A Não Necessidade de Prévio Requerimento Administrativo
Como demonstrado na seção anterior uma parte dos doutrinadores se filiam a corrente de que o prévio requerimento administrativo se faz necessário, mas, por outro lado, há outra parcela da doutrina que entende não haver a necessidade do prévio requerimento na via administrativa.
Para esses doutrinadores a ausência do prévio requerimento administrativo não tem o condão de ensejar a extinção da ação sem a resolução do mérito, alegando os juízes de 1° grau, bem como os nobres desembargadores, a falta de interesse de agir, em face do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Princípio do Livre Acesso ao Judiciário).
Segundo este princípio, que está consagrado no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal: “a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Sendo assim, os que adotam essa corrente e se embasam nesse princípio, entendem que nem mesmo uma lei poderá criar obstáculos capazes de impedir ou dificultar o acesso ao judiciário.
Essa corrente tem grande força no ordenamento jurídico brasileiro, pois seus argumentos são sólidos, deixando assim, nítida a controvérsia existente acerca do tema.
Muitos são os juízes e tribunais que adotam esse entendimento. Tal controvérsia acaba por causar certo desconforto e insegurança em nosso ordenamento, fazendo surgir uma série de julgados entendendo pela desnecessidade do requerimento administrativo. Vejamos alguns julgados recentes, que adotam este posicionamento:
AGRAVO. AUXÍLIO ACIDENTE. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A decisão ora agravada foi proferida em consonância com o entendimento jurisprudencial do C. STJ e deste Tribunal, com supedâneo no art. 557, do CPC, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder. 2. Para o ajuizamento de ação previdenciária é desnecessário o prévio requerimento administrativo. Precedentes. 3. Agravo improvido. (TRF-3 - AC: 24518 SP 0024518-88.2012.4.03.9999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, Data de Julgamento: 28/04/2014, SÉTIMA TURMA).
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL BOIA-FRIA. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. SENTANÇA ANULADA.
1. A propositura de ação objetivando a concessão de benefício previdenciário para trabalhadora rural boia-fria independe de prévio requerimento administrativo. 2. Sentença de extinção sem julgamento do mérito anulada, a fim de ser regularmente processado e julgado o feito. (TRF-4 - AC: 237587820134049999 PR 0023758-78.2013.404.9999, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 30/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/08/2014).
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCINDIBIIDADE DO PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DO STJ. I. Conforme o entendimento que prevalece neste Superior Tribunal de Justiça, a ausência do prévio requerimento administrativo não impede o ajuizamente de ação judicial para obtenção do benefício previdenciário. II. Consoante a jurisprudência desta Corte, "é firme a compreensão da Terceira Seção no sentido da desnecessidade de prévio requerimento administrativo como condição para a propositura de ação que vise à concessão de benefício previdenciário. Precedentes" (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.137.447/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe de 07/02/2013). III. Agravo Regimental improvido.( STJ - AgRg no REsp: 1265185 PR 2011/0159805-6, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 18/04/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2013).
ACIDENTE DO TRABALHO AUXÍLIO -ACIDENTE Falta de interesse de agir Não ocorrência - Desnecessidade do prévio requerimento administrativo para o ingresso em juízo Súmula nº 89, do STJ Preliminar rejeitada - LER/DORT nos ombros Incapacidade parcial e permanente e nexo causal comprovados Indenização infortunística devida Procedência mantida CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL: Observância dos mesmos índices previdenciários aplicados aos benefícios em manutenção JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA: Observância da norma inserta no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, devendo ser levado em consideração, todavia, o julgamento das ADIs nºs 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, pelo Plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal Recurso autárquico desprovido e reexame necessário parcialmente provido. (TJ-SP, Relator: Nelson Biazzi, Data de Julgamento: 14/10/2014, 17ª Câmara de Direito Público).
Como visto são muitos os Tribunais, que adotam o entendimento a favor da desnecessidade do prévio requerimento administrativo, até mesmo o Superior Tribunal de Justiça adota em algumas de suas turmas esse entendimento, contudo mesmo o STJ tendo adotado esse posicionamento não foi o bastante para pacificar as controvérsias.
Então o Supremo Tribunal Federal, julgou o Recurso Extraordinário 631.240/MG, de repercussão geral, em 27/08/2014, de Relatoria do Min. Luís Roberto Barroso declarando que o prévio requerimento é necessário. O Relator foi seguido pela maioria do plenário. Todavia, divergiram de tal entendimento os Ministros Marco Aurélio e Cármem Lúcia.
Segundo o Ministro Marco Aurélio não pode haver uma condicionante para que se possa acessar o Poder Judiciário, lembrando ele que, só existem duas situações em que se pode condicionar o acesso ao Judiciário e ambas são taxativas no texto constitucional, quais sejam: no caso da justiça desportiva e em matéria de dissídio coletivo. Ponderou ainda, que não há que se distinguir entre mero requerimento e exaurimento da via administrativa, pois de toda existiria aí uma condicionante.
Afirmou ainda o Ministro que essa decisão seguida pela maioria, em desfavor da parte “mais fraca” na relação previdenciária, em suas palavras: “pode vir a ser utilizada como precedente para “outras situações jurídicas em que o embate é sabidamente desequilibrado, para beneficiar a parte mais forte da relação (o Estado, em detrimento do cidadão)”“.
Já a Ministra Cármen Lúcia, entende que a exigência de prévio requerimento administrativo para que, se obtenha a concessão ou a revisão de benefício previdenciário representa, em suas palavras: um “cerceamento do acesso à Justiça”, que acaba por ofender, o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Por fim, ponderou a ministra que, em contraposição ao argumento de que não seria necessário ir ao Judiciário, em havendo a via administrativa disponível, o que levaria à falta de interesse de agir, a Ministra ponderou que ninguém “vai ao Judiciário” se houver meios mais fáceis e efetivos para obter o que é seu: “aquele que se socorre do Judiciário o faz porque se viu impedido de exercer um direito”, foi o que concluiu.
Como visto, são fortes os argumentos em desfavor da primeira corrente apresentada e firmada pela Supremo Tribunal Federal recentemente. Por fim, cabe salientar que, mesmo após a decisão do órgão protetor dos direitos constitucionais, o Ministro Marco Aurélio continua entendendo que o requerimento administrativo é desnecessário.
Por oportuno, segue julgado:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL À AFERIÇÃO DO INTERESSE DE AGIR DO BENEFICIÁRIO IMPROCEDÊNCIA RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONHECIMENTO E PROVIMENTO. 1. Não há previsão, na Lei Fundamental, de esgotamento da fase administrativa como condição para aquele que pleiteia o reconhecimento de direito previdenciário ter acesso ao Poder Judiciário. Ao contrário da Carta pretérita, a atual não agasalha cláusula em branco, a viabilizar a edição de norma ordinária com disposição em tal sentido. A própria Constituição Federal contempla as limitações ao imediato acesso ao Judiciário, quando, no tocante ao dissídio coletivo, a cargo da Justiça do Trabalho, estabelece ser indispensável o término da fase de negociação e, relativamente a conflito sobre competição ou disciplina, preceitua que o interessado deve antes provocar a Justiça Desportiva – artigos 114, § 2º, e 217, § 1º, ambos do Diploma Maior. Nesse sentido já decidiram ambas as Turmas do Tribunal. Confiram com o que se contém nas seguintes s: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NEGATIVA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO: DESNECESSIDADE. ART. 557 DO CPC. ATRIBUIÇÕES DO RELATOR. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - Não há previsão constitucional de esgotamento da via administrativa como condição da ação que objetiva o reconhecimento de direito previdenciário. Precedentes. II - Quanto ao art. 557 do CPC, na linha do entendimento desta Corte, é constitucionalmente legítima a, atribuição conferida ao Relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e dar provimento a este - RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98 - desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado” (RE 321.778-AgR/MG, Rel. Min. Carlos Velloso). III - Agravo regimental improvido. (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 549.238/SP, relator Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma) AGRAVO REGIMENTAL. BENEFÍCIO. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. A decisão agravada está em perfeita harmonia com o entendimento firmado por ambas as Turmas deste Tribunal, no sentido de afastar a exigibilidade de prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 545.214/MG, relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. PENSÃO POR MORTE. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NEGATIVA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA COMO CONDIÇÃO PARA O ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO. DESNECESSIDADE.
1. Não há no texto constitucional norma que institua a necessidade de prévia negativa de pedido de concessão de benefício previdenciário no âmbito administrativo como condicionante ao pedido de provimento judicial. Agravo regimental a que se nega provimento.
2. Conheço do agravo e o provejo, consignando o enquadramento do extraordinário no permissivo da alínea “a”,” do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal. Ante os precedentes, aciono o disposto no artigo 544, § 4º, inciso II, alínea “c”, do Código de Processo Civil e julgo, desde logo, o extraordinário, conhecendo-o e provendo-o, para reconhecer a presença, na espécie, de interesse de agir. Com isso, determino o retorno dos autos à origem para a apreciação do pedido inicial.
3. Publiquem. Brasília, 2 de outubro de 2014.Ministro MARCO AURÉLIO - Relator. (STF - ARE: 686360 RS , Relator: Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento: 02/10/2014, Data de Publicação: DJe-2014).
Conforme dispõe o julgado acima colacionado, não há na Constituição Federal de 1988, texto algum que obrigue a parte a acessar de forma prévia a via administrativa, bem como não há exigência de se exaurir todas as suas instâncias da via administrativa.
Afirma ainda o Ministro Marco Aurélio no julgado acima que, a atual Carta Magna não comporta cláusula em branco de forma a viabilizar a edição de norma ordinária no sentido de se exigir o prévio requerimento administrativo em ações previdenciárias, sendo taxativas na Constituição as hipóteses em que há necessidade de se exaurir a via administrativa.
Com base no que foi apresentado percebe-se que, a matéria continua controvertida, mesmo após a manifestação da Corte Suprema. Percebe-se ainda que os argumentos defendidos por essa corrente são sólidos e condizentes com o que é assegurado em nossa constituição, demonstrando assim, que o primeiro entendimento acaba por ferir o que é preceituado em nossa constituição, visto que este tenta condicionar o livro acesso à justiça de forma disfarçada no ordenamento jurídico pátrio.