RESUMO: A prisão domiciliar é uma espécie de pena privativa de liberdade, que seria basicamente o recolhimento do preso em sua casa e o cumprimento de determinadas medidas. Porém, quando aplicada a prisão domiciliar em situações não previstas na lei, surgem grandes divergências, como no caso de ser concedida a prisão domiciliar por superlotação do cárcere. Neste presente artigo, aprofundaremos no tema com a observância sobretudo do nosso código penal e da Constituição Federal.
Palavras-chave: prisão domiciliar; constituição; penas; individualização da pena.
Há muito se discute sobre os delitos e as penas. Hoje não procuramos por vingança, como pôr a cabeça a prêmio ou olho por olho e dente por dente, mas, sim, buscamos a chamada pena humanitária, uma reprovação para uma conduta criminosa e a ressocialização de um condenado.
Para isso, devemos seguir alguns princípios como o da legalidade, da individualização da pena e dignidade da pessoa humana, que estão expressos na nossa constituição. Porém, vivemos em mundo conturbado, onde a bandidagem cresce a cada dia e o Estado não constrói cadeias suficientes. Isso nos leva a um grande problema que é justamente a superlotação no sistema carcerário. Poderia um condenado ir cumprir pena em um regime mais gravoso em razão dessa situação? Não estaríamos indo contra a nossa Constituição e ferindo o princípio da dignidade humana e da individualização da pena?! E, diante desses questionamentos e dessa realidade, temos a prisão domiciliar sendo aplicada como alternativa. Sabemos que a criminalidade cresce a cada dia e cada vez fica mais difícil conter a situação, o Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, ficando em 4º lugar. E, de acordo com os dados de 2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de presos no Brasil é de 711.00, sendo que 147.937 estão em prisão domiciliar. O déficit de vagas no sistema carcerário atual é de 354.000, então, logicamente, o número de condenados fica maior que o de cadeias.
Isso nos traz alguns sérios questionamentos, pois, quando analisamos o Art. 117 da Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984, não encontramos previsão legal para esses casos.
Artigo 117, da Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984:
Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
Como podemos observar, a lei não traz nenhuma previsão legal para os casos de superlotação. É de se indagar como poderíamos aplicar a justiça da forma mais completa e perfeita em situações como essas. Como entendimento majoritário, temos que o princípio da dignidade humana não pode ser ferido, que é, inclusive, uma das principais razões da existência e aplicação do direito. E, claro, é de suma importância o princípio da individualização da pena.
E, como diz Marques (1999):
A sentença é, por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis. (p.297)
Também não estamos falando de conceder prisão domiciliar a um sujeito inclinado ao crime, mas, sim, de ser concedida em situações específicas, como no caso de já ter sido concedido o regime aberto, até porque, no país, temos poucas unidades de casa de albergado, há uma baixa porcentagem de disponibilidade e temos a falta de infraestrutura adequada. Como o Estado não constrói cadeias suficiente, temos um aumento na concessão de prisões domiciliares na tentativa de buscar “desafogar” a superlotação carcerária e não conceder um regime mais gravoso ao condenado.
Autores renomados também expressam esse mesmo entendimento de maneira bem convincente.
Cezar Roberto Bitencourt (2014): "É inadmissível que o condenado cumpra pena em regime fechado em razão da inexistência de vaga no regime semiaberto, ou que permaneça em qualquer dos dois regimes, ante a ausência de casa de albergado.".
Greco (2016):
Muito se discute a respeito da possibilidade de o condenado cumprir sua pena em regime mais gravoso do que o determinado pela sentença penal condenatória [...]. Indagamos: Deverá o agente, em virtude da negligência do Estado, cumprir sua pena em regime mais rigoroso do que aquele que lhe fora imposto no processo no qual fora condenado? Entendemos que não. Isso porque o condenado tem direito subjetivo de cumprir a sua pena sobre o regime que foi concedido, de acordo com a sua aptidão pessoal, na sentença condenatória. (P. 602)
É de suma importância destacar também a Súmula vinculante n°56 do STF:
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que a negligência do Estado não pode refletir sobre a população carcerária, que não pode ter seus direitos massacrados como se fossem insignificantes. Até porque seria impossível fazer justiça cometendo a injustiça de ultrapassar com a finalidade da pena, e não só faltam cadeias, mas também políticas públicas para reduzir a criminalidade. A situação é extremamente delicada, mas entendemos que quem fica impossibilitado de cumprir sua pena de acordo com a previsão legal por falta de vagas tem direito a prisão domiciliar e, enquanto isso, caso venha surgir alguma vaga, o sujeito retorna ao sistema penitenciário para cumprimento de sua pena de acordo com o que estava previsto. Para a aplicação de uma pena justa, deverão ser observados todos os princípios previstos em nossa Constituição Federal e deve ser respeitada a individualização da pena e também todas as circunstâncias judiciais elencadas pelo Art. 59 do CP.
REFERÊNCIAS:
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas: tradução de Paulo M. Oliveira; prefácio de Evaristo de Moraes.- 2. ed.- São Paulo: Edipro, 2015
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1-21 ed., rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva. 2015.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral 1-18 ed, rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Impetrus. 2016.
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. São Paulo: Millenium, 1999. 3 v
STF, Súmula vinculante n° 56. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=3352>. Acesso em 05/11/2017
BELONI, Patrícia. Por dentro de uma prisão domiciliar: como é, proibições, permissões e quem tem direito?. Disponível em: https://www.vix.com/pt/noticias/538471/por-dentro-de-uma-prisao-domiciliar-como-e-proibicoes-permissoes-e-quem-tem-direito. Acesso em 15/11/2017