Aborto: uma busca pela integridade do direito associado ao valor intrínseco da vida humana

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Reflexões acerca da polêmica (e questionável) legalização do aborto, à luz de Dworkin e seu conceito de integridade, enquanto virtude política, ao lado da justiça e da equidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. ADPF 442: um olhar para o futuro. 2.1. O caso do zika virus. 3. Legislação comparada. 4. O aborto como um problema de saúde pública e de perpetuação da desigualdade social. 5. Direitos da mulher vs. Direito do feto. 6. O machismo velado numa falsa moralidade. 7. Estado laico: a mentira escondida numa cortina de virtude. 8. Ronald Dworkin e a integridade do aborto. 8.1. O romancista no caso Roe vs. Wade e a influência no Civil Law. 8.2. A integridade do aborto no direito brasileiro. 9. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a prática do aborto é considerada crime pelo Código Penal de 1940, penalizando a conduta com uma grave pena. Porém, essa criminalização não é absoluta, visto que a prática da interrupção da gravidez, a qual resulta na morte prematura do feto, é permitida em três casos: quando a gestação coloca a gestante em risco de morte concreto e iminente; quando a gravidez for decorrente de estupro; e quando o feto for anencéfalo – esta uma conquista mais recente pela ADPF 54.

Não obstante, a prática do aborto acabou-se disseminando pelo Brasil, tendo como causa, entre os vários motivos, o machismo, que está enraizado na sociedade brasileira em pleno Século XXI, disfarçado numa falsa moralidade, que, em cada ato, procura, implicitamente – ou muitas vezes explicitamente - subordinar as mulheres à vontade do homem e retirar delas seus direitos, conquistados com luta ao longo da história.

Além disso, a ideia de laicidade estatal, que no Brasil, hoje, está corrompida, e a sua concepção acerca das condutas sobre as quais a religião impõe determinadas restrições, repercute de maneira incisiva no temática do aborto, principalmente no Congresso Nacional.

Logo em seguida, busca-se analisar a eficácia do aborto como uma forma de perpetuação da desigualdade social, haja vista que sua criminalização só gera efeitos às camadas sociais menos favorecidas, que estão sempre condenadas ao lado mais desumano da moeda. E ainda, pretende-se abordar o tema de aborto como um grave problema de saúde pública, citando todos os riscos à saúde que há num processo clandestino de interrupção prematura de uma gestação.

Por fim, o debate acerca da legalização do aborto torna-se cada vez mais relevante, porém, ater-se apenas a argumentos dogmáticos, culturais ou religiosos para definir uma posição sobre o tema seria restringir o alcance da interpretação jurídica. Logo, mostra-se vital analisar como as decisões do Estado sobre as muitas facetas do aborto poderão influenciar na vida de cada indivíduo e no meio social em que ele vive, através do marco teórico de Ronald Dworkin, analisando como seu pensamento pode ser decisivo nessa temática.

Contudo, mostra-se mister, para o desenvolvimento deste trabalho, fazer uma pequena análise de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, que está em trâmite no Supremo e que, caso seja julgada procedente, representará um marco histórico para toda a sociedade brasileira. Bem como tecer comentários sobre a ADPF 54, que a precedeu, e sobre o debate acerca das grávidas infectadas pelo vírus da Zika. Igualmente, cabe verificar os casos de legislação comparada, buscando compreender até que limite o Brasil pode se espelhar nos exemplos estrangeiros.

Assim, este artigo, tem como principal objetivo analisar o aborto sobre diversos enfoques e discorrer acerca de sua eventual legalização e de como ela poderia influenciar de modo constante na individualidade de cada ser humano, através de uma análise social, moral, jurídica e filosófica. Busca-se examinar todos os argumentos acerca do tema, mas sempre com uma visão crítica hermenêutica, no intuito de concluir sobre a possibilidade de sua legalização.


2. ADPF 442: UM OLHAR PARA O FUTURO

O julgamento procedente da ADPF 541 em 2012, que declarou a inconstitucionalidade da interpretação, segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 1242, 1263, 128, incisos I e II4, do Código Penal, fomentou intensos debates no Congresso Nacional e nos diversos segmentos da sociedade, sobre a legalização do aborto.

Somando a isto, a primeira turma do STF – composta pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello - se reuniu para julgar um caso envolvendo pessoas de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, denunciadas pelo Ministério Público pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha. Essas pessoas foram presas preventivamente por trabalharem numa clínica clandestina de aborto, porém, os mesmos foram soltos, devido a um habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, por não estarem presentes os requisitos necessários à decretação da prisão.

Nada obstante, o ministro Luís Roberto Barroso, ao pedir vistas do habeas corpus, em sua argumentação do voto, explicitou que a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, como o da autonomia da mulher, o da integridade física e psíquica, além de não observar o princípio da proporcionalidade. Isso porque, segundo ele, até o terceiro mês de gestação, o córtex cerebral5 ainda não está formado, não havendo expectativa de vida extrauterina. Porém, essa decisão não descriminaliza o aborto até o terceiro mês de gestação (12 semanas), ela vale única e exclusivamente para o caso de Duque de Caxias, pois não é dotada de repercussão geral.

Então, com o julgamento destas decisões em face do aborto e a potencialização do seu debate, como consequência daquelas, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), associado ao Anis6 (Instituto de Bioética), ajuizaram uma ADPF perante o STF – enumerada de ADPF 442 -, cujo pedido é referente, mas não se restringe, à declaração da não recepção parcial dos arts. 124 e 126 do Código Penal – que incriminam o aborto realizado pela própria gestante e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante – pela Constituição Federal de 1988. A referida ação pede a descriminalização do aborto dos arts. 124 e 126, porém, apenas nos casos até a 12ª semana de gestação.

Além disso, pede-se ainda, com a ADPF 442, uma liminar com o intuito de suspender imediatamente as prisões em flagrante, inquéritos policiais e andamento de processos e decisões judiciais baseadas na aplicação dos arts. 124 e 126 do Código Penal aos casos de interrupção da gestação (aborto) consentido7 e consensual8 realizadas nas primeiras 12 semanas de gravidez.

Portanto, nota-se que essa ação, ajuizada pelo PSOL, é uma clara resposta aos movimentos feministas que começaram a ganhar força a partir de 2011, com o surgimento da chamada “Marcha das Vadias”, no Brasil. Acrescenta-se também a este fato o julgamento da ADPF 54, que fora um marco na história do Poder Judiciário Brasileiro, representando de fato, um avanço nas questões sobre o aborto e claro, mais uma vitória do movimento feminista contra o machismo enraizado na sociedade brasileira. Além disso, foi o ponto de partida para as inúmeras objeções contra a criminalização do aborto.

2.1. O CASO DO ZIKA VÍRUS

Nada obstante, é mister traçar breves comentários sobre uma ação, que sucedeu a ADPF 54 e que, da mesma forma, versa sobre a legalização do aborto em uma de suas facetas, mais precisamente, nos casos de grávidas infectadas pelo Zika Vírus.

O surto do Zika Vírus, causado pelo mosquito Aedes aegypti, que ocorreu com mais intensidade no período de 2015 até meados de 2016, aliado ao fato de que a OMS9, a partir de estudos científicos, confirmara uma associação dos casos de microcefalia com a infecção provocada pelo vírus, acentuou a discussão. A Anadep impetrou uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) perante o Supremo. Nessa ação, além de outras demandas, foi requerido, também, que o Supremo autorizasse o aborto nos casos de microcefalia fetal e que fossem garantidos benefícios de prestação continuada às crianças com sinais de microcefalia.

Em adição, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se favorável à ação e encaminhou ao STF seu parecer sobre o caso. Para Janot, o julgamento da ADPF 54, em 2012, deve valer, na mesma medida, aos casos de diagnóstico de infecção pelo Zika Vírus, com o intuito de proteger a saúde psíquica da mulher. Além disso, ele defende que a grávida está amparada pelo estado de necessidade garantido no Código Penal em seu art. 2410, pois a gestante praticaria a conduta da interrupção da gravidez para proteger direito próprio, cujo sacrifício não era razoável exigir.

É constitucional interrupção de gravidez quando houver diagnóstico de infecção pelo vírus zica, para proteção da saúde, inclusive no plano mental, da mulher e de sua autonomia reprodutiva. (JANOT, 2016, p.2)11.

Contudo, essa ação ainda será julgada, e, por enquanto, ela está nas mãos da relatora Min. Carmén Lúcia. Caso seja julgada procedente, esta ADI representará um novo passo no caminho da legalização do aborto e a lucidez do Poder Judiciário Brasileiro em fechar as portas para o conservadorismo, que ainda está arraigado na sociedade brasileira, em todos os seus escopos. Será a vitória da liberdade, do feminismo, da mulher e, acima de tudo, do Brasil, que timidamente evolui em busca de um país livre de desigualdades.


3. LEGISLAÇÃO COMPARADA

Em seguida, antes de adentrarmos no mérito do pensamento crítico e hermenêutico, iremos abordar qual a influência do direito estrangeiro no direito brasileiro em matéria de aborto, visto que é um ponto de extrema relevância para entender o processo de legalização do aborto no Brasil. É mister analisar como o direito comparado poderá auxiliar no esclarecimento das possíveis consequências de uma eventual legalização do aborto. Aqui, vamos nos ater àqueles países – especialmente em dois - em que, assim como o Brasil, travaram inúmeros debates sobre a licitude do aborto em suas legislações e que optaram pela legalização da prática.

Primeiramente, é importante começar com um país onde ocorreram debates acirrados sobre a licitude do aborto, pois há uma certa semelhança destes com as discussões travadas no cenário brasileiro. Os Estados Unidos não legalizam o aborto em sua Constituição Federal, porém, em 1973, num famoso caso conhecido como Roe vs Wade12, do Estado do Texas, julgado pela Suprema Corte Norte-americana, entendeu-se que o direito à privacidade, que fora reconhecido pela mesma Corte, num julgamento de um caso anterior13 em 1965, foi utilizado como precedente14 para o caso do Texas, e, ainda, inferiu-se que, envolveria também, nesse julgamento, o direito da mulher de decidir sobre a interrupção prematura de sua gestação ou não. Desta forma, a lei do Texas que criminalizava o aborto, salvo nos casos de único meio para salvar a vida da gestante, foi declarada inconstitucional.

Sendo assim, o julgamento em questão definiu os rumos que todos os Estados deveriam tomar ao legislarem sobre aborto. Ficou decidido, então, que no primeiro trimestre de gestação, a gestante poderia escolher livremente sobre o aborto. No segundo trimestre, ele continuaria sendo permitido, porém o Estado poderia regulamentar a prática com o objetivo de proteger à saúde da gestante. Apenas a partir do terceiro trimestre de gestação, o Estado poderia proibir a prática do aborto, pois já haveria viabilidade de vida fetal extrauterina. Apesar das inúmeras objeções dos grupos pró-vida, para revisarem tal precedente, ele se mantém até hoje nos Estados Unidos. Contudo, em alguns casos vem sendo flexibilizado, principalmente quando é constatada a viabilidade da vida fetal extrauterina antes do terceiro trimestre de gestação.

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Do mesmo modo, na Alemanha, o aborto é permitido. Contudo, até se chegar na fase da legalização, o aborto percorreu um longo caminho, que tem seu início bem antes da queda do muro de Berlim em 1989. Entre os vários julgamentos que ora legalizavam o aborto, ora o criminalizavam, o mais importante deles – mais importante, pois é o que perdura até hoje – foi o julgamento do caso Aborto II em 1993. Antes da queda do muro de Berlim, a antiga Alemanha Oriental admitia o aborto até o primeiro trimestre de gestação, ao contrário da Alemanha Ocidental que criminalizava o aborto, salvo as exceções de risco à saúde ou à vida da gestante, os casos de patologias fetais, estupro, incesto, razões sociais e econômicas.

Portanto, com a unificação da Alemanha foi-se necessário editar uma nova lei. Assim, em 1992, foi promulgada uma lei que permitia a prática do aborto até o terceiro mês de gestação. Porém, em 1993, essa mesma lei foi contestada perante a Corte Constitucional Alemã que decidiu sobre o caso, conhecido como Aborto II. Nesse decisão, foi considerada inconstitucional a legalização do aborto no início da gestação, salvo nos casos em que a prolongação da gestação representasse uma onerosidade excessiva para a gestante.

Acrescenta-se, também, que a decisão busca evitar que sejam utilizados meios de repressão provenientes do Direito Penal contra as gestantes que decidam por interromper a gestação e passem a ser utilizados medidas assistenciais e administrativas. Então, para consolidar o entendimento da Corte, fez-se mister promulgar um novo texto legal, desta forma, em 1995, o novo diploma descriminalizou o aborto ocorrido nos primeiros 3 meses de gestação e ainda estabeleceu um procedimento para que a mulher interessada em abortar tenha um serviço de aconselhamento, onde ela vai ser instruída a não levar adiante a interrupção. Em seguida, corre um prazo de 3 dias para ela optar pelo procedimento da interrupção da gravidez ou não.

Ao analisar as posições assumidas pelas Cortes de cada país citado, conclui-se que ambos possuem nítida correspondência com o direito brasileiro, haja vista que, assim como o Brasil, a Alemanha e os EUA possuem constituições que priorizam os direitos fundamentais, deste forma, os debates são centrados em temas como o do aborto, que colocam em cheque direitos fundamentais, tornando-se discussões cada vez mais acaloradas e longas.

Não obstante, as peculiaridades da legalização do aborto nestes países – como a legalização apenas até o terceiro mês de gestação - são muito próximas daquelas que os defensores do aborto, no Brasil, buscam ao ingressar com ações perante o Tribunal Superior e a tendência é que sejam seguidos os mesmos passos trilhados pelos vizinhos estrangeiros.

Porém, caso o aborto seja legalizado no Brasil é preciso que a legislação se adeque às singularidades da sociedade da brasileira, pois estamos falando de países desenvolvidos que vivem uma realidade totalmente diferente do Brasil, onde apenas uma reprodução do texto normativo da Alemanha, por exemplo, não se adequaria à todas as necessidades do povo brasileiro, podendo ocasionar um caos de anomia social. Portanto, é necessário e urgente se ater aos mínimos detalhes no caso de uma incerta legalização do aborto, pois a sociedade brasileira é plural e uma decisão dessa magnitude atinge todos os escopos sociais presentes nela.


4. O ABORTO COMO UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA E DE PERPETUAÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL

Não obstante, mesmo com a criminalização do aborto pelo Código Penal, a prática da interrupção prematura da gravidez continua crescendo progressivamente no Brasil, o que acaba levando as mulheres, em sua esmagadora maioria, pobres, à clínicas clandestinas que não possuem um suporte adequado para o procedimento abortivo. Os métodos empregados nessas clínicas, são geralmente caseiros, com a utilização de métodos científicos e médicos ultrapassados, sem materiais adequados para realização do processo e principalmente, sem higiene, colocando em risco à vida e à saúde das gestantes.

Portanto, o aborto torna-se um problema de saúde pública, na medida em que a prática é algo recorrente no país, gerando um alerta para as autoridades – no ano de 2013 estimava-se 1 milhão de abortos por ano - e porque causa impacto para a saúde de toda população. Desta forma, sendo a saúde pública um direito constitucionalmente assegurado pelo art.19615 da Constituição Federal, torna-se um dever do Estado a realização de medidas públicas para combater o problema que está colocando a saúde de toda população em perigo.

Do mesmo modo, outro fator que contribui na ótica do aborto como um problema de saúde pública é a precariedade das clínicas clandestinas e os desdobramentos ocasionados pelos procedimentos utilizados nelas. Segundo o Conselho Federal de Medicina, o aborto é a quinta causa de mortalidade materna, ocasionado, em sua maioria, pela insegurança nos procedimentos adotados pelas clínicas clandestinas. Por isso, o CFM e vários médicos defendem a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Nota-se esta, uma posição firme e coerente, pois com a legalização do aborto nesta condição, as clínicas abortivas passarão a ser legalizadas, pois não haverá mais a repressão do Estado e consequentemente poderão melhorar sua estrutura e qualificar seus profissionais, e ainda o Estado poderá oferecer o procedimento por meio do SUS. Porém, não necessariamente isso irá tornar o procedimento seguro, pois, como em qualquer meio da sociedade brasileira, há estabelecimentos com o procedimento mais barato, mas, em contrapartida, reduzindo-se os gastos com a segurança da paciente. Portanto, a legalização aqui não significará, necessariamente, uma maior segurança no procedimento. Vê-se, desta forma, que é necessário ao Estado realizar, numa eventual legalização, uma forte fiscalização das clínicas abortivas.

Além disso, há outro desdobramento do aborto praticado de forma ilegal, que se esconde por trás de uma cortina imposta pela parcela da sociedade mais abastada, que fecha os olhos para todos os problemas enfrentados pela classe mais humilde. É um problema que transcende os aspectos jurídicos e perpassa a uma questão social, de moral, de ética, que atinge o senso comunitário. Sendo assim, o aborto ilegal deve ser tomado como uma forma de perpetuação de desigualdades. Sim, desigualdades, sejam elas sociais ou de gênero. Quando se fala em desigualdades sociais, é mister salientar que há uma diferença entre aborto clandestino e aborto inseguro. O aborto clandestino não é necessariamente inseguro.

Mesmo o aborto sendo ilegal, a clínica pode possuir todas as condições de higiene, todo o apoio “pós-aborto”, uma equipe de médicos qualificados, porém as únicas favorecidas com esse tratamento são as pessoas ricas, que possuem dinheiro e podem pagar por um procedimento de tal vultuosidade. Esses abortos podem chegar até dois mil dólares. Portanto, nem todas as pessoas possuem condições de arcar com esse tratamento, então recorrem às mais mórbidas clínicas, sem higiene alguma, sem profissionais capacitados, muitas vezes quem realiza o procedimento não é nem um médico, chegando haver lugares onde a operação custa 50 reais.

Por isso, a grande maioria das mortes que ocorrem após um procedimento abortivo são de mulheres pobres, pois utilizam-se destas clínicas, cujas condições são desumanas, e que, mesmo tendo consciência do risco de perecimento de sua vida numa operação em tais circunstancias, optam por interromper a gravidez e, muitas vezes, sofrem consequências irreversíveis.

Em síntese, é bem claro reconhecer quais são as mulheres atingidas com a criminalização do aborto. Inclusive, após uma pesquisa realizada pela Anis em 201616, este fato ficou nítido. Segundo a pesquisa, as mulheres que apresentam maiores taxas de aborto são as negras e indígenas, com menor grau de escolaridade, e que vivem no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Desta forma, é fácil identificar como a criminalização do aborto tem o poder de perpetuar a desigualdade já existente na sociedade, podendo inclusive, fomentá-la se algo não for feito para impedir o avanço deste problema, o qual está presente na sociedade brasileira desde a escravidão. Assim, a legalização do aborto teria a capacidade de, no seu âmbito, minimizar essas desigualdades, pois todas teriam acesso a um procedimento abortivo com o mínimo necessário de segurança, que seria concedido pelo Estado, mais especificamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que não quer dizer que será de qualidade, como não é hoje a saúde pública no Brasil.

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