Sem embargo dos conceitos divergentes ou princípios pessoais ou religiosos, é certo que a união homoafetiva foi reconhecida nacionalmente como entidade familiar, assegurando-se o casamento de pessoas do mesmo sexo.
A adoção por casais homoafetivos já encontrou regulamentação nas normas previdenciárias, sendo inclusive assegurado o benefício do salário maternidade nestes casos.
A questão pendente de regulamentação, já enfrentada por alguns regimes de previdência, é do casal homoafetivo feminino, no qual uma mulher, mãe pelo vínculo afetivo e familiar, casada com outra mulher, mãe pelo vínculo afetivo e biológico, busca obter o benefício previdenciário.
Sabe-se que por meio de fertilização in vitro, com utilização de sêmen doador, ou outras formas encontradas e já autorizadas na medicina, é possível assegurar à mulher homossexual a gravidez.
No casal de mulheres, normalmente uma das mães é a responsável pela gestação, enquanto a outra, também considerada mãe, será a mãe não gestante.
O dilema jurídico se inicia quando analisamos as legislações previdenciárias e nos deparamos com apenas duas formas de percepção do benefício: 1) pela adoção ou obtenção de guarda para fins de adoção; e 2) pela gestação.
Nenhuma das hipóteses previstas costumeiramente nas normas asseguram o direito ao benefício previdenciário à mãe não gestante de casal homoafetivo. Isso significa que mesmo que conste na Certidão de Nascimento da criança a condição de “mãe”, estas seguradas não obtiveram a adoção, guarda judicial para fins de adoção, nem tampouco gerarão a criança para aplicabilidade da regra legal.
Contudo, simplesmente negar o benefício pela ausência de previsão legal, nos parece um tanto imaturo, ante a necessidade de entendermos a situação especial fática, compreendermos a natureza jurídica do benefício e preservarmos a proteção da família e das crianças.
O direito à família alcança tamanha importância na Carta Magna brasileira, similares ao direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, à liberdade, etc, que é tratado em diversos dispositivos.
Segundo o artigo 226 “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e no artigo 227 é dever do Estado “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais”.
Ainda, no § 8º do artigo 226 supracitado a Constituição prevê que o Estado deve dar assistência aos membros da família e prevenir a violência dentro dela. No artigo 229 há previsão de que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Portanto, deve-se sopesar nas questões enfrentadas pelos aplicadores do direito a importância de proteger as crianças e de assegurar a proteção à família, ainda que formada por formas não convencionais, pelo direito de liberdade do cidadão em poder escolher a sua família, somada a igualização das entidades familiares, não devendo ser levado em consideração suas convicções pessoais, filosóficas ou religiosas distintas.
Segundo Marcelo Leonardo Tavares
O salário maternidade, juntamente com o salário família, é um dos benefícios que visam à cobertura dos encargos familiares. Tem por objetivo a substituição da remuneração da segurada gestante durante os cento e vinte dias de repouso, referentes à licença maternidade.
A finalidade social do salário maternidade é propiciar o descanso da mulher trabalhadora, e garantir o contato da mãe com a criança nos primeiros meses de vida. Como menciona Miguel Horvath Júnior, o salário maternidade “é concedido visando a proteção da mulher, bem como a proteção do filho”. (JÚNIOR, Miguel Horvath. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 283)
Marcelo Leonardo Tavares, comentando sobre o salário maternidade em caso de adoção, explica que “o objetivo, neste caso, é permitir uma melhor adaptação no convívio com o adotado”. (TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160)
Por isso, são independentes entre si os direitos da mãe biológica e o da mãe adotiva ou guardiã, quanto a qualquer direito previdenciário, inclusive quanto ao salário maternidade, que podem coexistir para ambas. É evidente que esta condição seria aplicada em momentos distintos, ou seja, primeiro seria concedido o benefício à mãe biológica, durante o 8º mês de gestação ou após nascimento da criança, e, posteriormente, à mãe que viesse a adotar a mesma criança, tendo sempre como pressuposto o intuito de ficar com a criança, cuidar e criar laços afetivos e familiares.
No caso de criança nascida em família com duas mães, uma da qual foi gerada, que a guardou, protegeu e alimentou durante a gestação e outra que a recebeu em sua família, não nos parece razoável ignorar a necessidade de concessão do benefício e a proteção do menor.
Como vimos, a finalidade da licença-maternidade em caso de parto é propiciar o afastamento da gestante para recuperação e também proteger a criança no início da vida, enquanto na adoção, é garantir o período de adaptação do adotado à nova família. Desta forma, negar o benefício à mãe biológica não gestante seria discriminá-la em relação à segurada adotante, já que na adoção seria possível a livre escolha daquele que fruiria a prestação previdenciária, já havendo diversas manifestações favoráveis, inclusive, de concessão do benefício ao pai.
Neste sentido, o voto proferido no Processo n° 2015.00.00.013623-8/TRF2, prevê que não haveria sentido em o Estado proteger menos a mãe não gestante, já que assegura à mãe adotiva o benefício previdenciário, devendo haver “a proteção do Estado no direito à vida plena e à convivência familiar íntegra, sadia e feliz.”
A proteção ao menor e o intuito de assegurar a convivência familiar íntegra é tão evidente que a Lei nº 12.873/2013, que acrescentou o art. 71-B à Lei nº 8.213/91 do RGPS, prevê que em caso de falecimento da genitora, o cônjuge ou companheiro que detiver a guarda do menor, fará jus ao salário-maternidade, assegurando à criança o devido cuidado, com a garantia de remuneração e emprego ao guardião.
A única ressalva, contudo, é que o benefício em nenhuma hipótese (adoção ou falecimento da genitora) pode ser concedido aos dois guardiões, de forma que no caso da mãe não gestante, poderia ser assegurado o benefício previdenciário de salário maternidade somente se a outra mãe não o obtivesse.
É que da mesma forma que não poderia ser negado o benefício à mãe não gestante, evitando o tratamento diferenciado em relação à adotante, assegurar dois benefícios de salário-maternidade seria um privilégio não assegurado ao relacionamento entre homem e mulher, e à família que obtém filho adotivo.
Neste sentido, o § 2º do artigo 71-A da Lei n.º 8.213/91, aplicável aos RPPS também por força do §12 do artigo 40 da Constituição, prevê claramente que
Ressalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica e o disposto no art. 71-B, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social.
A regra previdenciária, ainda que entendamos a importância e relevância do convívio familiar, assegura o afastamento somente a um dos pais, ou, no caso em análise, a uma das mães, ainda que não seja a mãe biológica.
É importante compreender que a concessão do salário maternidade ao pai, ao adotante ou à mãe não gestante é excepcional em relação à natureza jurídica do benefício, que também é de assegurar à mãe gestante dias de recuperação pela ocorrência do parto e meses de amamentação.
Não fosse assim, estando a mãe desempregada ou tendo optado por permanecer em casa para cuidar dos filhos, teria o pai também direito ao benefício previdenciário, assegurando à família momento mágico e privilegiado de descanso e convívio? Certamente, não.
Por esta razão, assegurar o benefício aos companheiros ou companheiras não gestantes é admitido apenas na ausência de outro companheiro ou companheira que proteja, cuide e zele pelo convívio familiar do menor.
Portanto, a concessão do benefício à mãe não gestante até poderia existir caso a outra mãe, gestante, não pudesse ficar com a criança, deixando-a desprotegida (por exemplo, se ocorresse alguma fatalidade no parto). De outra forma, estaríamos assegurando o privilegio, concernente à ambas as mães, de desfrutarem deste período com o filho - situação esta almejada por todos adotantes e pais, mas, vedada pela sistemática adotada pela lei.
Destaca-se que nenhum pai ou adotante possui direito ao salário maternidade concomitantemente com o período em que o outro adotante ou a mãe está cuidando e zelando da criança, ainda que desempregados. A única autorização legislativa, expressa inclusive no caso do pai, é que na ausência da mãe, o pai poderia receber o benefício.
No caso de mãe não gestante, deve ser adotada a mesma sistemática, posto que a mãe gestante, inevitavelmente, pela ocorrência do parto, necessitou de semanas de recuperação, permitindo a ela período de cuidados e proteção do filho.
Além disso, é importante destacar que a mãe gestante é quem produziu o leite materno e poderá assegurar a importante e recomendada amamentação do filho. Se o Estado permitisse a opção ao salário maternidade em favor da mãe não gestante, em detrimento da mãe gestante, estaria descumprindo a própria constituição, no que diz respeito à proteção da criança, posto que, suprimiria a possibilidade de amamentação e desenvolvimento saudável do menor.
Conclui-se, portanto, que estando presente a mãe gestante no cuidado do filho, estaremos diante da impossibilidade da concessão do benefício à mãe não gestante, sob pena de assegurar-lhe tratamento diferenciado e privilegiado em relação aos pais adotivos ou ao pai.