O incidente de demanda repetitiva é bem disciplinado pelo Novo Código de Processo Civil nos seguintes termos:
“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:
(...) II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.
Aplicando estes dois dispositivos do NCPC a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou o Recurso Especial nº 1.657.156, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, para julgamento conforme a sistemática dos recursos repetitivos.
O Recurso Especial nº 1.657.156 versa sobre a discussão a respeito da obrigatoriedade ou não do fornecimento pelo Poder Público de medicamentos não incluídos em lista do Sistema Único de Saúde (SUS).
A ementa da instalação do incidente no STJ restou lavrada da seguinte forma:
“ADMINISTRATIVO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CONTROVÉRSIA ACERCA DA OBRIGATORIEDADE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS AO PROGRAMA DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS DO SUS.
1. Delimitação da controvérsia: obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria n. 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais). 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016)”.
Para muitos pacientes e seus familiares por todo o Brasil, a instalação do incidente no Recurso Especial nº 1.657.156 caiu como uma verdadeira bomba atômica sobre suas esperanças de garantir a vida e a saúde da pessoa humana, mantida justamente através do fornecimento do medicamento ainda não incluído em lista do SUS pela via judicial.
Por todo o País surgiram Juízes e Desembargadores que, imediatamente à instalação do incidente de recurso repetitivo no Recurso Especial nº 1.657.156, sobrestaram os efeitos das liminares concedidas em sede de tutela de urgência.
Acontece que a instalação do incidente de recurso repetitivo impede apenas o esgotamento da entrega da prestação jurisdicional da matéria objeto da controvérsia, nos termos do Art. 1.037, II, do NCPC.
Leia-se, de acordo com o Art. 1.037, II, do NCPC não poderá o Julgador, Singular ou Colegiado, proferir Sentença ou Acórdão a respeito da matéria de direito que será uniformizada pela Corte Superior.
Assim, em absolutamente nada a instalação do incidente de recurso repetitivo repercutirá nas decisões interlocutórias proferidas em sede de tutela de urgência.
A própria 1ª Seção do STJ, nos Autos do Recurso Especial nº 1.657.156 realçou que a suspensão nacional dos processos que discutem o fornecimento pelo Poder Público de medicamentos não incluídos em lista do SUS não pode impedir os Juízes de apreciar os pedidos de liminar em sede de tutela de urgência com base nos Arts. 314 e 982 do NCPC.
Senão, vejamos:
“Art. 314. Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.
(...)
Art. 982. (...)
(...) §2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso”.
Por oportuno, transcrevo a conclusão da 1ª Seção do STJ, nos Autos do Recurso Especial nº 1.657.156, que franqueou a concessão de liminares em sede de tutela de urgência para obrigar o Poder Público ao fornecimento de medicamentos não incluídos em lista do SUS, quando reunidos seus pressupostos de fato através do competente laudo médico:
“Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em questão de ordem suscitada pelo Senhor Ministro Relator, por maioria, vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, decidiu ajustar o tema do recurso repetitivo, nos seguintes termos: 'Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS'. Deliberou, ainda, à unanimidade, que caberá ao juízo de origem apreciar as medidas de urgência. Participaram do julgamento a Srª Ministra Assusete Magalhães e os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Francisco Falcão, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques. Brasília (DF), 24 de maio de 2017 (Data do Julgamento). MINISTRO BENEDITO GONÇALVES – Relator”.
Na discussão da Questão de Ordem, ressaltou o Ministro Relator Benedito Gonçalves, acompanhado a unanimidade pelo Colegiado, in verbis:
“Dos dispositivos transcritos, torna-se patente que a suspensão do processamento dos processos pendentes, determinada no art. 1.037, II, do CPC/2015, não impede que os Juízos concedam, em qualquer fase do processo, tutela provisória de urgência, desde que satisfeitos os requisitos contidos no art. 300 do CPC/2015, e deem cumprimento àquelas que já foram deferidas”.
Continua o Ministro Relator:
“Os recursos repetitivos não foram criados para trancar o julgamento das ações, mas para uniformizar a interpretação de temas controvertidos nos tribunais de todo o país. Por isso, não deve haver a negativa da prestação jurisdicional”.
Como se vê, Juízes de todo o País deverão continuar a apreciar pedidos de liminares sobre o fornecimento pelo Poder Público de medicamentos não incluídos em lista do SUS, seja com fundamento nos Arts. 300, 314 e 982 do NCPC, seja com base na Questão de Ordem decidida à unanimidade no incidente de recurso repetitivo no Recurso Especial nº 1.657.156 (DJe 31/05/2017).