Aborto: uma busca pela integridade do direito associado ao valor intrínseco da vida humana

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9. CONCLUSÃO

Após toda explanação argumentativa, informativa e crítica sobre a licitude do aborto, conclui-se que uma eventual legalização transcende o simples ato da interrupção de uma gravidez, haja vista que na discussão inclui-se a proteção dos direitos da mulher, que há muito vêm sendo violados e raramente assegurados.

Não obstante, é necessário analisar o aborto sob a perspectiva de um problema de saúde pública, o que, por sinal, é um dever do Estado assegurar, pois, nessa ótica, fica nítida a necessidade e urgência de uma maior atenção para o tema. Além disso, a laicidade estatal no Brasil precisa ser repensada, ou pelo menos, reformada, pois a inércia, na situação em que está, é de uma total insegurança jurídica, principalmente no que concerne aos direitos da mulher, sempre embargados pelas bancadas cristãs no Congresso.

Em suma, a legalização do aborto só trará consequências positivas, seja na saúde, diminuindo os índices de morte das gestantes, como também o fortalecimento do movimento feminista. Assim, o pensamento dworkiano serve de grande alicerce para a legalização do aborto, pois como já visto, num Estado Democrático de Direito as decisões devem ser pautadas na Integridade do Direito, a qual só é conquistada pela comunidade de princípios que transcende a metafisica, princípios dentro dos quais os membros da sociedade devem ver-se inseridos; são princípios morais, éticos e filosóficos, existentes num determinado momento histórico – momento, hoje, de liberdades, privacidades, autonomias.

Do mesmo modo, a moralidade pública deve ser levada em consideração nessas decisões difíceis, como é a do aborto, pois só assim a decisão mais justa e correta poderá ser tomada, sem a interferência de fanatismos religiosos ou da cultura machista, que representa um câncer na sociedade brasileira.

Enfim, todo esse pensamento crítico-construtivo dworkiano, atrelado às enfermidades da sociedade brasileira, citados ao longo do trabalho, e ainda, somando-se os avanços e as personalidades de referência na sociedade que defendem a legalização do aborto, como a Ministra do STF Carmén Lúcia, é importante reconhecer a legalização do aborto, como já fizeram tantos outros países latinos e europeus, contudo, sempre reconhecendo os próprios limites do país e prestando todo o suporte e estrutura necessários à prática.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

­BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 3, 2016.

DWORKIN, Ronald. O Domínio da Vida – Aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

__________. O Império do Direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

LÚCIA, Carmén. O Direito à Vida Digna. Editora Fórum, 2004.

SARMENTO, Daniel. Legalização do Aborto e Constituição, 2004. Revista de Direito Administrativo.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


Notas

1 A ADPF 54 foi julgada procedente, com o placar final de 8 votos à favor e 2 contra. Os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello, votaram à favor, enquanto os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, votaram contra. O ministro Dias Toffoli não votou, pois se declarou impedido.

2 Art. 124 do Código Penal: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque. Pena: detenção, de um a três anos.”

3 Art. 126 do Código Penal: “Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena: reclusão, de um a quatro anos.”

4 Art. 128 do Código Penal: “Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal;”

5 O córtex cerebral permite que o feto desenvolva sentimentos e a racionalidade.

6 “A Anis é uma organização feminista, não-governamental e sem fins lucrativos, reconhecida pela pesquisa social, incidência política, litígio estratégico e projetos de comunicação sobre violações e defesa de direitos, em campos como direitos sexuais, direitos reprodutivos, deficiências, saúde mental, violências e sistemas penal e socioeducativo.” Disponível em: <https://anis.org.br/sobre/ >; Acesso em 04 de Maio de 2017.

7 Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 3, 2016, p. 187, 188.

8 Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 3, 2016, p. 190.

9 A Organização Mundial de Saúde (OMS) é a mais renomada agência especializa em saúde no mundo. Ela foi fundada em 7 de abril de 1948 e possui sede em Genebra, na Suíça. Além disso, é uma organização subordinada à ONU (Organização das Nações Unidas). A Diretora-Geral da OMS é a honconguesa Dra. Margaret Chan.

10 Art. 24 do Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se.”

11 Cf. Parecer do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, referente ao aborto nos casos de microcefalia, p.2. Disponível em: <https://s.conjur.com.br/dl/janot-defende-direito-gestante-abortar.pdf >; Acesso em 04 de Maio de 2017.

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12 Roe vs. Wade, 1973. Disponível em: <https://legal-dictionary.thefreedictionary.com/Roe+v.+Wade >; Acesso em 08 de Abril de 2017.

13 Grisworld vs. Connecticut, 1965. Disponível em: <https://legal-dictionary.thefreedictionary.com/Griswold+v.+Connecticut >; Acesso em 08 de Abril de 2017.

14 Common Law vs. Civil Law: Os EUA estão inseridos num sistema de common law, diferente do Brasil que adota o civil law. Desta forma, no common law o julgamento de um caso é feito por meio de precedentes, ele é baseado na jurisprudência, enquanto o civil law é baseado na doutrina, utilizando de regras e princípios a serem aplicados em cada caso. Cf. TETLEY, William. Mixed Jurisdictions: Common Law v. Civil Law (Codified and Uncodified), Vol. 60 Louisiana Law Review, 2000, p. 701. Disponível em: <https://digitalcommons.law.lsu.edu/lalrev/vol60/iss3/2 >; Acesso em: 02 de Maio de 2017.

15 Art. 196 da CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

16 Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/csc/v22n2/1413-8123-csc-22-02-0653.pdf >; Acesso em 04 de Maio de 2017.

17 Cf. LÚCIA, Carmén. O Direito à Vida Digna, 2004.

18 Ronald Myles Dworkin, nasceu na cidade de Worcester, Massachussets, no dia 11 de dezembro de 1931. Sua primeira formação foi em Filosofia no Harvard College, em 1953, com o grau de “bachelor of arts”, conquistado, também, na Oxford University, em 1955. Neste mesmo ano, graduou-se em Jurisprudence na própria Oxford University, o que despertou interesse pela ciência jurídica, então em 1957 formou-se na Escola de Direito de Harvard. Entre 1957 e 1958, Dworkin trabalhou como assistente do juiz norte-americano Learned Hand, no Tribunal Federal de Apelações do Segundo Circuito, em Manhatann, Nova York. Começou a exercer advocacia, logo após entrar para a Ordem de Advogados de Nova York e se associar ao escritório Sullivan e Cromwell, onde ficou até 1962. Neste mesmo ano, tornou-se professor de Direito da Universidade de Yale, na qual, em 1968, assumiu a cátedra de Teoria do Direito (Chair of Jurisprudence) Wesley N. Hohfeld, onde ficou até 1969, ao ser nomeado para a cátedra de Teoria do Direito em Oxford, substituindo Herbert Hart. No ano de 1975, Dworkin assumiu a titularidade do cargo de professor de Direito da Universidade de Nova York, onde passou a lecionar anualmente nas épocas de outono. A partir de 1984, tornou-se professor visitante na University College de Londres e ocupou vários cargos acadêmicos nas Universidades de Harvard, Cornell e Princeton. Após se aposentar da Universidade de Oxford, em 1998, ornou-se professor da cadeira Quain de Teoria do Direito na Universidade de Londres e, posteriormente, da cadeira Bentham de Teoria do Direito. Antes de seu falecimento, em 14 de fevereiro de 2013, Dworkin ocupava a cadeira de professor emérito de Teoria do Direito da Universidade de Londres e também a cátedra Frank Henry Sommer de Teoria do Direito da Universidade de Nova York. E ainda, era membro da Academia Britânica e da Academia Americana de Artes e Ciências.

19 Cf. Dworkin, Ronald. O Império do Direito, 2007, p. 483.

20 Cf. DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, 2007, p. 200-201.

21 Hércules é um herói da mitologia grega, filho de Zeus e da mortal Alcmena. É dotado de uma força sobre-humana, além de outras virtudes, como sabedoria e paciência. Dworkin, portanto, diz que o juiz de direito deve ser um juiz hércules para se chegar a uma decisão correta, na noção de integridade. Principalmente nos hard cases – casos de difícil solução.

22 Juiz do caso Roe vs. Wade, 1973.

23 Cf. DWORKIN, Ronald. O Domínio da Vida, 2009, p. X

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