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A natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão

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19/02/2018 às 15:20

Resumo:


  • O ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão não é ato administrativo complexo, mas sim composto, pois depende da ratificação por parte do Tribunal de Contas para sua eficácia ou exequibilidade, e não para sua existência ou perfeição.

  • A Lei nº 9.784/1999 estabelece o prazo decadencial de cinco anos para a Administração Pública anular seus próprios atos, contados da prática do ato pela Administração ou da percepção do primeiro pagamento, em observância aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

  • Princípios como segurança jurídica, proteção da confiança legítima, boa-fé objetiva, razoabilidade e eficiência devem ser aplicados ao controle de aposentadorias, reformas e pensões pelos Tribunais de Contas, a fim de preservar situações consolidadas pelo decurso do tempo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8 O ATO DE ADMISSÃO DE PESSOAL    

Antes de adentrar o estudo da natureza jurídica do ato de admissão de pessoal, far-se-á algumas considerações no que concerne à nomeação, posse e exercício do servidor público estatutário ocupante de cargo efetivo, para melhor discernimento.

A nomeação constitui ato unilateral da Administração Pública que dará início à investidura do nomeado no cargo. Por sua vez, a posse é a assinatura do nomeado no livro do órgão em que vai atuar (termo de posse), para sua investidura definitiva no cargo, aceitando formalmente as atribuições impostas a ele. Somente a partir desse momento, o nomeado será considerado servidor público. E, finalmente, o exercício é o instante no qual o servidor inicia efetivamente as suas atribuições funcionais.116

A doutrina autorizada de Hely Lopes Meirelles117 leciona que “a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o nomeado”. 

Nesse mister, o ato administrativo complexo se formará ou completará com a posse e o exercício do nomeado no cargo pela Administração Pública; consequentemente, o termo inicial para a incidência do prazo decadencial, do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, deverá ser a data do efetivo exercício do servidor, pois este momento é tido como o termo inicial para a produção de todos os efeitos oriundos da atribuição funcional do servidor público. Aqui, a contagem do prazo decadencial de cinco anos previsto na lei decadencial começará a partir da manifestação da Administração Pública.

Essa concepção (ato de admissão como complexo) foi adotada durante muito tempo pelo STF, inclusive antes da imposição constitucional do artigo 71, inciso III. Nesta circunstância, o ato administrativo complexo só se formava ou completava com o pronunciamento da Corte de Contas; portanto, o cômputo inicial para a aplicação da lei decadencial era a data da manifestação desta Corte de Controle. 

Com fundamento no exposto, cumpre consignar que, embora Hely Lopes Meirelles e o STF afirmassem que a admissão de pessoal consubstanciava ato administrativo complexo, havia uma incongruência nas suas concepções quanto à formação ou existência deste ato, refletindo, assim, no marco inicial da norma decadencial, que, como demonstrado, são distintos. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal, nos seus julgados, não seguia a doutrina desse administrativista, como alegavam alguns autores inadvertidamente.

Hely Lopes Meirelles118 sustenta que, na admissão de um funcionário, o ato administrativo complexo se complementará com a posse e o exercício deste servidor público. Conforme posicionamento ora discorrido, a posse e o exercício são operações necessárias para dar provimento ao cargo; todavia, constituirão apenas uma mera formalidade administrativa, e não um ato complementar responsável pela constituição do ato administrativo composto, ou uma segunda vontade que se integrará à vontade inicial para a formação do ato administrativo complexo.

Essa observação ficará evidente no exemplo a seguir: na nomeação dos conselheiros do Tribunal de Contas, as vontades declaradas, que participam efetivamente da formação do ato administrativo complexo, são do chefe do Executivo e do Legislativo (Assembleia). A posse e o exercício do conselheiro na Corte de Contas são apenas cerimônias administrativas necessárias para prover o cargo, e não outra vontade indispensável para a composição de tal ato. Na verdade, são três os órgãos envolvidos, mas somente dois participarão de fato da formação do ato.

O Tribunal de Contas só participará da formação desse ato quando, no momento do preenchimento das vagas oriundas de sua cota constitucional, manifestar o seu direito por meio de uma lista tríplice, de forma alternada, dentre auditores e membros do Ministério Público junto à Corte. Essa lista, elaborada pelo Pleno do Tribunal de Contas, entre os concorrentes mais votados, será enviada ao chefe do Executivo para escolha de um dos três nomes, que, por sua vez, encaminhará ao Legislativo o nome escolhido para a aprovação. Após a aprovação, o chefe do Executivo emitirá o ato de nomeação do conselheiro da Corte de Contas.

Nesse caso, sim, serão três os órgãos envolvidos e todos participarão, declarando as suas vontades. Aqui, a posse e o exercício do conselheiro do Tribunal de Contas também são protocolos (ou rituais) administrativos para dar provimento ao cargo.

O ato de admissão de servidor público, em cargo de provimento efetivo, configurará ato administrativo composto pelos mesmos motivos arrolados em relação aos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão. E, como estes, o alcance da regra decadencial deverá considerar o ato de nomeação praticado pela Administração Pública119, por intermédio do chefe do Poder Público, e não a data da homologação do registro pela Corte de Contas, e, adicionalmente, em observância ao princípio constitucional da igualdade ou da isonomia, por estar tal ato regido pelo mesmo dispositivo constitucional e sujeito ao mesmo critério de controle dos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão. 


9 DA TIPICIDADE DOS EFEITOS JURÍDICOS DOS ATOS CONCESSIVOS DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO  

O ato administrativo complexo, consoante unanimidade doutrinária, só produzirá efeitos jurídicos após o seu aperfeiçoamento, com a integração das vontades que participam de sua formação ou existência. Entretanto, os atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, considerados atos administrativos complexos pelo Supremo Tribunal Federal, já estão aperfeiçoados e produzindo todos os efeitos que lhes são inerentes desde quando praticados pela Administração Pública, independentemente da manifestação do Tribunal de Contas.

Destarte, não haverá razão para a Suprema Corte classificar tais atos como complexos, pois não se integram as vontades da Administração Pública e do Tribunal de Contas para conceber esses benefícios e aperfeiço-á-los, tampouco para a produção dos seus efeitos jurídicos.

Portanto, a única hipótese admissível para que esses atos sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas fossem complexos e gerassem efeitos antes dos seus aperfeiçoamentos, com a homologação dos registros, seria se fossem atípicos, como observou o ministro César Peluso120, do STF, quando da declaração do seu voto no MS nº 25.116/DF. No entanto, mesmo atípicos, ainda assim, como será discorrido neste capítulo, seriam atos administrativos compostos atípicos, e não atos administrativos complexos atípicos.

O ato administrativo será eficaz sempre que estiver apto a produzir os seus efeitos (efeitos oriundos do seu conteúdo específico). Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “o ato será eficaz quando estiver disponível para a produção de seus efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos na se encontra dependente de qualquer evento posterior, como uma condição suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade”.121

Alguns atos, além dos efeitos típicos ou próprios (principais), poderão produzir efeitos atípicos ou impróprios (secundários). Os efeitos atípicos dividem-se em preliminares ou prodrômicos e reflexos (estes atingem terceiros estranhos às suas práticas). O nosso trabalho está relacionado ao efeito atípico preliminar ou prodrômico do ato, por compreender apenas as partes envolvidas na sua prática.       

Para a doutrina, o efeito atípico preliminar ou prodrômico surgirá quando existir situação de pendência no ato administrativo, ou seja, quando um órgão se manifestar e, alheio a sua manifestação de vontade, haverá a obrigatoriedade de outro também se pronunciar. Assim, enquanto subsistir pendência, o efeito produzido pelo ato será atípico. Após a manifestação complementar (autorização, aprovação, homologação etc.) provinda de outro órgão, o ato passará a produzir os seus efeitos normais ou próprios.

Nesse contexto, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:

“Os efeitos atípicos podem ser de dupla ordem: efeitos preliminares ou prodrômicos e efeitos reflexos. Os preliminares existem enquanto perdura a situação de pendência do ato, isto é, durante o período que intercorre desde a produção do ato até o desencadeamento de seus efeitos típicos. Serve de exemplo, no caso dos atos sujeitos a controle por parte de outro órgão, o dever-poder que assiste a este último de emitir o ato controlador que funciona como condição de eficácia do ato controlado”.122 (grifo nosso).

Desse modo, enquanto o ato sujeito a controle não for complementado por outro órgão para a obtenção de sua eficácia ou execução definitiva (plano de eficácia para alguns doutrinadores ou plano de exequibilidade para outros), por meio da autorização, homologação, aprovação, ratificação, visto etc., não estará produzindo efeitos próprios ou típicos.

José dos Santos Carvalho Filho, dispondo sobre o plano de eficácia, já afirmava: “embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia”.123 (grifo nosso).

Nesse mesmo sentido, o mestre José Maria Pinheiro Madeira124 também chancelava: “nos atos compostos há sempre dois órgãos realizando atos diversos. Sempre que o ato administrativo fique com sua eficácia dependente de uma condição, que vai ser atendida por outro órgão, este ato será composto. (grifo nosso).

Como no ato administrativo composto, o ato complementar consubstanciará somente condição de eficácia ou de exequibilidade do ato principal125, então, o ato sujeito a controle, como aposentadoria, reforma ou pensão, pendente, para sua eficácia ou exequibilidade, de ratificação meramente instrumental pelo Tribunal de Contas, configurará ato administrativo composto atípico.

Além do entendimento doutrinário apresentado, classificando o ato de concessão do benefício como composto atípico, esse posicionamento também evidenciará a inviabilização desse ato como complexo atípico, uma vez que o ato pendente pressupõe um ato perfeito, isto é, ato que concluiu todas as fases necessárias para sua formação ou existência, embora dependente de condição ou termo futuro para sua eficácia ou exequibilidade. Se o ato de concessão do benefício fosse complexo, apenas após o pronunciamento do Tribunal de Contas, homologando o registro, aperfeiçoar-se-ia.

Assim sendo, mesmo que o ato concessivo de aposentadoria, reforma ou pensão sujeito a controle produza efeitos atípicos, por ser ato pendente de complementação proveniente da Corte de Contas, ainda assim será enquadrado na categoria de ato administrativo composto, embora atípico.

Nesse caso, o efeito produzido de início não será do conteúdo específico do ato principal, mas sim do efeito atípico preliminar ou prodrômico, e o ato de concessão, na divisão ternária dos planos lógicos de Celso Antônio Bandeira de Mello126, será perfeito, válido e ineficaz, porque já concluiu o seu ciclo de formação ou existência; está adequado aos requisitos de legitimidade e ainda não se encontra disponível para a eclosão dos seus efeitos típicos, por depender de uma condição suspensiva ou termo inicial, ou autorização, aprovação ou homologação por uma autoridade controladora. Aqui, o ato só produzirá os seus efeitos próprios ou típicos após a verificação da condição, termo ou a emissão de ato controlador de que depende a sua eficácia. (condição de eficácia).127

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Por sua vez, o ato de concessão, na divisão ternária dos planos lógicos de Hely Lopes Meirelles128, será válido, eficaz e inexequível, tendo em vista que provém de autoridade competente para praticá-lo e contém todos os requisitos necessários à sua eficácia; está apto a produzir os seus efeitos finais e ainda não é exequível, por lhe faltar a verificação de uma condição suspensiva ou a chegada de um termo, ou ainda a prática de um ato complementar129 (aprovação, visto, homologação, decisão de recurso de ofício etc.) necessário ao início de sua execução ou operatividade. Neste ponto, o ato administrativo só produzirá os seus efeitos regulares ou finais depois de verificado a condição, termo ou a prática de ato complementar de que depende a sua exequibilidade ou operatividade. (condição de exequibilidade).130

No entendimento aqui assumido, o efeito produzido de início não será do efeito atípico preliminar ou prodrômico, mas sim do conteúdo específico do ato principal ou ato de concessão do benefício praticado pela Administração Pública, que estará sujeito à condição resolutiva de eficácia ou de exequibilidade, que se implementará se não houver aprovação pelo órgão de controle.

De toda maneira, se considerarmos a concessão do benefício ato administrativo composto, a produção dos efeitos jurídicos do ato inicial ou principal será imediata, independentemente de sua tipicidade. No ato administrativo composto, os efeitos imediatos produzidos pelo ato principal se conformam perfeitamente com a produção antecipada de efeitos causada pelo efeito atípico preliminar ou prodrômico.

Na visão presentemente adotada, após a edição e publicação, a concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão será um ato perfeito, válido e eficaz, não dependendo de aprovação para produzir os efeitos que lhe são típicos ou próprios, visto que eles já são produzidos, quando de sua formação ou existência pela Administração Pública.131

Não é outra a concepção do administrativista José dos Santos Carvalho Filho, quando leciona que, “se o ato completou seu ciclo de formação, podemos considerá-lo eficaz, e isso ainda que dependa de termo ou condição futuros para ser executado. O termo e a condição podem constituir óbices à operatividade do ato, mas nem por isso descaracterizam sua eficácia”.132

Inegavelmente, a inatividade do servidor público, o percebimento dos proventos, a declaração de vacância do cargo e até o seu provimento por outra pessoa concursada são efeitos típicos do ato inicial de concessão, após a sua expedição e publicação, e não meros efeitos atípicos preliminares ou prodrômicos desse ato que implicam na obrigação de outro órgão se pronunciar.

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Sobre o autor
André Gonzalez Cruz

Mestre em Políticas Públicas e Doutorando em Direito. Analista Ministerial. Assessor de Desembargador. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas e da Academia Ludovicense de Letras.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, André Gonzalez. A natureza jurídica dos atos concessivos de aposentadoria, reforma e pensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5346, 19 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61988. Acesso em: 23 dez. 2024.

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