Capa da publicação Atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão: natureza jurídica
Artigo Destaque dos editores

A natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão

Exibindo página 2 de 9
19/02/2018 às 15:20
Leia nesta página:

3 CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS QUANTO À FORMAÇÃO OU COMPOSIÇÃO DE VONTADE

A natureza jurídica do ato administrativo poderá ser classificada, quanto à formação ou composição de vontade, em ato simples, ato composto e ato complexo (divisão tricotômica). Alguns doutrinadores são adeptos da divisão dicotômica (ato simples e ato complexo ou ato simples e ato composto).

Adotar-se-á a divisão tricotomizada, porque o intuito deste trabalho é demonstrar que os atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão são atos administrativos compostos, e não atos administrativos complexos (como aludem o STF, parte do STJ e parcela minoritária da doutrina pátria), tampouco atos administrativos simples.

Empregar-se-á também os critérios volitivo, da fonte do ato e orgânico para a constituição do ato administrativo complexo15, pois todos, independentemente do grau de importância de seus elementos, participam de sua formação ou existência.

3.1 Do Ato Administrativo Complexo

O ato administrativo complexo é aquele para cuja formação ou existência serão necessárias várias manifestações de vontade conjugadas ou integradas de órgãos ou sujeitos distintos da Administração Pública para a produção de um único ato.

No ato administrativo complexo são duas ou mais manifestações de vontade independentes entre si, com identidade de conteúdo e unidade de fins, que se integram para sua formação ou existência, não havendo prevalência de vontades. A sua essencialidade ocorrerá com o aperfeiçoamento da última vontade integrada e somente a partir deste momento, como um todo, passará a existir na ordem jurídica e estará disponível para a produção dos seus efeitos.16

Certos atos administrativos complexos possuem várias operações no decorrer de suas constituições (leis ordinárias, v. g.). No entanto, as suas complexidades apenas ocorrerão com as vontades declaradas pelos entes públicos que participam de suas formações. O que é essencial ou realmente imprescindível, nesses atos, são as suas existências e perfeições, com a integração das manifestações de vontade, e consequentes eficácias.

No ato administrativo complexo, as vontades que o compõem têm relação de unidade, e a sua impugnação só acontecerá a partir do seu aperfeiçoamento, com a integração da última vontade declarada. 

As vontades que participam da formação do ato administrativo complexo, segundo a doutrina autorizada17, poderão admitir variações quanto:

 (i) à preponderância das vontades - quando as manifestações de vontade não possuírem o mesmo valor jurídico ou a preponderância de uma das duas vontades não implicar que a outra seja instrumental ou acessória (elas se equivalem, pois concorrem diretamente para a formação ou existência do ato); podendo ser iguais (manifestação de vontade do presidente da República e do Senado Federal) e desiguais (manifestação de vontade do presidente da República e do ministro de Estado).

 (ii) à unidade ou pluralidade de entidades administrativas - em razão da grande quantidade de atos administrativos e da necessidade de uma categoria própria para eles, a corrente doutrinária clássica dividiu os órgãos do Poder Público em Executivo, Legislativo e Judiciário. Esta definição veio facilitar a determinação da categoria própria dos atos administrativos complexos, quanto à unidade ou pluralidade de entidades administrativas, que poderão ser:

- interna: as vontades provêm de órgãos da mesma entidade pública: nomeação de reitores das universidades brasileiras, referendos ministeriais a atos do chefe do Executivo da União etc. (os órgãos partícipes são da mesma entidade pública ou do mesmo poder público, isto é, do Executivo).

- externa: as vontades provêm de órgãos de entidades públicas diversas: ministros do Supremo Tribunal Federal - Executivo e Legislativo (Senado Federal), ministros do Tribunal de Contas da União - Executivo e Legislativo (Senado Federal), ministros do Superior Tribunal de Justiça - Executivo, Legislativo (Senado Federal) e Judiciário (lista tríplice do STJ), procurador-geral da República - Executivo e Legislativo (Senado Federal) etc. (os órgãos partícipes são de entidades públicas diversas ou poderes públicos distintos).

O jurista Edmir Netto de Araújo, estudioso da matéria, é integrante da corrente doutrinária que define “os valores jurídicos das vontades em iguais ou desiguais (a predominância de uma delas faz parecer que as demais são meros acessórios ou pressupostos da vontade dominante) e com complexidade interna ou externa (esta decorrente de vontades unitárias diferentes, embora paralelas, emanadas de diferentes pessoas jurídicas, conjugando-se para atingir fim comum, podendo esta hipótese revelar caráter negocial)”.18

O referido jurista continua seus ensinamentos, exemplificando vários atos de complexidade interna e externa. Em relação aos atos de complexidade interna cita “os atos subordinados a pareceres de órgãos consultivos, nomeações precedidas de indicações de órgãos técnicos ou não, consórcios administrativos entre órgãos da mesma administração”. Dentre os atos de complexidade externa aponta “os convênios e os consórcios administrativos (bilaterais e multilaterais)”.19

No caso específico da nomeação do procurador-geral da República, embora sejam apenas dois os órgãos efetivamente participantes do ato para sua formação ou existência, são três os órgãos envolvidos, uma vez que o Ministério Público da União, por meio das associações de classe dos seus membros, elaborará uma lista tríplice de candidatos mais votados, que será encaminhada ao chefe do Executivo para a escolha de um dos três nomes. Entretanto, esse processo de escolha adotado não tem previsão legal, embora, ultimamente, os nomes selecionados para o referido cargo sejam provenientes dessa lista.

Conforme previsão legal expressa, o escolhido, indicado e finalmente nomeado para procurador-geral da República pelo chefe do Executivo, depois da aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, poderá ser qualquer um dentre os integrantes maiores de trinta e cinco anos do Ministério Público da União. Assim, a manifestação de vontade declarada do Ministério Público da União não participará da formação do ato administrativo complexo, por omissão da lei. Ainda que participasse, seria mais uma entidade pública distinta que se integraria para a constituição desse ato.

Convém anotar que, em todos os exemplos citados de atos administrativos complexos, tanto os de complexidade interna quanto os de complexidade externa, nenhum, dentre eles, produziu efeitos antes do seu aperfeiçoamento, com a integração das vontades convergentes que participam de sua formação ou existência.

Cumpre também salientar que uma parcela da doutrina nacional, tendo como expoente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, defende, declaradamente, que todos os cargos dispostos na Constituição Federal, para os quais será necessária a prévia aprovação pelo Senado Federal para posterior nomeação pelo chefe do Executivo, serão enquadrados na classe de ato administrativo composto, sendo o primeiro ato pressuposto do ato principal, ou seja, a aprovação pelo Senado Federal será o ato acessório ou secundário, e a nomeação pelo chefe do Executivo, o ato principal: nomeação do procurador-geral da República, dos ministros do STF, do presidente do Banco Central etc.

Importante evidenciar algumas considerações de renomados juristas concernentes ao ato administrativo complexo. Marcelo Caetano20, doutrinador lusitano, assevera que o ato administrativo será complexo quando “a aprovação de vários órgãos é necessária para a produção de um acto, incidindo a manifestação de vontade de cada um sobre o conteúdo do futuro acto”. Sandra Julien Miranda assinala que “o ato administrativo complexo é o que se aperfeiçoa pela fusão ou integração de vontades de órgãos diversos, de que decorre manifestação de um só conteúdo e finalidade”.21

O alemão Otto Gierke22, pai da teoria do ato administrativo complexo, expõe este ato como “a forma pela qual se manifesta a vontade definitiva do Estado, resultante do concurso de mais de um órgão, nenhum dos quais tem competência para manifestar isoladamente essa vontade”. Lafayette Pondé23 compactua, outrossim, com esse posicionamento ao definir o ato administrativo complexo como “ato único, indiviso: resultante de vontades distintas e homogêneas (nenhuma das quais idôneas a constituir um ato administrativo à parte); seus atos específicos não produzem nenhum efeito isolado, senão quando simultaneamente integrados”.

O célebre jurista Caio Tácito24 leciona que “é da essência do ato complexo que a sua perfeição e a consequente eficácia dependem da fusão de vontades que a lei de competência subordina à formação do ato, que inexiste enquanto não se realiza a integração”. Já a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro25, manifestando-se sobre o ato administrativo complexo, afirma que “as suas vontades são homogêneas; resultam de vários órgãos de uma mesma entidade ou de entidades distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins”.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho26 conjuga esse mesmo pensamento, salientando que “o ato complexo existe sempre que duas ou mais vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só vontade declarada, idônea a produzir efeitos jurídicos que não poderiam de modo algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades”. Bem assim, perfazendo os entendimentos anteriores, Celso Antônio Bandeira de Mello27 completa: “no ato complexo há manifestações provindas de órgãos distintos que se fundem em uma só expressão, em um só ato, porquanto as ‘vontades’ não cumprem funções distintas, tipificadas por objetivos particulares de cada qual; ou seja, nenhuma delas possui, de per si, identidade funcional autônoma na composição do ato”.

Por fim, a doutrina tanto no Direito Administrativo brasileiro quanto no Direito Administrativo comparado é unânime no sentido de que o ato administrativo complexo só produzirá os seus efeitos depois de aperfeiçoado, com a integração da última vontade de todas que se integrarão para sua formação ou existência, e que estas vontades tenham, necessariamente, a mesma identidade de conteúdo e unidade de fins.

3.2 Algumas Contestações dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma, Pensão como Complexos   

A doutrina moderna e grande parte dos tribunais que integram o Judiciário nacional, inclusive parcela do STJ, têm discordado da classificação dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão como complexos. São inúmeros os artigos, ensaios e textos científicos a esse respeito de juristas e doutrinadores renomados. Apontar-se-á algumas passagens dessas manifestações, que realçam claramente essa discordância.

Wallace Paiva Martins Jr, procurador de Justiça do Estado de São Paulo, mestre e doutor em Direito Administrativo, assegura que existe um critério que permitirá identificar o ato administrativo complexo e apartá-lo da categoria de ato administrativo composto: “quando na integração a outra manifestação de vontade convergente (prévia, concomitante ou sucessiva) seja requisito essencial de perfeição do ato”.28

Na sua concepção, referindo-se ao ato concessivo de aposentadoria, considerado ato administrativo composto29 pelo ministro relator, Luiz Vicente Cernichiaro, do STJ, quando do julgamento unânime do RMS nº 693/PR, Segunda Turma, DJU de 25 de fevereiro de 1991, “a decisão está correta na medida em que a manifestação de vontade do Tribunal de Contas não integra nem aperfeiçoa como elemento essencial o ato, cuja natureza revela ser composto e não complexo”.30 (grifo nosso).

A então procuradora-geral do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), Fátima Maria Amaral Tavares Paes, discorreu assim sobre o assunto:

“Embora reconheça a lógica e a importância da tese (sic: do ato complexo), entendo que há alguns obstáculos à sua plena aceitação. Com efeito, o artigo 71 da Constituição Federal firma a competência do Tribunal de Contas no sentido de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal..., bem como a das concessões de aposentadorias. Logo, a redação da norma sugere que a aposentadoria já tenha sido concedida antes de encaminhada ao Tribunal para registro, até porque os efeitos típicos do ato já se verificam desde a manifestação inicial da Administração a qual estaria o servidor vinculado, devendo, porém, sofrer um controle posterior que poderá, inclusive, importar na sua desconstituição. Creio, pois, que a manifestação de vontade inicial da Administração é suficiente para consumar o ato de aposentadoria do servidor público, que, porém, fica sujeito a ato complementar de controle, de natureza homologatória. Tal controle pode concluir pela legalidade da concessão do benefício, pela sua invalidade, ou pela necessidade de sua reforma, sendo sempre posterior ao ato da Administração, não contribuindo, a rigor, para a formação deste.

É de se considerar, ainda, que a manifestação do Tribunal de Contas tem objetivos nitidamente distintos daquela exarada pelo órgão administrativo; esta última materializa uma ação administrativa, de organização de pessoal, que visa a transformar o servidor ativo em inativo; aquela verifica a regularidade dessa ação administrativa. Logo, o ato inicial afigura-se perfeito, desde logo apto a produzir efeitos, pendendo, apenas, de um controle de legalidade posterior”.31 (grifo nosso).

José Luiz Levy consigna que a aposentadoria não é ato administrativo complexo, visto que se encontra perfeita e acabada desde a manifestação inicial da Administração Pública, o Tribunal de Contas não participa de sua formação ou existência e as vontades dos órgãos envolvidos não possuem a mesma identidade de conteúdo e unidade de fins:

“[...] Não resiste a uma análise mais profunda a posição quase consolidada do Supremo Tribunal Federal - e também do STJ - de que o registro de aposentadoria integra o ato concessório, aperfeiçoando-o como um único ato complexo.

Como leciona a doutrina, o ato complexo é um ato único, indiviso, embora resultante de um concurso de vontades de diferentes órgãos administrativos, e se aperfeiçoa com a manifestação do último órgão de uma mesma entidade ou de entidades públicas distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 211).

Porém, conforme se deduz até mesmo da simples leitura no art. 71, inciso III, da CF, não é isso que ocorre, quando da aposentadoria submetida a registro pela Corte de Contas. Na atuação dos órgãos envolvidos vislumbram-se vontades que não se revestem do mesmo conteúdo, e tampouco visam aos mesmos fins. Um é o ato de aposentadoria, que já se pressupõe concedida de maneira perfeita e acabada pela Administração, e o outro é o ato de controle externo, realizado ‘a posteriori’ e visando a fins completamente diferenciados.

[...] Se o ato de aposentadoria não é complexo, é preciso concluir-se, dentre outros tópicos, que o início do prazo de decadência para a sua análise pela Corte de Contas – e não para o exercício de despesa – é a data da publicação de sua concessão.

[...] A apreciação da aposentadoria, pelo Tribunal de Contas, consiste em uma simples verificação de legalidade, limita-se a eliminar ou resolver a incerteza do Direito ou de uma relação jurídica, com consequente aprovação e registro respectivo, ou, ao invés, a rejeição do ato e denegação do registro. Tem efeito meramente declaratório, e não constitutivo, condenatório ou mandamental, como leciona Rodolfo Camargo Mancuso (Sobre a Execução das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas, especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 743, dez/mar. 1997, p. 74)”.32 (grifo nosso).

O administrativista Marçal Justen Filho, refletindo posicionamento anterior, tece, em consonância com a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, considerações, também, com o objetivo de reconhecer que a concessão de aposentadoria não é um ato administrativo complexo:

“Nesse ponto, altera-se o entendimento anteriormente adotado e se reconhece a procedência do raciocínio de Carvalho Filho, no sentido de que a aposentadoria não é um ato complexo. Nas edições anteriores seguia-se o posicionamento tradicional no sentido de que a aposentadoria se aperfeiçoava mediante a edição de decreto da autoridade mais elevada do Poder conjugada com a aprovação pelo Tribunal de Contas. No entanto e como procedentemente aponta Carvalho Filho, a aposentadoria se aperfeiçoa com a mera emissão do decreto. O ato de aprovação do Tribunal de Contas envolve apenas controle a posteriori sobre a regularidade do ato”.33 (grifo nosso).              

No âmbito do STF, o ministro Cezar Peluso, no julgamento do MS nº 26.353/DF, de relatoria do ministro Marco Aurélio, manifestou dúvida acerca da classificação do registro de aposentadoria como ato administrativo complexo, in verbis:

“A segunda observação, Senhor Presidente, é que, embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria”.34 (grifo nosso).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ainda em relação ao STF, o ministro Ayres Brito35, quando da relatoria do MS nº 25.116/DF, fez algumas ponderações no debate travado no plenário pelos ministros dessa Corte, asseverando que a aposentadoria não é ato administrativo complexo36:

“[...] É que essa natureza complexa tem sido posta em causa, aqui, e superada, porque, com a aposentadoria do servidor, constante de decreto ou portaria, dá-se instantaneamente a vaga no cargo. O servidor aposentado se desgruda dos quadros estatais e deixa a vaga que será preenchida por concurso público. Não é mais ato complexo. [...] Não, a intervenção do Tribunal de Contas é para um único efeito: reconhecer ao servidor aposentado o direito de crédito contra a Fazenda Pública vitaliciamente, apenas isso. Então, o ato não é complexo não. Nós já temos superado essa discussão aqui quanto à natureza do ato”. (grifo nosso).

Do Ministério Público Federal, registram-se trechos do Parecer nº 8569, no RE 636.553/RS, do então subprocurador-geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros:

“[...] O TCU, segundo a dicção do inciso III do art. 71 da CF/88, apenas julga a legalidade do ato de concessão inicial para fins de registro. Exerce, pois, o controle externo de legalidade dos atos da administração pública, de modo que, considerando ilegal o ato de concessão inicial de aposentadoria, o TCU não poderá retificá-lo ou alterá-lo, mas, tão somente, negar-lhe o registro. O registro pelo TCU do ato de concessão inicial não consubstancia vontade autônoma e parcial integrante do ato de concessão de aposentadoria, caracterizando, tão somente, ato de controle a posteriori. Assim, do fato do ato de concessão inicial estar sujeito a registro pelo TCU não decorre a premissa de ser a aposentadoria um ato administrativo complexo, senão, quando muito, a de lhe reconhecer a natureza jurídica de ato administrativo composto.

[...] Sendo a aposentadoria plenamente operante desde a concessão inicial pelo órgão da Administração Pública — muito embora sujeita à condição resolutiva consistente no registro pelo TCU — o prazo decadencial do art. 54 da Lei 9.784/99 tem como termo a quo a publicação do decreto de aposentadoria e não a data da publicação do registro na imprensa oficial”. (grifo nosso).

Na esfera do STJ, tem-se uma explicação meticulosa do relator do REsp nº 1.047.524/SC, ministro Jorge Mussi, na qual afirma, enfaticamente, que a inativação de servidor público não é ato administrativo complexo, litteris:                                                            

“[...] A classificação proposta por Hely Lopes Meirelles, seguida por toda a doutrina, divide os atos administrativos em simples, compostos e complexos. Eis a definição que interessa para o exame do presente caso: Ato complexo é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial, nesta categoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a formação de um ato único. Não se confunda ato complexo com procedimento administrativo. No ato complexo integram-se as vontades de vários órgãos para a obtenção de um mesmo ato; no procedimento administrativo praticam-se diversos atos intermediários e autônomos para a obtenção de um ato final e principal. Exemplos: a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o nomeado; [...] Essa distinção é fundamental para saber-se em que momento o ato se torna perfeito e impugnável: o ato complexo só se aperfeiçoa com a integração da vontade final da Administração, e a partir desse momento é que se torna atacável por via administrativa ou judicial  (in Direito Administrativo Brasileiro, 34ªed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 174).   

[...] Verifica-se do texto transcrito que o elemento primordial para o conceito é a necessidade de várias vontades conjugadas para a formação ou existência do ato administrativo.

No entanto, a inativação de servidor público, ato que se sujeita ao registro nos Tribunais de Contas, não se enquadra nesse conceito. Independentemente da manifestação da Corte de Controle, a concessão da aposentadoria pela Administração produz efeitos desde sua expedição e publicação.

O beneficiário, com a concessão da aposentadoria pela Administração, afasta-se da atividade e passa a perceber proventos, tornando vago o cargo, nos termos do que dispõe o art. 33, VII, da Lei nº 8.112/90. Esses efeitos são típicos do ato de afastamento, que se consolidam com a expressão da vontade de um único órgão, aquele que concede a aposentadoria.

A produção de efeitos da concessão de aposentadoria realizada pela Administração permite concluir que não existe a conjugação de vontades para a formação de um ato único, mas sim duas decisões independentes e autônomas, quais sejam, o ato propriamente dito e seu registro, com o conseqüente controle de legalidade pelo Tribunal de Contas competente.

Não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para conceder a aposentadoria. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade.

A doutrina tem demonstrado o desejo de refletir sobre o tema, como demonstram os artigos publicados pelos professores Rafael Da Cás Maffini (Atos Administrativos Sujeitos a Registro pelos Tribunais de Contas e a decadência da Prerrogativa Anulatória da Administração Pública) e Luísa Cristina Pinto e Netto (Ato de Aposentadoria - Natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência), ambos publicados na Revista Brasileira de Direito Público - RDPB.

O professor Caio Tácito, no artigo publicado na RDA nº 53, p. 216-222, com o título Revisão Administrativa de Atos Julgados pelos Tribunais de Contas, ressalta que o registro de aposentadoria é uma forma de controle de legalidade e não uma nova manifestação de vontade, necessária à formação do ato: ‘Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da administração, mas, apenas, forma de controle da legalidade do ato acabado, cuja executoriedade fica suspensa até que se opere o julgamento do ente fiscalizador. [...] A vontade do Tribunal não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa. A sua análise, circunscrita ao plano da legalidade e visando o erário, se realiza sobre o ato praticado pela autoridade administrativa competente’.

[...] Assim, em que pese toda a construção feita na doutrina e na jurisprudência sobre o assunto, não se coaduna com a definição de ato complexo a concessão da aposentadoria pela Administração e sujeito a verificação de legalidade, para fins de registro, pelo Tribunal de Contas.

[...] A falta de imposição de um prazo razoável ao Tribunal de Contas acaba por gerar situações em que o decurso do tempo torna impossível a correção do vício, defeito esse que teve origem na Administração, e não no servidor.

[...] Em segundo lugar, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 vem consolidar o princípio da segurança jurídica dentro do processo administrativo, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje estabilidade e previsibilidade dos atos administrativos. Por isso, não permite a perpetuação da prerrogativa anulatória da Administração, impondo a preservação de atos mesmo que inválidos, se ultrapassado, da sua prática ou fruição de seus efeitos patrimoniais, o prazo decadencial de cinco anos [...].

[...] Nesse contexto, impossível se falar que o termo inicial para a incidência do art. 54 da Lei nº 9.784/99 é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação dos Tribunais de Contas, pois o período que permeia a primeira concessão pela Administração e a conclusão do controle de legalidade deve observar os princípios constitucionais da Eficiência e da Proteção da Confiança Legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo.

Em face dos fundamentos utilizados, propõe-se uma releitura do tema. Seja por não ser possível a classificação do ato de aposentadoria como complexo, ou pela abrangência do art. 54 da Lei nº 9.784/99 a toda a Administração Federal, ou pelos dois motivos, deve ser imposto aos Tribunais de Contas prazo para o exame da legalidade da concessão da inativação”.37 (grifo nosso).

Diante de todas essas considerações supra, conclui-se que o ato de concessão de aposentadoria sujeito a registro pelo Tribunal de Contas não é ato administrativo complexo, mas sim ato administrativo composto, pois, na verdade, são:

“duas manifestações de vontade de órgãos diferentes para a formação de 2 (dois) atos, um principal (a prática do ato concessivo pela Administração Pública) e outro secundário, meramente complementar (o registro de tal ato pelo Tribunal de Contas), sendo esses 2 (dois) atos administrativos autônomos, seja quanto a formação, seja quanto aos efeitos, seja, por fim, quanto aos princípios que orientam suas respectivas perfectibilizações”.38

Embora sejam duas manifestações de vontade, apenas uma, a principal, terá conteúdo próprio e será responsável pela formação ou existência do ato de concessão de aposentadoria; a outra, acessória ou complementar de controle, não terá nenhuma participação, limitando-se a sua ratificação ou não.  

Nessa ordem de pensamento, o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho também ressalta: “nos atos complexos há certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações..., já os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há uma única vontade de conteúdo próprio, porém, o ato principal depende de confirmação, ou seja, da verificação de legitimidade do conteúdo do ato próprio”.39

3.3 Do Ato Administrativo Composto

O ato administrativo composto nasce da vontade de um órgão que pratica o ato principal. É uma vontade única condicionada à ratificação ou aprovação, cuja eficácia prevalecerá precariamente, por depender de um ato acessório de verificação para que esteja apta a produzir os seus efeitos finais (condição de eficácia para alguns doutrinadores ou condição de exequibilidade para outros). No entanto, o ato acessório em nada alterará o conteúdo do ato principal, que carrega em si a vontade própria da Administração.

O ato administrativo composto, por possuir uma única vontade de conteúdo próprio, que se identifica pelo conteúdo do ato principal, origina-se juridicamente com a realização deste ato, porquanto a sua eficácia, consectário de sua existência, iniciar-se-á a partir da prática do ato principal. A eficácia do ato principal, em caráter definitivo, irá depender da aprovação ou ratificação de outra autoridade.

No ato administrativo composto, os atos que o compõem têm relação de dependência e são impugnáveis isoladamente.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ministra as diferenças básicas entre os atos administrativos composto e complexo:

“Ato composto é o que resulta da manifestação de dois ou mais órgãos, em que a vontade de um é instrumental em relação à do outro, que edita o ato principal. Enquanto no ato complexo fundem-se vontades para praticar um ato só, no ato composto praticam-se dois atos, um principal e outro acessório; este último pode ser o pressuposto ou complementar daquele”.40

O ato acessório, seja ele pressuposto ou complementar do ato principal, apenas aprova ou ratifica; portanto, esse ato tem, tão somente, como conteúdo a aprovação ou ratificação do ato principal. Se a aprovação ou ratificação for prévia, sua função será autorizar o ato principal; se for posterior, sua função será confirmar a eficácia ou a execução definitiva do ato principal.

3.4 Algumas Considerações dos Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão como Compostos

Na visão aqui adotada, a concessão do benefício da aposentadoria, reforma ou pensão é um exemplo autêntico de ato administrativo composto, no qual o ato acessório ou complementar de controle apenas ratifica ou aprova o ato de concessão inicial, tornando-o exequível. 

Na concessão desse benefício, o primeiro ato praticado pela Administração Pública será o principal, sendo o segundo, a homologação do registro pelo Tribunal de Contas, realizado a posteriori, mera manifestação instrumental de regularidade do ato principal, não se constituindo em elemento essencial para a perfeição deste. 

A aprovação de aposentadoria pela Corte de Contas, segundo o competente doutrinador Hely Lopes Meirelles, seria ato administrativo composto porque “resultante de vontade única de um órgão, mas dependente da verificação por parte de outro, para sua exequibilidade. Distinguir-se-ia do ato complexo, porque este só se forma com a conjugação de vontades de órgãos diversos, ao passo que o ato composto resulta de uma só vontade, apenas ratificada por outra autoridade”.41

O procurador de Justiça aposentado do Estado de São Paulo Joachim Wolfgang Stein42, discorrendo sobre os atos praticados pela Administração Pública e pelo órgão de controle, invoca as doutrinas de Carlos Smith de Barros Jr. e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, respectivamente, para consolidar o seu pensamento:

“A manifestação de controle não integra o ato administrativo. O ato sujeito a crivo é diferente do ato de controle. Permanecem autônomos, pelo conteúdo e fins diversos que objetivam. Um é ato de ‘vontade’, o outro, ato de controle, é ato de ‘inteligência’, um processo racional, não volitivo. O ato é perfeito, mas pendente, em termos de operatividade ou exequibilidade”. (grifo nosso).

“Há, aqui, um ato composto, em que a manifestação de vontade expressa por um determinado ato administrativo acha-se unida por vínculo funcional a outro, numa relação de caráter meramente instrumental, e não unitário, porque ausente a homogeneidade das respectivas vontades. Funcionam como pressupostos do ato principal (como a solicitação do interessado ou a proposta de um órgão para outro praticar o ato principal) ou como complementares a ele (como aprovação ou homologação). Esses atos instrumentais funcionam como elemento propulsor ou como elemento de eficácia”. (grifo nosso).

É inconteste que, na concessão do benefício da aposentadoria, a manifestação de vontade inicial da Administração Pública terá finalidade distinta da manifestação de vontade do Tribunal de Contas; esta última praticará o controle externo, cujo fim será somente a verificação, para efeito de registro, da legalidade ou validade do ato de concessão de aposentadoria; aquela praticará uma ação administrativa, cujo objetivo será a inatividade do servidor, ou seja, não haverá unidade de fins ou de objetivos nas duas manifestações de vontade

Demais disso, na concessão de tal benefício, não decorrerá manifestação de um só conteúdo para produção de um só ato, pois a manifestação de vontade do órgão de controle não incidirá no conteúdo desse ato único resultante, por não participar da formação ou existência da concessão de aposentadoria.  

Portanto, não haverá uniformidade (ou homogeneidade) de vontades para a formação de um só ato, porque essas vontades não se integram, por não possuírem  unidade (ou identidade) de conteúdo e de fins. Desta forma, por não possuir unidade ou identidade de conteúdo e de fins nas diversas vontades, não haverá como se considerar a concessão de aposentadoria ato administrativo complexo.

Caio Tácito compartilha essa concepção, quando expressa:

“desde que se limite o conceito de aprovação aos atos típicos de controle, especialmente de entes personalizados, não há identidade de fins e de conteúdo entre as duas manifestações de vontade, que, embora concorrentes, atendem a interesses distintos. O pronunciamento inicial constitui, assim de per si, um ato perfeito, de eficácia condicionada à aprovação. Nesta, a autoridade administrativa exprime um juízo sobre a legitimidade e a oportunidade de um ato jurídico já praticado por outra autoridade. Quando o controle sucessivo à formação do ato limita-se ao exame de legalidade não há aprovação, mas apenas visto, com o qual menos ainda se conforma a concepção unitária do ato complexo”.43 (grifo nosso).

Nessa linha de raciocínio, o tratadista italiano Guido Zanobini44 assinala que o ato administrativo complexo “resulta do concurso de vontades de vários órgãos ou vários sujeitos da Administração Pública, sendo requisitos indispensáveis do ato administrativo complexo a identidade de conteúdo e a unidade de fins das diversas vontades, que se fundem para a formação do ato”. (grifo nosso).

Sandra Julien Miranda45 também destaca que, no ato administrativo complexo, “o requisito unidade de conteúdo e fim das diversas vontades é essencial para distingui-lo de outras formas de concurso de vontades, como os atos coletivos, o contrato entre entes públicos..., os atos compostos e tantos outros que com eles não se identificam ou que com eles apresentem pontos de contato”. (grifo nosso).

Desse modo, na concessão de aposentadoria, a manifestação inicial da Administração Pública constituirá um ato perfeito, de eficácia ou execução condicionada à ratificação ou aprovação pela Corte de Contas, sendo o pronunciamento desta Corte ato complementar de controle de legalidade, de natureza homologatória ou suspensiva, tendo como função apenas tornar a eficácia ou a execução precária do ato inicial em permanente. Por conseguinte, a manifestação de vontade do Tribunal de Contas configurará somente condição de eficácia ou de execução definitiva.

O jurista Francisco Campos, enfocando esse assunto pelo mesmo aspecto, profere: “o registro pressupõe acabado, integrado e perfeito o ato administrativo, já dotado de uma executoriedade provisória, correspondendo a uma função de controle, que não colabora na formação do ato, sendo apenas condição de executoriedade definitiva”.46

Tal consideração, a de que o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão sujeito a registro pelo Tribunal de Contas é ato administrativo composto, e não ato administrativo complexo, prontamente se prestaria ou bastaria para contradizer esse equívoco de premissa, de uma parte da jurisprudência, que, baseada na categoria do ato, usa o argumento do ato de concessão do benefício como complexo para fundamentar suas decisões pela inocorrência da regra decadencial antes do ato de registro pela Corte de Contas.

E esse equívoco ficará mais evidente, quando do julgamento contraditório de atos de categorias semelhantes pelo STF. Como considerado no início desta obra, a competência da Corte de Contas para a apreciação da legalidade de atos sujeitos a registro, como admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão, tem assento na Lei Maior.

Assim, tanto o ato de admissão de pessoal como os atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão dependerão da manifestação da Corte de Contas, que apreciará as suas legitimidades de acordo com os pressupostos constitucionais e legais, exercendo o controle externo dos atos praticados pela Administração Pública.

É remota a compreensão do STF, com referência à categoria desses atos sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas, no sentido de que possuem a natureza jurídica de ato administrativo complexo (STF – RMS nº 8.610/ES. Relator: ministro Cândido Motta. Tribunal Pleno. Julgado por unanimidade em 22 de janeiro de 1962. “Revista Trimestral de Jurisprudência”, v. 22/01, p. 91).

A consequência desse entendimento é que o prazo de cinco anos, do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, não se aplicará aos atos administrativos de pessoal, como admissão, aposentadoria, reforma e pensão, até que o Tribunal de Contas venha a se manifestar. Entretanto, o STF, em diversas decisões47, sentenciou que na ascensão funcional (forma derivada de admissão no serviço público, admitida antes da CF/88), o alcance da lei decadencial ocorrerá, tomando-se como base a publicação do ato pelo órgão administrativo, configurando, em face disto, outra categoria de ato, ou seja, ato administrativo simples, diferentemente do posicionamento adotado em relação aos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão.

Nesses casos, a aludida Corte continua julgando pelo alcance da regra decadencial a partir da manifestação do Tribunal de Contas48, havendo, claramente, um descompasso em decisões que envolvem atos que são submetidos ao mesmo controle e fiscalização; portanto, adotando juízos diversos diante de situações iguais, em total inobservância ao princípio constitucional da igualdade ou da isonomia.

Marçal Justen Filho já alertava para esse desconexo:

“Ora, é incontroverso que a admissão não é ato complexo e se aperfeiçoa mediante a atuação isolada da autoridade e que o registro pelo Tribunal de Contas tem natureza de controle. Idêntica orientação tem de ser admitida, então, em relação à aposentadoria. Não existiria fundamento lógico-jurídico para que as duas categorias de atos, objeto de idêntica disciplina num único dispositivo constitucional, tivessem regime jurídico diverso”.49 (grifo nosso).

Esse argumento do STF (o de que o ato concessivo de aposentadoria ou pensão, por ser complexo, somente se iniciaria o prazo decadencial de cinco anos a partir da manifestação do Tribunal de Contas) também vai de encontro ao § 1º do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, no qual se ignora por completo a natureza jurídica do ato administrativo para, partindo de seus efeitos patrimoniais contínuos, privilegiar o beneficiário da relação, estabelecendo que o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

Nesse viés, dispõe o professor Almiro do Couto e Silva:

“Estatui o § 1º do art. 54 que, ‘no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á do primeiro pagamento’. Vencimentos e demais vantagens remuneratórias de servidor público, proventos de aposentadoria, pensões, são prestações que se repetem no tempo, assim como sucede também, por vezes, com as subvenções. O primeiro pagamento, nessas hipóteses, marca o início do prazo decadencial”.50 (grifo nosso).

A Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp nº 1.238.355/SC, de relatoria do ministro Mauro Campbell, pronunciou-se nesse sentido, in verbis:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PRAZO DECADENCIAL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. EFEITOS FAVORÁVEIS. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99. PRAZO DECADENCIAL. APOSENTADORIA. OBSERVÂNCIA PELO TCU. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

1. A Corte de origem julgou a lide em consonância com a jurisprudência do STJ, com base no disposto do artigo 54, § 1º, da Lei nº 9.784/99, segundo a qual o direito da administração anular os seus próprios atos, quando deles decorram efeitos favoráveis aos respectivos destinatários, decai em cinco anos, contados do pagamento decorrente do ato, salvo hipótese de má-fé.

2. O mesmo artigo 54 da Lei 9.784/99, fundamentado na importância da segurança jurídica no âmbito do Direito Público, aplica-se aos processos em curso perante a Corte de Contas que tenham por objeto o exame da legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões.

3. Recurso especial não provido”.51 (grifo nosso).

3.5 O Tribunal de Contas da União, o Supremo Tribunal Federal e os Atos Concessivos de Aposentadoria, Reforma e Pensão

O Tribunal de Contas da União tem a competência de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão (artigo 71, inciso III, da CF). Assim, deduz-se do texto constitucional que esses atos já existem ou foram concebidos antes da manifestação dessa Corte, até porque não se valida ou invalida o que não existe.52

Consequentemente, se já existem, não haverá que se falar da participação da Corte de Contas nas suas formações ou existências. A apreciação de tal Corte, verificando a legalidade ou validade dos atos sujeitos a seu controle, tem natureza jurídica meramente declaratória, e não constitutiva desses atos.

A Corte de Contas, no âmbito de suas atribuições constitucionais, apenas aprovará ou não o ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, não o integrando para sua formação ou existência. Ao aprovar, homologando o registro, será mantido o ato de concessão do benefício, declarando-lhe, em definitivo, a sua legitimidade e executoriedade ou, num sentido mais amplo, a sua validade.

Após a homologação, validando o ato de concessão, a autoridade administrativa só poderá revogar ou anular esse ato com o consentimento da Corte de Contas ou por decisão judicial, por força da Súmula nº 6 do STF53: “A revogação ou anulação, pelo Poder Executivo, de aposentadoria, ou qualquer outro ato aprovado pelo Tribunal de Contas, não produz efeitos antes de aprovada por aquele tribunal, ressalvada a competência revisora do Judiciário”.

Cumpre destacar que, da jurisprudência precursora dessa súmula, a decisão mais relevante, a relacionada ao RMS nº 8.657/ES, não considerava o registro pelo Tribunal de Contas como condição de perfeição do ato de concessão de aposentadoria, muito menos parcela integrativa para sua formação ou existência, concepções estas que não se conformam com a classe de ato administrativo complexo. Contudo, a Corte de Contas, com base na Súmula nº 6 do STF, tem erroneamente caracterizado tanto o ato de concessão de aposentadoria quanto os de reforma, pensão e admissão como complexos, sendo os três últimos por analogia.

Por outro lado, se a Corte de Contas denegar o registro, em virtude de vícios de legalidade, o ato de concessão inativado ou pensionado será inválido, nulo de pleno direito; todavia, essa anulação terá de ser feita no prazo de cinco anos a começar da data da prática desse ato pela Administração Pública, uma vez que “o ato administrativo composto, por ser autônomo, o vício de uma das partes atingirá somente a ela”.54

No entanto, antes de a Corte de Controle denegar, participará ao órgão administrativo a irregularidade observada, recomendando a sua retificação ou a modificação do título, caso seja preciso, por não possuir competência para modificar esse ato (o Tribunal de Contas não tem competência para registrar o benefício nos termos diversos de sua concessão pela Administração Pública), conforme decisão da Suprema Corte.55

Se a autoridade administrativa, porventura, não tomar as devidas providências solicitadas para sanar o vício, a Corte de Contas denegará o registro, determinando ao órgão concedente a anulação do benefício irregular. A sua decisão tem caráter impositivo e vinculante.

A denegação do registro pela Corte de Contas ocasionará a resolução do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, com a interrupção imediata dos seus efeitos iniciais ou provisórios e, por consequência, a sustação do pagamento dos proventos. Em contrapartida, a homologação do registro, por essa Corte, acarretará a eficácia ou a execução definitiva desse ato.

3.6 Do Ato Administrativo Simples

O ato administrativo simples resultará da manifestação de vontade de um único órgão unipessoal ou colegiado, estando perfeito, acabado e pronto para gerar efeitos a partir dessa manifestação unitária. Quando o órgão for colegiado, a manifestação será expressa pela maioria.  O que importa é a vontade unitária declarada que origina esse ato.

O administrativista Diogo de Figueiredo Moreira Neto aborda, com nitidez de compreensão, a diferença entre os atos administrativos simples e composto: “Assim, no caso de ato composto, embora ele seja editado por um único órgão, que lhe infunde existência, validade e eficácia, tal como se dá com o ato administrativo simples, deste difere, apenas, porque a sua execução fica pendente de uma manifestação complementar provinda de outro órgão”.56 (grifo nosso).

Cabe registrar-se a existência de uma corrente doutrinária que considera o ato concessivo de aposentadoria perfeito e acabado desde a sua prática pela Administração Pública, visto que produzirá de imediato todos os efeitos que lhe são inerentes, notadamente em benefício do segurado, selando definitivamente a sua origem como ato jurídico; o servidor passará para a inatividade, afastando-se terminantemente das atividades do cargo; e, por fim, é ato formal, autônomo e independerá de seu posterior registro para sua constituição. Logo, já completou todo o seu ciclo evolutivo de formação.

Participam desse entendimento, dentre muitos da doutrina moderna, os juristas Rafael Da Cás Maffini, “Atos administrativos sujeitos a registro pelos tribunais de contas e a decadência da prerrogativa anulatória da administração pública”57; Luísa Cristina Pinto e Netto, “Ato de aposentadoria - natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência”58; José Luiz Levy, “O Tribunal de Contas e as aposentadorias”59; Flávio Germano de Sena Teixeira, “O Controle das aposentadorias pelos tribunais de contas”60; João Henrique Blasi (atualmente desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina pelo quinto constitucional - OAB/SC), artigo publicado em “Grandes temas de direito administrativo: homenagem ao professor Henrique Blasi”61; e Angélica Petian, “Regime jurídico dos processos administrativos ampliativos e restritivos de direito”.62

O ministro Victor Nunes, do STF, comungava desse pensamento. Em seu voto, no RMS nº 8.657/ES, Tribunal Pleno, julgado por unanimidade em 6 de setembro de 1961, p. 7, fez a seguinte observação: “Tal é a natureza da função de controle, que não integra, nem completa o ato, já anteriormente acabado e perfeito”. Aqui, o ministro Victor Nunes, em perfeita harmonia com as doutrinas dos juristas Francisco Campos e Caio Tácito, deixou explícito que o registro de aposentadoria pelo Tribunal de Contas é ato de controle; portanto, ato que não se coaduna com o conceito unitário de ato administrativo complexo.                   

Esses juristas, com exceção de Rafael Da Cás Maffini, João Henrique Blasi e Angélica Petian, que consideram a concessão de aposentadoria ato administrativo composto, são adeptos da teoria do ato administrativo simples. Para eles, os efeitos decorrentes do benefício da inativação iniciam-se com o simples ato de aposentadoria, já perfeito e acabado, de modo que a sua apreciação pela Corte de Contas consistirá em uma simples verificação de legalidade, sendo o registro uma mera forma de controle dessa legalidade, e não uma nova manifestação necessária para a formação ou existência do ato de concessão do benefício.

No entendimento ora exposto, a imposição constitucional de controle externo dos atos sujeitos a registro pelo Tribunal de Contas (artigo 71, inciso III) inviabiliza a concessão de aposentadoria como ato administrativo simples, haja vista que, em função desse implemento constitucional, não se trata mais de um simples ato, mas sim de dois atos autônomos, um principal, o ato de concessão de inatividade praticado pela Administração Pública, e o outro secundário ou complementar, o registro de tal ato pelo Tribunal de Contas.

Se não houvesse esse dispositivo constitucional, poder-se-ia afirmar, seguramente, que o ato concessivo de aposentadoria bem como os de reforma e pensão se enquadrariam na categoria de ato administrativo simples, dadas as suas existências, perfeições e eficácias a partir da manifestação de vontade inicial da Administração Pública.

O STF, em função dessa determinação constitucional, considera a concessão de aposentadoria ato administrativo complexo, o qual somente se formará e aperfeiçoará com o registro pela Corte de Contas, acentuando que apenas a partir deste momento, na condição de perfeito e acabado, será alcançado pelo instituto da decadência.

Na verdade, na aposentadoria, praticam-se dois atos sequenciais63, e não um ato único resultante da soma ou fusão de vontades de órgãos distintos. Ainda que o ato administrativo complexo não fosse derivado da união de manifestações de vontade, e sim da união de atos decorrentes dessas manifestações; estes atos, se fossem os de inatividade e de registro, não se integrariam para a formação de um ato único resultante, por possuírem efeitos, conteúdos e fins autônomos. Assim sendo, os atos de inativação e de registro não se enquadrariam na classe de ato administrativo complexo.

Ademais, os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva aplicam-se a todo ato administrativo desde o início da sua efetiva produção de efeitos, indiferente à categoria em que se enquadra, para a manutenção de situações consolidadas pelo decurso do tempo.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
André Gonzalez Cruz

Mestre em Políticas Públicas e Doutorando em Direito. Analista Ministerial. Assessor de Desembargador. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas e da Academia Ludovicense de Letras.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, André Gonzalez. A natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5346, 19 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61988. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos