Capa da publicação Reforma trabalhista e direito intertemporal: o que muda nos contratos atuais?
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Reforma trabalhista e direito material intertemporal do trabalho

19/10/2017 às 11:40
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As alterações imediatas nos contratos de trabalho vigentes respeitarão, naturalmente, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Saiba o que isso significa.

A aplicação das normas alteradas em direito material pela Reforma é imediata, como, aliás, ocorre com todas as regras jurídicas postas uma vez observado eventual período de vacância. Não há dúvida, neste aspecto, que os novos contratos firmados sob a égide da nova lei a ela se submetem, mas as novas regras também se aplicam aos contratos em curso, respeitados os direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, conforme regra basilar de Estado de Direito insculpida no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e também o disposto no art. 6º do decreto-lei 4657/42, também conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.    

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

A CLT possui norma de transição similar, ao estabelecer no art. 912 que:

Art. 912. Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação.

No que diz respeito à eficácia intertemporal da reforma, é evidente que não existe discussão a respeito de duas situações, seja do ponto de vista material, seja processual: 1) quando a relação jurídica material ou processual já se findou e produziu todos os seus resultados sob a vigência da norma anterior, no qual evidentemente observa-se a norma anterior e 2) quando as relações materiais ou processuais se iniciaram sob a lei nova, caso em que incidem, quando pertinentes, os dispositivos trazidos com a lei nova. A discussão mais relevante diz respeito aos casos em que a relação de direito material ou processual ainda estão em vigor ou pendentes, produzindo seus efeitos jurídicos.

Conforme assinala Délio Maranhão, as alterações nas leis de proteção ao trabalho são de aplicação imediata e atingem também os contratos em curso:

Assim, quando a lei modifica os institutos jurídicos, quando estabelece um novo estatuto legal, os contratos que estavam apoiados sobre um estatuto diferente perdem sua base: terão, fatalmente, de ser modificados. Ora, as leis do trabalho fizem respeito a um estatuto legal, ao estatuto da profissão. Em outros termos, o legislador, indiferente às condições do contrato, regula, diretamente, a situação dos trabalhadores. As leis do trabalho visam aos trabalhadores como tais, e não como contratantes. As consequências do fato passado (contrato em curso) são consideradas pela lei nova em si mesmas, e não por um motivo relativa, apenas, àquele fato[1].

Cumpre afastar de imediato, portanto, a falsa ideia de que as alterações promovidas no direito material pela Reforma não se aplicariam aos contratos de trabalho em vigor. As alterações promovidas pela lei 13467/17 no que concerne aos efeitos sobre os contratos individuais em vigor encontram seus limites precisamente na existência de coisa julgada (não afetando, por conseguinte, direitos reconhecidos judicialmente e já transitados em julgado, mesmo em se tratando de prestações sucessivas e parcelas vincendas), do ato jurídico perfeito (assim entendidos aqueles que já foram pactuados entre as partes e já se encontram em condições de serem exercidos, exigidos, ou aguardam apenas o cumprimento de seu termo ou condição inalteráveis, assim como os direitos adquiridos).

Todo o direito que possua assento exclusivamente sobre uma previsão legal não se incorpora ao patrimônio de qualquer pessoa na condição de direito adquirido, devendo ser observado apenas enquanto subsistir a previsão legal. Hipótese diversa ocorre nas situações em que o direito, ainda que previsto em lei, também era assegurado por outras fontes normativas, tais como contratos individuais de trabalho. Nessa hipótese, efetivamente as disposições contratuais se incorporam ao patrimônio jurídico das partes e estão protegidas seja na condição de ato jurídico perfeito, seja na condição de direito adquirido, e o fato de haver alteração na fonte heterônoma não afeta os efeitos produzidos pelas demais fontes de direito, e nem mesmo a Lei 13467/17 dispõe de forma contrária neste aspecto.

Tome-se como exemplo uma das revogações expressas de direito mais significativa promovidas pela Reforma Trabalhista, que foi a extinção das horas in itinere impostas positivamente. Não existe direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço na forma prevista em lei, razão pela qual a alteração do critério de cálculo, expressamente afastando o direito à integração das horas in itinere atinge os contratos que já existiam antes das alterações promovidas pela Reforma trabalhista. Nunca é demais lembrar que a todo direito corresponde necessariamente uma obrigação, e que o princípio da legalidade, também assegurado constitucionalmente, garante que ninguém será obrigado a nada, exceto em virtude da lei. Nesse caso, a lei impunha, seja por força da construção jurisprudencial interpretativa anterior, seja por ocasião da positivação expressa ocorrida posteriormente, o cômputo do período correspondente. O advento da alteração legislativa que expressamente afasta essa obrigação legal produz efeitos imediatamente após o período de vacância.

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Situação diversa, contudo, ocorre nas hipóteses em que o cômputo das horas in itinere estava prevista em contrato individual de trabalho ou mediante acordo ou convenção coletiva, hipóteses nas quais, no primeiro caso, o direito está incorporado ao patrimônio jurídico do trabalhador, e, no segundo, deve ser observado por força da norma convencional.

A questão é muito bem apresentada por José Affonso Dallegrave Neto ao versar sobre direito intertemporal:

o que fora avençado diretamente pelas partes (norma autônoma mais favorável)  deve ser tido como direito adquirido, integrando, pois, o patrimônio jurídico do empregado que se beneficiou de sua vigência ainda que por um período provisório[...] ao revés, as leis, sentenças normativas e demais fontes heterônomas que contemplarem direitos com expressa vigência transitória, não terão o condão de estenderem suas  benesses ad perpetuam a seus destinatários. Em caso de silencia da lei no que tange ao seu prazo de vigência, presumir-se-á por tempo indeterminado; em se tratando de sentença normativa o prazo máximo presuntivo será bienal[2].

Octavio Bueno Magano, versando sobre a aplicação de direito intertemporal no direito do trabalho, distinguia três situações, sendo elas os facta praeterita, facta pendentia e facta futura. Por facta praeterita  entendem-se todos os fatos que ocorreram antes do advento da nova lei, e cujos efeitos já foram inteiramente regulados pela lei anterior, aplicando-se, por isso mesmo, o direito vigente à época de sua constituição. Já os facta pendentia  são aqueles cujos efeitos se projetam no tempo, regulando-se os efeitos anteriores ao advento da lei pela lei vigente ao tempo em que os mesmos fatos se constituíram e os posteriores pela lei nova. Naturalmente, nesse caso, se os facta pendentia possuirem origem em fonte autônoma de direito - prestigiadíssima pela reforma- é claro que a própria fonte de direito pode indicar qual lei regerá os efeitos do negócio jurídico, porque nesse caso a vontade das partes, dispositiva, substitui os efeitos que eram previstos na lei revogada. Finalmente, os facta futura dizem respeito a situações cuja constituição e efeitos foram produzidos pela lei nova. Como a lei trabalhista possui aplicação imediata (observada, naturalmente, a vacatio legis)  suas alterações produzem efeitos sobre todos os facta futura[3].

No mesmo sentido a explicação de Francisco Jorge Neto e Jouberto Cavalcante:

A adoção do princípio da irretroatividade implica: a) quanto aos fatos consumados (facta praeterita), tem-se que a sua regulação é disciplinada pela lei velha, não sendo afetados pela nova legislação. Os efeitos jurídicos destes fatos são disciplinados pela lei antiga, mesmo que sejam irradiados já na vigência da nova lei. Por fato consumado, compreenda-se a situação fática a qual tenha implementado todos os seus requisitos à época da vigência da lei antiga; b) no tocante aos fatos não consumados, ou seja, os fatos pendentes (facta pendentia), a sua disciplina será regulada pela nova lei. Isso significa fizer que a lei nova é aplicável à situação jurídica ainda não totalmente constituída à época da lei antiga; c) os fatos novos serão totalmente regulados pela nova lei[4].

É irrelevante neste aspecto se a alteração legislativa implica efeitos que se entendam prejudicais ou não ao trabalhador.

As restrições contidas na própria CLT a alterações das condições de trabalho do empregado dizem respeito a limitações à negociação individual destas condições mais benéficas em detrimento do trabalhador e se dirigem exclusivamente às hipóteses de condições que se incorporaram ao patrimônio jurídico do trabalhador seja por força contratual, seja mesmo unilateral do empregador, como ocorre nos regulamentos de empresa.

A própria jurisprudência do TST admite diversas hipóteses de alterações prejudiciais ao trabalhador, mesmo em caráter infralegal. É o caso, por exemplo, da Súmula 248: “A reclassificação ou a descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa a direito adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial”.

Destarte, todas as alterações promovidas pela Reforma Trabalhista, como, ademais, decorrente de qualquer outra alteração legislativa, possuem incidência imediata sobre os contratos em vigor, salvo se o direito era assegurado de forma mais favorável ao trabalhador por fonte de direito autônomo, tais como cláusulas contratuais e normas regulamentares do empregador.


Notas

[1] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; et ali. Instituições de direito do trabalho. Vol. 1. 21ª ed. São Paulo: LTr, 2003 . p. 171

[2] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista. São Paulo: LTr, 2000.p. 86

[3] MAGANO, OCTAVIO BUENO. Manual de direito do trabalho. Parte geral. São Paulo: LTr, 1991. P. 132-135

[4] JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do trabalho. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. P. 162

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Sobre o autor
Roberto Dala Barba Filho

Juiz do Trabalho no TRT da 9a Região Bacharel em direito pela UFPR Mestre em direito pela PUC-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBA FILHO, Roberto Dala. Reforma trabalhista e direito material intertemporal do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5223, 19 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61219. Acesso em: 22 dez. 2024.

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