Aborto: uma busca pela integridade do direito associado ao valor intrínseco da vida humana

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5. DIREITOS DA MULHER VS. DIREITO DO FETO

O grande conflito do debate sobre a legalização do aborto gira em torno dos direitos constitucionalmente previstos da mulher em oposição aos direitos assegurados ao feto. De fato, ambos são protegidos pela Constituição Federal, porém é necessário invocar o princípio da proporcionalidade, com o fim único de decidir qual direito possui prima facie em detrimento do outro.

A mulher acaba por ter seus direitos violados com a criminalização do aborto, tais como o direito à privacidade, à autonomia, à liberdade, à vida, à dignidade, à igualdade, à saúde, entre outros. Em relação aos direitos do feto, deve-se ter, primeiramente, um consenso se o feto e o embrião são considerados pessoas, pois o sendo, o direito à vida é assegurado a eles. Dessa forma, torna-se mister invocar o princípio da proporcionalidade para definir se o direito da mulher se sobrepõe ao direito do feto, já considerado como pessoa. Assim, defendendo os direitos da mulher – que é o melhor entendimento para o aborto - assinala, de forma brilhante, a Ministra Carmén Lúcia, presidente do STF:

“Quando se põe em debate o aborto, o que se oferece, num primeiro lance de discussões, é se o embrião e o feto seriam pessoas, porque, a se responder afirmativamente, eles titularizariam o primeiro de todos como é o direito à vida digna, a qual, como antes lembrado, é intangível e inviolável. Mas não se há de ignorar que a vida é o direito que se exerce com o outro, no espaço das relações entre sujeitos, não se podendo anular, portando, a condição de pessoa-mulher que, em sua dignidade, é livre para exercer a escolha da maternidade ou não.” (LÚCIA, 2004)17.

Portanto, o melhor caminho a ser seguido – compartilhado, também, pela representante e presidente do Supremo – é o da legalização do aborto, protegendo os direitos da mulher, em detrimento aos direitos do feto, que só terá vida propriamente dita, a partir do terceiro mês de gestação. Contudo, os problemas sobre a legalização do aborto não se esgotam nessa discussão, transcendendo os aspectos jurídicos, atingido problemas éticos e morais intrínsecos na sociedade, como o machismo e a utopia do estado laico.


6. O MACHISMO VELADO NUMA FALSA MORALIDADE

Ao falar de aborto, é impossível não abordar o machismo que está enraizado na sociedade brasileira há muitos séculos, e que é um dos principais embaraços na legalização do aborto.

De fato, há quem acredite que se fossem os homens que tivessem de abortar, essa conduta já teria sido descriminalizada há muito tempo, e não só no Brasil, mas no mundo todo. Logicamente, isso não é nenhuma novidade, pois os direitos das mulheres sempre foram prejudicados pelo machismo e pelo preconceito, que permeiam todo o mundo. Sendo assim, só após diversas lutas do feminismo esses direitos foram sendo resguardados, porém, ainda é muito pouco, já que diariamente mulheres sofrem com a falsa moralidade e muitas vezes, não sabem que o preconceito mora ao seu lado, seja por um namorado ou pelo chefe do escritório. Enfim, a vulnerabilidade pode acontecer em qualquer situação.

Na verdade, um relacionamento abusivo é muito mais comum do que parece. Muitas vezes, as mulheres são colocas numa posição de submissão ao parceiro, e geralmente, sem o conhecimento dessa posição – por uma ingenuidade, talvez. Decerto, o machismo está em pequenos atos, como influenciar na pratica sexual sem preservativo, mesmo contra a vontade da parceira ou até mesmo a forçá-la à pratica sexual contra sua vontade só mesmo para satisfazer seu próprio libido.

Some-se a isto, para aumentar ainda mais a falsa moralidade do machismo impregnado na sociedade em todos os seus âmbitos sociais, o fato de que as mulheres são compelidas ao uso de pílulas anticoncepcionais, desde sua primeira menstruação, o que muitas vezes coloca em risco sua saúde. Há pouca conscientização dos efeitos colaterais relacionados ao uso destas pílulas, havendo relatos de mulheres que as usam por anos e não sabem dos efeitos prejudiciais à saúde e à sua vida sexual.

Ainda, recentemente, pesquisadores testavam um anticoncepcional masculino, porém, após relatos dos homens que o utilizaram, sobre efeitos colaterais correlatos aos sofridos pelas mulheres no uso de seus anticoncepcionais, as pesquisas foram travadas. O que mostra mais uma faceta do machismo, onde apenas as mulheres devem arcar com os ônus de proteger-se contra uma gravidez indesejada.

Portanto, é clara a coação da sociedade, que é machista, pela manutenção da gravidez, onde apenas as mulheres irão arcar com todas as consequências da gestação, pois o lado paterno muitas vezes não reconhece seu próprio filho. Isso atinge tanto a mulher, como o próprio filho, que irá crescer frustrado, com sentimento de rejeição, sem uma figura paterna ou até mesmo sem condições financeiras necessárias para sua criação.


7. ESTADO LAICO: A MENTIRA ESCONDIDA NUMA CORTINA DE VIRTUDE

Nesse tópico, mostra-se importante tecer comentários sobre mais um impedimento à legalização do aborto no Brasil. Assim como o machismo e os direitos do feto, a falsa laicidade estatal protela e impede todas as decisões sobre aborto nas diversas camadas da sociedade, principalmente no âmbito das tomadas políticas, ocorridas no Congresso Nacional.

Hoje, a laicidade estatal na sociedade brasileira é uma verdadeira falácia. O ideário do Estado ser laico, no Brasil, está corrompido há muitos anos, porém escondido numa cortina de virtude, a religião se mantém firme, e cada vez mais forte, nas relações jurídicas e políticas da sociedade.

A religião influencia de forma incisiva nas tomadas de decisões do Estado. Assim, na questão do aborto – na qual a religião tem forte interesse – não podia ser diferente. Apesar de ser garantida constitucionalmente a liberdade religiosa a qualquer cidadão e do preâmbulo da própria Constituição Federal tratar da proteção divina, isso não significa que a religião deve ter prima facie em detrimento de outras garantias constitucionais.

Dessa forma, trazendo essa problemática para o aborto, é importante destacar que para a religião o conceito de vida é diferente de uma concepção jurídica, moral, filosófica e cientifica. Assim, como a maioria da sociedade brasileira é de religião católica, há uma grande dificuldade em passar no congresso alguma lei que venha a modificar seu conceito de vida, que para os seguidores cristãos – aqui inclui-se tanto católico como evangélicos – é a partir da concepção, mesmo sendo comprovado cientificamente que a vida não começa na concepção.

O próprio ordenamento jurídico, pela Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, em consonância com o Conselho Federal de Medicina (CFM), reconheceram que a vida se encerra com a morte cerebral. Logo, a partir de uma dedução, é imperativo entender que a vida começa apenas com a formação do córtex cerebral, ocorrendo os primeiros impulsos elétricos. Somando-se a isto, o próprio CFM defendeu a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação – fase em que o córtex cerebral já estaria formado.

Portanto, o Brasil mesmo se dizendo ser um Estado Secular Laico, continua embargando e protelando decisões no Congresso Nacional que são conflitantes com a doutrina religiosa. As bancadas religiosas, principalmente na Câmara dos Deputados, acabam impedindo o avanço de leis que visam proteger direitos da mulher, como a da legalização do aborto. Apesar de o Supremo estar dando passos tímidos na superação desse problema, como a decisão de Duque de Caxias, ainda não é suficiente. A laicidade no país precisa ser superada urgentemente, pois a influência religiosa na tomada de decisões políticas pode acarretar consequências irreversíveis, principalmente para as mulheres – que na visão de alguns deputados de partidos religiosos devem ser submissas ao homem -, justificado apenas por um motivo divino.


8. RONALD DWORKIN E A INTEGRIDADE DO ABORTO

Para concluir a argumentação sobre a licitude do aborto no presente trabalho, é essencial elucidar o pensamento filosófico de Ronald Dworkin18 e como ele poderá influenciar na tomada de decisão sobre a descriminalização do aborto no Brasil. Dworkin é autor de alguns artigos que versam sobre a interrupção da gravidez, os quais serão citados neste ponto, pois mostram-se extremamente oportunos a este momento. Primeiramente, é mister ilustrar qual a tese filosófica de Ronald Dworkin, e posteriormente, relacionar o seu pensamento à possível licitude do aborto.

Em seu livro O Império do Direito, Dworkin esclarece que há dois valores na sociedade, os quais ele chama de virtudes políticas. São elas a coerência/segurança e a justiça. Segundo ele, a coerência compreende os elementos normativos, enquanto a justiça é o resultado correto do sistema político; para ele é “a distribuição correta de bens, oportunidades e outros recursos”19. Portanto, foi necessário criar um terceiro valor, uma terceira virtude política, que é a Integridade, a qual comunica as outras duas virtudes, pois uma decisão válida, de acordo com as normas, pode não ser justa a quem lhe é endereçada. Então, a integridade tem a missão de balancear essa discrepância, discorrendo que a decisão deve guiar-se por uma comunidade de princípios, a qual trabalha na moralidade política de toda a sociedade, e não apenas de suas autoridades.

Segundo assevera Dworkin, a integridade se vincula a legitimidade política, na medida em que a comunidade e seus membros aceitam que são governados por princípios comuns e não por regras provenientes de uma decisão política. Considera-se que os direitos e deveres políticos de cada indivíduo não se esgotam nestas regras, mas necessitam, de forma transcendental, da comunidade de princípios que repercutem destas regras. (DWORKIN, 2007).

Se aceitarmos a integridade como uma virtude política distinta ao lado da justiça e da equidade, então teremos um argumento geral, não estratégico, para reconhecer tais direitos. (...) A integridade da concepção de justiça de uma comunidade exige que os princípios morais necessários para justificar a substância das decisões de seu legislativo sejam reconhecidos pelo resto do direito. (DWORKIN, 2007, p. 200-201)20.

De fato, essa comunidade de princípios, que vai guiar a decisão correta, não são abstrações obtidas da metafisica, muito pelo contrário; são frutos da hermenêutica crítica, da interpretação construtiva. Portanto, os juízes e legisladores, ao exercerem sua atividade, estão realizando uma reconstrução do direito, e pela integridade, nessa reconstrução deve-se interpretar as práticas jurídicas não apenas segundo os princípios contemporâneos ao momento de sua criação, mas também à luz daquela que seria a melhor interpretação para o caso, com o intuito de tornar a decisão justa.

Por essa interpretação ser construtiva, como já dito, o intérprete, ao se guiar pela integridade, a partir de uma comunidade de princípios, se adere à interpretação, transformando-a como o direito de sua comunidade de princípios em sua melhor interpretação.

Dessa forma, é perceptível que Dworkin transcende o pensamento de Hans Kelsen da teoria pura do direito. Dworkin não se limita à teoria da moldura, a qual diz que a proposição normativa, ou seja, a letra da lei, impede a interpretação da norma. Portanto, Ronald busca extrair da proposição normativa várias interpretações para se chegar à melhor solução possível do caso, e não apenas ficar restrito à letra da lei, o que acarretaria, provavelmente, em uma decisão injusta.

Em outras palavras, Dworkin faz uma analogia do intérprete com um romancista, para um melhor entendimento de sua tese. Do seu ponto de vista, a construção da interpretação da prática jurídica é equivalente a um romance em cadeia. O romance em cadeia implica que cada romancista, a partir de todo material que recebeu, tente criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor. Porém, ele mesmo expõe que não é uma tarefa fácil, porque o autor não pode se afastar dos textos anteriores e também deve respeitá-los. Essa regra pode ser até mais simples para um romancista, mas numa atividade jurisdicional, quando se leva para o âmbito do direito, essa adequação aos textos anteriores é muito complexa. Tanto o é, que ele chama o juiz de Hércules21, evidenciado que o juiz de Direito necessita de um poder hercúleo, sobre-humano, para se chegar a uma decisão justa e coerente, pautada na noção de integridade. Dworkin compara o “Juiz Hércules” a um escritor – romancista -, que dá continuidade a uma obra escrita à várias mãos.

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Não obstante, a teoria do “Juiz Hércules”, utilizada por Dworkin, é comumente aplicada nos hard cases, que são os casos insolucionáveis, onde ele imagina que só um juiz com uma sabedoria e paciência sobre-humanas poderia solucionar o caso. Esse juiz é metódico e criterioso, devendo analisar se as decisões dadas aos precedentes relacionados ao problema do seu caso, poderiam ter sidos concedidas se estivessem, coerente e conscientemente, sendo aplicados princípios subjacentes à cada interpretação. O juiz ideal deve considerar que tais decisões anteriores são parte de uma longa história, onde ele deve dar sua interpretação e construir o melhor entendimento possível, de modo que a decisão seja justa e equitativa para cada pessoa. Portanto, nota-se que a ideia do “Juiz Hércules” busca limitar a discricionariedade do juiz, que deve adequar a sua decisão ao conjunto de leis e jurisprudências existentes.

Em síntese, a integridade do Direito, proposta por Dworkin, objetiva que o juiz busque uma decisão pautada em aspectos fáticos, morais e normativos relevantes para a melhor solução do caso. A interpretação jurídica deve ser a melhor possível, pois só assim se chegará a melhor solução possível do caso. Sendo assim, ele cria uma limitação à discricionariedade do juiz, visto que, desta forma, não haveria espaço para decisões arbitrárias. Por isso, ele idealiza a figura do juiz Hércules, porque apenas esse juiz imaginário teria condições de dar uma decisão justa e correta, inclusive nos hard cases, guiando-se, na tarefa da reconstrução do Direito, pelos princípios da Integridade, da justiça e da equidade. Segundo Dworkin, a integridade não se confunde com a equidade e nem com a justiça, porém está ligada a elas, na medida em que, a integridade só faz sentido entre pessoas que querem também a justiça e a equidade.

Neste presente momento, após toda elucidação da teoria da integridade do Direito proposta por Ronald Dworkin, é mister contrastá-la com a temática do artigo, visto que este é o objetivo principal do trabalho. Uma obra, cujo autor é o próprio Dworkin, e que, por isso, torna-se imprescindível citar neste presente, é o livro “O Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais”.

Contudo, é importante ressaltar que não basta aplicar apenas os pensamentos filosóficos de Dworkin para entender o caso do aborto, mas também não se deve ignorá-los. Isso porque, Dworkin, ao falar do aborto, trabalha muito mais com os aspectos constitucionais do tema, principalmente relacionados à Constituição Norte-Americana, que por sua vez, vem de um sistema common law, diferentemente do brasileiro de civil law. Por isso, é necessário adaptar todo o pensamento de Dworkin para o sistema brasileiro.

8.1. O ROMANCISTA NO CASO ROE VS. WADE E A INFLUÊNCIA NO CIVIL LAW

Conforme dito, Dworkin acredita que a interpretação jurídica para um caso é construtiva, sendo o juiz aquele que irá dar continuidade a uma obra escrita à várias mãos. Isso quer diz que, o “Juiz Hércules” não pode fugir do entendimento dado anteriormente, guiado por princípios concretos, a um caso semelhante ao que ele está em mãos. Dessa forma, ele defende a decisão dada no caso Roe vs. Wade, que decidiu pelo direito da mulher de abortar, pois teve como fundamento o precedente do caso Grisworld vs. Connecticut, o qual garantiu às mulheres o direito à privacidade, que incluiu a decisão não apenas de conceber ou não seus filhos, como também a decisão de tê-los ou não. Portanto, nota-se, claramente que, assim como Dworkin defendia, o juiz Blackmun22 não se afastou dos precedentes – mais precisamente o precedente de 1965 - e nem dos princípios constitucionais, realizando, de forma característica, a atividade do juiz Hércules.

Por outro lado, ao transmutar esse ideário para o debate sobre a licitude do aborto no Brasil – que adota o sistema civil law – há de se tecer alguns comentários. Primeiro, mesmo não adotando o common law, a decisão do caso de Duque de Caxias, já mencionada neste artigo, poderia servir como um fundamento, ou pela menos como exemplo, para uma eventual legalização do aborto na Suprema Corte Brasileira, nos moldes da ADPF 442. Seria, de fato, um exemplo do que Dworkin defende sobre a analogia com o romancista, criador de um juiz com sabedoria hercúlea, tal qual aconteceu em 1973 no Texas. Porém, o Brasil adota o civil law, onde a decisão deverá ser pautada pelos princípios e regras constitucionais e é nessa particularidade que o pensamento de Dworkin acerca da integridade do Direito poderá ser comunicada com o direito brasileiro.

8.2. A INTEGRIDADE DO ABORTO NO DIREITO BRASILEIRO

A integridade como uma terceira virtude política atrelada a coerência e a justiça pode ser facilmente aplicada no direito brasileiro, no que concerne ao aborto. Primeiramente, ao falar na coerência/segurança para Dworkin pode-se citar a Lei de Doação de Órgãos de n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a qual afirma que só há morte, seja ela do feto ou do ser humano já desenvolvido, com a morte cerebral. Sendo assim, como já foi dito, se não há vida cerebral até os 3 meses de gestação, pois não há o desenvolvimento do córtex cerebral, não se pode criminalizar aqui o aborto até a décima segunda semana de gestação. Desta forma, assinala o próprio Dworkin: “a ideia de que um feto tenha interesses próprios antes que possa ter qualquer vida mental é uma autocontradição tão óbvia quanto a afirmação de que um círculo pode ser quadrado”23. Contudo, esse raciocínio – que até lembra um pouco o Silogismo Aristotélico - não se esgota nisso, é necessário ainda analisar os outros dois valores, quais sejam justiça e integridade.

Não obstante, é imperioso analisar se a decisão de descriminalizar o aborto até o terceiro mês de gestação seria um veredito justo. Essa análise passa por um juízo moral e ético da comunidade, tendo como barreira o machismo, o qual deve ser combatido para garantir a justiça e a igualdade de gênero na sociedade. Portanto, deve-se ter a consciência de que as mulheres possuem garantias constitucionalmente previstas, as quais são fundamentos para a legalização do aborto, e por isso, deve-se respeitar sua liberdade para interromper a gravidez, pois somente uma descriminalização do aborto poderia balancear a situação existente hoje, de desigualdade no acesso à clinicas e a procedimentos abortivos, aumentando o nível de segurança e higiene no procedimento, e consequentemente, diminuindo os índices de mortes de gestantes que se submetem aos procedimentos abortivos em condições precárias.

No tocante à integridade do direito de abortar, um importante ponto a ser mencionado é o fato de Dworkin defender uma decisão pautada numa comunidade de princípios. Assim, o juiz ao decidir sobre a legalização do aborto, deve levar em consideração os princípios que permeiam todo o cenário dessa legalização. Não são apenas princípios constitucionais, mas principalmente, princípios morais da sociedade, pois a sociedade e seus membros devem ter a consciência de que são governados por tais princípios, e não por regras, frutos de uma decisão política que eles não tiveram influência.

Portanto, em sua obra, Dworkin levanta pontos que contrastam as duas posições sobre o aborto, defendendo aquela que sustenta a descriminalização. Dworkin defende que o Estado – principalmente um Estado Democrático de Direito – não pode ferir o valor intrínseco da vida humana, porém o atinge quando criminaliza o aborto, seja pelo crescimento de uma criança frustrada, pois seus pais não a quiseram, seja por uma doença degenerativa que afetará toda sua vida, seja até mesmo por punir adolescentes com a manutenção da gravidez indesejada, que limita as expectativas e sonhos de suas vidas, sobretudo da mãe, a quem incumbe maior parte dos ônus da gravidez.

Portanto, é nítida a defesa de Dworkin pela descriminalização do aborto, segundo critérios que transcendem os aspectos jurídicos e atingem aspectos éticos, morais e filosóficos. Então, constranger a gestante à manutenção de uma gravidez indesejada seria atingir o seu valor humano intrínseco, ofendendo tanto os princípios e direitos constitucionalmente assegurados a elas - o que num Estado Democrática de Direito é algo inconcebível – como também princípios morais, éticos e sociais.

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