CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim e ao cabo, impende consignar que a redefinição do espectro semântico da reserva do possível não acarreta a extirpação da temática do custeio, a qual remanesce presente no discurso de aplicação dos direitos fundamentais sociais. Trata-se apenas de deslocá-la para o plano da argumentação jurídica, como razão a suportar, nas fases ponderativas da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, o grau de importância/restrição dos demais princípios colidentes com o direito prestacional pleiteado no caso concreto. Evita-se, desta forma, o déficit de normatividade dos direitos fundamentais sociais, ao sempre sujeitar as restrições decorrentes de outros princípios constitucionais ao controle do Poder Judiciário, a partir da regra da proporcionalidade.
Espera-se, com o presente estudo, ter contribuído para o descerramento de relevante vereda no processo aplicativo das normas definidoras de direitos fundamentais sociais. Realocada a reserva do possível em posição dogmática constitucionalmente adequada, como exigência de ponderação, de um lado, e expressão das condicionantes fáticas e jurídicas da precedência concreta do feixe de princípios colidentes com o direito subjetivamente vindicado, de outro, estabelece-se o inarredável império da argumentação jurídica como caminho a ser necessariamente percorrido pelas decisões judiciais afetas à temática, o qual será travado no bojo da estrutura racional da ponderação, consoante as regras do discurso jurídico e em sólido alicerce constitucional.
A investigação das regras argumentativas e dos topoi peculiares ao discurso aplicativo dos direitos fundamentais sociais consubstancia complemento necessário deste trabalho, a ser desenvolvido em oportunidades posteriores. Saliente-se, desde logo, as importantes contribuições de Ana Paula de Barcellos e de Luciana Gaspar Melquíades Duarte à investigação desta última temática.
A primeira autora aduz importante cipoal de topoi argumentativos a racionalizarem sensivelmente a discussão judicial pertinente aos direitos fundamentais subjetivos de jaez social, tais como o controle da quantidade de recursos a ser investida em políticas públicas vinculadas à realização de direitos fundamentais, em termos absolutos ou relativos, e a verificação da eficiência mínima na aplicação de recursos públicos destinados a determinada finalidade.[26]
Duarte, a seu turno, sugere que a argumentação em torno de pretensões individuais à concretização de prestações positivas tenha como marco o orçamento público, ponderando, por exemplo, que a destinação de verbas para demandas de segunda necessidade minoraria o grau de importância de satisfação dos princípios da competência decisória do legislador e da separação de poderes quando o direito social reclamado ostentasse viés de primeira necessidade, caso dos tratamentos médicos indispensáveis à sobrevivência do paciente.[27]
Destarte, a passagem da reserva do possível à reserva constitucionalmente possível, proposta por este trabalho, encontra no seu maior mérito também a sua maior dificuldade: a ampliação do ônus argumentativo decorrente da inserção constitucionalmente adequada do instituto em uma teoria dos direitos fundamentais sociais, ao mesmo tempo em que aprimora a controlabilidade das decisões judiciais sobre a matéria, impõe pesado fardo sobre os ombros de seus estudiosos e operadores, doravante incumbidos de perscrutar as regras discursivas fundamentadoras dos graus de restrição/satisfação dos princípios materiais e formais em rota de colisão.
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NOTAS
[1] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 477.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 380.
[3] VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Tradução de Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.
[4] GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 139-222.
[5] GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[6] AMARAL, Gustavo. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79-99.
[7] HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York: W. W. Norton & Company, 1999.
[8] MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3. ed. rev. e ampl. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Renovar, 2005.
[9] OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: Efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.
[10] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
[11] MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3. ed. rev. e ampl. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Renovar, 2005.
[12] AMARAL, Gustavo. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79-99.
[13] OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais Sociais: Efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.
[14] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
[15] KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os descaminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
[16] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
[17] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
[18] AMARAL, Gustavo. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79-99.
[19] GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[20] ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy Editora, 2005.
[21] ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005.
[22] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
[23] SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 111.
[24] SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 158.
[25] GADAMER, Hans Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 458.
[26] BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
[27] DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades. Possibilidades e limites do controle judicial sobre as políticas públicas de saúde: um contributo para a dogmática do direito à saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2011.