Descredenciamento Unilateral e as Consequências Jurídicas e Administrativas dos Planos de Saúde frente a Clínicas Médicas

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Resumo:


  • Clínicas oftalmológicas enfrentam problemas de credenciamento para atender pacientes via planos de saúde.

  • Planos de saúde alegam que médicos não credenciados prescrevem medicamentos não autorizados, inviabilizando o cadastro.

  • Descredenciamento unilateral de clínicas médicas por planos de saúde fere direitos constitucionais e legais, causando prejuízos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os planos de saúde usualmente descredenciam unilateralmente as clínicas médicas por motivos de políticas internas visando a diminuição de gastos com realização de exames e/ou remédios.

INTRODUÇÃO

Problema habitual enfrentado pelas clínicas oftalmológicas é referente o credenciamento para atendimento de seus pacientes via de planos de saúde.

Ocorre que mesmo após a entrega dos documentos, certidões, fichas, cadastros etc. a empresa (clínicas de especialidades médicas) não consegue o cadastro nos planos de saúde para atender os pacientes conveniados, mesmo preenchendo requisitos estatutários do plano.

Motivo alegado pelos planos de saúde é de que os médicos não credenciados receitam a seus pacientes medicamentos que não constam do rol especificado pela gerência dos planos, mesmo sendo estes autorizados/aprovados pela ANVISA.

Assim, denota-se que esse impedimento de credenciar-se, pode inviabilizar a continuidade da empresa médica que investiu grande monta em tecnologia e que por mera intransigência dos planos de saúde, vê-se impedida de atender seus pacientes.

Outro grave problema provocado por este não credenciamento é o elevado ônus tributário (alíquota que aumenta de 8%: P.J., para 27,5%: P.F.) em razão do credenciamento ocorrer apenas para atendimentos via pessoa física do médico, sendo que os pagamentos (das consultas, etc.) seriam mais viáveis e tributados com alíquota menor se fossem pagos por meio da pessoa jurídica (empresa).

Conquanto, logra-se que as empresas médicas tem seu direito constitucional de igualdade ferido em sua essência e em situação antagônica, sofrem do desbaste de sua honra e imagem, inclusive por serem impedidas de credenciamento disponíveis a outras estruturas hospitalares em claro ferimento a dignidade da pessoa humana dos sócios (pois, algumas clínicas permanecem cadastradas e outras são unilateralmente com cadastro refutado).


1. DO DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO

Muitas vezes o Direito Adquirido não é respeitado pelos planos de saúde, tendo em vista que os mesmos descredenciam a pessoa jurídica (empresa) de forma unilateral e sem apresentarem quais os motivos.

Neste sentido volve-se que o direito adquirido é um direito fundamental, e possui lugar de destaque em nossa Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, tanto quanto, estando incerto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 6º,§ 2º, conforme in verbis:

A lei NÃO prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém que por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Conquanto, FRANCESCO GABBA, disserta que:

“É direito adquirido todo direito que”: a) seja consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato se viu realizado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova a respeito do mesmo; e b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato de onde se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”

No mesmo sentido, REYNALDO PORCHAT acrescenta que:

“Direitos adquiridos são consequências de fatos jurídicos passados, mas consequências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer.”

Já CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1961, v. 1, p. 125, exposta assim:

“Direito adquirido, in genere, abrange os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo ou condição preestabelecida, inalterável ao arbítrio de outrem. São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para seu exercício, sejam ainda os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem”.

Consequentemente, por não ter a empresa médica qualquer ônus que a impeça de ser credenciada junto ao plano de saúde, tanto quanto, por não ter nenhum de seus representantes ou colaboradores faltado com suas obrigações de credenciados, adquirindo assim, o direito de permanecerem atendendo os cooperados da mesma, diante da necessidade de manter-se a continuidade dos tratamentos médicos dos usuários do plano privado de saúde.

Assim, diante da premente expectativa do direito de permanecer credenciada a empresa conveniada, comungamos com as palavras de Niklas Luhman: "O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um ALÍVIO PARA AS EXPECTATIVAS".


2. DO ENTENDIMENTO DO CFM[1]

A RESOLUÇÃO CFM Nº 1.616/2001 (Publicada no D.O.U. de 10 de abril de 2001, Seção I, pg. 35) foi justamente editada com o intuito primordial de coibir a prática contumaz dos planos de saúde, de descredenciarem de forma unilateral os médicos, de forma a puni-los por solicitarem exames e procedimentos aos conveniados, em intuito meramente lucrativo e não social como preconiza a saúde.

Assim, vejamos as algumas das considerações iniciais desta resolução:

CONSIDERANDO que a Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998, em seu artigo 18, dispõe que a aceitação de qualquer profissional de saúde como prestador de serviços, na condição de referenciado, credenciado ou associado de Operadoras de Planos de Saúde, implica em obrigações com os pacientes;

CONSIDERANDO a crescente ocorrência de rescisão unilateral de contratos de credenciamentos de médicos sem que os pacientes sejam previamente informados, prejudicando assim seus tratamentos, com risco potencial de vida decorrente da interrupção súbita do atendimento médico, o que caracteriza flagrante DESRESPEITO aos direitos individuais do cidadão;

Em seguida, o Conselho Federal de Medicina VEDA o descredenciamento de médicos, sem o justo motivo para tanto, garantindo o direito de defesa e contraditório, no âmbito da operadora (art. 1º, Resolução 1.616/2001, CFM):

Art. 1º - É VEDADO o desligamento de médico vinculado por referenciamento, credenciamento ou associação à Operadora de Plano de Saúde, exceto por decisão motivada e justa, garantindo-se ao médico o direito de defesa e do contraditório no âmbito da operadora.

Da mesma forma, o CFM determina que o desligamento do médico credenciado DEVE ser homologado pelo Conselho Regional de Medicina, em um prazo de 30 dias, conforme vejamos (art. 3º, Resolução 1.616/2001, CFM):

Art. 3º - A decisão de desligamento DEVERÁ ser homologada pelo Conselho Regional de Medicina, num prazo de 30 dias.

No mesmo sentido, o CFM impõe ainda, a obrigatoriedade de comunicar-se aos usuários do plano de saúde, a respeito do desligamento do médico, após todo o tramite legal de análise de sua defesa e contraditório instaurado, conforme exposto anteriormente (art. 4º, Resolução 1.616/2001, CFM):

Art. 4º - As Operadoras de Planos de Saúde devem OBRIGATORIAMENTE comunicar os desligamentos de médicos aos seus usuários.

Conquanto, diante da não obediência dos planos de saúde, a respeito da supracitada resolução acima exposta, o Conselho Federal de Medicina acabou por editar outra Resolução, que contem em seu cerne, o intuito de também coibir o descredenciamento unilateral de médicos, conforme vejamos parte de sua consideração inicial (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.852, DE 14 DE AGOSTO DE 2008 - Diário Oficial da União Poder Executivo, Brasília, DF, 15 set. 2008. Seção 1, p. 78):

CONSIDERANDO que o crescimento da existência de pessoas jurídicas constituídas para a execução de atos médicos e que não mantêm contratação de serviços médicos a serem prestados por terceiros, criou‐se uma fragilidade na aplicação da Resolução CFM nº 1.616/01;

Desta maneira, a Resolução (CFM Nº 1.852/2008), tenta coibir a nova prática adotada pelas cooperativas, de descredenciar a pessoa jurídica dos credenciados, utilizada também como forma de punição, conforme vejamos (art. 1º, Resolução 1.852/2008, CFM):

Art. 1º - É vedado o desligamento de médico vinculado por referenciamento, credenciamento ou associação à Operadora de Plano de Saúde, exceto por decisão motivada e justa, garantindo‐se ao médico o direito de defesa e do contraditório no âmbito da operadora.

Parágrafo único. Aplicase também esta vedação em relação a pessoas jurídicas compostas por no máximo dois sócios, sendo obrigatoriamente um deles médico, constituída com o objetivo de execução de atos médicos, e que não mantenham contratação de serviços médicos a serem prestados por terceiros.

Assim, claro está que o descredenciamento unilateral (feito pelo plano de saúde) é totalmente contrário ao que determina o Conselho Federal de Medicina, por não ter sido instaurado o contraditório e a ampla defesa, bem como por não ter respeitado a ordem de que o desligamento, pois, deve ser homologado pelo Conselho Regional de Medicina, tanto quanto, por não terem sido os usuários do plano de saúde informados sobre a respectiva retirada de clínicas cadastradas de seu rol de oferecimento de atendimento aos conveniados, gerando assim, risco à saúde e flagrante DESRESPEITO aos direitos individuais dos cidadãos.


3. DO ENTENDIMENTO DO CREMESP[2]

A respeito da quebra unilateral de contrato com profissionais da área médica, por parte das cooperativas de assistência à saúde, vem sendo esta prática combatida e informada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

Notório é destacar que este descredenciamento é utilizado como forma de punição aos médicos que solicitam muitos procedimentos (consultas, exames, etc.) diminuindo assim o vasto lucro percebido por essas entidades:

A quebra unilateral de contrato com profissionais vem sendo utilizada pelas operadoras como forma de punir e descartar o médico que solicita mais procedimentos do que o desejado pela empresa. O CFM determina prazos mínimos para o aviso prévio e justificativa por escrito, resolução que não é cumprida. A operadora também deve informar o paciente do descredenciamento, o que também não acontece. [...] o descredenciamento representa, em geral, uma medida unilateral ou retaliação da operadora de plano de saúde ao profissional médico. Geralmente o descredenciamento ocorre após os planos verificarem que determinado médico está, por exemplo, indicando mais procedimentos do que a empresa CONSIDERA ser adequado, muitas vezes INDEPENDENTEMENTE do diagnóstico clínico e da necessidade de saúde dos pacientes.[3]

Ademais, prossegue o CREMESP alertando que o descredenciamento deve ser previamente autorizado pela Agencia Nacional de Saúde, e ainda salienta que este descredenciamento unilateral tem o intuito primordial de redução de custos, que não é o objetivo principal de uma prestadora de serviços de saúde (obtenção de lucro):

“Além disso, qualquer mudança deve ser informada ao consumidor. Em caso de mudanças que reduzam o número de hospitais disponibilizados por um plano, a alteração precisa ser previamente autorizada pela ANS”, completa. Como se sabe, nada disso vem sendo feito pelas operadoras. Profissionais e serviços – hospitais, laboratórios, clínicas – são trocados por outros quase sempre com o objetivo de reduzir custos. Na maioria dos casos, o usuário só é informado quando procura o serviço ou o profissional. De todo modo, mesmo informado, o descredenciamento quebra a continuidade da relação do paciente com seu médico. [4]

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O CREMESP ainda alerta sobre o fenômeno da “pejotização” (Pessoas Jurídicas) da prestação de serviços médicos, ou seja, a realização de consulta SOMENTE por intermédio de pessoas jurídicas, tendo o intuito de não pagamento da contribuição previdenciária ao INSS, qual seja, de 20 % (sobre a remuneração pelo serviço prestado por autónomos), sendo que o responsável pela recolha destes valores é a empresa tomadora dos serviços (cooperativa):

Como meio de evitar o pagamento do imposto de 20% para o INSS, devido quando a empresa contrata diretamente com os médicos, surgiu nas operadoras de planos de saúde a tendência de só contratar serviços de sociedades civis de médicos, ou seja, de pessoas jurídicas. O expediente resultou num elevado número de rescisões, por parte das empresas, de contratos de credenciamentos de médicos, provocando abruptas interrupções de tratamentos médicos em curso. (PARECER 23482 de 2009; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) [5]

O PARECER n.º 23.482/2009; do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, ainda prossegue asseverando:

O Jornal do Cremesp criticou, recentemente, de forma bastante incisiva, a EXIGÊNCIA de que o médico constitua pessoa jurídica como condição para continuar credenciado ao plano de saúde. O editorial da edição 256, de fevereiro de 2009, assinado pelo presidente Henrique Carlos Gonçalves, qualificou a imposição de "um acinte à liberdade do exercício profissional". "Com isso, o médico, além de continuar sendo um empregado dos intermediários, sem os direitos trabalhistas, assumiu as responsabilidades de pessoa jurídica.”

O descredenciamento fere as Resoluções CFM 1.616/2001 e 1.852/2008. [...] Essa norma aborda o relacionamento entre o médico e a empresa de medicina de grupo sob a perspectiva da autonomia profissional, não fazendo nenhuma referência a cerca do desligamento unilateral do médico por parte da empresa.[6]

Conquanto, o PARECER n.º 116.318/2002; do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, disserta sobre a ilegalidade do descredenciamento unilateral dos médicos prestadores de serviços aos planos de saúde:

O presente dispositivo visa proteger o médico numa relação existente com as operadoras de planos de saúde, estabelecendo procedimentos mínimos para que não haja qualquer prevalência da empresa contratante, descredenciando abusivamente, gerando prejuízos ao profissional médico.

A Resolução prevê ainda que o descredenciamento seja aplicado com base em motivo justo, garantindo-se a ampla defesa e o contraditório, e homologado pelos Conselhos Regionais de Medicina (PARECER 116.318 de 2002; Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).[7]

Assim, temos que o descredenciamento ilícito e unilateral das clínicas de saúde, fere toda e qualquer disposição mandamental a este respeito, conforme os ditames acima entabulados, elaborados/disponibilizados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

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Sobre os autores
Marcelo Augusto de Freitas

Advogado do Escritório Freitas & Homaile Advs. Mestre pela FAMERP. Pós Graduado em Advocacia Tributária. Membro da Comissão de BIO DIREITO da OAB SJRP/SP. Docente da UNITERP.

Homaile Mascarin do Vale

Advogado; Pós-Graduado em Processo Civil; Mestrando em Responsabilidade Civil do Médico pela FAMERP (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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