função de investigação criminal, essencial e exclusiva de Estado, foi sabiamente adjudicada à Polícia Judiciária, órgão imparcial da persecução penal.[1] A Polícia Civil e a Polícia Federal, órgãos vocacionados para levar adiante as apurações, tiveram seu protagonismo estabelecido não apenas pelo legislador ordinário (art. 2º da Lei 12.830/13 e art. 2º-A, parágrafo único da Lei 9.266/96), mas pelo próprio legislador constitucional (art. 144, §§1º e 4º da Constituição Federal). Aliás, observando as discussões da Assembleia Constituinte de 1988, constata-se que o constituinte originário teve a oportunidade de adotar modelo diverso, mas preferiu manter a Polícia Judiciária como principal figura da investigação criminal.

A investigação criminal, ao perquirir a reconstrução histórica dos fatos a fim de atender ao interesse público de possibilitar a responsabilização de infratores, envolve um caminhar invasivo na esfera de direitos fundamentais. É indubitável que o inquérito policial repercute nos bens jurídicos mais caros ao cidadão, quais sejam, liberdade, patrimônio e intimidade, e por isso mesmo afeta o eu e suas circunstâncias.[2]

Com efeito, o legislador conferiu à Autoridade de Polícia Judiciária uma série de instrumentos para possibilitar que cumpra de modo satisfatório seu mister. O desenho constitucional adotado, da reserva relativa (e não absoluta)[3] de jurisdição, significa que nem todos os atos de Polícia Judiciária precisam da chancela prévia do Judiciário, sistemática que, sem afastar o controle judicial, reforça a importância da tomada de decisões pelo delegado de polícia.

Além do poder geral de polícia (art. 6º, III do CPP), que permite à Autoridade Policial colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias, chama a atenção o poder de apreensão do delegado de polícia. Trata-se de providência inserida no plexo de atos que podem ser concretizados sponte sua pela autoridade de Polícia Judiciária, independentemente de autorização judicial anterior.

Nesse panorama, a apreensão de bens sobressai-se como uma das principais medidas constritivas do patrimônio, podendo mitigar também a intimidade do indivíduo. Destaca-se como um relevante mecanismo de busca da verdade pela Polícia Judiciária.

Vale distinguir a busca, que significa a procura de objetos de interesse da investigação criminal em pessoas e coisas (revista) ou em locais (varejamento),[4] da apreensão propriamente dita, que corresponde à detenção jurídica da coisa pelo Estado, rompendo seu vínculo com o antigo possuidor ou proprietário e retirando-a da esfera de quem a detém.[5]

É dizer, apesar de estarem umbilicalmente ligadas, a apreensão não depende de prévia busca. Em que pese a regra geral ser a constrição antecedida de varredura, nem sempre ela é necessária para se apreender o objeto de interesse da investigação. Pode acontecer de a coisa ser entregue voluntariamente na Delegacia de Polícia, ou o policial se deparar fortuitamente com o bem em local público. Assim como é perfeitamente possível que a busca não seja sucedida de apreensão, quando restar frustrada a diligência de localização.

A medida evita o perecimento da prova, possibilitando a formação do lastro probatório necessário à demonstração da ocorrência delito e sua vinculação ao agente, viabilizando a responsabilização do autor.

Isso posto, é necessário pontuar quando é possível a apreensão, ou seja, definir seus requisitos. Vale sublinhar que, como a busca traduz a procura de objetos de interesse da investigação criminal em pessoas, coisas ou locais, e a apreensão a ulterior constrição da coisa afetivamente achada, os objetivos da busca confundem-se com os requisitos da apreensão.

Os requisitos manifestam-se no binômio utilidade e pertinência,[6] e estão expressos na Lei Processual Penal. A utilidade é demonstrada pela vedação à restituição das coisas apreendidas, o que representa, a contrario sensu, a exigência de manutenção da apreensão (art. 118 do CPP). A pertinência se evidencia pela ligação do objeto com o fato (art. 6º, II do CPP).

Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

(...)

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

Destarte, deverá permanecer apreendido, vedando-se a restituição, o bem que interessar ao processo (utilidade) e tiver relação com o fato (pertinência).

Quanto à utilidade, conquanto a lei tenha utilizado o termo processo, o interesse não se limita à fase processual, não podendo a coisa apreendida ser restituída se interessar ao inquérito policial.[7] Utilizando-se uma interpretação teleológica, conclui-se que a palavra processo foi utilizada em sentido genérico, devendo ser entendida como o gênero persecução penal, do qual são espécies a investigação e o processo.

Existe uma presunção legal de utilidade à persecução penal, relativa aos instrumentos, produto e proveito do crime (art. 119 do CPP), pois não podem ser restituídos durante o curso da investigação e do processo. Nada mais adequado, pois são os objetos que servem para provar a materialidade delitiva e delimitar a autoria, permitindo também a satisfação dos efeitos da condenação. Vale destacar que, para a apreensão do proveito do delito, deve ser utilizado o sequestro - medida cautelar patrimonial (arts. 132, 125 e 126 do CPP e art. 91, §2º do CP), ficando a busca e apreensão reservada para a obtenção do instrumento e produto do crime - medida cautelar probatória (art. 240, §1º, d e c).

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No que tange à pertinência, a redação legal estabelece que, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais. Por óbvio, quando não houver cena de crime ou os peritos não comparecerem, o delegado de polícia determina a apreensão do objeto e em seguida requisita a perícia sobre o objeto.

Pertinência consiste na relação do objeto com o fato. Para ser apreendido, o bem, além de ser útil à persecução penal, deve possuir vinculação com o caso. Nada mais adequado, afinal, não faria sentido, por exemplo, a constrição de instrumento de um crime diverso daquele investigado.

Com efeito, todo objeto útil à persecução penal é também pertinente, mas nem todo bem pertinente tem utilidade para a investigação ou o processo. A pertinência está contida pela utilidade.

Os objetos úteis e pertinentes podem servir para:

a) comprovar a materialidade delitiva e delimitar a autoria (art. 2º, §6º da Lei 12.830/13). Enquanto nos delitos transeuntes a apreensão decorrerá da discricionariedade do delegado de polícia, no caso crimes que deixam vestígios é indispensável o exame de corpo de delito (art. 158 do CPP), devendo a prova testemunhal ser utilizada apenas subsidiariamente (art. 167 do CPP);

b) permitir a satisfação dos efeitos da condenação - confisco pelo Estado, reparação da vítima e asfixia financeira do criminoso (art. 91 do CP);

c) facultar a contraprova em relação à perícia realizada (arts. 159, §6º, art. 170 e 530-F do CPP, e arts. 50 e 50-A da Lei 11.343/06);

d) restituir o bem ao proprietário ou possuidor, satisfazendo o interesse legítimo da vítima (art. 119, in fine do CPP);

e) reconstituir o fato delituoso (art. 7º do CPP);

f) exibir o instrumento do crime no plenário do Tribunal do Júri (art. 480, §3º do CPP).

Sem dúvidas a principal finalidade é obter prova da materialidade a autoria delitiva. Disso depende a eficácia da persecução penal.

Convém grifar que a apreensão não se limita aos bens do investigado, podendo perfeitamente recair sobre objetos de testemunhas e da vítima. Como visto, o critério autorizador da constrição da coisa consiste no binômio utilidade e pertinência, independentemente da titularidade do bem.

Destarte, dentre os diversos meios de obtenção de prova à disposição da autoridade de Polícia Judiciária, a maioria passível de utilização por autoridade própria, a apreensão ganha destaque, relativizando direito fundamental do investigado em prol de uma investigação criminal eficaz.


Notas

[1] Para um estudo aprofundado sobre a moderna visão da persecução penal, confira nossa recém lançada obra “Investigação Criminal pela Polícia Judiciária”, pela editora Lumen Juris.

[2] Expressão de Ortega y Gasset citada por LOPES JÚNIOR, Aury, Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 407.

[3] RANGEL, Paulo Castro. Reserva de jurisdição: sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica, 1997, p. 63.

[4] PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e apreensão no processo penal. São Paulo: RT, 2005, p. 96.

[5] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 470.

[6] COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Niterói: Impetus, 2014, p. 191.

[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1117.


Referências

CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; GOMES, Rodrigo Carneiro; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Investigação Criminal pela Polícia Judiciária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Niterói: Impetus, 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015.

LOPES JÚNIOR, Aury, Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014.

PITOMBO, Cleunice Bastos. Da busca e apreensão no processo penal. São Paulo: RT, 2005.

RANGEL, Paulo Castro. Reserva de jurisdição: sentido dogmático e sentido jurisprudencial. Porto: Universidade Católica, 1997.

TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1995.

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Sobre o autor
Henrique Hoffmann

Professor e coordenador de pós-graduação do CERS. Autor de livros e coordenador de coleção pela Juspodivm. Colunista do Conjur e da Rádio Justiça do STF. Professor da Escola da Magistratura Mato Grosso, Escola da Magistratura do Paraná, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e SENASP. Coordenador do IBEROJUR no Brasil. Mestre em Direito pela UENP. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UGF. Bacharel em Direito pela UFMG. Delegado de Polícia Civil do Paraná. Premiado como melhor Delegado de Polícia do Brasil na categoria jurídica. Publicou mais de 25 livros e 70 artigos, e proferiu mais de 60 palestras em 17 estados. www.henriquehoffmann.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Henrique Hoffmann. Poder de apreensão do delegado de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4997, 7 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53292. Acesso em: 26 abr. 2024.

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