Da prescrição na Ação Regressiva do Estado em face de Agente Público causador de dano

A prescrição conforme a jurisprudência do STF acerca do art. 37, §5º, da CFRB/88

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08/08/2017 às 21:51
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4 Da prescrição da ação regressiva do Estado em face de agente causador de dano 

O artigo 37, § 5º, da Constituição Federal trata dos prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, programando legislação extravagante para o estabelecimento de tais, e ressalva desta as ações de ressarcimento em face de agente que cause prejuízo ao erário.

Art. 37, § 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

É na ressalva, na parte final deste dispositivo, que reside a controvérsia tema do presente texto e alvo de constantes discussões jurídicas - apesar da imensa maioria doutrinária ter, durante todo esse tempo, defendido a tese da imprescritibilidade com base neste vocábulo.

Levando-se em consideração que a constituição brasileira é caracterizada como democrática, pois, tendo junto o princípio da segurança jurídica, se baseia no Estado Democrático de Direito, soaria equivocada ao trazer, em seu bojo, um dispositivo como tal que contradiz o princípio e coloca o Estado em posição autoritariamente vantajosa, na modalidade ad aeternum, desestabilizando assim os institutos democráticos - contidos nela própria.

Como visto no Capítulo 2 dessa dissertação, a prescrição é a regra num sistema jurídico do qual reside a segurança jurídica.  A imprescritibilidade é a exceção. Por óbvio as exceções não devem ser presumidas, pois, quando a Constituição Federal quis dispor sobre um prazo imprescritível, ela o fez e maneira expressa. Dispõe a carta Magna:

Art. 5º, XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Art. 5º, XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Ainda que resida ressalvas à mitigação da segurança jurídica – e por que não dizer ao contraditório e à ampla defesa – nos prazos imprescritíveis expressos nos crimes dispostos na Constituição, é notório que, ao tratar da exceção o constituinte o fez com o claro uso do vocábulo. Fato é que os crimes dispõem sanções que não passarão da pessoa do acusado. Não é possível pela Lei Penal e pela Ordem Jurídica que as penas ultrapassem, por exemplo, gerações. Tal fato não ocorre na natureza cível.

Conforme o artigo 943, do Código Civil, ao dispor sobre a responsabilidade civil e a obrigação de indenizar, “o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”[58]. A imprescritibilidade somada à transmissão do dever de indenizar acabam por afastar da Ordem Jurídica a estabilidade e a certeza jurídica. A certeza jurídica denota “o seguro conhecimento das normas jurídicas – condição indispensável para que o homem tenha previsibilidade, podendo projetar a sua vida e, assim, realizar plenamente os seus desígnios pessoais”[59] e a estabilidade e a preservação dos “direitos subjetivos e das expectativas que os indivíduos de boa fé depositam na ação do Estado”[60].

A mitigação da segurança jurídica nessa interpretação veio sendo seguida não só pela doutrina majoritária, mas também pelos tribunais, incluindo o próprio Supremo Tribunal Federal que, durante anos sustentou a teoria da imprescritibilidade, reafirmando tal instituto em julgados dos anos de 2008 e 2012[61].

Essa acepção aqui aludida vai além do prejuízo à democracia e à estabilidade das relações jurídicas, ferindo também outro importante instituto constitucional, não tão distante da abrangência da própria segurança jurídica, o direito de defesa. A Administração Pública pode, indubitavelmente, mover a máquina do Estado e todos os seus recursos para conservação de documentos que podem vir, por exemplo, a servir como meio de prova em futura ação de ressarcimento contra agente, mas, resta claro, que o contrário não se aplica.

O agente, ou o administrado que porventura serviu como agente público, não possui os recursos necessários para, ainda no exemplo, conservar documentos que lhes possam servir de meio de prova para argumentar sua defesa, afastar a acusação, senão por apenas razoável lapso temporal. Estando, o agente, situado longe dos recursos que lhe garantam tal exercício de direito de defesa ao infinito.

Tal lógica, quando apresentada pelo autor Emerson Gabardo[62], serviu para que Celso Bandeira de Mello mudasse seu entendimento a respeito do tema após 25 edições de sua principal obra, Curso de Direito Administrativo, que, em edições seguintes, dispôs:

Já não mais aderimos a tal desabrida intelecção. Convencemo-nos de sua erronia ao ouvir a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. De fato, o Poder Público pode manter em seus arquivos, por período de tempo longuíssimo, elementos prestantes para brandir suas increpações contra terceiros, mas o mesmo não sucede com estes, que terminariam inermes perante arguições desfavoráveis que se lhes fizessem.[63]

A exposição do autor, aludida por Bandeira no texto acima, foi parte de sua tese de doutorado defendida na UFPR e publicada em 2009, compartilha um pouco da opinião do mesmo, que afirma:

[...] é importante rememorar que o tempo é um condicionante fundamental da realidade dos homens e várias de suas relações têm início ou se encerram em razão de seu decurso. Embora se tenha conferido, historicamente, muito valor ao fator espaço, notadamente em decorrência da firmação dos Estados Nacionais e de sua monopolização da produção legislativa, o Direito não existe sem o tempo. Todo o ordenamento constitucional está implicado pela sustentação dos fatos passados e seus efeitos, pela estabilidade do presente e pela garantia de um futuro previsível. Esta estruturação, essencialmente jurídica está intimamente ligada a outro direito fundamental presente na Constituição Federal de 1988: a ampla defesa. ”[64]

Aos poucos é crescente o número de juristas e estudiosos perceptivos à contrariedade e equivocadas interpretações citadas. Em 1993, José Afonso da Silva[65] prosperou importante opinião, alegando que “é uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)” o autor concluiu que deu-se, dessa forma, “à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada”.

O próprio autor Emerson Garbado, responsável pela importante mudança de opinião de Bendeira de Melo, que mais tarde viria embasar votos da mudança jurisprudencial de repercussão geral, cita outros mestres:

“[...] Luis Roberto Barroso é exemplo dessa corrente, destacando que se o princípio é a prescritibilidade, é a imprescritibilidade que depende de norma expressa. No mesmo sentido, o professor Romeu Felipe Bacellar Filho sempre destacou que a inexistência de lei versando sobre o prazo prescricional jamais poderia levar à imprescritibilidade. Não se discorda das razões apontadas, seja utilizando-se a analogia a outras leis de Direito Público, seja utilizando-se das normas gerais do Código Civil sobre a matéria para resolver a carência de um prazo expresso. ”[66]

O Ministro Marco Aurélio, seguidor dessa corrente da prescritibilidade das ações de ressarcimento, no Mandado de Segurança nº. 26.210/DF[67], fez ressalva à falta de precisão do constituinte:

 “Não coloco na mesma vala a situação patrimonial alusiva ao ressarcimento e outras situações em que a Constituição afasta a prescrição. O constituinte de 1988 foi explícito, em certos casos, quanto à ausência de prescrição. Aqui, não. Não posso conceber que simplesmente haja o constituinte de 1988 deixado sobre a cabeça de possíveis devedores do erário, inclusive quanto ao ressarcimento por ato ilícito, praticado à margem da ordem jurídica, uma ação exercitável a qualquer momento”.

Já a defesa da tese da imprescritibilidade está pautada na indisponibilidade e supremacia do interesse público. Retoma-se ao item 2.1.2.1, da presente dissertação, que trata da esteira do interesse público primário e secundário, onde esse último é definido – nas palavras de Bandeira de Mello – como interesses do Estado enquanto pessoa jurídica, ou seja, como sujeito de direitos e obrigações. Esses não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois os interesses de qualquer outro sujeito. Não poderiam, portanto, serem utilizados para que se empezinhe o salutar princípio da segurança jurídica.

O interesse público secundário não configura um interesse legítimo do povo. O Estado como parte da lide não deve sobrepor-se à segurança jurídica, ou ampla defesa e contraditório, como defendido por Bandeira de Mello e Emerson Garbado, pois isso o colocaria em um status de autoritarismo diante do hipossuficiente – o que elide a base de qualquer Estado Democrático de Direito.

4.1 ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CONSTUIÇÃO DE 1988

Antes da publicação da Constituição hoje vigente, em 1987, emenda tendente a integrar o Texto Maior e com redação muito semelhante (mas muito mais explícito e incisivo, sem margens à interpretações) foi rejeitada de maneira sumária.

Foi durante a reunião da Assembléia Nacional Constituinte (ANC), durante a feitura da atual Constituição, em 18 de maio de 1987, conforme histórico do Senado Federal[68],  que parlamentar (Paulo Macarini) propôs a redação ao artigo 37 que dizia: “São imprescritíveis os ilícitos praticados por qualquer agente, servidor público ou não, que causem prejuízo ao erário público”. Tal proposta de texto foi, à época, rejeitada pela Comissão de Sistematização da Constituinte de 1988. Essa proposta de emenda a anteprojeto não foi a única a tentar inserir a imprescritibilidade ao texto, os estudiosos Francys Freitas e Regina Santos[69], ao tratar do tema em artigo, destacam uma dessas propostas, datada como de setembro de 1987, que dispunha:

Art. 43. [...]. §4º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, que serão imprescritíveis. (Grifo do autor)

Conforme tais propostas é possível notar que a imprescritibilidade deixou o campo da regra para tornar-se suposta ressalva. Deixou esta imprescritibilidade de tentar pertencer a todos os ilícitos praticados por agentes e restringiu-se, aparentemente, ao campo das ações de ressarcimento. Optou-se pela publicação do texto conhecido em que se ocultou o vocábulo “imprescritíveis” e semelhantes, deixando, tal interpretação, a margem da insegura dedução hermenêutica do parágrafo.

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A supressão do termo e a má qualidade do texto que passou a vigorar é mister para que se sedimente a ideia de que se a ANC quisesse optar pela imprescritibilidade o faria através do texto claro, por vezes rejeitado. É com esse posicionamento que Sergio de Andréa Ferreira se une a corrente minoritária aqui defendida e leciona que o texto constitucional apenas fez a referida ressalva para diferenciar a ação regressiva da pretensão punitiva, afirmando que a primeira independe da segunda.; prosseguindo afirmando que “em decorrência, ou será a prescrição comum, ordinária, ou outra, específica, mas sem vinculação necessária com a anteriormente referida”[70].

A ressalva do corpo do texto do artigo 37, §5º promulgado, para Bandeira de Mello[71], hoje em dia, faz referência a não necessidade do prazo das ações de ressarcimento coincidir com das demais ações destinadas ao combate de ilícitos administrativos ou tipos penais por conduta de agente público.

4.2. APÓS 27 ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Em 27 de agosto de 2013 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de matéria sobre o prazo de prescrição de ações de ressarcimento ao erário no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 669069[72], em que a União questionava acórdão (decisão colegiada) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que confirmou sentença que extinguiu uma ação de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público aplicando o prazo prescricional de cinco anos. A União sustentava a imprescritibilidade da ação.

Afirmou o relator[73], Teori Zavascki, na decisão de que reconhecia a repercussão geral com base na manifesta relevância e transcendência da questão constitucional do caso:

“A questão transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma”[74]

Em 12 de novembro de 2014, o Ministro suspendeu o julgamento sobre o prazo prescricional, apresentando pedido de vista, e alegando uma interpretação ampla da ressalva final conduziria à imprescritibilidade de toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que não decorram de culpa ou dolo.

Ressalvou Teori que “no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade, além de regra, é fator importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social”[75]. Na votação da suspensão, o ministro foi seguido pela ministra Rosa Weber, integralmente, e pelo ministro Luís Roberto Barroso, parcialmente, que propôs repercussão geral de menor alcance, abrangendo apenas “prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

Eis que em 3 de fevereiro de 2016, pouco mais de 27 anos após a publicação do texto do artigo 37, §5º, junto com a promulgação da Constituição Federal, o STF firma tardio entendimento que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.

CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Após os votos dos Ministros Teori Zavascki (Relator), que negava provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Roberto Barroso, que afirmava tese mais restrita, e pelos Ministros Rosa Weber e Luiz Fux, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Falaram, pela União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia Geral da União, e, pela recorrida Viação Três Corações Ltda., o Dr. Carlos Mário da Silva Velloso, OAB/DF 23.750. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 12.11.2014. Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 666 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, vencido o Ministro Edson Fachin. Em seguida, por maioria, o Tribunal fixou a seguinte tese: “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”, vencido o Ministro Edson Fachin. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 03.02.2016. (Grifo do autor)

No processo, a União propôs ação de ressarcimento contra uma empresa de transporte rodoviário e um de seus motoristas por entender que houve culpa exclusiva do condutor do ônibus em batida contra uma viatura da Companhia da Divisão Anfíbia da Marinha, ocorrida no dia 20 de outubro de 1997 em uma rodovia no Estado de Minas Gerais. Naquele ano ainda vigorava o Código Civil de 1916, que estabelecia prazo para efeito de prescrição das pretensões reparatórias de natureza civil. No entanto, a ação foi ajuizada pela União em 2008, quando vigorava o Código Civil de 2002.[76]

O RE[77] foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que aplicou o prazo prescricional de cinco anos para confirmar sentença que extinguiu a ação de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público, decorrente do acidente. A União alegava a imprescritibilidade do prazo.

Em seu voto, o Ministro Edson Fachin, vencido, defendeu a tese da imprescritibilidade ainda que afirmando “a prescrição é um instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais e, assim, a uma dimensão específica do princípio da segurança jurídica, estruturante do Estado de Direito”. O Ministro ressaltou ainda que a Constituição é expressa ao prever a imprescritibilidade, porém, em sua interpretação, há essa expressividade no disposto do art. 37, §5º: “a regra geral no ordenamento jurídico é de que as pretensões devem ser exercidas dentro de um marco temporal limitado”. Mas ressaltou sua interpretação:

Nesse dispositivo o texto constitucional é expresso ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos (quer, portanto, na esfera civil ou penal, aqui entendidas em sentido amplo) que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. [...] o texto constitucional é expresso ao prever a ressalva da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário. Não nomeia, leca ou particulariza e nem restringe a natureza dos ilícitos que geram danos e que, assim, podem ensejar o ressarcimento dos danos ao erário.

Mais tarde, Emerson Garbado veio comentar que o voto de Fachin “foi decepcionante”, e continuou: “acompanhando posições conservadoras e fazendárias típicas dos Tribunais de Contas e do Ministério Público”[78]. Já o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, foi ainda mais enfático ao se colocar contra o posicionamento de Fachin:

“[...] começo ressaltando que os ares vivenciados em 1988 foram essencialmente democráticos, quando se passou de um regime de exceção para o democrático. E não se pode conceber, numa interpretação, que se tenha [...] dado passo a se quebrar esse sistema [...]. Seria um passo demasiado e que implicaria até numa visão – pelo menos para mim, com todo respeito àqueles que entendem de forma diversa – fascista, a revelar que o Estado tudo pode e a qualquer tempo. ”

Já a Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, citou o trecho do livro de Bandeira de Mello, transcrito na primeira parte deste capítulo, e defendeu a tese da prescritibilidade.

“ [...] como já foi afirmado, até o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, insuperável administrativista brasileiro, vinha sustentando até a 26ª edição do seu Curso de Direito Administrativo, a tese da imprescritibilidade, que ele, então, mudou e apresenta argumentos muito ponderáveis e aproveitáveis por nós, neste julgamento, exatamente para aquilo que ele chamou de “imprescritibilidade limitada”. [...] E, naquela ocasião, também esse foi um tema de discussão do 6º Congresso Mineiro de Direito Administrativo, e se registrou, na conclusão daquele Congresso, que essa tese de imprescritibilidade esbarraria no direito de defesa, que é muitíssimo caro ao sistema constitucional. ”

Posteriormente, em artigo, Garbado, responsável pela mudança do entendimento de Bandeira de Mello, ressaltado no voto da Min. Cámen Lúcia, fez uma reparação ao seu conteúdo:

“E aqui cabe uma reparação à argumentação da Ministra Cármen Lúcia, que atribuiu ao Sexto Congresso Mineiro de Direito Administrativo a conclusão pela tese da prescritibilidade a partir do argumento da ampla defesa. Isso não está correto. No congresso, esta tese foi defendida por mim explicitada de forma isolada e minoritária. No painel em que eu estava e que era composto pela então Ministra Eliana Calmon e pela brilhante professora Raque Urbano de Carvalho, ambas reiteraram a tese da imprescritibilidade”[79]

Da mesma forma que a Min. Carmén Lúcia, Marco Aurélio afirmou:

O Mestre Celso Antônio, frisou muito bem a ministra Carmén Lúcia, até a 26ª edição do Curso de Direito Administrativo [...] veio a evoluir e dar crédito, na obra [...], ao autor, não da obra, mas da tese da prescritibilidade, apontando a exposição feita pelo jovem brilhante professor Emerson Garbado. Ressaltou que adotar-se a tese, o entendimento da imprescritibilidade, se estará, na via indireta, é certo, inviabilizando-se o direito de defesa. Ninguém guarda eternamente documentos. A Administração ainda por fazê-lo por um certo período.

Ainda em seu voto a Ministra Cármen Lúcia afirmou que “não é do homem médio guardar, além de um prazo razoável, e hoje, até por lei, não se exige isso, a documentação necessária para uma eventual defesa”, sendo interrompida pela observação do Ministro Marco Aurélio, que salientou: “Isso, sem pensar nos herdeiros”, e a Ministra prosseguiu:

“Sim, também. Em juízo contra a Administração Pública. Poder Público, sim, mantém arquivos por longos períodos, atos a deflagrar acusação contra terceiros, que podem remanescer desarmados diante de tais imputações, muito tempo depois, sem que se possa fazer a prova e se defender. ”

Entretanto, durante o processo, a tese menor, proposta por Barroso (abrangendo apenas “prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”) foi seguida pelos ministros, inclusive o relator, à exceção de Fachin. Teori ressalvou sobre a tese menor:

“Não tenho nenhuma razão para divergir dela, até porque afirmar que o ilícito civil é prescritível, que não está abarcado pelo §5º do artigo 37, é afirmação que decorre do meu voto.”

O presidente da sessão, Ricardo Lewandowski concordou – “isso sem dúvida”. E completou Ministro Teori, o relator: “O que afirmei é que o §5º só se aplica ao ilícito penal e à improbidade. Logo, o ilícito civil está abrangido pela tese da prescritibilidade”.

Para fins de anotação da tese que propusera o Plenário, Barroso resumiu:

“ É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrente de ilícito civil. Simples e perfeitamente compatível, como o Ministro Teori disse. Portanto, ele permanece como Relator e, no voto dele, já está esclarecido que isso não vale para improbidade. Alguém poderia tentar encaixar improbidade dentro do ilícito civil. Então já fica esclarecido que improbidade não está em jogo aqui.”

Desta feita, na adoção da menor abrangência da repercussão geral, a Suprema Corte foi enfática e expressa ao excluir de sua decisão as ações de ressarcimento derivadas de atos de improbidade administrativa. Há decisões[80] de outrora no mesmo Tribunal, e também do STJ, no sentido da imprescritibilidade nestes casos.

4.2.2 Considerações acerca da nova jurisprudência e não abrangência da improbidade administrativa

A regra, como visto, no ordenamento jurídico pátrio, é a prescritibilidade. Para que uma pretensão seja imprescritível é necessária a expressa previsão normativa nesse sentido.

Durante o julgamento do RE 669069[81] ficou claro que o parágrafo 5º do art. 37 da CF/88 deve ser lido em conjunto com o §4º, de forma que, a priori, se refere tão somente aos casos de improbidade administrativa. Caso contrário, possibilitaria uma equívoca interpretação ampla da ressalva do §5º abrangesse todas as ações de ressarcimento movidas pela Fazenda Pública de forma imprescritível. O que Ministro Fachin, em seu voto, foi enfaticamente contra[82].

Pode-se notar, nos meios utilizados para fundamentar a quase maioria dos votos do Plenário do STF levaram à fins contraditórios. Explica-se: todos os fundamentos da tese da prescritibilidade elencados pelos Ministros, abrangendo segurança jurídica, ampla defesa, defesa do Estado de Direito, não se coadunam apenas com ilícito civil. Os ilícitos penais, da lei de improbidade administrativa, também estão presente no mesmo ordenamento – sob a égide dos mesmos princípios.

Afirmou a Min. Cármen Lúcia: “a ampla defesa é incompatível com a eternidade”. Desta feita, cumpre observar que tanto nos institutos da segurança jurídica e ampla defesa quanto na proteção ao interesse público de ordem primária, ainda resta a sequência lógica do reconhecimento da prescritibilidade nas ações concernentes aos atos de improbidade administrativa e ilícitos penais.

“Ainda, espero que o Poder Legislativo utilize-se de suas prerrogativas e edite uma lei específica trazendo o prazo para o exercício da pretensão da ressarcitória da Administração”, afirma Garbado[83]. Nota-se que a não expressividade do texto constitucional, tal como é no crime de racismo, por exemplo, e a decisão do Supremo de sua repercussão geral não abranger os atos de improbidade administrativa, de toda forma, não revelam que este seja imprescritível. Mas revela um silêncio legislativo e judiciário de importante afetação à princípios basilares do Estado de Direito.

4.3 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E (IM)PRESCRITIBILIDADE DAS AÇÕES RESSARCITÓRIAS DELA DECORRENTES

A Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/92[84], é derivada do conteúdo do conteúdo programático do constituinte originário, que protege tanto a moralidade administrativa quanto a probidade. Ela é um comando infraconstitucional de natureza híbrida porque prevê além de normas de natureza substancial, normas de direito processual. Porém, não se esgota em si. Explica-se: há também dispositivos em normas penais que tipificam crimes contra essa mesma probidade, e diversas outras normas administrativas que definem ilícitos administrativos.

Conforme o exposto, define o constituinte no art. 37, §4º, o seguinte:

§4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.[85]

A lei 8.429/92 dispõe que a improbidade administrativa se configura com o ato comissivo ou omissivo cometido por aquele que, sendo agente público, cause lesão erário, enriqueça ilicitamente ou atente contra os princípios da Administração Pública. Importa que, culposo ou doloso, caso haja prejuízo[86] ao erário, deverá haver o ressarcimento. Ao terceiro que se beneficie do ato improbo, obriga-se também ao ressarcimento – de forma solidária.

Na repercussão geral à decisão do julgamento do RE 669069/MG[87], como visto no tópico que antecede, o STF excluiu expressamente as ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa do firmamento da tese da prescritibilidade para as decorrentes de ilícito civil. Portanto, na decisão proferida em fevereiro de 2006, nada foi formado quanto ao prazo para a ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa.

Conforme art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa[88], prescreve em 5 o prazo para ajuizamento de ação de atos nela previstos. Entretanto, a doutrina e jurisprudência entendem ser imprescritível o prazo para a ação de regresso que importem ressarcimento do dano – ainda por força do art. 37, §5º, da CF/88[89].

[...] Improbidade administrativa. Alegação de prescrição. Embora imprescritíveis as ações de ressarcimento contra os agentes públicos que ilicitamente causarem lesão ao patrimônio público (art. 37, §5º, da CF), verifica-se a ocorrência da prescrição no que tange às sanções previstas na Lei nº 8429/92. [...] (STF. 1ª Turma. AI 744973 AgR, Rel. Min Luiz Fux, julgado em 26/06/2013)

[...] É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei nº 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito  às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. [...] (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1442925/SP, Rel. Min. Mauro Campbelll Marques, julgado em 16/09/2014)

Desta forma, decorrido 5 anos de um fato que atente à tipificação da referida lei, não se poderá mais ajuizar ação de improbidade administrativa contra agente público o praticou. Não requerendo que lhes sejam aplicadas as sanções do art. 12 dessa lei – entre elas suspensão de direito políticos, multas etc. Doutro modo, ainda sim, poder-se-á ajuizar contra ele ação de ressarcimento pedindo que o mesmo indenize o Poder Público na importância dos prejuízos causados ao erário. Porém, há controvérsias.

Ainda não houve um julgamento de repercussão geral, por exemplo, com força decisória suficiente para que se sane discussão jurídica e acadêmica sobre as teses de prescrição à respeito dos atos decorrentes de improbidade administrativa. Afirma Garbado:

[...] resta em suspenso o debate relativo à imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento oriundas de atos de improbidade e inerentes à persecução penal. Este assunto irá retomar ao Supremo, haja vista a quantidade imensa de reparações de dano inclusas nestas outras duas categorias.”[90]

Conforme extrai-se do art. 21, I, da 8.429/92, os atos de improbidade administrativa não estão necessariamente interligados aos atos de prejuízo ao erário. A lei é mais ampla que isso. Pune, inclusive, ofensa à princípios ainda que não importem prejuízos ao patrimônio da Fazenda. 

4.4 DO PRAZO PRESCRICIONAL

Na decisão do RE 669069/MG[91], de repercussão geral, o STF decidiu manter o prazo prescricional adotado pelo Tribunal de origem da demanda. Cumpre ressaltar que o objeto levado para apreciação pelo recurso extraordinário não era a delimitação do prazo. Logo, não se pode dizer que houve repercussão no que diz respeito ao número, em anos, do prazo prescricional, mas sim que são prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.

A decisão mantida pelo Supremo tem base no Código Civil[92], in verbis:

Art. 206. Prescreve [...]

§ 3o Em três anos: [...]

V - a pretensão de reparação civil;

Contudo, o prazo prescricional trazido pela maioria dos defensores da tese da prescritibilidade destas ações é o de 5 (cinco) anos. Esse tem base no Decreto 20.910/32 que dispõe sobre o prazo prescricional para ações propostas contra a Fazenda Pública. Aplicar-se-ia daí a isonomia entre as partes e o mesmo prazo valeria para a hipótese das ações de ressarcimento movidas pela Fazenda. Este, inclusive, já foi aplicado no STJ:

[...]4. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é regida pelo Decreto 20.910/32, norma especial que prevalece sobre lei geral. [...]5. O STJ tem entendimento jurisprudencial no sentido de que o prazo prescricional da Fazenda Pública deve ser o mesmo prazo previsto no Decreto 20.910/32, em razão do princípio da isonomia. [...]

(STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 768.400/DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 03/11/2015).

Neste caso, entre o Código Civil e o aludido Decreto, vigoraria o critério da especialidade. Tomando, deste posto, o Decreto, como disposição especial, aplicar-se-ia então a isonomia – do que resulta na aplicação do prazo acima referido de 5 anos. Esse também é o posicionamento de Marcelo Colombelli Mezzomo[93]:

“[...] impende ressaltar que, a teor do Decreto 20.910/32, todas as ações contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. A aplicação de um tratamento isonômico entre as partes tem por consequência que igual prazo seja deferido à Fazenda quando se tratar de ações voltadas contra o administrado.

Nem se diga que a Fazenda encontra dificuldades em buscar o ressarcimento, o que justificaria prazo diferenciado, pois este argumento poderia ser invocada também pelo administrado em muitos casos, nos quais a sua situação frente ao caso concreto revela proeminência da Administração, justificando a invocação de tratamento diverso também para o administrado em eventual posição de hipossuficiência.”

Ainda que se tenha duas correntes divergindo acerca do prazo para a reparação civil, é importante frisar que ainda não há sequer prazo prescricional sedimentado pela jurisprudência – ao menos não com repercussão geral.

4.4.1 Da não implicação em impunidade quando da aplicação do prazo

A defesa da tese prescritibilidade também das ações prescritas na Lei de Improbidade Administrativa não tem a menor pretensão de favorecer a impunidade daqueles que cometem os tipos ali descritos. Pelo contrário. Tem o objetivo de salvaguardar a segurança jurídica, que é afeta a toda e qualquer administrado, e ainda incentivar a celeridade das cobranças por parte do Poder Públicos. Garbado:

“[...] a imposição da prescritibilidade nos casos de ressarcimento não favorece a impunidade. Ao contrário, é imposto um prazo (até então inexistente) para que os responsáveis pela cobrança exerçam seu mister. Ou seja, caso o agente responsável pela apuração não o faça, passa a ser ele o requerido do ressarcimento (além das penalidades administrativas possivelmente incidentes. Este é um forte incentivo para que tenhamos mais cobranças, e não menos, com a adoção da tese da prescritibilidade [...]”[94]

O autor apresenta acima importante ponto de vista acerca da não impunidade na aplicação de tese da prescritibilidade. Como se sabe, o agente público deve agir conforme a lei manda – decorrência do princípio da legalidade no direito administrativo – , assim sendo, caso o agente encarregado da propositura da ação de ressarcimento, representando a Administração Pública, em face do agente [possivelmente] devedor, não o faça no prazo prescricional, estará ele incorrendo em ilícito administrativo e passará a ser o devedor do prejuízo em questão.

Resta afastada a hipótese da prescritibilidade, de alguma forma, trazer às ações de ressarcimento a impunidade. Pelo contrário, impulsionaria a celeridade nas cobranças destas.

Acerca de quando o prazo prescricional começaria a correr, é notório que alguns cargos ocupados por agente públicos e determinadas circunstâncias, possibilitariam, por tempo, a ocultação dos prejuízos causados à Administração. Logo, Marcelo José Magalhães Bonício[95] afirma que o juiz, na análise do caso concreto, possa determinar o momento em começaria a fluir tal prazo.

O art. 23 da Lei de Improbidade administrativa traz, por exemplo, que as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. Em casos mais complicados, como decorrentes de ocultação ou “blindagem patrimonial”[96], ou ainda associações criminosas etc. o início da fluência do prazo poderia ser determinado pelo juiz, por exemplo, aplicando-se o início da contagem a partir da descoberta dos primeiros indícios de autoria.

Fato é que a prescritibilidade não tem condão de proteger o agente improbo ou concorrer para sua impunidade. A aplicação da tese da prescritibilidade, tanto para os ilícitos civis quanto para os decorrentes de atos de improbidade administrativa, se coadunam com os fundamentos do Supremo no julgamento do recurso extraordinário supracitado, com os princípios gerais de Direito e com o próprio Estado de Democrático de Direito.

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