RESUMO: Este trabalho tem por objetivo apresentar os elementos jurídicos e doutrinários que compõem a fixação de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, discorrendo a respeito do conceito de família à luz do direito civil, como também o conceito de alimentos, analisando quando se dá o reconhecimento da união homoafetiva feminina, trazendo o reconhecimento da dupla maternidade e sua adequação a reprodução assistida, e por fim, a possibilidade de fixação de alimentos gravídicos entre mulheres.
Palavras Chave: Alimentos Gravídicos; União Homoafetiva Feminina; Direito Civil.
Introdução
O tema em questão irá discutir a respeito do possível direito de fixação de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina à luz do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que recentemente foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade de n.º 4277 e, em seguida, o seu reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial n.º 1183378, pelo qual passou a equiparar os direitos da união homoafetiva aos direitos do casamento civil heteroafetivo.
Apesar desse grande passo, o ordenamento jurídico brasileiro deixou algumas lacunas com relação ao presente tema, sendo uma dessas a possibilidade de concessão de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina. Dentro desse tema, trataremos do conceito de Família para o Código Civil, comentando a respeito da sua evolução ao longo dos anos, levando em conta as mudanças sócio históricas que produziram influência no conceito de família.
E, para verificar o tema presente, vamos analisar os aspectos para a concessão de alimentos e as suas generalidades. Trazendo o seu conceito; as espécies, abrindo um parêntese para analisar uma a uma com relação a sua natureza, causa jurídica, momento da prestação, modalidade e finalidade. Em seguida, será feita uma análise da Lei Federal n.º 11.804/2008, que trata da fixação de alimentos gravídicos, disciplinando o direito disponibilizado as gestantes e a forma como ele será exercido. Trazendo seus artigos e discutindo a respeito dos pressupostos de fixação de alimentos. Também iremos tratar do dever de sustentar, bem como a sua aplicação e sanções.
Nesse trabalho, centralizei o estudo a respeito do reconhecimento da união homoafetiva, fazendo uma análise sucinta a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4277 e do Recurso Especial n.º 1183378. Veremos também que o tema da dupla maternidade, mostrando como a jurisprudência tem tratado do assunto. Demonstraremos ainda, a possibilidade para fixação de alimentos gravídicos na união homoafetiva feminina.
Aqui também abordaremos a reprodução assistida, como forma de método utilizado pelos casais homoafetivos no projeto de maternidade/paternidade, e discutindo sobre a filiação nesse caso. Pontuando também a respeito da força da autonomia na vontade diante de tal método.
2 O conceito de família e sua evolução no direito civil
Para a compreensão do tema, primeiramente, faz-se necessário trazer o olhar conceitual, abordando, em princípio, a família e o seu conceito constante no nosso sistema jurídico, não deixando de fazer um breve relato a respeito sobre da evolução histórica que envolve a família e o Direito das Famílias, uma vez que o modelo jurídico brasileiro e o próprio Direito das Famílias receberam influências diretas de outros movimentos sociais e culturais diversos.
Sabemos que a família guardou diversas marcas desde a sua origem, podendo relembrar a autoridade do chefe de família exercida durante o período Romano, o caráter sacramental do casamento, predominante na Era Medieval, trazendo sempre consigo a submissão da esposa e dos filhos ao marido, uma vez que este sempre figurou como chefe da família – que, fincada na tradição, vem resistindo, na prática, a igualdade legal defendida pela Carta Magna – encontra sua origem no poder despótico do pater famílias romano.
Silvio de Salvo Venosa[1] defende que: “O Direito de Família, ramo do direito Civil com características peculiares, é integrado pelo conjunto de normas que regulam as relações jurídicas familiares”. Complementando, Camilo de Lelis Colani Barbosa[2] assegura que: “o Direito de Família seria o ramo do Direito Civil, cujas normas, princípios e costumes regulam as relações jurídicas do Casamento, da União estável, do Concubinato e do Parentesco, previstos pelo Código Civil de 2002”.
Nos dizeres de Maria Berenice Dias[3] o Direito de Família, por estar voltado à tutela da pessoa, é personalíssimo, adere à personalidade em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria é composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis.
O Código Civil de 1916, já revogado, trouxe, segundo Eduardo de Oliveira Leite[4] três grandes temas para tratar do Direito de Família: “o casamento, o parentesco e os institutos de direito protetivo (tutela, curatela, ausência)”. Tal código sofrera grande influência do regime romano, trazendo dele características semelhantes à figura do pater, o chefe conjugal, detendo a responsabilidade pela família, a mulher e os filhos, submissos a sua autoridade. A família era, então, conservadora, sendo o casamento, indissolúvel, e o marido, possuía responsabilidades diversas a qualquer um dos membros do grupo. É importante relembrar que o Código Civil desse período, diferenciava filhos legítimos, ilegítimos, filhos naturais e adotivos, modificando as formas de sucessão de cada um.
Apesar da grande influência do regime romano, foi através do sistema codificado de 1916 que o direito brasileiro, principalmente no que diz respeito a área de família, passou a ter regras próprias, deixando de seguir aquelas determinadas pelo direito colonial. A família do período histórico possuía perfil peculiar daquela época, que se mantinha conservadora, não existia o instituto da união estável, mas existiam pessoas convivendo como marido e mulher sem terem casado, que eram contempladas pelas decisões judiciais, como no caso do concubinato[5].
A Constituição Federal de 1988[6] nos trouxe o Princípio da Igualdade Jurídica dos cônjuges e dos filhos, “abolindo” assim a figura do pater família, foi o fator culminante da lenta evolução legal das relações familiares e de parentesco. Seguindo a ordem de Paulo Luiz Netto Lôbo[7]: “Até 1988, tem-se a história do contínuo desmonte da família patriarcal, deslegalizando-se e deslegitimando-se as desigualdades jurídicas”.
As mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da Carta Magna, acabaram por levar a aprovação do Código Civil de 2002, com a convocação dos pais a uma paternidade responsável, e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde o que vigora são os vínculos de afeto se sobrepondo à verdade biológica, onde surge a figura das conquistas genéticas vinculadas e dos estudos do ácido desoxirribonucleico (DNA). Passou a priorizar-se a família socioafetiva, abolindo a discriminação do filho, a responsabilidade recíproca dos pais quanto ao exercício do poder familiar, e principalmente, o reconhecimento do núcleo monoparental como entidade familiar.
Transcorrida esta etapa será abordada a obrigação da prestação alimentar, dando enfoque as suas características peculiares.
3 Da prestação alimentícia
A prestação alimentícia alimentar pode ser considerada como um direito objetivo mais invocados em juízo, uma vez que a alimentação é a principal fonte de subsistência, sendo, portanto, necessidade básica do ser humano. Para entender tal instituto é necessária uma breve análise a respeito do seu conceito, natureza jurídica, espécies, dentre outras particularidades.
Os alimentos à título de conceito é tido como tudo aquilo quanto for imprescindível para manter as necessidades vitais e sociais do ser humano, sendo, portanto, uma contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como indispensável à sua sobrevivência. A nobre Maria Berenice Dias[8] nos dá um conceito amplo de alimentos:
Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua substância
O Código Civil de 2002 e o antigo Código Civil de 1916 não se pronunciaram a respeito com conceito de alimentos. Conforme posição de Rolf Madaleno[9]:
A expressão alimentos engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa, reza o artigo 1.920 do Código Civil brasileiro, e, se o alimentando for menor, também tem o direito à educação, tudo dentro do orçamento daquele que deve prestar estes alimentos, num equilíbrio dos ingressos da pessoa obrigada com as necessidades do destinatário da pensão alimentícia.
Diante do exposto, nota-se que embora tenha ocorrida a omissão por parte do Código Civil quanto ao conceito de alimentos, não se constatava divergências de fato na doutrina quanto a este assunto. Apesar de ser conceituado de forma unânime pela doutrina, o instituto de alimentos vem sofrendo modificações no dia a dia no intuito de sempre abranger novas situações, devidos às mudanças constantes da própria sociedade.
Assim, são várias as causas geradoras do direito de pleitear alimentos, bem como múltiplas são as estruturas jurídicas que o regulam, porém, independentemente do fato gerador que deu causa à obrigação alimentar, todas guardam semelhanças no que diz respeito a fixação do seu quantum e a sua periodicidade. Como visto no conceito de alimentos, nota-se que existe diversas formas de prestações, sendo assim, devemos classificar os alimentos a partir de critérios básicos para a compreensão de sua finalidade, quais sejam: a sua natureza e a causa jurídica, para fins deste estudo.
3.1 Quanto à sua natureza
A doutrina costuma dividi-los em naturais ou côngruos. Os alimentos naturais, também conhecidos por necessários, são aqueles que compreendem estritamente o necessário para sua subsistência (alimentação, vestuários, habitação, remédios), nos limites assim do necessarium vitae. Já os alimentos civis ou côngruos, isto é, convenientes, incluem os meios suficientes para a satisfação de todas as outras necessidades básicas do alimentado, podendo estas serem intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário. Neste caso compreende o necessarium personaei, sendo fixados de acordo com a qualidade de vida do alimentado e levando-se em conta as condições do alimentante[10].
3.2 Quanto a causa jurídica
Quanto a causa jurídica os alimentos podem ser legítimos, voluntários ou ressarcitórios. Legítimos são aqueles devidos entre cônjuges, pares e companheiros, estão previstos nos artigos 1.694, 1.696, 1.697, 1.698, 1.703 e 1.704, todos do Código Civil de 2002.
Marco Aurélio Gastaldi Buzzi[11] define-os da seguinte forma:
São alimentos legítimos. Assim se qualificam os devidos em razão de uma imposição legal. São os alimentos oriundos do ius sanguinis, face às relações de parentesco ou familiares, bem como decorrentes do matrimônio ou da união estável, cuja, origem, destes últimos, pode até ser atribuída às relações familiares (alimenta famílias), face o dever moral de amparo entre aqueles cuja união, íntima ou prolongada, tenha-se originado parceira, companheirismo, cumplicidade até, independentemente de eventuais, demonstrações públicas de afeto, da existência, ou não, de prole, patrimônio etc.
Os Voluntários são aqueles decorrentes de uma declaração de vontade, seja intervivos ou causa mortis, neste caso será regulado pelo direito das obrigações ou das sucessões. É o caso por exemplo do testador que estabelece em disposição testamentária, em favor do legatário, o direito de alimentos enquanto estiver vivo; ou na separação judicial consensual, onde o marido por livre vontade resolve pagar pensão à mulher[12].
Por fim, Ressarcitórios são aqueles destinados a indenização de vítima de ato ilícito. Exemplo, no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações, na prestação de alimentos às pessoas que eram dependentes do morto, levando-se em conta a duração provável de vida da vítima[13].
3.3 A análise da Lei Federal n.º 11.804/2008
Antes do advento da Lei Federal n.º 11.804/2008[14], não existia qualquer legislação que tratasse a respeito dos direitos garantidos ao nascituro. Assim, com a sua vigência passou a ser garantido uma verba suplementar no período gestacional devido ao nascituro e sendo percebida pela gestante. A referida Lei possui como objetivo assegurar a assistência mínima e cuidados necessários para com a gestante e com nascituro por meio da imposição da obrigação de pagar alimentos exclusivamente em virtude da gravidez.
Desta maneira, com a lei em referência se consolidou a proteção da personalidade do nascituro, sendo baseada nos princípios da Dignidade da Pessoa Humana, do Dever Familiar, da Paternidade Responsável e do Direito à Vida, bem como a sua fixação também se dará respeitando o binômio da necessidade-possibilidade, garantindo dignidade à criança que está por vir.
A lei conferiu legitimidade ativa à própria gestante, cabendo a ela acionar o suposto pai do nascituro com o intuito de receber dele alimentos destinados as despesas decorrentes da gravidez. A demonstração da paternidade pode se dar por meras provas iniciais, como por exemplo, fotografias, e-mails, cartas, bilhetes, elementos que mostrem a existência do relacionamento amoroso, para que assim o Juiz possa ter como amparo na fundamentação de sua decisão.
Os alimentos gravídicos compreendem, conforme o artigo 2º da referida lei[15]:
Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Esses alimentos não possuem apenas caráter alimentar, englobando também, o pré-natal e até mesmo o afeto, sendo este último visto como forma de alimentos necessários ao melhor desenvolvimento da criança e do adolescente, sendo necessária desde a concepção da gestação.
Ademais, os alimentos gravídicos podem ser considerados como uma subespécie de alimentos provisórios devido a sua natureza cautelar. A lei se refere a manutenção de tal benefício durante o período da gestação para a mantença com dignidade da mãe e do nascituro. Após o nascimento, esses alimentos convertem-se em pensão alimentícia, até que uma das partes intentem com a revisão, majoração ou desoneração.
Afirma Said Yussef Cahali[16]:
A Lei 11.804/08 procura proporcionar a mulher grávida um autêntico auxilio maternidade, sob a denominação latu sensu dos alimentos, representado por uma contribuição proporcional ao ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições prescritivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
A referida lei não isenta a mãe da participação dentro das suas possibilidades, tanto ela como o possível pai concorrem de forma igualitária para garantir a saúde e o nascimento com dignidade do nascituro.
3.4 Os pressupostos para a fixação
Com relação à obrigação alimentar, prevê o § 1º, do artigo 1.694, e o artigo 1.695, ambos do Código Civil Brasileiro[17], asseveram:
Art. 1.694. (...)
§ 1º - Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.” Logo, fixam-se como pressupostos essenciais para se pleitear alimentos a necessidade da existência de companheirismo, vínculo de parentesco ou conjugal entre alimentado e alimentante; a necessidade do alimentado; a possibilidade econômica do alimentante; e a proporcionalidade, na sua fixação, entre as necessidades do alimentário e os recursos econômicos-financeiros do alimentante.
[...]
Art. 1695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
O vínculo existente entre o alimentante e o alimentado é, geralmente, de parentesco, sendo sua obrigação limitada até o colaterais de segundo grau. O vínculo também pode ser entre os ex-cônjuges, que apesar de não serem parentes, são devedores por consequência do dever legal de assistência decorrente ao vínculo matrimonial. Luiz Edson Fachin[18] afirma que “a obrigação alimentar tem como pressuposto a existência de um determinado vínculo. Nos alimentos de natureza parental sugere a fixação da expressão jurídica do parentesco”.
Além do vínculo de parentesco ou conjugal entre alimentado e alimentante, deve-se levar em conta a necessidade do alimentado, a qual se observa quando ele não possui condições de manter-se por si próprio, por não possui bens suficientes para tanto, e muito menos possuir meios de prover suas necessidades com seu próprio trabalho. Expõe Washington de Barros Monteiro[19] que:
O direito à existência é o primeiro dentre todos os direitos congênitos. Em regra, o indivíduo, sendo, capaz, deve procurar atingir tal objetivo com os recursos materiais obtidos com o próprio esforço, com o próprio trabalho. Muitas vezes, entretanto, por idade avançada, doença, falta de trabalho ou qualquer incapacidade, vê-se ele impossibilitado de pessoalmente granjear os meios necessários à sua subsistência.
Outro pressuposto é que o alimentante deve possuir capacidade econômica para arcar com a obrigação de prestar alimentos, sem que venha a sofrer desfalque do necessário ao seu próprio sustento. No caso de impossibilidade por parte do alimentante de prestar alimentos, a obrigação alimentar deverá ser arcada pelo próximo obrigado conforme a ordem prevista no Código Civil, que pode estar em melhores condições e poderá cumprir com tal obrigação, sem grandes sacrifícios.
E por fim, é imprescindível a proporcionalidade na sua fixação, entre as necessidades do alimentário e os recursos econômicos/financeiros do alimentante. Vale ressaltar que os alimentos são concedidos ad necessitatem, e não ad utilitatem, ou ad voluptatem. Caberá ao magistrado, ao fixar alimentos, respeitar a necessidade do alimentado para viver de uma maneira digna, atendendo, inclusive, à sua carência de educação, e, também, examinar a possiblidade econômica do alimentante. Assim, a prestação alimentícia deverá ser fixada baseada no montante necessário para suprir as necessidades do credor, mantendo as condições sociais e suprindo as suas necessidades, que como discutido acima vão desde as vitais, até as sociais.
3.5 O dever de sustentar
Trabalhado todo o contexto da obrigação alimentar, torna-se imprescindível distingui-lo do dever de sustento. O dever de sustento decorre do poder familiar, em que os pais são impostos como obrigados a manter o sustento de sua prole durante a menoridade civil. Essa obrigação vem assegurada no artigo 1.566, inciso IV, do Código Civil[20]: “São deveres de ambos os cônjuges: (...) IV. Sustento, guarda e educação dos filhos”.
Acerca do poder familiar, assim leciona Antônio Elias de Queiroga[21]:
O poder familiar reflete um conjunto de direitos e deveres dos pais com relação à pessoa e ao patrimônio dos filhos. É um poder-dever derivado de uma necessidade natural, visto que toda pessoa humana, na infância e na adolescência, precisa de alguém para ajudá-la na sua criação, educação, sustento e administração de seus bens.
O dever de sustento do filho menor civilmente é garantido não somente pelo Código Civil, mas também pela própria Constituição Federal de 1988[22], que atribui em seu artigo 229 aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menos, ou seja, o Estado age diretamente atribuindo aos pais a obrigação de zelar pela formação moral, material e intelectual dos seus filhos, enquanto estes não atingirem capacidade civil para se manter.
Assim sendo, por não possuir capacidade para manter-se com seus próprios recursos, o filho menor se torna dependente dos seus pais. Tal pensamento é defendido pelo autor Yussef Cahali[23], ao dispor afirmar que:
A incapacidade ingênita de produzir os meios necessários para a manutenção de sua condição humana faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.
Rolf Madaleno ensina[24]:
A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de exigir a venda de bens para cumprimento da obrigação filiada ao princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana (arts. 1º e 5°, da CF), [...] quando se admite ser ilimitada a obrigação dos pais de prestar alimentos ou sustentar seus filhos, assim como seriam ilimitados e imensuráveis os esforços e sacrifícios paternos, em prol da prole, no íntegro devenir diário da sociedade conjugal, sobrepondo-se aos seus interesses pessoais, quando em confronto com as necessidades dos descendentes menores, ou incapazes de por si buscarem seu efetivo sustento.
De tal modo, diante do dever de sustento, tem-se que é um dever assistencial e não recíproco dos genitores. Sendo, portanto um benefício exclusivo do menor que cessará com a maioridade. Frisa-se, ainda, que a obrigação do poder familiar é personalíssima, pois é uma competência exclusiva dos pais. Vale ressaltar que a chegada da maioridade por si só não isenta os pais da obrigação de prestar alimentos aos filhos, pois a maioridade civil não quer dizer que este passou automaticamente a ter plenas condições de se sustentar, mas ao atingir a maioridade, o alimentado deverá comprovar a necessidade de receber e a possibilidade dos pais para prestarem os alimentos (binômio da necessidade-possibilidade). Neste caso, a obrigação passará a se dar por relação de parentesco e não mais por dever de sustento, surgindo aí a obrigação alimentar que se trata de uma obrigação recíproca e também solidária, podendo se estender aos demais membros da família, não ficando assim limitado aos pais.
Percorrida esta etapa passaremos a abordar o reconhecimento da união homoafetiva.