Sumário: Introdução. 1 Da natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 2 Classificação dos atos administrativos quanto à formação ou composição de vontade. 3 Dos princípios constitucionais correlatos. 4 Da doutrina pátria. 5 Da jurisprudência (aplicação dos princípios). 6 A decadência administrativa e os atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 7 O ato de admissão de pessoal. 8 Da tipicidade dos efeitos jurídicos dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. 9 Do Mandado de Segurança nº 25.116/DF (STF). Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A presente obra é resultado de um estudo minucioso, fundamentado em doutrinas e jurisprudência de diversos tribunais, visando esclarecer, numa linguagem simples, esse tema polêmico relacionado à natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão e o alcance da decadência administrativa, uma vez que a doutrina, praticamente uníssona, e grande parte dos tribunais integrantes do Judiciário brasileiro têm discordado das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consideram complexos tais atos sujeitos a registro pelos Tribunais de Contas; portanto, pela inocorrência da decadência administrativa antes das manifestações destas Cortes de Controle, homologando ou não os registros.
2 DA NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS CONCESSIVOS DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO
2.1 Considerações Preliminares
A Carta Magna, em seu artigo 24, inciso XII, §§ 1º e 2º, atribuiu à União, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, a competência para editar normas gerais, em matéria de Previdência Social. Assegurou, também, em seu artigo 40, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005, o regime de previdência dos servidores titulares de cargos públicos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em caráter obrigatório, contributivo e solidário.
Essa contribuição previdenciária compulsória é pecuniária, mensal e imprescindível, por gerar uma reserva de dinheiro (pecúlio), que mantém o programa de previdência, concedendo ao segurado e seus dependentes o direito de usufruir dos seus benefícios, dentre estes a aposentadoria e a pensão.
A concessão do benefício da aposentadoria e suas respectivas hipóteses, como voluntária, invalidez permanente e compulsória, estão previstas nos incisos do § 1º do artigo 40 da Constituição Federal. Por outro lado, a concessão do benefício da pensão encontra-se constitucionalmente prevista no § 7º do mesmo artigo 40.
Atiaia Bandeira Barreto aduz, com simplicidade, aos atos administrativos de concessão de aposentadoria e de pensão, as definições a seguir:
“A aposentadoria é o benefício previdenciário concedido ao segurado (servidor-contribuinte), cujo fato gerador de sua concessão é a perda laboral gradativa do servidor, em decorrência de sua idade ou invalidez. Por sua vez, a pensão é o benefício previdenciário concedido ao dependente, cujo evento gerador de sua concessão é a morte do servidor-contribuinte”.1
A jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro2, completando a definição anterior, designa a aposentadoria como “o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição”.
Os servidores militares, em face das condições especiais e outras peculiaridades pertinentes às suas atividades, serão regidos por regime previdenciário específico, e de conformidade com as normas expressas na Carta Federal.
Faz-se mister registrar que, embora a aposentadoria seja concedida aos servidores públicos civis, e a reforma seja o benefício da inativação para o servidor militar (artigo 42, § 1º, da CF), as duas têm o mesmo objeto (decorrem de expressa previsão legal e o conteúdo a ser produzido ou o efeito jurídico pretendido será alterar a situação funcional do servidor, passando-o da atividade para a inatividade) e a mesma natureza jurídica (aqui se inclui a pensão por morte), segundo a classificação quanto à formação ou composição de vontade produtora do ato administrativo, como será demonstrado no decorrer desta obra.
2.2 Dos Registros dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão
A finalidade constitucional do Tribunal de Contas da União (TCU), em relação aos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, refere-se à apreciação de suas legalidades, verificando se foram praticados em conformidade com as normas em vigor, se está correta a justificação que os originaram ou se houve algum vício que os anulem.
Como esses atos se estendem por toda a vida, causando despesa ao erário público, foram submetidos constitucionalmente ao controle externo, visto que apenas o controle interno exercido pela autoridade administrativa não seria suficiente para evitar possíveis irregularidades.
O TCU, no exercício do controle externo, tem a competência constitucional (artigo 71, inciso III) de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos administrativos de pessoal, como admissão, aposentadoria, reforma e pensão.
Se esses atos forem considerados legítimos, serão homologados; se considerados ilegais, denegados, mas sempre em conformidade com a lei e em respeito aos princípios constitucionais. Essa apreciação é uma atividade auxiliar de controle e fiscalização, possuindo natureza administrativa de caráter eminentemente técnico.
Nessa diretriz, leciona Alexandre de Moraes: “O Tribunal de Contas da União é órgão auxiliar e de orientação do Poder Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização”.3
O professor Rafael Da Cás Maffini4 destaca o papel do TCU no desempenho de suas atribuições constitucionais com referência à apreciação da legalidade dos atos administrativos de pessoal sujeitos a controle: “Tal ‘apreciação, para fins de registro’, cumpre salientar, consiste na verificação, sem caráter jurisdicional, da legalidade ou, num sentido mais amplo, da validade dos atos administrativos benéficos àqueles que são investidos em funções públicas, inativados ou pensionados pela Administração Pública”.
Nos Estados Federados, os Tribunais de Contas deverão obrigatoriamente seguir o mesmo caminho da Constituição Federal quanto às suas atribuições (Artigo 75. “As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”), e também a observância ao princípio constitucional da simetria.
Cumpre observar que, consoante Francisco Eduardo Falconi de Andrade, auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, “as Cortes de Contas apenas examinarão os benefícios concedidos a servidores estatutários ocupantes de cargos efetivos e aos militares. Não lhes cabe apreciar, para fins de registro, os benefícios previdenciários dos servidores celetistas, temporários ou exclusivamente ocupantes de cargos comissionados, os quais são vinculados ao regime geral, administrado pelo INSS”.5
2.3 Da Formação dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão
A Administração Pública, quando solicitada, mediante requerimento, para a formalização da aposentadoria, reforma ou pensão, deverá proceder ao exame documental, em cumprimento aos requisitos previstos na legislação vigente, para posterior concessão do ato, que passará, a partir de sua publicação, a produzir todos os efeitos que lhe são imanentes, obviamente em favor dos seus destinatários. Pode-se afirmar que se trata de um ato vinculado, pois a lei não permitirá ao agente público liberdade na sua confecção, ou seja, satisfeitos os requisitos vinculados à norma de inatividade preexistente, deverá a autoridade administrativa expedir o referido ato.
No caso específico de aposentadoria voluntária de servidor público efetivo, uma vez publicado o ato de concessão, o segurado usufruirá de todos os efeitos de sua aposentadoria, independentemente do registro pela Corte de Contas, e estará na condição de inativo, passando a perceber proventos em vez de vencimentos, ocorrendo, neste momento, a vacância do cargo. Na concessão de aposentadoria por invalidez ou compulsória, deverá haver o cumprimento de determinadas condições previstas na Constituição ou, excepcionalmente, em lei complementar. No entanto, após a publicação, segue-se a sua execução, irradiando todos os seus efeitos jurídicos.
Após a manifestação inicial da Administração Pública, o processo, com toda a documentação que o respaldou, será encaminhado ao Tribunal de Contas para a apreciação da legalidade do ato concessivo do benefício previdenciário e posterior registro ou não. Essa análise, entretanto, costuma levar algum tempo. Durante esse período, o segurado perceberá normalmente os proventos. Se isso realmente ocorrer, de acordo com as normas estabelecidas, será porque o ato concessivo do benefício é pleno de eficácia, fluindo inteiramente os seus efeitos próprios.
Se dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão já se produzem todos os efeitos que lhes são inerentes, independentemente do registro pela Corte de Contas, não haverá motivo para classificá-los como complexos, cujas eficácias só acontecerão depois de aperfeiçoados, com as fusões de todas as vontades envolvidas para suas formações ou existências.
A doutrina, de modo uniforme, assegura que o ato administrativo complexo somente produzirá efeitos após o seu aperfeiçoamento, o que ocorrerá quando a vontade de um órgão fundir-se ou integrar-se à vontade de outro órgão para a formação de um único ato, sendo a sua perfeição requisito essencial, sob pena de sua inexistência ou não formação na ordem jurídica.
Portanto, se o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão fosse complexo, o seu aperfeiçoamento e consequente eficácia dar-se-iam com o registro pelo Tribunal de Contas, que se integraria à concessão do benefício praticado pela Administração Pública para a formação de um ato único.
Essa interpretação é contestada pela doutrina majoritária e por uma parcela expressiva da jurisprudência. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, desde composição antiga, proferia decisões por meio dos votos condutores dos ministros Victor Nunes, no Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 8.657/ES, e Celso de Mello, no Mandado de Segurança (MS) nº 20.882-1/DF, no sentido de que a aprovação de aposentadoria, de natureza homologatória pelo Tribunal de Contas, trata-se de matéria declaratória de legitimidade para fins de execução e que não integra para a formação do ato de concessão do benefício, in verbis:
“A aprovação do Tribunal não integra o ato mesmo; em relação a ele é um plus, de natureza declaratória quanto à sua legitimidade em face da Lei. Não é a validade, mas a executoriedade, em caráter definitivo, do ato que fica a depender do julgamento de controle do Tribunal de Contas”.6(grifo nosso).
“A aprovação da aposentadoria de servidor da União pelo Tribunal de Contas não compõe, não integra o ato que a tenha outorgado, senão que apenas a declara legítima para efeito executório. Conseqüentemente, a revogação ou anulamento desse ato tem sua eficácia condicionada à aprovação do Tribunal”.7 (grifo nosso).
Assim sendo, a manifestação de vontade da Corte de Contas, com o registro, não será constitutiva do ato de concessão de aposentadoria, por não participar de sua formação ou existência, mas, tão somente, ato de controle de legalidade.
A doutrina do mestre Caio Tácito não destoa:
“O registro de aposentadoria é uma forma de controle de legalidade, e não uma nova manifestação de vontade necessária à formação do ato: Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da administração, mas, apenas, forma de controle da legalidade do ato acabado [...]. A vontade do Tribunal não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa. A sua análise, circunscrita ao plano da legalidade e visando o erário, se realiza sobre o ato praticado pela autoridade administrativa competente”.8(grifo nosso).
O doutrinador Lafayette Pondé já confirmava essa premissa:
“O ato de controle não participa do ato controlado. É sempre um ato em confronto com este. Não há entre eles unificação de vontades, nem de objetivos. [...] um a aposentadoria, ato decisório, de efeito externo, que desinveste o funcionário do serviço ativo e altera sua posição jurídica, o outro a aprovação, de efeito interno, sobre o decreto da aposentadoria, não sobre a relação funcional”.9(grifo nosso).
Se tais atos não se integram ou se unem para a formação de um mesmo ato, é porque são autônomos quanto as suas formações, efeitos e fins; por conseguinte, não são complexos. Na doutrina, colhem-se as lições do jurista Elival da Silva Ramos10, segundo as quais “o ato complexo é integrado por atos que não possuem efeitos e objetivos autônomos, uma vez que se fundem completamente ao ato resultante”.
2.4 Formação e Efeitos Jurídicos do Ato Administrativo
Este subitem acarretará uma melhor compreensão da matéria objeto do capítulo 9 com relação à tipicidade dos efeitos jurídicos do ato administrativo concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão.
A formação do ato administrativo diz respeito aos elementos que o compõem (perfeição, validade e eficácia). Alguns autores, em especial Hely Lopes Meirelles, adotam, além do plano de eficácia, o plano de exequibilidade para sua formação. Neste caso, o ato eficaz será o que estiver apto a produzir os seus efeitos finais, e o ato exequível será o que estiver produzindo efetivamente os seus efeitos finais ou estiver disponível para sua exequibilidade ou execução.
Celso Antônio Bandeira de Mello e a maioria dos doutrinadores modernos não fazem essa diferenciação. Para estes, se o ato administrativo for eficaz, já estará produzindo os efeitos que lhe são típicos ou próprios ou estará disponível para sua produção. Essa diferenciação só acontecerá em relação aos atos eficazes e exequíveis. Por conseguinte, “os atos ineficazes serão logicamente também inexequíveis”.11
Elementos que compõem o ato administrativo:
1) perfeição – significa que o ato completou todas as etapas necessárias para sua existência, ou seja, concluiu o seu ciclo de formação. Aqui não denota que o ato não possua vícios, apenas que se encontra concluído. Para a doutrina, perfeição e eficácia verificam-se no mesmo instante, excetuando-se quando a eficácia do ato estiver subordinada à condição ou termo futuro ou quando a lei ou o próprio ato dispuser expressamente sobre o início da eficácia.
2) validade – diz respeito à conformidade do ato com o ordenamento jurídico. O ato só será válido quando reunir todos os requisitos exigidos pela lei. Os inválidos possuem dissonância quanto ao sistema normativo. Em regra, ato válido legitima a eficácia.
3) eficácia – idoneidade que tem o ato administrativo para produzir os seus efeitos específicos. É a aptidão que o ato possui para a produção dos seus efeitos (efeitos oriundos do seu conteúdo específico). Ato eficaz – quando estiver produzindo os efeitos que lhe são típicos ou inerentes, não dependendo de condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador (Celso Antônio Bandeira de Mello) ou estiver apto a produzir os seus efeitos finais (Hely Lopes Meirelles).
4) exequibilidade – disponibilidade que a Administração Pública tem para dar operatividade ao ato, ou a perspectiva dele ser colocado de logo em execução. Ato exequível – quando realmente produzir de imediato os seus efeitos finais ou estiver disponível para sua exequibilidade, não dependendo de condição suspensiva, termo inicial ou ato complementar.
A maioria dos autores nacionais tem empregado a perfeição, validade e eficácia como os três momentos presentes no processo de formação do ato administrativo.
Abordar-se-á as duas correntes doutrinárias referentes à divisão ternária dos planos lógicos do ato jurídico12, sendo a primeira (perfeição, validade e eficácia) do doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello13 e seus adeptos; e a segunda (validade, eficácia e exequibilidade) do professor Hely Lopes Meirelles e seus partidários, a exemplo de José dos Santos Carvalho Filho.14
É essencial para o Direito a relação entre a perfeição, validade, eficácia e exequibilidade do ato jurídico, cujas hipóteses poderão ser:
a) perfeito, válido e eficaz – quando o ato concluiu o seu ciclo de formação ou existência, encontra-se plenamente ajustado às exigências legais e está disponível para a deflagração dos efeitos que lhe são típicos;
b) perfeito, inválido e eficaz – quando o ato concluiu todas as etapas do seu ciclo de formação ou existência, encontra-se em desconformidade com as exigências normativas e está produzindo os efeitos que lhe são inerentes;
c) perfeito, válido e ineficaz – quando o ato concluiu o seu ciclo de formação ou existência, está adequado aos requisitos de legitimidade e ainda não se encontra disponível para a eclosão dos seus efeitos típicos, por depender de uma condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação por um órgão controlador;
d) perfeito, inválido e ineficaz – quando o ato concluiu todo o ciclo de formação ou existência, encontra-se em desconformidade com a ordem jurídica e os seus efeitos ainda não podem fluir, por se encontrarem na dependência de algum acontecimento previsto como necessário para a produção dos seus efeitos (condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação dependente de outro órgão);
e) válido, eficaz e exequível – aqui os atos não só foram editados conforme à lei, como também já têm aptidão e efetiva possibilidade de serem concretizados;
f) válido, eficaz e inexequível – quando, embora compatível com a lei e apto em tese a produzir efeitos, sujeita sua operatividade a termo ou condição futura;
g) inválido, eficaz e exequível – nessa hipótese, o ato foi editado em desconformidade com a lei, mas já é idôneo a produzir efeitos e pode efetivamente produzi-los; e
h) inválido, eficaz e inexequível – o ato, desconforme à lei, embora completamente formado, está sujeito a termo ou condição futura, não sendo, pois, operante ainda.